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Sub-registro de nascimento: aspectos educativos visando à sua diminuição

Omission of birth certificate: some educative aspects for its reduction

Resumos

São analisadas as causas que podem condicionar a ocorrência de sub-registros de nascimento, isto é, omissões de declaração de nascimento e propostas medidas visando à sua diminuição. Algumas causas envolvem alterações legislativas e outras dizem respeito a aspectos educativos. Dentre as primeiras, que atacam as chamadas causas orgânicas, são citados a gratuidade do atestado, a facilidade quanto ao local e o nível operacional dos registros. Quanto às medidas especiais, que se referem às causas sociais e culturais do povo, e lembrando que em nenhuma época de suas vidas são as pessoas esclarecidas quanto à importância dos registros de nascimento, são propostos um trabalho educativo nos Centros de Saúde e Hospitais e uma atuação nas escolas médicas e primárias.

Registro de nascimento; Estatística vital; Educação sanitária


Although by law, the birth should be registered, there have been several omissions. These omissions present a very important problem in Vital Statistics. Causes of the underresgistration are analysed and there are proposed some ways to reduce it. Some changes in legislation are suggested: the cancellation of legal fees for the birth registration, local and operational facilities for the filling of the birth certificate, as well as an educational work at health centers, schools of medicine and elementary schools, emphasizing the importance of the birth certificate.

Birth certificates; Vital statistics; Health education


ATUALIZAÇÕES CURRENT COMMENTS

Sub-registro de nascimento: aspectos educativos visando à sua diminuição

Omission of birth certificate: some educative aspects for its reduction

Maria Helena SilveiraI; Maria Lucia SobollII

IDo Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da USP – Av. Dr. Arnaldo, 715 – São Paulo, SP. – Brasil

IIDo Centro de Estudos de Dinâmica Populacional da Faculdade de Saúde Pública da USP – Av. Dr. Arnlado, 715 – São Paulo, SP. – Brasil

RESUMO

São analisadas as causas que podem condicionar a ocorrência de sub-registros de nascimento, isto é, omissões de declaração de nascimento e propostas medidas visando à sua diminuição. Algumas causas envolvem alterações legislativas e outras dizem respeito a aspectos educativos. Dentre as primeiras, que atacam as chamadas causas orgânicas, são citados a gratuidade do atestado, a facilidade quanto ao local e o nível operacional dos registros. Quanto às medidas especiais, que se referem às causas sociais e culturais do povo, e lembrando que em nenhuma época de suas vidas são as pessoas esclarecidas quanto à importância dos registros de nascimento, são propostos um trabalho educativo nos Centros de Saúde e Hospitais e uma atuação nas escolas médicas e primárias.

Unitermos: Registro de nascimento (omissão)*; Estatística vital*; Educação sanitária*.

SUMMARY

Although by law, the birth should be registered, there have been several omissions. These omissions present a very important problem in Vital Statistics. Causes of the underresgistration are analysed and there are proposed some ways to reduce it. Some changes in legislation are suggested: the cancellation of legal fees for the birth registration, local and operational facilities for the filling of the birth certificate, as well as an educational work at health centers, schools of medicine and elementary schools, emphasizing the importance of the birth certificate.

Uniterms: Birth certificates (omission) *; Vital statistics *; Health education *.

INTRODUÇÃO

Fatos vitais são o conjunto de fatos ou circunstâncias relacionadas com o começo e o fim da vida e todas as mudanças de estado civil que podem ocorrer durante esse período. Desses fatos, desde os primórdios da civilização se julgou importante fazer prova e a primeira da qual se tem notícia é a relativa aos registros paroquiais – registravam-se os batismos, os casamentos e os enterros. Tais registros, entretanto, eram falhos, porque, impostos pela Igreja Católica, ficavam restritos aos seus adeptos, não abrangendo a toda a população e eram, muitas vezes, imperfeitos, porque, não havendo fórmulas padronizadas para a sua realização, dependiam de cada pároco responsável pelas Igrejas. Somente com a Revolução Francesa é que a publicidade do estado das pessoas foi tornada lei e o Código de Napoleão de 1804 regulamentou o Registro Civil e suas disposições influenciaram enormemente o desenvolvimento dos sistemas de inscrição dos fatos vitais na Europa 6.

