Acessibilidade / Reportar erro

A assistência hospitalar geral e especializada na área metropolitana de São Paulo

General and specialized hospital care in the metropolitan area of S. Paulo, Brazil

Resumos

A situação da assistência hospitalar é analisada para a área metropolitana de São Paulo que consta de 37 municípios e comporta uma população de cerca de oito milhões de habitantes. Para o ano de 1970, a rêde hospitalar contava com 207 estabelecimentos com capacidade de 43.639 leitos (5,5 leitos/1000 habitantes). A proporção de leitos encontrada, quando comparada com outras capitais brasileiras e outros países, é baixa, sendo incompatível com o grau de desenvolvimento sócio-econômico da área. A assistência hospitalar geral é prestada por 166 dos 207 estabelecimentos, sendo 86% pertencentes a entidades privadas contando com 25.574 leitos (3,2 leitos/1000 habitantes). Considerando-se como satisfatórios 5 leitos/1000 habitantes, a atual oferta é insuficiente, havendo um deficit de 14.331 leitos. Êste deficit é agravado pela inexistência de critérios racionais na localização dos hospitais. Dos 37 municípios da área, 19 (250.000 habitantes) não possuem hospital geral e 35 não contam com nenhum hospital geral público. O município de São Paulo possui 2.491 leitos infantis. Adotando-se como satisfatória a proporção de 21% dos leitos gerais, há um déficit de 3.649 leitos (59% dos leitos existentes). A assistência hospitalar ao psicopata conta com 34 estabelecimentos que possuem um total de 15.686 leitos (2 leitos/1000 habitantes). Adotando-se um padrão satisfatório de 3 leitos/1000 habitantes, há um deficit de 8.257 leitos. A qualidade do atendimento é insatisfatória, visto a superlotação existente. Há carência de pessoal médico e paramédico, comprometendo os serviços prestados. Mais de 80% dos leitos do Estado de São Paulo (cêrca de 18 milhões de habitantes) estão concentrados na área metropolitana. Em relação à disponibilidade de leitos para atendimento ao doente de tuberculose e hanseníase, não há deficit, encontrando-se mesmo a existência de leitos ociosos, explicável, em parte, pela ênfase que se tem dado ao tratamento ambulatorial. Em relação ao padrão qualitativo de atendimento, foram encontradas as mesmas limitações anteriormente descritas.

Assistência hospitalar; Hospitais


The situation of hospital care is analysed in the metropolitan area of S. Paulo, which consists of 37 cities and contains a population of about 8 000 000 inhabitants. In 1970, the number of hospitals was 207 with 43 639 beds (5.5 beds/1000 inhabitants). Compared to other Brazilian capitals and other countries, this rate of beds is too low and it doesn't suit to the level of its social and economic development. The general hospital care is given by 166 units and 86% belongs to private agencies and it has 25 574 beds (3.2 beds/1000 inhabitants). The actual situation is unsatisfactory when considering 5 beds/1000 inhabitants satisfactory and there is a deficit of 14 331 beds. This deficit increases since there has not been a rational criteria in the local distribuition of hospitals. From the 37 urban communities that exist in the area, 19 (250 000 inhabitants) have not general hospital and 35 cannot receive any general public hospital assistance. The city of São Paulo has 2 491 infant beds. Since we admit that 21% of general beds for children is satisfactory, there is a deficit of 3649 beds (59% of the existing beds). The hospital care given to the psychopath includes 34 hospitals which have 15686 beds (2 beds/1000 inhabitants). There is a deficit of 8 257 beds considering as satisfactory the rate of 3 beds/1000 inhabitants. The quality of the hospital care is insufficient because these hospitals are overcrowded. There is need of medical and paramedical persons, and this situation is harmful to the medical hospital care. More than 80% of beds in the State of São Paulo (almost 18 000 000 inhabitants) is centralized in the metropolitan area. Related to the available beds that give care to the tuberculosis and leprous patients there is no deficit and there are even vacant beds. This situation can be explained in large part by the emphasis given to out patients care. Connected to the qualitative pattern of medical hospital care the same limitations as described above were found.

