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Sub-registro de nascimento de crianças falecidas com menos de um ano de idade

Birth under-register in children died with less than one year old

Resumos

No distrito de São Paulo foi verificado que 9,5% das crianças falecidas com menos de um ano de idade não têm registro de nascimento. Em proporção apreciável dêsses casos (82,5%), os óbitos ocorreram em hospitais. Êsses dados são analisados em face da Lei dos Registros Públicos - decreto 4857 de 9 de novembro de 1939, com as alterações introduzidas pelo decreto 5318 de 29 de novembro de 1940 e, a partir daí, foram feitas algumas proposições aos administradores de hospitais. Levando-se em conta o sub registro observado, devem ser corrigidos os coeficientes e índices vitais que utilizam o número de nascidos vivos como base de referência, para o distrito de São Paulo.

Natalidade; Estatística vital; Mortalidade infantil


It was verified in the District of São Paulo, Brazil that 9.5% of all infant deaths (children less than one year old) did not have birth certificates; 82.5% of them were deaths ocurred in hospitals. This data was analised considering the Law of Public Register, decree no. 4857 of November, 9, 1939 with the modifications presented in the decree no. 5318 of November, 29, 1940. From this, some propositions were made to Hospital Administrators. Considering the observed "under-register", the District of São Paulo vital rates and ratios, that utilize the number of live births in their computation, must be corrected.

Natality; Vital statistics; Infant mortality


ARTIGO ORIGINAL

Sub-registro de nascimento de crianças falecidas com menos de um ano de idade

Birth under-register in children died with less than one year old

Ruy LaurentiI; Franklin Amorim SayãoII; Maria Helena SilveiraIII

IDo Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da USP – Av. Dr. Arnaldo, 715 – São Paulo, SP, Brasil. Colaborador principal da "Investigação Interamericana de Mortalidade na Infância"

IIDa Equipe da "Investigação Interamericana de Mortalidade na Infância". Faculdade de Saúde Pública da USP – Av. Dr. Arnaldo, 715 – São Paulo, SP, Brasil

IIIDo Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da USP – Av. Dr. Arnaldo, 715 – São Paulo, SP, Brasil. Coordenadora e supervisora da "Investigação Interamericana de Mortalidade na Infância"

RESUMO

No distrito de São Paulo foi verificado que 9,5% das crianças falecidas com menos de um ano de idade não têm registro de nascimento. Em proporção apreciável dêsses casos (82,5%), os óbitos ocorreram em hospitais. Êsses dados são analisados em face da Lei dos Registros Públicos – decreto 4857 de 9 de novembro de 1939, com as alterações introduzidas pelo decreto 5318 de 29 de novembro de 1940 e, a partir daí, foram feitas algumas proposições aos administradores de hospitais. Levando-se em conta o sub registro observado, devem ser corrigidos os coeficientes e índices vitais que utilizam o número de nascidos vivos como base de referência, para o distrito de São Paulo.

Unitermos: Natalidade (sub-registro) *; Estatística vital*; Mortalidade infantil *.

SUMMARY

It was verified in the District of São Paulo, Brazil that 9.5% of all infant deaths (children less than one year old) did not have birth certificates; 82.5% of them were deaths ocurred in hospitals. This data was analised considering the Law of Public Register, decree no. 4857 of November, 9, 1939 with the modifications presented in the decree no. 5318 of November, 29, 1940. From this, some propositions were made to Hospital Administrators. Considering the observed "under-register", the District of São Paulo vital rates and ratios, that utilize the number of live births in their computation, must be corrected.

Uniterms: Natality (birth under-registration) *; Vital statistics*; Infant mortality *.

1. INTRODUÇÃO

O sub-registro de nascimento existe sempre, com maior ou menor freqüência, podendo êste fato ser condicionado por diversos fatores. Sua importância decorre de que quanto maior a sua magnitude maiores serão os erros daqueles indicadores que utilizam o número de nascidos vivos como base de referência: coeficiente de mortalidade infantil, mortalidade materna, natalidade e outros. Cumpre, nesse aspecto, salientar o trabalho feito por SAADE 4 em algumas comunidades do interior brasileiro.

Mesmo em áreas urbanas desenvolvidas de nosso país ocorre o sub-registro de nascimento. Em São Paulo, para o ano de 1965, MILANESI & SILVA 3 calcularam seu valor em tôrno de 4,5%, se o prazo de registro fosse de 15 dias após o nascimento e, em torno de 3,2%, se êsse prazo fosse dilatado para 60 dias, conforme faculta a lei. Mais recentemente, para o ano de 1969, SILVA 5 constatou ainda a existência de sub-registro de nascimento para São Paulo.