Entre nós, a instituição do registro, com função probatória de nascimentos, casamentos e óbitos, data de março de 1888. Várias modificações sofreu essa lei, estando em vigor, hoje, o decreto 4857 de 9 de novembro de 1939, chamada Lei dos Registros Públicos. De 1960 para cá, várias comissões de juristas têm sido formadas, por ordem governamental, para estudar uma reformulação das leis brasileiras. Em 1969, foi promulgado o decreto lei n.° 1000 – Reorganização dos Registros Públicos – que não entrou ainda em vigor, mas pode-se dizer que, na parte referente aos fatos vitais, não sofreu modificações sensíveis.

Legalmente, registro pode ser conceituado como o conjunto de atos tendentes a ministrar prova segura e certa do estado das pessoas. Fornece ele meios probatórios fidedignos, cuja base reside na sua publicidade emanente, com função específica de provar a situação jurídica do registrado e torná-la conhecida de terceiros10.

A existência e funcionamento do Registro Civil relativo às pessoas naturais – nascimentos, casamentos e óbitos – interessam de perto à Nação, ao próprio interessado e a terceiros que com ele mantenham relações. Interessa à Nação porque esta tem no registro uma fonte preciosa para a administração pública, em serviços essenciais como polícia, recrutamento militar, recenseamento, estatística, serviço eleitoral, arrecadação de impostos, distribuição da justiça10. Pela citada lei dos Registros Públicos, art. 61, os Oficiais do Registro Civil remeterão à Diretoria Geral de Estatística o mapa do movimento mensal de nascimentos, casamentos e óbitos que houverem registrado. O registro interessa ao próprio indivíduo porque ele aí encontra prova fácil, decisiva e imediata da própria situação: prova de idade, de nacionalidade, de estado, de filiação. Interessa finalmente a terceiros, que com ele contratem, porque os dados existentes no registro se acham à sua disposição, para maior segurança de seus negócios.

A estatística vital, bem como a demografia, embasam-se nos serviços de registro civil, decorrendo, consequentemente, daí, a necessidade de que esses registros sejam claros, precisos e uniformes15.

O REGISTRO DE NASCIMENTO

Conceito e finalidades

A personalidade civil do homem começa com o nascimento com vida. É aceito hoje, quase que unânimemente, o conceito de nascido vivo dado pela Organização Mundial da Saúde, segundo o qual "é o produto da concepção que, independente da duração da gravidez, depois de expulso ou extraido do corpo da mãe, respire ou dê qualquer outro sinal de vida, tais como: batimentos cardíacos, pulsações do cordão umbelical ou movimentos efetivos dos músculos de contração voluntária, quer tenha ou não sido cortado o cordão umbelical, esteja ou não desprendida a placenta"3.

Todo nascimento vivo deve, por exigência legal, ser registrado.

A principal finalidade do registro de nascimento é, como se disse, fazer prova do estado das pessoas. É usado ao entrar para a escola, ao candidatar-se ao exercício de funções públicas, para o exercício do direito de voto. Sua utilidade jurídico-social é inegável: é ao mesmo tempo uma forma de defesa e um elemento de garantia. Para o Estado é de grande importância, tanto do ponto de vista sanitário, quanto daquele social ou econômico. Nos estudos de população é usado para determinar o crescimento natural demográfico ou vegetativo, traduzido pelo excesso de nascimentos sobre os óbitos. Enorme valor atinge no campo da saúde. O número de nascidos vivos em um determinado ano é importante para qualquer planejamento materno-infantil, para o cálculo de vários coeficientes, entre os quais o de mortalidade infantil, um dos mais sensíveis índices das condições de saúde de um povo. Também os programas de imunização contra as doenças da infância têm nos registros de nascimento "valiosos elementos de controle e orientação de seus trabalhos, pela possibilidade de se verificar, efetivamente, se as crianças estão sendo, nas épocas; próprias, devidamente protegidas contra aquelas doenças"¹.