Hospital care; Hospitals


ARTIGO ORIGINAL

A assistência hospitalar geral e especializada na área metropolitana de São Paulo

General and specialized hospital care in the metropolitan area of S. Paulo, Brazil

João YunesI; Rosa BrombergII

IDa Divisão de Epidemiologia do Departamento Técnico Normativo da Secretaria de Saúde do Estado de S. Paulo. Da Disciplina de Pediatria Social da Faculdade de Medicina da USP. Av. Dr. Arnaldo, 455, São Paulo, SP., Brasil

IIDo Grupo de Planejamento Integrado (GPI) – São Paulo, SP, Brasil

RESUMO

A situação da assistência hospitalar é analisada para a área metropolitana de São Paulo que consta de 37 municípios e comporta uma população de cerca de oito milhões de habitantes. Para o ano de 1970, a rêde hospitalar contava com 207 estabelecimentos com capacidade de 43.639 leitos (5,5 leitos/1000 habitantes). A proporção de leitos encontrada, quando comparada com outras capitais brasileiras e outros países, é baixa, sendo incompatível com o grau de desenvolvimento sócio-econômico da área. A assistência hospitalar geral é prestada por 166 dos 207 estabelecimentos, sendo 86% pertencentes a entidades privadas contando com 25.574 leitos (3,2 leitos/1000 habitantes). Considerando-se como satisfatórios 5 leitos/1000 habitantes, a atual oferta é insuficiente, havendo um deficit de 14.331 leitos. Êste deficit é agravado pela inexistência de critérios racionais na localização dos hospitais. Dos 37 municípios da área, 19 (250.000 habitantes) não possuem hospital geral e 35 não contam com nenhum hospital geral público. O município de São Paulo possui 2.491 leitos infantis. Adotando-se como satisfatória a proporção de 21% dos leitos gerais, há um déficit de 3.649 leitos (59% dos leitos existentes). A assistência hospitalar ao psicopata conta com 34 estabelecimentos que possuem um total de 15.686 leitos (2 leitos/1000 habitantes). Adotando-se um padrão satisfatório de 3 leitos/1000 habitantes, há um deficit de 8.257 leitos. A qualidade do atendimento é insatisfatória, visto a superlotação existente. Há carência de pessoal médico e paramédico, comprometendo os serviços prestados. Mais de 80% dos leitos do Estado de São Paulo (cêrca de 18 milhões de habitantes) estão concentrados na área metropolitana. Em relação à disponibilidade de leitos para atendimento ao doente de tuberculose e hanseníase, não há deficit, encontrando-se mesmo a existência de leitos ociosos, explicável, em parte, pela ênfase que se tem dado ao tratamento ambulatorial. Em relação ao padrão qualitativo de atendimento, foram encontradas as mesmas limitações anteriormente descritas.

Unitermos: Assistência hospitalar*; Hospitais*.

SUMMARY

The situation of hospital care is analysed in the metropolitan area of S. Paulo, which consists of 37 cities and contains a population of about 8 000 000 inhabitants. In 1970, the number of hospitals was 207 with 43 639 beds (5.5 beds/1000 inhabitants). Compared to other Brazilian capitals and other countries, this rate of beds is too low and it doesn't suit to the level of its social and economic development. The general hospital care is given by 166 units and 86% belongs to private agencies and it has 25 574 beds (3.2 beds/1000 inhabitants). The actual situation is unsatisfactory when considering 5 beds/1000 inhabitants satisfactory and there is a deficit of 14 331 beds. This deficit increases since there has not been a rational criteria in the local distribuition of hospitals. From the 37 urban communities that exist in the area, 19 (250 000 inhabitants) have not general hospital and 35 cannot receive any general public hospital assistance. The city of São Paulo has 2 491 infant beds. Since we admit that 21% of general beds for children is satisfactory, there is a deficit of 3649 beds (59% of the existing beds). The hospital care given to the psychopath includes 34 hospitals which have 15686 beds (2 beds/1000 inhabitants). There is a deficit of 8 257 beds considering as satisfactory the rate of 3 beds/1000 inhabitants. The quality of the hospital care is insufficient because these hospitals are overcrowded. There is need of medical and paramedical persons, and this situation is harmful to the medical hospital care. More than 80% of beds in the State of São Paulo (almost 18 000 000 inhabitants) is centralized in the metropolitan area. Related to the available beds that give care to the tuberculosis and leprous patients there is no deficit and there are even vacant beds. This situation can be explained in large part by the emphasis given to out patients care. Connected to the qualitative pattern of medical hospital care the same limitations as described above were found.

