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Vacina contra rotavírus

Vaccine against rotavirus

INFORMES TÉCNICOS INSTITUCIONAIS

Vacina contra rotavírus

Vaccine against rotavirus

Divisão de Imunização e Divisão de Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar. Centro de Vigilância Epidemiológica "Prof. Alexandre Vranjac". Coordenadoria de Controle de Doenças. Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo

Correspondência Correspondência: Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo Av. Dr. Arnaldo, 351 1º andar sala 135 01246-901 São Paulo, SP, Brasil E-mail: agencia@saude.sp.gov.br

O rotavírus é um vírus da família Reoviridae que causa diarréia grave, freqüentemente acompanhada de febre e vômito. É, hoje, considerado um dos mais importantes agentes causadores de gastroenterites e óbitos em crianças menores de cinco anos, em todo o mundo. A maioria das crianças se infecta nos primeiros anos de vida, porém os casos mais graves ocorrem principalmente em crianças até dois anos de idade. Em adultos é mais rara, tendo sido relatados surtos em espaços fechados, como escolas, ambientes de trabalho e hospitais.

Até o momento, são reconhecidos sete diferentes grupos de rotavírus, designados de A a G. Os rotavírus do grupo A destacam-se como os de maior importância epidemiológica. O vírus contém no genoma o RNA fragmentado de dupla cadeia, que sintetiza proteínas não estruturais (persistem apenas na morfogênese viral) e as proteínas estruturais: VP1, VP2 e VP3 – componentes do core viral e VP7 (glicoproteína G) e VP4 (proteína P, sensível à protease) na camada externa. As duas últimas constituem os maiores antígenos envolvidos na neutralização viral e são responsáveis pela definição dos diferentes sorotipos.

Encontram-se descritos 10 sorotipos de VP7 e oito de VP4 capazes de infectar o homem, com possibilidade teórica de 80 combinações. Os sorotipos G1P[8], G2P[4], G3P[8], G4P[8] e G9P[8] ocorrem com maior freqüência no mundo todo, dentre estes a cepa G1P[8] é a predominante. A cepa G9 tem emergido desde os anos 1990 e predomina em algumas regiões. No Estado de São Paulo, observou-se também a circulação do G12.

A doença apresenta curto período de incubação, com início abrupto, vômitos em mais de 50% dos casos, febre alta e diarréia profusa, culminando em grande parte dos casos com desidratação. O uso do soro de reidratação oral tem-se revelado altamente eficaz no combate à desidratação destes casos.

A transmissão é fecal-oral (alta excreção nas fezes – um trilhão de partículas virais/ml de fezes), por água ou alimentos, por contato pessoa a pessoa, objetos contaminados e, provavelmente, também por secreções respiratórias. A sazonalidade das infecções, estendendo-se desde o outono até a primavera, é observada nos países de clima temperado. Nas regiões tropicais as infecções ocorrem o ano todo.

O elevado potencial disseminador e a grande variedade de cepas circulantes do rotavírus, favorecidos por fatores como o clima, conglomerados urbanos de alta densidade populacional, convivência em creches e outros ambientes fechados, mostram que, além das medidas tradicionais de higiene e de saneamento básico para sua prevenção, a perspectiva real para o seu controle seria a introdução de uma vacina eficaz e segura no calendário de vacinação infantil.

A introdução da vacina no calendário nacional está prevista para março de 2006 e atenderá a crianças nascidas a cada ano, a partir dos dois meses de idade.

Situação epidemiológica

No mundo cerca de 125 milhões de episódios diarréicos por rotavírus ocorrem globalmente a cada ano, causando entre 600.000 a 870.000 óbitos. Estima-se que no Brasil a taxa média de diarréia em crianças menores de três anos de idade seja de 2,5 episódios por criança/ano, das quais 10% (0,25) se associam aos rotavírus. Em 2003, de acordo com os dados do Datasus, ocorreram 269.195 internações por diarréia em crianças menores de cinco anos. Considerando-se que 34% destas internações associam-se aos rotavírus, é plausível estimar que, em 2003, ocorreram 91.526 internações por esse agente infeccioso.

