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Estados apóiam produtores e investem em segurança alimentar

State governments support farmers and invest on food security

INFORMES TÉCNICOS INSTITUCIONAIS TECHNICAL INSTITUTIONAL REPORTS

Estados apóiam produtores e investem em segurança alimentar

State governments support farmers and invest on food security

Agência Nacional de Vigilância Sanitária - Anvisa* * Texto de difusão técnico-científica da Anvisa.

Endereço para correspondência Endereço para correspondência ANVISA - Assessoria de Imprensa SEPN 515 Bloco B- Edifício Ômega 1º subsolo 70770-502 Brasília, DF E-mail: imprensa@anvisa.gov.br Site: www.anvisa.gov.br

A diversidade de cenários, tradições e sotaques confere ao Brasil a dinâmica de um imenso caleidoscópio cultural. A cada giro, uma surpresa, uma nova feição se configura. O que pode haver de comum entre o Acre, a Bahia e o Rio Grande do Sul? Certamente o fato de integrarem o território nacional. Mas são projetos de segurança alimentar que aproximam estados de divisas tão distantes. A qualidade da farinha de mandioca acreana, do acarajé baiano e do sorvete gaúcho resulta de uma bem-sucedida parceria entre as vigilâncias estaduais, municipais e os representantes locais do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).

Tais ações derivam do Programa Alimento Seguro (PAS), convênio firmado nacionalmente entre a Anvisa e essas entidades, viabilizando cursos e treinamentos voltados ao controle sanitário. Em três anos, foram capacitados 3,9 mil profissionais em 1,4 mil municípios, responsáveis em se tornar multiplicadores. O diretor da Anvisa, Ricardo Oliva, define o programa como um "grande projeto de desenvolvimento social agregado à qualidade do alimento".

SORVETE

Os produtores de sorvete do Rio Grande do Sul valorizaram a tradição do estado ao conquistar uma credencial de qualidade. Neste ano, 23 empresas receberam os primeiros certificados de Boas Práticas de Fabricação (BPF) — itens que asseguram higiene e segurança durante a fabricação dos produtos — e de Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC), ferramenta para evitar possíveis contaminações.

Uma amarga constatação motivou o setor produtivo à melhoria do sorvete, com o apoio do poder público. Análise nacional, realizada em 2001, reprovou mais de 16% e 47% das amostras colhidas, respectivamente, no estado e no país, com irregularidades desde rotulagem inadequada até presença de coliformes fecais. As associações brasileira e gaúcha de sorvete também se mobilizaram para melhorar a qualidade do sorvete gaúcho.

Luiz Carlos Guidi, gerente de produção de uma das indústrias certificadas, conta que, para atender às exigências de qualidade, toda a cadeia envolvida no processo teve de se organizar. "Conscientizamos os funcionários e cobramos adequação dos nossos fornecedores de matéria-prima. Estamos sendo mais rigorosos com o transporte do produto. Como resultado, já até assinamos contrato com um supermercado da região que exigia as mesmas normas", afirma. Ângela Mirela Almeida, há dois na mesma empresa que Guidi e representante da equipe no treinamento em BPF e APPCC, conta que já percebia a necessidade de mudança. "O aprendizado serve não só para desempenhar meu melhor trabalho como para várias outras situações da minha vida", destaca. Para os produtores do estado, o próximo passo é a criação de um selo de qualidade para o sorvete, que já está sendo estudado pela Associação Gaúcha de Gelados Comestíveis (Agagel).

A Divisão de Vigilância Sanitária do Rio Grande do Sul fiscaliza todas as 70 indústrias de sorvete pelo menos uma vez por ano. Técnica do setor de alimentos da vigilância estadual, Marina Schimitt atesta que as chances de contaminação desse tipo de produto são menores devido à baixa temperatura dificultar a proliferação de microorganismos. "Mas mesmo com essa singularidade é preciso ser criterioso durante a fabricação. Na maioria dos casos, os produtores precisam de simples mudanças de hábitos", acrescenta.