Uniterms: Hospital care*; Hospitals*.

1. INTRODUÇÃO

O presente estudo fêz parte integrante do setor saúde do Plano Metropolitano de Desenvolvimento Integrado da região da Grande São Paulo (GSP). Esta área contava, em 1970, com cêrca de 8 milhões de habitantes e 207 estabelecimentos para prestação de assistência hospitalar, geral e especializada, dos quais, 83% pertencem à iniciativa privada, 10% aos poderes públicos – 8% ao Estado e 2% às Prefeituras Municipais (São Paulo e Santo André) – e 5% às entidades autárquicas e paraestatais (Tabela 1).

Considerando-se a capacidade normal dos estabelecimentos hospitalares conforme Tabela 2, o número de leitos existentes é de 43.639 sendo 79% não lucrativos e 21% lucrativos. Dentre os não lucrativos, salienta-se a grande participação do poder público estadual, responsável por cêrca de 41% dos leitos existentes, seguido pelo Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) – autarquia federal que mantém 21% dos leitos em estabelecimentos próprios e, sobretudo, em convênio com entidades privadas. A alta participação do Estado deve-se principalmente à manutenção de leitos especializados. Os demais leitos não lucrativos estão sob a responsabilidade tanto de entidades privadas com caráter filantrópico (11)%), como de outras entidades autárquicas e paraestatais (3%) e das prefeituras municipais (3%). O total de leitos existentes proporciona na área metropolitana um coeficiente de 5,5 leitos por mil habitantes.

Os demais municípios componentes da Grande São Paulo possuem apenas 36% dos leitos oferecendo, entretanto, um coeficiente de 7,4 leitos por mil habitantes. Tal coeficiente poderia sugerir uma melhor situação para esta última área. Não obstante isto não traduz a realidade, visto que o alto coeficiente encontrado é explicável pela existência, nesta área, de hospitais especializados. Por exemplo, só o Hospital de Franco da Rocha possui 13.000 leitos, cujo raio de atendimento extravasa os limites da área metropolitana, chegando a atender pacientes de todo o Estado.

A situação da área metropolitana no tocante à assistência hospitalar não é das mais favoráveis. Comparando-se os coeficientes encontrados para a Grande São Paulo, com os disponíveis para capitais brasileiras em 1966 (Tabelas 3 e 4) vemos que atualmente a área só possui maior coeficiente do que os municípios de São Luís, Brasília, Rio Branco, Fortaleza, Boa Vista, Macapá, Belém e o próprio São Paulo. Naquela data, tôdas as demais capitais apresentavam um coeficiente superior, variando de 5,8 a 13,6 leitos por mil habitantes.

O próprio Município de São Paulo apresenta atualmente um coeficiente menor do que o encontrado para o Estado em 1966 (5 leitos por mil habitantes). Países como Cuba, Uruguai, Argentina, Canadá e Estados Unidos, já apresentavam, também em redor de 1966, coeficientes bem superiores aos atuais da área metropolitana, conforme mostra a Tabela 5.

A situação acima exposta é incompatível com a Grande São Paulo, visto ser a área mais desenvolvida sócio-econômicamente, não só do Estado como do próprio país, tendo-se em conta também a polarização por ela exercida no tocante à assistência hospitalar, reconhecida como um dos maiores centros médicos do país. O coeficiente de leitos encontrado para a área constitui um dos fatores contribuintes para a deterioração de seus níveis de saúde.

2. ASSISTÊNCIA HOSPITALAR GERAL

A área metropolitana conta, para prestação da assistência hospitalar geral, com cêrca de 166 estabelecimentos hospitalares, sendo a maior parte dêles (86%) pertencentes à iniciativa privada.

Os demais pertencem, quer a entidades paraestatais e autárquicas (6%), quer aos poderes públicos (8%), havendo dentre êstes últimos, tanto a participação do Estado (5% dos leitos) como de Prefeituras Municipais (3%) (Tabela 6).

Êstes estabelecimentos hospitalares apresentam conforme Tabela 7, em meados do primeiro semestre de 1970, cêrca de 25.574 leitos (3,2 leitos por mil habitantes) dos quais 78% não são lucrativos e 28% pertencem aos poderes públicos – sendo 20% ao Estado e 8% às Prefeituras Municipais – 24% a entidades privadas e 48% a entidades autárquicas e paraestatais, salientando-se dentre elas, a atuação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) que mantém 40% dêsses leitos, quer em estabelecimentos próprios, quer em convênios com entidades privadas.