A partir da implantação no Estado de São Paulo, em 1999, da vigilância da doença diarréica, por meio do programa de Monitorização da Doença Diarréica Aguda (MDDA) e de outros sistemas complementares, tem sido possível estimar a incidência da diarréia e, ao mesmo tempo, detectar surtos e epidemias por doenças veiculadas por água e alimentos. Os dados quantitativos de diarréia por município, coletados pelo programa, permitem também estruturar outros estudos para conhecer a etiologia das diarréias.

Os surtos de rotavírus têm sido freqüentemente detectados pelo programa de MDDA, a partir da investigação do aumento de casos de diarréia nas semanas epidemiológicas. O aumento de surtos por rotavírus pode ser observado ao longo do tempo, mesmo considerando a maior sensibilidade do sistema de vigilância em captação das diarréias. Em 1999, entre o total de surtos de diarréia com etiologia identificada, 7,7% correspondiam a surtos de rotavírus; em 2004, mais de 20% dos surtos foram por este agente.

Para determinar a incidência da gastroenterite por rotavírus e conhecer seu impacto na população, o Centro de Vigilância Epidemiológica "Prof. Alexandre Vranjac", em conjunto com outras entidades, desenvolveu uma pesquisa sobre a diarréia por rotavírus em menores de cinco anos, nos municípios de Rio Claro, no interior do Estado, e Guarulhos, na Grande São Paulo, no período de 17 de fevereiro de 2004 a 16 de fevereiro de 2005.

Os resultados mostraram que diarréias por rotavírus representaram entre 6,5% a 17,9% do total das diarréias, com coeficientes de incidência de 6,6 e 16,3 casos de rotavírus por mil crianças menores de cinco anos, em Rio Claro e Guarulhos, respectivamente. Por sua vez, o coeficiente de incidência da diarréia aguda por diversas etiologias foi de 91,1 casos por mil crianças menores de cinco anos em Guarulhos e 101,7, em Rio Claro.

Utilizando as faixas de variação dos indicadores construídos e extrapolando-os para o Estado de São Paulo, estimou-se que possam ocorrer de 22.000 a 55.000 casos de rotavírus entre as mais de 300.000 diarréias agudas por diversas etiologias, e que o vírus é responsável por 26.000 a 70.000 consultas médicas/ano em ambulatórios, serviços de emergência e hospital.

Em Guarulhos, houve predominância dos genótipos G9P[8], tendo sido detectado um novo genótipo circulante, o G12. Em Rio Claro, observou-se a predominância do G1P[8]. Tendências a serem monitoradas ao longo do tempo e importantes para a avaliação da introdução da vacina como medida de prevenção.

O custo anual estimado causado pela diarréia por rotavírus no Estado de São Paulo é maior que US$ 1 milhão.

Estes resultados indicaram que o rotavírus é um importante agente causador de diarréia entre os menores de cinco anos, reforçando a necessidade de melhores estratégias de prevenção, tais como a introdução de vacina no calendário infantil para diminuição dos danos e custos da doença. A introdução desta nova vacina no calendário básico, certamente, contribuirá para a redução dos casos de diarréia por rotavírus.

Vacinas contra rotavírus

As vacinas de primeira geração contra rotavírus, desenvolvidas no início da década de 1980, foram de origem animal (bovina e símia). A grande variabilidade nos resultados dos estudos de campo atribuiu-se ao fato dessas vacinas não oferecerem proteção contra os sorotipos epidemiologicamente mais importantes.

As vacinas de segunda geração foram de natureza antigênica polivalente e com rearranjo genético, na tentativa de ampliar a proteção contra os sorotipos G1 a G4. A primeira foi licenciada nos Estados Unidos, em 1998. Era uma vacina oral, atenuada, tetravalente, com rearranjo símio e humano, aplicada no esquema de três doses aos dois, quatro e seis meses de idade. A sua utilização foi suspensa em julho de 1999, após a aplicação de cerca de 1,2 milhões de doses em 600 mil lactentes, devido ao aumento de casos de invaginação intestinal.

Em 2000 teve início um estudo com uma outra vacina oral atenuada, a RIX4414, na Finlândia, de origem humana, com elevada imunogenicidade, eficácia e segurança.