Obrigatoriedade

Obriga a lei dos Registros Públicos em seu artigo 63 que:

"Todo nascimento que ocorrer no território nacional deverá ser dado a registro no Cartório do lugar em que tiver ocorrido o parto, dentro de quinze dias, ampliando-se até três meses para os lugares distantes da sede dos Cartórios mais de trinta quilômetros e sem comunicações ferroviávias" 2.

Quinze dias, por determinação legal, é o prazo oferecido ao pai, para que declare ao cartório o nascimento de seu filho. O motivo da colocação da obrigatoriedade do pai, como primeiro declarante, consiste em positivar, desde logo, a questão da paternidade. No impedimento deste, casos em que a mãe é obrigada a fazer a declaração, o prazo é dilatado para sessenta dias. Outras pessoas obrigadas são, na ordem sucessiva, o parente mais próximo, na sua falta ou impedimento os administradores de hospitais ou os médicos e parteiras que tiverem assistido ao parto, ou pessoa idônea da casa em que ocorrer, se sobrevier fora da residência da mãe. Imaginou o legislador, com esta enumeração, não deixar sem registro nenhuma criança nascida no território nacional: qualquer uma das pessoas referidas pode ser declarante de nascimento. É apenas necessário que, dentro do prazo previsto, procurem o cartório do lugar em que se deu o evento para promover o assento de nascimento, mediante a apresentação de duas testemunhas e o pagamento de Cr$ 17,49 pelo registro (decreto 52425 de 25.3.70).

O PROBLEMA DO SUB-REGISTRO

Conceito e ocorrência

Considera-se sub-registro toda omissão de registro de determinado evento.

Promulgada a Lei dos Registros Públicos no ano de 1939 prescrevia em seu artigo 56:

"cometerão crime os que deixarem de fazer, dentro dos prazos marcados neste decreto, a declaração de nascimento de criança..."

É importante salientar que, em face do atual Código Penal Brasileiro (1940), esse dispositivo encontra-se revogado, pois nem ele, nem a Lei das Contravenções Penais faz qualquer referência a disposições repressivas da omissão do registro (a matéria era regulada pela antiga Consolidação das Leis Penais). Não se pode comprovar, entretanto, devido à falta de dados, que, por ser considerada crime, não existisse a omissão do registro à época da vigência desse dispositivo.

Os primeiros trabalhos brasileiros sobre a problemática do sub-registro de nascimentos datam de 1945 e 1946.

SAADE 13 (1947) salientava que era "fato conhecido e debatido entre os cultores da estatística a existência de grandes lacunas no registro de nascimento em nosso país". Relata que o Serviço de Estatística Vital e Sanitária do Estado do Espírito Santo, tentando medir o sub-registro de nascimento naquele Estado, elaborou, nos anos de 1945 e 1946, trabalho que consistiu na apuração dos dados de nascimentos provenientes de outras fontes além do registro civil, tais como, registro religioso de batizados, mapas de nascimentos ocorridos em maternidades, relação das matrículas efetuadas nos dispensários de higiene infantil, bem como instituições de assistência à infância e notificações de nascimentos ocorridos em domicílio. A partir daí os nascimentos foram classificados em três categorias: registrados em tempo, registrados extemporaneamente e não registrados, isto é, os casos conhecidos através de outras fontes que não o registro civil. Para Vitória, foram encontrados, respectivamente para 1945 e 1946, 38,4% e 32,0% de sub-registro.

O Serviço Federal de Bioestatística, estudando em 1945 o percentual de nascidos vivos não registrados em algumas capitais brasileiras, encontrou os dados que podem ser visualizados na Figura 14.


Mais recentemente, quando da realização da Investigação Interamericana de Mortalidade na Infância, no distrito de São Paulo, pesquisa levada a efeito através da Disciplina de Estatística Vital do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública, através da amostra controle de crianças vivas, foi medida a magnitude do sub-registro de nascimento, verificando-se que 5,4% dos nascidos vivos não eram registrados16.