Todas as pesquisas feitas no sentido de medir o sub-registro de nascimento têm sido realizadas calculando seu valor através de crianças nascidas vivas e que continuam vivas. Uma idéia que se tinha é a de que não deveria existir sub-registro de nascimento para as crianças que, nascidas vivas, vinham a morrer antes de completar um ano de idade, visto ditar o decreto 4857, de 9 de novembro de 1939, Lei dos Registros Públicos, em seu artigo 88 que:

"Nenhum enterramento será feito sem certidão do Oficial do Registro do lugar do falecimento.

Parágrafo único – Antes de proceder o assento de óbito de criança de menos de um ano, o oficial indagará se foi registrado o nascimento, e fará a verificação no seu respectivo livro, quando houver sido em seu cartório; em caso de falta, tomará previamente o assento omitido".

Essa disposição levava então a pensar na quase total impossibilidade de uma criança nascida viva e morta com menos de um ano, deixar de ter seu nascimento registrado, pois, caso isso não tivesse sido feito por ocasião do nascimento, o seria na oportunidade do registro de óbito.

Durante a realização da "Investigação Interamericana de Mortalidade na Infância" 1, em São Paulo, chamou a atenção, desde o seu início, o fato de algumas crianças, mortas com menos de um ano de idade, não terem registro de nascimento.

O objetivo deste trabalho é medir o sub-registro dessas crianças e suas conseqüências nos dados vitais, proponto soluções para sanar essa falha.

2. MATERIAL E MÉTODOS

O material de estudo refere-se a uma amostra probabilística dos óbitos ocorridos na Capital de São Paulo, segundo a metodologia da citada "Investigação"1. Foi analisada uma amostra de 1803 óbitos de menores de um ano de idade ocorridos no período 1.° de junho de 1968 a 31 de maio de 1969, e que corresponde ao primeiro ano da "Investigação".

Sorteados os óbitos, eram feitas as entrevistas nas residências das crianças falecidas, onde, além de outros quesitos, era perguntado se a criança havia ou não sido registrada; em caso positivo, qual o cartório e o número da certidão, itens constatados através da apresentação, pela família, à entrevistadora, do referido registro. Nas vêzes em que tal apresentação não se efetivou, por qualquer motivo, era perguntado à mãe se sabia qual o cartório em que a criança havia sido registrada, procurando-se aí, numa segunda etapa, a confirmação de fato. Caso nada constasse, era dada uma busca nos Cartórios onde mais provavelmente poderia ter sido feito o registro. Quando se obtinha da família a informação de que a criança não havia sido registrada, era feita, ainda assim, uma pesquisa, iniciada agora pelo Cartório que havia registrado o óbito, para verificar, aí, qual a informação que constava a respeito do nascimento. Procuruva-se assim, de tôdas as maneiras, saber se as exigências legais do citado artigo 88, da Lei dos Registros Públicos, vinham sendo cumpridas.

3. RESULTADOS

Na amostra de 1803 crianças mortas com menos de um ano de idade pôde ser constatado que 172, ou seja, 9,5% não tiveram registro de nascimento e que em 23 casos, 1,3%, não foi possível determinar se o registro havia ou não sido feito.

Levando-se em conta os 172 casos para os quais se verificou que a lei não havia sido cumprida, isto é, cujas crianças haviam tido seu óbito registrado sem o ter seu nascimento, foram obtidos os resultados apresentados nas Tabelas 1 e 2, quando se procurou distribuí-las segundo o local de óbito.

No que se refere à idade dessas crianças, observou-se que a maioria dos óbitos ocorreu no período neo-natal, e dentro dêsse período, a maior proporção foi de crianças com menos de um dia.

Dos 172 casos estudados, somente um apresentou como declarante do óbito algum familiar da criança, sendo que em todos os demais o registro foi feito por funcionários dos hospitais em que as mortes ocorreram ou por funcionários dos Serviços de Verificação de Óbitos, nos casos em que houve autópsia (Tabela 3).

Daqueles óbitos ocorridos em Hospitais (82,5% do total observado) verificou-se que, em parte, o registro do óbito fôra feito por funcionários dos próprios hospitais e, no restante, por funcionários dos Serviços de Verificação de Óbitos, casos encaminhados para autópsia.

Nos casos de crianças falecidas em domicílio, como também se vê na Tabela 3, praticamente a totalidade dos registros teve como declarante funcionário dos Serviços de Verificação de Óbitos. Isto se explica pelo fato de que, ocorrendo a morte sem assistência médica e não conseguindo a família, portanto, um atestado de óbito passado por médico, obrigatòriamente é o corpo encaminhado para esses Serviços. O que é de estranhar é que apenas em um caso, dentre os 28, tenha a família reclamado o corpo e providenciado o enterramento.