Pelo exposto, observa-se a pequena participação dos podêres públicos neste tipo de assistência.

Considerando-se a evolução dos leitos destinados à assistência hospitalar geral na área metropolitana (Tabela 8) observa-se que de 1961 para cá, houve sempre uma tendência crescente no número de leitos. Entretanto, sempre menor que o crescimento populacional, visto terem os leitos aumentado em cêrca de 48% e a população em 58%. Êstes números devem ser observados com certa cautela, visto as fontes desta série histórica não serem as mesmas. Não obstante, o raciocínio é válido. Enfatizando a afirmação, vemos que de 1961 para cá houve um decréscimo no coeficiente de leitos por mil habitantes, pois, êste era de 3,4 para a área metropolitana naquela data e atualmente é de 3,2.

A atual oferta de leitos existentes é altamente deficitária. Considerando-se como razoável o padrão proposto por alguns sanitaristas atuantes na área – 5 leitos por mil habitantes – conclui-se pela necessidade da existência de cêrca de 39.905 leitos havendo, portanto, um deficit de 14.331 leitos, isto é, de 36% dos leitos existentes.

Êste deficit é agravado pela inexistência de critérios racionais na localização dos hospitais. Observa-se que cêrca de 75% dos estabelecimentos hospitalares e 87% dos leitos existentes estão concentrados no Município de São Paulo, área mais urbanizada e desenvolvida sócio-economicamente.

Êste Município chega a apresentar um coeficiente de leitos por mil habitantes da ordem de 3,8, superior à área como um todo. Em contraposição, o restante da Grande São Paulo apresenta um baixíssimo coeficiente de 1,5 leitos por mil habitantes.

Além disto, cêrca de 19 municípios dos 37 componentes da Grande São Paulo não possuem nenhum hospital geral, deixando teòricamente em descoberto uma população de cêrca de 250.000 habitantes, conforme mostra a Tabela 9. Cêrca de 35 municípios da Grande São Paulo não possuem hospital geral público.

Analisando-se a responsabilidade funcional dos leitos na área, verifica-se que a situação não é das mais favoráveis. O INPS é responsável pela assistência hospitalar de seus previdenciários – 60% da população total da Grande São Paulo segundo as próprias estimativas da autarquia – aos podêres públicos cabe pelo menos a manutenção dos leitos para população indigente (estimada em 20% na área), cabendo o restante à iniciativa privada.

Admitindo-se uma hierarquização nos níveis de saúde, isto é, uma maior morbidade e mortalidade nas classes sócio-econômicas mais baixas, estabeleceu-se como satisfatório, um coeficiente da ordem de 6, 5 e 4 leitos por mil habitantes, respectivamente para a população indigente, previdenciária e a restante componente da Grande São Paulo.

Segundo tais padrões caberia ao INPS a manutenção de 23.943 dos 39.905 necessários para a área. Para a população indigente seriam necessários 9.577 e para o restante da população, 6.385.

Salienta-se que o INPS mantém atualmente apenas 7.426 leitos, deixando sua atuação, portanto, no aspecto quantitativo, sem se considerar o qualitativo, muito a desejar, cobrindo sòmente 31% dos leitos que lhe cabem.

Os dados quanto à qualidade do atendimento prestado pela assistência hospitalar geral na área, não são disponíveis. Inexistem dados sôbre média de permanência, porcentagem de ocupação dos leitos, pessoal médico e para-médico lotado nestas unidades, etc.

Sabe-se, entretanto, ser a área carente, em todo país, em recursos humanos destinados ao setor saúde. A falta de pessoal médico e sobretudo paramédico, mais especificamente de enfermagem, compromete em muito a qualidade dos serviços, sem se falar no reduzido número de administradores hospitalares devidamente habilitados.

Um dado que nos permite avaliar a situação da rêde hospitalar é o apresentado pelo INPS. Esta autarquia submete os hospitais aprovados a uma classificação para o estabelecimento de convênios. Para tanto, a planta física, equipamentos e instalações e a organização dos hospitais são avaliados.