Marina destaca o programa Lanche Legal de Porto Alegre como outra iniciativa gaúcha de sucesso. Os ambulantes cadastrados recebem cursos de BPF e são orientados pelos fiscais da vigilância durante as inspeções. Oitenta vendedores de rua já foram capacitados e mais 80 estão prestes a finalizar o treinamento. Cachorro-quente de praça, pipoca e milho-verde cozido já estão sob o controle da higiene pessoal, do ponto-de-venda e do monitoramento periódico da temperatura dos alimentos.

Lucy Rodrigues Matos, que trabalha há quatro anos vendendo cachorro-quente no calçadão à beira do rio Guaíba, há seis meses exibe em seu trailer todos os certificados conquistados. E com satisfação conta: "os clientes afirmam estar no lugar certo quando descobrem esse diferencial de qualidade. Ofereço maionese em sachê, aprendi a usar o álcool gel para trabalhar com mais segurança e aumentei o meu faturamento. Posso dizer que foram só ganhos", comemora. Para a representante do Senai local, Fábia Guidolim, o engajamento dos produtores tem sido fundamental para a continuidade dos projetos.

ACARAJÉ

Ir a Salvador e não provar o popularíssimo acarajé é considerado pecado-capital para os baianos, principalmente às milhares de baianas que diariamente montam seus tabuleiros nos pontos mais movimentados da cidade, renovando o rito secular de raiz afro-religiosa. O famoso bolinho de massa de feijão fradinho, frito em azeite de dendê e recheado com camarão seco e salada verde, mais que uma comida típica assume a dimensão de patrimônio cultural do estado e assunto de Saúde Pública.

A vigilância sanitária municipal abraçou projeto desenvolvido inicialmente pelo Senai, Sesc e Sebrae de capacitação das cozinheiras, oferecendo cursos de manipulação e boas práticas, dentro das normas de segurança alimentar. Era o "Acarajé 10", que agora, com o apoio da prefeitura, está sendo desdobrado e ampliado para o programa "Mão na Massa", a ser iniciado ainda em agosto.

Devido ao rigor exigido, das 800 baianas treinadas somente 90 receberam o certificado, "exibindo como um troféu o selo de qualidade", orgulha-se Maria Leda Marques, presidente da Associação de Baianas de Acarajé e Mingau (Abam), outra entidade parceira do programa. A Abam há 13 anos atua organizando e orientando as 1.780 filiadas, de um universo estimado em cinco mil somente em Salvador. O Banco do Brasil será um parceiro importante garantindo linhas de financiamento da reforma das cozinhas e aquisição de tabuleiros.

O selo de qualidade, sistematicamente vistoriado e anualmente renovado, está condicionado ao cumprimento de quesitos como: cozinhas forradas e azulejadas; matéria prima em condições de uso; correta manipulação dos ingredientes; higiene pessoal e das vestes das baianas; e utensílios adequados para evitar a proliferação de microorganismos, a exemplo dos tradicionais tabuleiros de madeira fornicados por dentro ou a substituição deste e das panelas por inox.

Irenice de Almeida, da Secretaria Municipal de Serviços Públicos, adianta que "o poder público não está só preocupado com o fortalecimento da questão cultural e histórica do acarajé, mas também com a saúde da população". Está em curso o cadastramento em massa das baianas e a constituição de um mini-censo com o perfil sócio-econômico das cozinheiras.

Para que essas obtenham o licenciamento do ponto é preciso que apresentem atestado de saúde. Segundo a coordenadora da Vigilância Sanitária de Salvador, Reilda Fiffoni, o "Mão na Massa" prevê a inspeção dos pontos de venda, com coleta de amostras para o controle de qualidade do produto final e da matéria prima utilizada. Ela conta que um próximo passo é retirar as baianas que vendem seus quitutes em áreas insalubres.

"Ser baiana é ter cultura, tradição e amor à profissão", orgulha-se a conhecida Maju, uma das detentoras do selo de qualidade exibido com destaque em sua tenda. "Depois desse certificado, meu faturamento aumentou oito vezes", comemora. Além do zelo, outra peculiaridade a diferencia das demais, quando conta que é formada em nutrição pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Há seis anos no ofício, relata que o curso atualizou-a em outros procedimentos de segurança alimentar. "Adotei a rotina de higienizar os vegetais com água clorada e limpar meu tabuleiro com álcool gel, todos os meus utensílios são de inox, controlo a temperatura do molho com termômetro e não reaproveito o azeite", completa.

