Acessibilidade / Reportar erro

A teoria etiopatogenética da hanseníase "Fator N/Margem Hansen-anérgica" em seu 50º aniversário: aceitação geral - com nova autoria e exclusão da origem brasileira

CARTAS AO EDITOR/LETTERS TO THE EDITOR

São Paulo, 16 de janeiro de 1989

Senhor Editor:

Solicito a V.Sa. mandar publicar a carta anexa na "Revista de Saúde Pública".

Agradecendo antecipadamente a atenção dispensada, apresento Saudações Cordiais.

(a) Abrahão Rotberg

A teoria etiopatogenética da hanseníase "Fator N/Margem Hansen-anérgica" em seu 50o aniversário: aceitação geral – com nova autoria e exclusão da origem brasileira

A teoria "Fator N/Margem Hansen-anérgica" da hanseníase foi esboçada no Brasil em 1934 9, ampliada e publicada em 1937 10, comunicada internacionalmente há 50 anos 3 na Conferência do Cairo e no 6o Congresso de Ciências do Pacífico 11,12; foi completada em 195713.

De acordo com a teoria, quase 80% da população mundial tem a capacidade de reagir positivamente, em graus variáveis, ao teste de Mitsuda, após estimulação pelos bacilos de Hansen, Koch, BCG, provavelmente outros BAR. A minoria é especificamente incapaz ("Margem Hansen-anérgica"). Essa capacidade de reagir depende de um fator natural ("Fator N"), genético, ausente na "Margem". Os diversos tipos de reação condicionam, prioritariamente, a resistência, a predisposição para a infecção hansênica e a evolução para os diversos aspectos clínico-patológicos da doença.

Esses postulados deixaram em segundo plano, "acessório", os fatores ctiopatogenéticos até então admitidos, tais como idade, sexo, raça, debilitação orgânica por desnutrição e doenças várias etc. A "Margem Hansen-anérgica" é o "reservatório humano" do bacilo de Hansen, único de interesse profilático; por não ter sido modificada pelo BCG, a teoria previu a inoperância das tentativas de prevenção com essa vacina 13. A mesma previsão pode ser feita agora 15 se as novas vacinas em estudo também não alterarem a "Margem".

A aceitação geral – A teoria foi acolhida com muito interesse por editoriais das principais revistas hansenológicas mundiais 2,4,5, livros, teses e numerosos artigos. Sua base genética ainda não foi completamente confirmada, mas as evidências aumentam gradativamente. De qualquer maneira, ainda não apareceu explicação mais aceitável para os fatos clínico-patológicos observados.

A exclusão da origem e terminologia brasileiras – Gradativamente passou-se a aceitar as proposições da teoria, sem referência à sua origem e autoria, mas com multiplicação de designações alternativas. O "Fator N" desapareceu para dar lugar à "reatividade natural", "imunidade constitucional", "imunidade potencial", "fator constitucional desconhecido"; "imunidade celular inata", "imuno-competência" e pelo menos 18 outras designações. A "Margem Hansen-anérgica" é agora o oposto: "não-reatividade natural", "anergia constitucional", "inaptidão constitucional", "ausência de fatores constitucionais desconhecidos", "defeito da imunidade celular", "imuno-incompetência" e pelo menos 18 outras. Tanto a Organização Mundial de Saúde quanto a Associação Internacional de Lepra usam alguns destes substitutos, excluindo a terminologia original brasileira. Tenta-se, ainda, nessa fase, eliminar a especificidade da "Margem Hansen-anérgica", que seria apenas "depressão geral inespecífica da imunidade", o que não corresponde à realidade14.

Reaparece o "Fator N" – Finalmente, o Dr. K.W. Newell, Professor de Epidemiologia da Universidade de Tulane, Luisiânia, Estados Unidos, e Consultantes da Organização Mundial da Saúde, estende-se longamente sobre a teoria que ele chama de "anergic or Factor N"6, aduz novas observações favoráveis à teoria e conclui que "é a mais compatível com os fatos observados", partilhando, conseqüentemente, das mesmas dúvidas quanto ao valor preventivo do BCG. Diz que "um dos principais defensores da hipótese 'anergic or Factor N' é Rotberg" mas não diz quem propôs a hipótese.