Dos 333 hospitais do Estado de São Paulo, Capital e Interior, submetidos à vistoria por grupos de médicos e enfermeiras, entre os meses de março a novembro de 1968, cêrca de 13,5% não alcançaram o mínimo de pontos exigível, isto é, 0,50.

Nos demais, constatou-se a seguinte distribuição:

Por outro lado, a já citada má distribuição dos estabelecimentos na área é um fator agravante na qualidade do atendimento, visto ser o fator indutor da mobilidade da população, geralmente dos municípios menos urbanizados, onde a morbidade e mortalidade são mais freqüentes e os meios de transporte mais carentes, sobrecarregando o atendimento, muitas vezes já comprometido destas outras áreas.

2.1 – Leitos Infantís

A necessidade da análise da situação dos leitos infantís na área metropolitana vem de um lado, pelo elevado coeficiente de mortalidade infantil, com franca tendência crescente nela encontrado e, de outro, por ser na opinião dos técnicos sanitaristas, nela atuantes, um dos setôres, não só prioritários, como dos mais deficientes dentro da assistência hospitalar geral. Entretanto, a ausência de dados torna impossível a análise dêste tipo de assistência para a área metropolitana como um todo.

Não obstante, ilustrar-se-á a situação para a sub-região Centro, isto é, o Município de São Paulo. Salienta-se que será considerado leito-infantil, aquêle destinado à internação de crianças da faixa etário de 0 a 14 anos.

O município de São Paulo possui cêrca de 2.491 leitos infantis, dos quais 1002 (40%) são gratuitos. Dêstes, 79% pertencem ao poder público, sendo 66% ao Estado e 13% à Prefeitura Municipal, e os 21% restantes a entidades privadas de caráter filantrópico (Tabela 10).

Os técnicos norte-americanos estão concordes que, para dez mil habitantes, são satisfatórios 5 leitos para internação de crianças de 0 a 14 anos e um coeficiente de 0,5 leito para cada mil habitantes.

A aplicação de tal padrão, em nosso meio, é altamente discutível dada a diferença no estágio de desenvolvimento econômico existente entre os dois países, estágio êste que se reflete nas condições sócio-econômicas e sanitárias da população.

Adotar-se-á como satisfatório, em nosso estudo, um padrão ligeiramente superior a um leito por mil habitantes (1,05 leitos por mil habitantes), ou seja, destinar-se-á à infância cêrca de 21% dos leitos gerais.

Optou-se por tal padrão, ao invés do norte-americano, de um lado, por serem superiores nossa morbidade e mortalidade; de outro, pela própria estrutura do nosso sistema de recuperação e prevenção de moléstias; a cobertura inadequada prestada por nossas unidades sanitárias, aliada à mentalidade predominantemente curativa dessas unidades, fazem com que o número de hospitalizações seja maior. Para tal fato também concorre o baixo nível educacional aqui existente, sobretudo o sanitário. Por outro lado, há que se considerar na adoção dêste padrão, o papel polarizador exercido pelo Município de São Paulo em relação ao restante da área, dada a concentração do equipamento hospitalar nêle existente.

Adotando-se o padrão acima exposto, necessitar-se-ia para o Município de São Paulo, atualmente, cêrca de 6.140 leitos infantís, havendo, portanto, um deficit de 3.649 leitos, ou seja, de cêrca de 59% dos leitos existentes.

No tocante à responsabilidade funcional dos leitos infantís, considerar-se-á como satisfatório 1,25 leitos para população indigente e um leito para o restante da população, por mil habitantes.

A adoção dêsses padrões parte da admissão de uma maior morbidade na classe sócio-econômica de menor poder aquisitivo.

Por tal padrão vê-se que o número de leitos necessários para a população indigente (sob responsabilidade dos podêres públicos) é da ordem de 1.462, havendo, por conseguinte, um deficit de 460 leitos; e de 4.678 para o restante da população, com um conseqüente deficit de 3.180 leitos infantís. Sendo o INPS responsável por 60% da população (a previdenciária), cabe-lhe a responsabilidade de 3.509 dentre os leitos destinados à população não indigente. Entretanto, desconhece-se sua atuação no setor.

Fica, assim, caracterizado o deficit existente, com a pressuposição de que para o restante da área metropolitana, a situação seja mais grave, seja pela maior carência de unidades hospitalares, seja pela maior prevalência de condições sócio-econômicas mais desfavoráveis.

Deseja-se salientar, também, a prioridade necessária no atendimento à população infantil indigente.