Ainda a partir dos dados dessa Investigação, verificou-se a ocorrência de sub-registro de nascimento de crianças que, nascidas vivas, chegavam a óbito antes de completar um ano de idade. Esse fato parecia de todo impossível de acontecer, devido à exigência legal de que, antes de proceder ao assento de óbito de criança de menos de um ano de idade, deve o oficial indagar se o nascimento foi registrado, fazendo, em caso negativo, primeiro o registro de nascimento e em seguida o de óbito. Esse sub-registro foi calculado em 9,5%, o que significa que 9,5% das crianças mortas com menos de um ano de idade, têm registrado seu óbito, sem o terem o seu nascimento 4.

SUAREZ18, analisando também o problema do sub-registro de nascimento de crianças mortas com menos de um ano de idade, no distrito de São Paulo, que passaram pelo Serviço de Verificação de óbitos, constatou significante percentagem de ocorrência: 17,85%.

Pode-se dizer que os Institutos de Previdência, bem como o Estatuto dos Funcionários Públicos, através da instituição do auxílio maternidade e do salário família, vêm representando um incentivo indireto aos registros de nascimento. Ainda assim, entretanto, as omissões continuam a existir.

Influência nos coeficientes vitais

A omissão do registro de nascimento, ou seja, o sub-registro, influe alterando todos os coeficientes vitais que envolvem em seu cálculo o número de nascidos vivos, quer no numerador, quer no denominador. Pode-se dizer que faz aumentar o coeficiente de mortalidade infantil, mortalidade neo-natal, mortalidade perinatal, nati-mortalidade, mortalidade materna. Por outro lado, faz diminuir os coeficientes de natalidade geral, de fertilidade e o índice vital de Pearl.

Fatores que podem condicionar sua ocorrência

Com base nos diferentes estudos feitos sobre o problema do sub-registro, pode-se chegar ao conhecimento dos mais importantes fatores que condicionam a omissão dos registros de nascimento.

Aspecto monetário: parece representar fator de grande importância. No trabalho apresentado por SUAREZ18, a impossibilidade de pagar o registro aparece como causa exclusiva e também associada ao desconhecimento da obrigação legal.

Estudo feito por MORAES11, em Araraquara e Rincão, mostra que muitas famílias registravam seus filhos embora lhes tivesse sido custoso pagar o registro, enquanto várias famílias não o faziam, apesar de afirmarem que não lhes teria sido difícil pagar as despesas necessárias. Conclue, entretanto, que a proporção dos que afirmaram não poder pagar o registro foi muito maior entre os não registrados.

Interessante análise comparativa foi feita entre o batismo e o registro de nasmento. No interior da Amazônia foi observado que, embora a taxa cobrada para o batismo fosse mais elevada que a do registro de nascimento, foram realizados, em Abaetetuba, em 1946 e 1947 respectivamente, 1483 e 1285 batizados para 795 e 418 registros de nascimento, incluindo residentes e não residentes12. Essa disparidade poderia ser explicada pela contínua repetição que a Igreja Católica faz sobre a importância do batismo, pelo arraigado sentimento religioso do povo, enquanto que pouco ou nada é feito no sentido de incentivar o registro civil de nascimento, salientando as vantagens do mesmo. SAADE13 afirma também que os batizados, embora mais dispendiosos, são em maior número que os registros.

Atualmente, os registros são tabelados, como já foi visto, existindo, no entanto, a gratuidade para aqueles que comprovarem estado de pobreza, o que poderia indicar não ser o fator monetário causa preponderante do sub-registro.

Filiação ilegítima: a filiação ilegítima foi apontada como responsável por 12,5% do sub-registro de nascimento em estudos feitos através dos dados da pesquisa sobre a reprodução humana no distrito de São Paulo 8.

São considerados filhos ilegítimos todos aqueles provenientes de pais não casados 9.

Poder-se-ia pensar que um dos fatores que estivessem favorecendo a omissão do registro fosse o medo, por parte da família, de que o fato de ser a criança ilegítima viesse a constar de seu registro. Isto, entretanto, não tem fundamento, uma vez que, por lei de 1941 – Lei de Proteção à Família – a resposta ao quesito sobre ser a filiação legítima ou não, vai constar apenas do livro de registro e não da certidão que vai ser fornecida à família.

Falta de tempo: é fator que pode ser apontado, mas não justificado, uma vez que os cartórios permanecem abertos, em plantão específico para registro de nascimentos e óbitos, aos sábados e domingos pela manhã.