Há, ainda, estudos publicados que utilizam uma vacina oral atenuada pentavalente, com rearranjo humano-bovino, G1, G2, G3, G4 e P[8], também com elevada proteção para as formas graves de diarréia. A redução de hospitalização, após a terceira dose para os sorotipos G1-G4 foi de 94,5% (IC 95%:91,2-96,6), a eficácia para qualquer gravidade de diarréia foi de 74,0% (IC 95%:66,8-79,9) e a eficácia para diarréia grave foi de 98,0% (IC 95%: 88,3-100). Entretanto, não se observou risco aumentado para a ocorrência de invaginação intestinal.

Dentre outras vacinas contra rotavírus em estudo no mundo destacam-se: a multivalente de rearranjo bovino e humano e a RV3. Na China, desde 2000, utiliza-se uma vacina monovalente de origem de cepa de carneiro.

Composição da vacina

A vacina contra rotavírus será incluída no calendário brasileiro em março de 2006. É uma vacina oral, atenuada, monovalente (G1P1A[8]), cepa RIX4414. Cada dose da vacina oral contra rotavírus contém:

- Frasco com pó liofilizado:

  • no mínimo 10

    6,0 CCID50 da cepa vacinal

  • sacarose 9mg, dextrana 18 mg, sorbitol 13,5 mg, aminoácidos 9 mg e meio Eagle modificado por Dulbecco (DMEM) 3,7mg.

- Aplicador com diluente:

  • carbonato de cálcio 80 mg, goma de xantana 3,5mg, água para injeção 1,3 ml.

Após a reconstituição cada dose corresponde a 1 ml.

Estudos de eficácia

Dos estudos de eficácia da vacina, participaram lactentes entre 6 e 13 semanas de idade de 11 países da América Latina, incluindo o Brasil (Belém/PA). Do total de lactentes, 10.159 receberam a vacina e 10.010, placebo.

A eficácia na prevenção de diarréia grave foi de 84,7% (IC 95%:71,7-92,4), para hospitalização 85% (IC 95%:69,6-93,5). A eficácia para prevenção de diarréia grave, incluindo todos os sorotipos do grupo G, foi de 91,8% (IC 95%:74,1-98,4). Para os sorotipos G3P[8], G4P[8] e G9P[8] foi de 87,3% (IC 95%:64,1-96,7) e para o sorotipo G2P[4] foi menor, 41,0% (IC 95%:-79,2-82,4). A proteção tem início cerca de duas semanas após a segunda dose.

Esquema vacinal, idade mínima e máxima e intervalo entre as doses

O esquema vacinal recomendado é de duas doses, aos dois e quatro meses de idade, simultaneamente com as vacinas Tetravalente (DTP/Hib) e Sabin. O intervalo mínimo entre as duas doses é de quatro semanas.

Para esta vacina algumas restrições são recomendadas:

- Para a aplicação da primeira dose:

  • Deve ser aplicada aos dois meses de idade;

  • Idade mínima de um mês e 15 dias de vida (seis semanas);

  • Idade máxima de três meses e 15 dias de vida (14 semanas).

- Para a aplicação da segunda dose:

  • Deve ser aplicada aos quatro meses de idade;

  • Idade mínima de três meses e 15 dias de vida (14 semanas);

  • Idade máxima de cinco meses e 15 dias de vida (24 semanas).

A vacina não deve, de forma alguma, ser aplicada fora destes prazos. Nos estudos realizados com as novas vacinas contra rotavírus, considerando-se o risco aumentado de invaginação intestinal em relação à idade de aplicação observada com a vacina suspensa em 1999, como precaução, não foram aplicadas em situações fora das faixas etárias estabelecidas.

Se ocorrer esta situação, preencher a ficha de Notificação de Procedimentos Inadequado e acompanhar a criança por 42 dias. Na vigência de eventos adversos, preencher a ficha de Notificação de Eventos Adversos.

Precauções na administração da vacina

  • Não repetir a dose se a criança vomitar ou regurgitar.

  • Nenhuma dose aplicada fora dos prazos recomendados poderá ser repetida. Nessas situações, como precaução, a criança deverá ser acompanhada ambulatorialmente por 42 dias, para afastar a possibilidade de ocorrência de eventos adversos. Preencher ficha de Notificação de Procedimento Inadequado e Ficha de Notificação de Eventos Adversos, se for o caso.