3. ASSISTÊNCIA HOSPITALAR ESPECIALIZADA

Para a prestação dêste tipo de assistência contava a área metropolitana, em 1970, com 41 estabelecimentos hospitalares, sendo a maioria pertencente à iniciativa privada (83%) e destinada ao atendimento do psicopata.

Conforme a Tabela 11, observa-se que êstes estabelecimentos ofereceram em sua capacidade normal, um total de 18.065 leitos, em sua maioria também destinados ao atendimento do psicopata. Ao contrário do verificado para o número de estabelecimentos hospitalares, o número de leitos destinados ao portador de hanseníase é maior que os destinados ao portador de tuberculose (respectivamente 7% e 6%).

Os leitos ora existentes oferecem um coeficiente de 2,26 leitos por mil habitantes.

Quanto à entidade mantenedora, salienta-se o fato de ser o poder público estadual o principal responsável pela manutenção desses leitos (cêrca de 78%). Tal fato pode ser explicado, de um lado, pelo alto custo da manutenção dêsses leitos (moléstias com alta média de permanência hospitalar), de outro, pela omissão da Previdência Social na assistência hospitalar especializada.

Considerando-se a evolução dos leitos destinados a êste tipo de assistência de 1966 para cá, levar-se-á em conta não o número de leitos constantes da capacidade normal dos hospitais (psiquiátricos), mas a lotação, para tornar compatível a análise, visto ser êste o dado disponível para 1966.

Conforme a Tabela 12, observa-se que houve ligeiro aumento no coeficiente de leitos por mil habitantes: passando de 2,60 para 2,67. Entretanto, êste mesmo fato não é encontrado para o Estado de São Paulo (Tabela 13).

Dado o raio de atendimento dos hospitais destinados à assistência especializada extravasarem os limites geográficos da área metropolitana, o equacionamento dêste tipo de assistência deve ser considerado em nível estadual e não apenas metropolitano.

2.1 – Assistência hospitalar ao psicopata

A área metropolitana possui 34 estabelecimentos hospitalares para atendimento ao psicopata, sendo a maior parte dêles pertencente à iniciativa privada (88,24% – Tabela 14). Considerando-se a capacidade normal dêstes estabelecimentos, segundo a Tabela 15, ter-se-á uma oferta de 15.686 leitos dos quais, 12% são lucrativos e o restante, a grande maioria (88%), não lucrativos. Dêstes cabe ao Estado a manutenção da maior parte (88,5%), sobretudo em algumas entidades privadas. O INPS participa com cerca de 10,5% dos leitos não lucrativos, sendo todos em convênio. O total de leitos existentes nos oferece um coeficiente de 2 leitos por mil habitantes.

Não obstante, a oferta de leitos está muito aquém das necessidades, senão vejamos: os hospitais estaduais existentes na Grande São Paulo possuem uma capacidade normal de 11.500 leitos. Em meados do primeiro semestre de 1970 havia cêrca de 14.785 doentes internados nesses hospitais (isto considerando-se que o Hospital do Juqueri possua cêrca de 13.000 doentes internados), o que nos permite concluir que a procura de leitos ultrapassa a oferta em 3.285 leitos, caracterizando, portanto, um deficit. Desconhece-se a procura existente para os hospitais privados.

Por outro lado, o próprio coeficiente de leitos por habitantes encontrado (2 por mil habitantes) já evidencia o deficit. Embora alguns técnicos em assistência hospitalar proponham como ideal o coeficiente de 5 leitos psicopatas para cada mil habitantes4, não há condições para se atingir tal nível. Optamos pelo padrão aceito como satisfatório para áreas urbanizadas, tanto nacional como internacionalmente, de 3 leitos por mil habitantes. Tal padrão é justificável, mesmo tendo em vista a polarização no atendimento exercida pela área em estudo. Admitindo-se tal padrão como satisfatório, necessitar-se-ia de 23.943 leitos. Portanto há um déficit de 8.257, visto contar a área com 15.686.

Além do acentuado deficit no número de leitos existentes, observa-se que o atendimento ao psicopata, por parte do INPS, também está muito aquém das necessidades. Sendo esta autarquia responsável pelo atendimento à população previdenciária da área, que perfaz 4.788.600 habitantes (60% da população) e, considerando-se como satisfatório o coeficiente de 3 leitos por mil habitantes, caberia ao INPS a manutenção de 14.366 leitos. Êle possui atualmente 1.443 havendo, portanto, um deficit de 12.923 leitos, os quais deveriam ser de sua responsabilidade.