Ignorância: a ignorância pode ser considerada sob dois aspectos: a falta de conhecimento, por parte da população da importância do registro e o desconhecimento das normas legais estabelecidas para a realização do mesmo.

Com relação a São Paulo, algumas maternidades da Capital distribuem um cartão, às famílias, onde são indicados o cartório e o prazo dentro do qual devem estas promover o registro. O que se verificou, entretanto, foi que a maneira pela qual esse cartão é fornecido, não atinge seu objetivo, pois em pesquisa realizada em duas maternidades que atendem a indigentes, uma distribuindo o cartão e outra não o fazendo, a proporção de casos registrados, no prazo e local exigidos por lei, foi praticamente a mesma5.

Negligência: é fator que pode também ser responsável pelo sub-registro dado que, apesar do conhecimento da necessidade de registrar, não tomam os responsáveis a iniciativa de fazê-lo.

Distância do domicílio ao cartório: em comunidades rurais, conforme foi verificado no trabalho de MORAES11 a distância do domicílio ao cartório não parece exercer qualquer influência negativa sobre o registro. Para a cidade de São Paulo, entretanto, esse fator deve ser encarado como de grande importância para fins de estudos estatísticos. Conforme tem sido salientado em vários trabalhos4,5,17 dada a exigência legal, todo nascido vivo deve ser registrado no local onde se deu o evento, entendendo-se como tal, para o distrito de São Paulo, cada um dos quarenta e oito subdistritos em que o mesmo se divide. Como as mães passam em média dois a três dias nas maternidades e a maior parte do tempo previsto para o registro é vivido na residência, sabe-se que esses são, muitas vezes feitos nos cartórios próximos à casa da famíla, e quando não, próximo ao local de trabalho do pai. O cartório, visando a não deixar de efetuar aquele registro, o faz ilegalmente, anotando como local de nascimento "em residência" ou simplesmente "neste distrito". Este fato traz conseqüências sérias, pois os mapas do Departamento Estadual de Estatística, feitos a partir dos dados dos cartórios, vão apresentar um aumento significativo do número de partos domiciliares 17.

Grau de instrução: o baixo grau de instrução do povo, segundo MORAIS11, é um dos mais importantes fatores que, direta ou indiretamente, contribuem para a existência do sub-registro de nascimento.

PROGRAMA PARA A DIMINUIÇÃO DO SUB-REGISTRO

Partindo dos prováveis fatores que levam os indivíduos a deixar de promover a declaração de nascimento de seus filhos, deve-se pensar na elaboração de programas visando à diminuição do sub-registro. Enfocando de um lado as chamadas causas orgânicas, que são as que dizem respeito ao estatuto legal dos Registros Públicos, e de outro as causas sociais e culturais do povo, pode-se chegar a métodos tendentes a promover maior número de registros.

Medidas gerais

Chamando de medidas gerais aquelas que objetivam a diminuição do sub-registro através do ataque às causas orgânicas, podem ser sugeridas providências tais como a gratuidade do registro, a facilidade quanto ao local e o nível operacional dos registros.

Gratuidade: embora, como se disse, não seja o preço o principal responsável pela existência do sub-registro e este possa ser conseguido sem ônus, através do atestado de pobreza, evidentemente, se tornado gratuito, haverá um incentivo, ao menos psicológico, para que o registro seja efetuado.

Facilidade quanto ao local: o registro de nascimento poderia ser realizado em qualquer cartório, consignando-se sempre, o verdadeiro local do evento. Esta medida, além de facilitar enormemente a declaração do nascimento, tenderia também a corrigir o número de partos hospitalares e domiciliares.

Nível operacional dos registros. Os Departamentos de Estatística deveriam apurar os dados vitais – nascimento no presente caso – segundo o local de residência da mãe, dado que, para qualquer planejamento materno-infantil é importante conhecer a natalidade por área5. A medida segundo a qual o registro não deve esperar que as crianças venham a ele, mas ele é que deve ir de encontro a elas, não parece ser a mais viável. Evidentemente, instalando nas maternidades uma sucursal do cartório, ou para ali enviando um funcionário duas ou três vezes por semana, e não estando o pai presente durante a maior parte do tempo em que a mãe ali se encontra, o nascimento acabaria, quase sempre, sendo declarado por esta. Com isso entrar-se-ia em terreno perigoso, o da declaração da paternidade e reconhecimento de filhos, aspecto de ampla importância dentro do Direito – campo da família e campo das sucessões.