No resumo, conclui que "a hipótese 'anergic or Factor N', desenvolvida para relacionar o teste da lepromina com os achados clínicos da lepra parece a mais promissora". O trabalho de Newell 6 foi condensado e favoravelmente comentado em outro artigo, não assinado, da Organização Mundial da Saúde 1, portanto de responsabilidade da própria OMS, em que está resumida a hipótese "anergic or Factor N", implicitamente atribuída ao Prof. Newell.

Desde então a teoria "anergic or Factor N" e/ ou suas conseqüências clínico-patológicas, etiopatogenéticas e epidemiológicas reaparecem abundantemente na imprensa médica geral, hansenológica ou imunológica, atribuídas agora ao ilustre Professor da Universidade de Tulane, EUA. Apesar de alguns artigos esparsos mais recentes 7,8,16 voltarem a fazer menção da origem e terminogia brasileiras, parece provável que, graças ao prestígio do Prof. Newell, da OMS e da AIL, e à difusão internacional da língua inglesa, a teoria se consolide como norte-americana.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. An EPIDEMILOGIST's view on leprosy. WHO Chron, 20: 460-1, 1966.

2. IMMUNITY in leprosy [Reviews and abstracts]. Leprosy Rev., 10: 130-2, 1939.

3. IMMUNOLOGY and serology [Editorial]. Int. J. Leprosy, 6: 3- 74, 1938. (The Cairo Congress Number).

4. The LEPROMIN test [Editorial]. Leprosy India, 12: 1156, 1940.

5. MUIR, E. The unknown factor in leprosin [Editorial]. Int. J. Leprosy, 7: 269-72, 1939.

6. NEWELL, K.W. An epidemiologist's view on leprosy. Bull. Wld Hlth Org.,34: 827-57, 1966.

7. PRICE, M.A.; ANDERS, E.M.; ANDERS, R.F.; RUSSELL, D.A.; DENNIS, E.S. Cell-mediated immunologic status of healthy members of families with a history of leprosy. Int.J.Leprosy, 43: 307- 13, 1975.

8. REA, Th.H. & LEVAN, N.E. Current concepts in the immunology of leprosy. Arch. Derm.,113: 345-52, 1977.

9. ROTBERG, A. Contribuição para o estudo das cuti-reações alérgicas na lepra. Reação de Mitsuda-Hayashi. São Paulo, Rev. Tribunais, 1934. [Tese de Doutoramento - Faculdade de Medicina de São Paulo].

10. ROTBERG, A. Some aspects of immunity in leprosy and their importance in epidemiology, pathogenesis and classification of forms of the disease. Based on 1529 lepromin-tested cases. Rev. bras. Leprol., 5 (no esp.): 45-97, 1937.

11. ROTBERG, A. The influence of allergic factors on the pathogenesis of leprosy. In: Pacific Science Congress, 6th, Berkeley, Cal., 1939. Proceedings. Berkeley, Cal., 1939. v. 5, p. 977-82.

12. ROTBERG, A. Modern trends in the study of the epidemiology of leprosy. In: Pacific Science Congress, 6th, Berkeley, Cal., 1939. Proceedings. Berkeley, Cal., 1939. v. 5, p. 939-45.

13. ROTBERG, A. Fator "N" de resistência à lepra e relações com a reatividade lepromínica e tuberculínica. Valor duvidoso do BCG na imunização antileprosa. Rev. bras. Leprol., 25: 85-106, 1957.

14. ROTBERG, A. The specific defect of immunity to hanse-niasis ("anergic margin") – a 40-year old Brazilian theory [Editorial]. Hansen. int., 2: 12-4, 1977.

15. ROTBERG, A. The "Hansen-anergic Fringe" and renewed doubts about vaccination [Co-respondence], Int. J. Leprosy, 51: 411, 1983.

16. STONER, G.I. Ir Genes and leprosy. Int. J. Leprosy, 46: 217-20, 1978.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Nov 2004
  • Data do Fascículo
    Abr 1989
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo Avenida Dr. Arnaldo, 715, 01246-904 São Paulo SP Brazil, Tel./Fax: +55 11 3061-7985 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revsp@usp.br