Por outro lado, a escassez de leitos ora existente é agravada pela falta de serviços ambulatoriais (há um único ambulatório na área metropolitana para 7.981.000 habitantes) e a ausência dêstes concorre para a cronicidade dos doentes e, portanto, aumento das necessidades de internações.

Quanto à qualidade do atendimento hospitalar prestado ao psicopata, apesar da ausência de dados estatísticos, deve-se admitir sua insatisfatoriedade, visto a superlotação existente nos hospitais. Além disto, a assistência hospitalar ao psicopata, mais que qualquer outra, carece de pessoal especializado, tanto médico quanto paramédico, aliás, bastante carente na área. Pode-se concluir daí o comprometimento dos serviços prestados.

Ademais, resta enfatizar que o raio de atendimento dos hospitais psiquiátricos extravasa os limites geográficos da área metropolitana. Constata-se que mais de 80% dos leitos disponíveis no Estado estão concentrados nesta área, sobretudo, em Franco da Rocha. Medidas que visassem ùnicamente equipar a área metropolitana tornariam novamente a mesma ràpidamente deficitária, pois acentuaria o forte papel de polarização no atendimento que, aliás, ela já vem exercendo.

Advém daí, portanto, a necessidade de estudo específico visando a descentralização do atendimento ao psicopata em Serviços Regionais. O equacionamento da problemática do atendimento ao psicopata deve ser encarado, portanto, em têrmos de Estado de São Paulo e não sòmente de área metropolitana.

3.2 – Assistência hospitalar ao portador de tuberculose

A assistência hospitalar ao portador de tuberculose é prestada na grande São Paulo através de 5 estabelecimentos hospitalares, dos quais, 4 (80%) pertencem à iniciativa privada e um (20%) ao poder público estadual, conforme Tabela 16.

Êstes estabelecimentos em 1970 apresentavam 1.053 leitos, sendo que cêrca de 75% eram não lucrativos e 25% lucrativos. O número de leitos existentes na área oferece um coeficiente de 0,13 leitos por mil habitantes.

O poder público estadual participa, dentre os leitos não lucrativos, em maior grau (cêrca de 77%), cabendo os demais, quer ao INPS através de convênios com entidades privadas (cêrca de 17%), quer às próprias entidades privadas (cêrca de 6%).

Salienta-se que cerca de 60% dos estabelecimentos hospitalares e 79% dos leitos existentes estão concentrados no Município de São Paulo, que oferece um coeficiente de leitos por mil habitantes ligeiramente superior à área como um todo (0,14).

Analisando-se êsses dados para 1966 (Tabela 18) observa-se a existência, naquela data, de 1.075 leitos, dos quais cerca de 84% eram não lucrativos, havendo um coeficiente de 0,15 leitos por mil habitantes.

Pode-se admitir por êstes dados, uma ligeira diminuição, tanto do número de leitos, quando do coeficiente de leitos por mil habitantes, mesmo levando-se em conta serem diferentes as fontes dos dados.

Aliás, esta tendência é observada também para o Estado de São Paulo, como se pode visualizar na Tabela 17.

Um fato comprovador da diminuição de leitos na Grande São Paulo foi a transformação do Hospital São Luis Gonzaga, destinado ao atendimento do portador de tuberculose, em hospital geral.

Esta tendência na diminuição de leitos é explicável, sobretudo, pela nova filosofia aplicada ao tratamento da tuberculose, qual seja, a de ênfase não em internações e sim em tratamento dispensarial.

Entre outras, êste tipo de tratamento traz algumas vantagens: possibilita o tratamento em massa, não desagrega a vida familiar, permite uso correto da medicação e conseqüente controle, diminui o custo (cada 20 doentes internados permite tratar mil doentes em dispensário) 3.

As internações tendem a se restringir a número bem mais reduzido de casos, quer por características médicas, quer por características sociais. Para tanto, a oferta de leitos é suficiente.

Embora haja ausência de dados estatísticos que comprovem esta afirmação, pois não é possível quantificar a demanda na área metropolitana, tampouco no Estado (o raio de atendimento dêstes hospitais extravasa os limites geográficos da Grande São Paulo), os sanitaristas atuantes no setor confirmam-na plenamente.