Medidas especiais

Dentre as medidas chamadas de caráter especial, que se referem às causas sociais e culturais do povo, sem dúvida alguma as sugestões devem ser dadas no sentido de uma melhor orientação dos indivíduos para que eles se conscientizem da necessidade e importância dos registros de nascimento. Levando em conta que as pessoas, em nenhuma época de suas vidas, são formalmente esclarecidas quanto a esses fatos, as medidas a serem sugeridas são:

Trabalho educativo nos Centros de Saúde: deve-se aproveitar a presença das mães nos serviços de higiene pré-natal para, ao lado de outros tantos aspectos importantes, educá-las no sentido de que passem a conhecer o significado do registro, as vantagens oriundas do mesmo, sua declaração nos prazos corretos. É necessário que os profissionais dos Serviços de Higiene Materna e Cursos para Mães estejam capacitados para educar a população atendida, sob este aspecto. Para tanto, poder-se-ia pensar em cursos rápidos ou palestras, por pessoas diretamente ligadas ao problema, a fim de conscientizarem aqueles da importância e necessidade de tal atividade.

Trabalho educativo nos hospitais: deve-se aproveitar a presença das mães nos hospitais e maternidades, por ocasião do parto, e organizar com elas um trabalho efetivamente educativo, um trabalho que seja mais do que o simples fornecimento de um cartão, como é feito atualmente. A atual filosofia da educação sanitária coloca ênfase especial na importância do trabalho com os indivíduos, considerados como seres humanos, com interesses, crenças, valores e atitudes que influenciam seu comportamento em relação à saúde 7.

O programa junto aos hospitais é fundamental porque, ao menos em São Paulo, a grande maioria de partos se faz em hospitais (aproximadamente 92% segundo dados da Investigação Interamericana de Mortalidade na Infância). É preciso salientar, nesse aspecto, que um trabalho inicial deve ser elaborado junto aos administradores de hospitais, visando a que também eles sejam esclarecidos do real significado dos registros vitais. A mesma técnica sugerida para o esclarecimento dos profissionais de Centros de Saúde deve aqui ser empregada. Esses profissionais, devidamente esclarecidos e motivados serão capazes de orientar os funcionários de seus hospitais para que organizem um trabalho educativo junto às famílias das crianças. Considerando que a educação sanitária deve constituir atribuição de todos aqueles interessados no bem estar físico, mental e social das populações, esta atividade deve ser levada a efeito por todos os profissionais ligados aos hospitais. A atitude a ser tomada com relação às crianças que chegam a óbito antes de um ano de idade e que morrem sem terem seu nascimento registrado, é também a de um trabalho educativo junto aos administradores de hospitais, conforme sugerem LAURENTI et al.4

Atuação nas escolas médicas: seria interessante dar maior ênfase às cadeiras de Medicina Preventiva das Faculdades de Medicina para que, desde a sua formação, fossem os médicos esclarecidos a respeito da matéria.

Atuação nas escolas primárias: tendo em vista que o trabalho educativo não pode ser conseguido rapidamente e aproveitando a inclusão da cadeira de Educação Moral e Cívica nas escolas primárias, julga-se conveniente, a inclusão de noções sobre a importância dos registros civis, para os escolares. Ainda aqui, é relevante trabalhar antes com as professoras, para que estas estejam aptas a transmitir, a seus alunos, esses conhecimentos.

COMENTÁRIOS E CONCLUSÕES

O registro de nascimento tem como finalidade principal fazer a prova do estado das pessoas, com o que atende a interesses do Estado, da própria pessoa e de terceiros. Apesar de obrigatório por lei, as omissões quanto à sua realização continuam a existir em maior ou menor número, conforme constatação feita através de vários trabalhos.