4. COMENTÁRIOS

Como se disse, chamou a atenção o fato de existirem, no distrito de São Paulo, 9,5% de casos de crianças que chegaram a óbito antes de um ano de idade sem ter seu nascimento registrado, nem mesmo nesse momento.

Previu o legislador, conforme já se acentuou, a possibilidade de ocorrer o óbito sem que tivesse ainda o nascimento sido registrado; mas determinou, para êsses casos, a prévia tomada de assento omitido. Com o cumprimento dessa norma, evidentemente, estaria solucionado o problema deste sub registro. O que não imaginou, entretanto, o legislador, foi a ignorância, por parte do declarante, do fato de ter sido ou não a criança registrada anteriormente. Isso foi o que ocorreu na maioria dos casos por nós estudados, onde 171 das 172 crianças tiveram seus óbitos declarados por funcionários de hospitais ou de Serviços de Verificação de Óbitos. Na realidade, esses profissionais não tinham conhecimento se daquelas crianças já teria ou não sido feita a declaração do nascimento, razão pela qual, os funcionários dos Cartórios, temendo incidir num duplo registro, não efetuavam o assento do nascimento.

O nascimento de uma pessoa não é um fato ocorrido em presença do Oficial do Registro Civil, nem um acontecimento de notoriedade compulsória, de modo a que se possa dele saber pelo imperativo das coisas. Por isso é necessário, para que se efetue o registro, a declaração do fato por alguém. Segue-se daí, pelo princípio da obrigatoriedade do registro que, ao lado da obrigação do Oficial Público em efetuá-lo, a lei estabelece a de prestar tal declaração, indicando aqueles que reputa vinculados a êsse dever2. O artigo 65 menciona 6 categorias de pessoas, em ordem numérica, todas com o dever legal de declarar o nascimento. Assim:

Art. 65 – "São obrigados a fazer a declaração do nascimento:

1.°) O pai;

2.°) Em falta ou impedimento do pai, a mãe, sendo neste caso o prazo prorrogado por 45 (quarenta e cinco) dias;

3.°) No impedimento de ambos, o parente mais próximo, sendo maior e achando-se presente;

4.°) Na sua falta ou impedimento, os administradores de hospitais ou os médicos e parteiras que tiverem assistido ao parto;

5.°) Finalmente, pessoa idônea da casa em que ocorrer, se sobrevier fora da residência da mãe;

6.°) As pessoas encarregadas da guarda do menor".

A escolha dessas categorias de pessoas, sobre as quais pesa tal obrigação, não se processou arbitràriamente, mas em razão de circunstâncias especiais, com o pressuposto de que, cada uma delas, na ordem sucessiva, possa estar em condições de prestar uma declaração fidedigna, ou porque presumivelmente tenha presenciado o nascimento, ou porque esteja habilitada a relatar os dados requeridos pelo registro.

Determina a lei, como primeiro obrigado, o pai do recém-nascido. É evidente que esta colocação, em primeiro plano, consiste na necessidade de positivar a questão da paternidade. Segue-se a obrigatoriedade da mãe, e no impedimento de ambos, o parente mais próximo, sendo maior e achando-se presente. Menciona o item 4.° a obrigatoriedade de que, na falta ou impedimento dos pais ou parentes, a declaração seja feita pelos administradores de hospitais ou pelos médicos e parteiras que tiverem assistido ao parto.

Não se pode, evidentemente, preconizar a aplicação desta norma para todos os recém-nascidos. Os casos, entretanto, por nós estudados, são dotados de algumas características especiais que tornam possível essa generalização. Assim é que:

– Dos óbitos de crianças menores de um ano, 82,5% ocorrem em hospitais;

– do total de crianças falecidas 65,7% chegaram a óbito no período neo-natal, sendo 31,0% nas primeiras 24 h;

– 171 dos 172 casos estudados tiveram como declarante do óbito não familiares da criança, ou seja, funcionários dos Hospitais ou dos Serviços de Verificação de Óbitos;

– 23,2% das crianças não registradas eram filhas de mães solteiras.

O que se pensou então, visando a diminuir o valor do sub registro de nascimento para as crianças que morrem antes de completar um ano de vida, foi motivar os administradores de hospitais no sentido de que, para os casos nascidos e falecidos nos hospitais sob sua responsabilidade, e cujo óbito, fôsse declarado por funcionário seu, fôsse também, rotineiramente providenciado o registro do nascimento.