Os dados disponíveis que ilustrariam, em parte, a situação dos leitos hospitalares para tuberculose dizem respeito apenas ao Município de São Paulo: em 1966 foram registrados 1.002 óbitos por tuberculose, naquele Município. Sendo de 952 o número de leitos disponíveis naquela mesma data, pode-se considerar que houve uma proporção de um leito para cada óbito, padrão considerado razoável por alguns sanitaristas6.

Conclue-se portanto, que não há problemas no tocante à assistência hospitalar ao portador de tuberculose. Isto não implica em dizer que tuberculose não seja problema na área em estudo: a própria análise dos níveis de saúde caracterizará a moléstia como principal responsável pelos óbitos por moléstias infecciosas. Deseja-se, sim, explicitar que o seu combate deverá ter como base não só a unidade hospitalar, mas a unidade sanitária polivalente.

3.3. – Assistência hospitalar ao portador de hanseníase

A assistência hospitalar ao hanseniano é prestada na área metropolitana através de 2 estabelecimentos hospitalares, ambos pertencentes ao poder público estadual, situados um em Mogi das Cruzes e outro em Guarulhos. O número de leitos existentes nestes estabelecimentos em 1970 foi de 1.326, todos gratuitos, oferecendo uma relação de leitos por mil habitantes da ordem de 0,17.

Se analisarmos o número de leitos destinados aos hansenianos na mesma área em 1966, vê-se que eles somavam 1.330, com uma relação leitos por mil habitantes da ordem de 0,20, sugerindo, portanto, um ligeiro decréscimo (Tabela 19).

Embora não dispondo de uma série histórica de dados estatísticos, pode-se afirmar que há realmente uma tendência decrescente no número de leitos de hanseníase na área, explicável pela existência de leitos ociosos, como decorrência de mudança de filosofia no atendimento aos portadores desta moléstia. O Estado de São Paulo, em 1967, acatando o decreto-federal n.° 986 de 7 de maio de 1962, que revogou o "isolamento indiscriminado" dos portadores de hanseníase, impôsto pela antiga legislação, tem dado ênfase ao tratamento em dispensários, diminuindo, portanto, o número de internações.

De fato, em 1966, nos 1.330 leitos disponíveis na Grande São Paulo, foram admitidos 983 doentes sendo, portanto a relação do número de leitos por paciente maior que um, evidenciando capacidade ociosa 6.

Pode-se supor que a situação seja análoga para todo o Estado. Em 1966 havia cêrca de 4.751 leitos hanseníase 1 e em 1967, 4.151 2. Outro fato significativo é a transformação do Sanatório de Hanseníase de Cocaes, situado no Município de Casa Branca, em hospital para atendimento ao Psicopata.

Não há portanto problemas no tocante ao atendimento hospitalar ao hanseniano. O atendimento a êste doente deve ser encarado do ponto de vista médico como objeto de tratamento predominantemente dispensarial. Resta, entretanto, o problema social da integração do doente na sociedade, geralmente estigmatizado, bem como sua família.

Recebido para publicação em 11-3-1971

  • 1
    ANUÁRIO ESTATÍSTICO DO BRASIL. 29: 442, 1968.
  • 2
    ANUÁRIO ESTATÍSTICO DO BRASIL. 30: 533, 1969.
  • 3. BERGOLD, O. B. Situação dos doentes de tuberculose no Estado de São Paulo. Rev. paul. Hosp., 17 (6): 34-47, 1969.
  • 4. CRUZ, C. R. A assistência ao psicopata e a responsabilidade do Estado. Rev. paul. Hosp., 13 (4): 17-24, 1965.
  • 5. SOUZA, N. M. A hospitalização da criança, necessidade em leitos no Estado de São Paulo. Rev. paul. Hosp., 14(9): 25-27, 1966.
  • 6. YUNES, J. Situação da assistência hospitalar na Grande São Paulo. Rev. paul. Hosp., 17 (3): 38-41, 1969.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Set 2006
  • Data do Fascículo
    Jun 1971

Histórico

  • Recebido
    11 Mar 1971
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo Avenida Dr. Arnaldo, 715, 01246-904 São Paulo SP Brazil, Tel./Fax: +55 11 3061-7985 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revsp@usp.br