FARINHA

Cidade centenária e com mais de cem mil habitantes, Cruzeiro do Sul, no Acre, tem como uma de suas principais atividades econômicas a produção e comercialização de farinha de mandioca, considerada uma das melhores do Brasil. A tradição passada de uma geração a outra tem merecido atenção especial e apoio público e privado para a modernização das chamadas Casas de Farinha, que somam cerca de 2.500 somente no Vale do Juruá, que abrange Cruzeiro do Sul e mais seis municípios de menor porte da região.

Implantado em 2003, o PAS, com apoio da Anvisa, é tocado pelo sistema Sebrae/Senai que promove os cursos de capacitação dos produtores dentro das normas de higiene e segurança alimentar, para eliminar desde as larvas da mosca na "manipueira" (água da mandioca), como quaisquer outros microorganismos que possam contaminar a macaxeira e a farinha.

Ao todo, na primeira e segunda etapa do PAS, 120 Casas já foram ou estão sendo adequadas ao padrão de unidades teladas, azulejadas, mecanizadas, com água tratada e devidamente cercadas. Boi e carroça também são importantes para o transporte da farinha até o ponto de distribuição ou de venda. A Vigilância Sanitária Municipal está se integrando ao projeto para "trabalhar na orientação e inspeção das unidades", segundo a coordenadora Eumaria Rabelo.

Mas desde 1999, o governo do Acre, em convênio com a Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), vem investindo nos produtores. A cargo da representação estadual da Secretaria de Extrativismo e Produção Familiar (Seprof) do Vale do Juruá fica o contrato das equipes para a construção ou modernização das Casas, a compra tanto dos motores, para cevar a farinha e bombear a água do poço, quanto do boi e da carroça para o transporte. A Suframa cede o kit com material de construção e o produtor fornece a madeira para as prensas, gamelas, laterais do forno e vigas da Casa.

O PAS atua ainda no incentivo à organização associativa dos produtores em cooperativas, "facilitando o acesso ao programa estadual de compra antecipada da farinha e aos cursos de gestão de negócios e de controle de riscos sanitários e manipulação de alimentos", avalia Lívia Cordeiro, coordenadora, pelo Sebrae, do programa no Vale.

Pela primeira vez, os agricultores da região têm a oportunidade tanto de aprender como de aplicar as normas de higiene e segurança alimentar. "A valorização dos produtores ganhará um salto com o selo de qualidade, que irá garantir ainda a rastreabilidade para detectar focos de infecção a partir do nome da agroindústria, número do lote, datas de fabricação e validade. Como pré-requisito à certificação, os treinamentos e as unidades de produção adaptadas. Isso, felizmente, já está perto de acontecer", afirma Lívia. Há apenas uma associação produzindo dentro das normas de rotulagem e embalagem, a Casavaj (Cooperativa das Associações de Seringueiros e Agricultores do Vale do Juruá).

Francisco da Silva, há 15 anos artesão da farinha, diz-se disposto a integrar o programa e modernizar sua Casa, ofício provento de toda a sua família. "Se já tivéssemos os motores e melhores condições de trabalho nossa produção seria maior. Somos sete para conseguir três sacas por dia", conta.

Em uma outra Casa de Farinha, já modernizada, no município de Mâncio Lima a realidade é outra, com uma produção diária de oito sacas e praticamente o mesmo número de trabalhadores que a Casa tradicional de seu Francisco. Roberto Cavalcanti, há 30 anos cevando e torrando farinha, conta que aprendeu o ofício com seus pais e avós. "Agora é mais gostoso trabalhar, além de mais fresquinho e limpinho, e pegamos menos pesado, pois temos o triturador da macaxeira".

Um exemplo de organização associativa vem do representante de seis Casas de Farinha das aldeias indígenas do Vale, Luiz Poywara, produtores de 300 sacas mensais. "Nossa sobrevivência é a farinha. Cada vez mais pretendemos colocar o nosso produto com qualidade 100%".

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    Texto de difusão técnico-científica da Anvisa.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Out 2004
    • Data do Fascículo
      Out 2004
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