  • A vacina não está contra-indicada para lactentes que convivam com pacientes imunodeprimidos ou gestantes.

  • Não há restrições quanto ao consumo de líquidos ou alimentos, inclusive leite materno, antes ou depois da vacinação.

  • Filhos de mães HIV+ poderão ser vacinados, desde que não apresentem manifestações clínicas graves ou imunossupressão.

Situações em que se recomenda o adiamento da vacinação

  • Durante a evolução de doenças agudas febris graves, sobretudo para que seus sinais e sintomas não sejam atribuídos ou confundidos com possíveis efeitos adversos da vacina.

  • Crianças com diarréia que necessitam de hospitalização.

Contra-indicações:

  • Imunodeficiência congênita ou adquirida.

  • Uso de corticosteróides em doses elevadas (equivalente a 2 mg/kg/dia ou mais, por mais de duas semanas), ou submetidas a outras terapêuticas imunossupressoras (quimioterapia, radioterapia).

  • Reação alérgica grave a um dos componentes da vacina ou em dose anterior (urticária disseminada, broncoespasmo, laringoespasmo, choque anafilático), até duas horas após a aplicação da vacina.

  • História de doença gastrointestinal crônica.

  • Malformação congênita do trato digestivo.

  • História prévia de invaginação intestinal.

Vacinação simultânea

A vacina oral contra rotavírus poderá ser aplicada simultaneamente com as vacinas: DTP, DTPa (acelular), Hib, Hepatite B, Pneumococo 7-valente e Salk, sem prejuízo das respostas das vacinas aplicadas. Até o momento, não há experiência acumulada com a aplicação simultânea de vacina contra o meningococo.

A maioria dos estudos utilizou a aplicação da vacina com 15 dias de intervalo com a vacina oral contra poliomielite, indicando boa resposta para ambos imunobiológicos. Estudos realizados com a administração simultânea da vacina rotavírus e vacina oral contra poliomielite apresentaram redução na resposta de anticorpos IgA para a primeira dose de rotavírus. Após a aplicação da segunda dose não houve prejuízo da imunogenicidade. Portanto, não ocorrendo a administração simultânea, deve-se respeitar o intervalo de 15 dias entre as doses.

Eventos adversos

Nos estudos de segurança realizados as incidências de febre, diarréia, vômitos, irritabilidade, tosse ou coriza não foram diferentes entre o grupo vacinado e o grupo que recebeu placebo. No entanto, considerando a implantação da nova vacina, recomenda-se a notificação nas seguintes situações:

  • reação alérgica sistêmica grave (até duas horas da administração da vacina);

  • presença de sangue nas fezes até 42 dias após a vacinação;

  • internação por abdome agudo obstrutivo até 42 dias após a aplicação.

Nas situações de reação alérgica e internação por abdome agudo obstrutivo, solicita-se a notificação imediata à Central do CVE, pelo telefone 0800 0555466.

Invaginação intestinal

É uma forma de obstrução intestinal na qual um segmento do intestino invagina sobre o outro segmento, localizado mais distalmente, causando obstrução intestinal e compressão vascular da alça invaginada. Tem maior ocorrência em crianças entre quatro e nove meses de idade, sendo uma das causas mais freqüentes de abdômen agudo nesta faixa etária. O lactente apresenta náusea, vômitos, dor abdominal e, às vezes, pode apresentar fezes com muco e sangue ("geléia de morango"). O tratamento pode ser conservador, no entanto, em algumas situações, o tratamento cirúrgico é indicado.

Para avaliar o risco de invaginação intestinal com a nova vacina, foram acompanhados 63.225 lactentes sadios em 11 países da América Latina e na Finlândia, dos quais 31.673 receberam as duas doses da vacina e 31.552 receberam placebo. Nos 30 dias subseqüentes à vacinação ocorreram 13 casos de invaginação: seis no grupo que recebeu a vacina e sete no grupo placebo (RR=0,85; IC 95%: 0,30-2,42). Não se encontrou risco aumentado de invaginação intestinal no grupo vacinado.

Texto de difusão técnico-científica da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo.

  • Correspondência:
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    01246-901 São Paulo, SP, Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Ago 2006
    • Data do Fascículo
      Abr 2006
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