Analisadas as causas que direta ou indiretamente podem ocasionar sua ocorrência, sente-se que, com exceção de alguns problemas de ordem legislativa, a maioria delas é provocada pela falta de uma adequada orientação, pela falta de se demonstrar aos indivíduos a importância do registro oportuno dos fatos vitais, a divulgação dos prazos e exigências legais, enfim, em uma palavra, pela educação do povo.

Por essa razão, são sugeridas medidas gerais, de um lado, atacando as causas que dizem respeito à Lei dos Registros Públicos (gratuidade do atestado, facilidade quanto ao local do registro e nível operacional dos mesmos), e especiais, de outro, procurando enfocar as causas sociais e culturais do povo (trabalho educativo nos Centros de Saúde e Hospitais, onde se encontrariam os grupos mais vulneráveis, além da atuação nas escolas médicas e nas escolas primárias).

Recebido para publicação em 8-3-1973

Aprovado para publicação em 4-4-1973

  • 1. BERQUÓ, E. et al. Estatística vital. 8.a ed. São Paulo, 1971. [Mimeografado]
  • 2
    DECRETO lei 4857 de 9 de novembro de 1939. Lei dos Registros Públicos. São Paulo, Saraiva, 1947.
  • 3
    CLASSIFICAÇÃO Internacional de Doenças: Revisão 1965. Washington, D.C., 1969. v. 1, p. 489.
  • 4. LAURENTI, R. et al. O sub-registro de nascimento em crianças falecidas com menos de um ano. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 5:237-42, 1971.
  • 5. LEVY, M. S. et al. O registro de nascimento e sua importância em planejamento materno-infantil. Rev. Saúde públ.,S. Paulo, 5:41-6. 1971.
  • 6. LOPES, M. M. de S. Tratado dos registros públicos: registro civil. São Paulo, Freitas Bastos, 1960.
  • 7. MARCONDES, R. S. Educação sanitária em nível nacional. São Paulo, 1964. [Tese de doutoramento Faculdade de Saúde Pública da USP].
  • 8. MILANESI, M. L. & SILVA, E. P. C. Sub-registro de nascimentos no distrito de São Paulo. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 2:23-8, 1968.
  • 9. MONTEIRO, W. de B. Curso de direito civil de família. São Paulo, Saraiva, 1962.
  • 10. MONTEIRO, W. de B. Curso de direito civil: parte geral. São Paulo, Saraiva, 1958.
  • 11. MORAES, N. L. de A. Estudo sobre a importância dos fatores que podem condicionar a deficiência do registro de nascimentos. Rev. Ser. Saúde públ., Rio Janeiro, 2:743-74, 1949.
  • 12. ROSADO, P. Aspectos do registro civil de nascimentos em uma cidade do interior da Amazônia, 1938-1947. Rev. Serv. Saúde públ., Rio de Janeiro, 2:772-92, 1949.
  • 13. SAADE, M. J. Verificação estatística do grau de deficiência do registro de nascimentos. Rev. Serv. Saúde públ., Rio de Janeiro, 1:449-67, 1947.
  • 14. SCORZELLI Jr., A. Coleta de dados vitais em pequenas localidades. Rev. Serv. Saúde públ., Rio de Janeiro, 1:397-32, 1947.
  • 15
    SEMINÁRIO INTERAMERICANO DE REGISTRO CIVIL. 1.°, Santiago de Chile, 1954. Informe final. Nueva York, Naciones Unidas, 1955. (Informes Estadísticos, série M, 23).
  • 16. SILVA, E. P. C. Estimativas de coeficientes e índices vitais e de sub-registros de nascimentos no distrito de São Paulo, baseadas em amostra probabilística de domicílios. São Paulo, 1970. [Monografia de mestrado Faculdade de Saúde Pública da USP].
  • 17. SILVEIRA, M. H. & LAURENTI, R. Os eventos vitais: aspectos de seus registros e inter-relação da legislação vigente com as estatísticas de de saúde. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 7:37-50, 1973.
  • 18. SUAREZ, L. Sub-registro de nascimento. São Paulo, 1968. [Monografia de mestrado Faculdade de Saúde Pública da USP].

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Ago 2006
  • Data do Fascículo
    Jun 1973

Histórico

  • Recebido
    08 Mar 1973
  • Aceito
    04 Abr 1973
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