Cumpre salientar que não se estaria aqui invadindo o campo da declaração de paternidade, porque essas crianças, que nasceram no hospital e aí permaneceram até o óbito, e para as quais o enterramento é providenciado pelo próprio hospital, estão praticamente abandonadas pelas suas famílias.

Poder-se-ia pensar que os administradores hospitalares não estariam capacitados a fazer todas as enunciações do Registro Civil de Nascimento. Juridicamente, entretanto, é admitida para êstes atos a possibilidade de, em alguns casos, serem declaradas somente as enunciações gerais, isto é, aquelas que compreendem as circunstâncias comuns a todo ato de registro: lugar e data do nascimento, sexo e côr do recém-nascido, o fato de se tratar ou não de gêmeos. Estes quesitos, sem dúvida, seriam facilmente respondidos pelos administradores, que deixariam de levar em conta sòmente as enunciações especiais, inerentes às condições especiais do registrando: legitimidade da união de que decorreu aquele nascimento, menção do nome dos pais, qualificação da filiação.

É claro que não se poderia pensar na generalização da norma do item 4.o para todos os casos, visto que, para as crianças mais velhas, o registro já poderia ter sido providenciado, anteriormente, por pessoa da família. Seria interessante, porém que, mesmo para êstes casos, os administradores de hospitais adotassem uma política de ação, tentando esclarecer junto aos responsáveis pela criança, se a mesma já havia ou não sido registrada.

Para os filhos de mães solteiras, que correspondem aproximadamente à quarta parte das crianças sem registro, e para as quais, pelas próprias características familiares, este não viria a ser feito, enfoque especial deveria ser dado pelos Hospitais.

Observou-se que 82,5% dos óbitos de menores de um ano ocorrem em Hospital, o que não corresponde totalmente a crianças nascidas em hospital e que aí tenham permanecido até a morte. Pode-se recomendar, entretanto, que mesmo para os casos de crianças internadas em hospital, com menos de um ano de idade, seja feita uma investigação no sentido de esclarecer se são ou não registradas, e nos casos negativos, tomar as providências cabíveis.

Para as crianças que estiverem hospitalizadas e que após a morte são encaminhadas, pelo hospital, aos Serviços de Verificação de Óbitos, compete ainda àquela entidade, e não a esta, a indagação da existência do registro.

Nos casos em que a declaração do óbito é feita por funcionários dos Serviços de Verificação de Óbitos, sem a criança a êle ter sido encaminhada por algum hospital, parece-nos mais difícil propor qualquer solução.

Outro aspecto que se deve levar em conta é o êrro verificado na construção de coeficientes ou índices vitais que utilizam o número de nascidos vivos como referência. Assim, o coeficiente de mortalidade infantil, que é expresso pela relação

para o distrito de São Paulo, deve ter seu denominador acrescido de 9,9% do número observado de óbitos de menores de um ano. O coeficiente de mortalidade infantil corrigido por êsse fator deverá, portanto, ser:

Da mesma forma, por exemplo, outros coeficientes seriam corrigidos:

5. CONCLUSÕES

– No distrito da Capital de São Paulo, 9,5% das crianças que morrem com menos de um ano de idade não tiveram registro de nascimento;

– em 82,5% dos casos, os óbitos ocorreram em hospitais;

– Em 31,0% dos casos, os óbitos se verificaram no primeiro dia de vida;

– os coeficientes e índices vitais que utilizam o número de nascidos vivos como base de referência, para o distrito de São Paulo, precisam ser corrigidos, acrescentando-se 9,5% do número de crianças que morrem com menos de um ano de idade, ao total de nascidos vivos;

– uma política de ação dos administradores de hospitais, no sentido de promover o registro de nascimento, seria altamente recomendável.

Recebido para publicação em 16-8-1971

  • 1. LAURENTI, R O Investigação interamericana de mortalidade na infância em São Paulo. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 3:225-9, 1969.
  • 2. LOPES, M. M. S. Tratado dos registros públicos. 4.a ed. São Paulo, Livraria Freitas Bastos, 1960. v. 1, p. 160-3.
  • 3. MILANESI, M. L. & SILVA, E. P. C. e Sub-registro de nascimento no distrito de São Paulo. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 2: 23-8, 1968.
  • 4. SAADE, M. J. Verificação estatística do grau de deficiência do registro de nascimento. Rev. Serv. públ., Rio de Janeiro, 1:449-67, 1947.
  • 5. SILVA, E. P. C. e Estimativa de coeficientes e índices vitais e de sub-registros de nascimentos no distrito de São Paulo, baseados em amostra probabilística de domicílios. São Paulo, 1970. [Monografia de mestrado Faculdade de Saúde Pública da Univ. São Paulo].

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Set 2006
  • Data do Fascículo
    Dez 1971
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