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Avaliação da qualidade de assistência primária à saúde em localidade urbana da região sul do Brasil

Quality evaluation of primary health care an urban area of southern Brazil

Resumos

Foi estudada transversalmente uma amostra de 10% dos pacientes que consultaram em dois Postos de Assistência Primária à Saúde da Cidade de Pelotas (RS), Brasil, com o objetivo de avaliar, qualitativamente, o cuidado à saúde que estava sendo oferecido. Através de entrevistas domiciliares, 15 dias após a consulta, a resolução do problema (cura ou melhora) foi alcançada em 87,9% dos pacientes. A satisfação do paciente ou de seu responsável, no caso de consultas pediátricas, foi observada em cerca de 90% dos casos e esteve associada estatisticamente com a resolução do problema (p = 0,04). Observou-se associação entre resolutividade e disponibilidade de medicamentos no Posto. Os pacientes que receberam todo ou pelo menos parte do tratamento tiveram uma probabilidade 33% maior de terem seu problema resolvido. A satisfação dos profissionais mostrou-se linearmente associada com a percepção de melhor relação profissional-paciente (RP = 3,48; IC 95% 2,17 - 5,59) e com a expectativa de melhor prognóstico para o paciente (RP = 1,99; IC 95% 1,36 - 2,91).

Cuidados primários de saúde; Avaliação de processos e resultados (cuidados de saúde); Satisfação do paciente


A 10% sample of patients who attended two Primary Health Care Units (PHCU) in Pelotas, RS (Brazil) was studied cross-sectinonally for the purpose of measuring qualitatively the attention being offered to the population. According to domiciliar interviews, 15 days after their appointments, a solution (cure or improvement) was achieved in 87.9% of the patients. Patients or parents satisfaction (in the case of pediatric patients) was observed in nearly 90% of the sample. Patient satisfaction and solution were statistically associated (p=0.04). Association between the solution and the availability of medicines in the PHCU was observed. Patients who had received the whole or a part of their treatment had 33% greater probability of solving their problem. Professional satisfaction was linearly associated with both perception of a better professional-patient relationship (PR=3.48; CI95%2.17-5.59) and the expectation of a better patient prognosis (PR=1.99; CI95% 1.36-2.91).

Primaty health care; Outcome and process assessment (health care); Consumer satisfaction


ARTIGO ORIGINAL

Avaliação da qualidade de assistência primária à saúde em localidade urbana da região sul do Brasil

Quality evaluation of primary health care an urban area of southern Brazil

Iná S. HalalI; Felipe SparrenbergerII; Anete M. BertoniIII; Carla CiacometIV; Carlos E. SeibelIV; Flávia M. LahudeIV; Gilson A. MagalhãesIV; Lirio BarretoIV; Rita C.A. LiraIV

IDepartamento de Medicina Social da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) - Pelotas, RS - Brasil

IIResidência de Medicina Preventiva e Social da UFPel - Pelotas, RS - Brasil

IIIFAU da UFPel - Pelotas, RS - Brasil

IVAcadêmicos de Medicina da UFPel Pelotas, RS - Brasil

RESUMO

Foi estudada transversalmente uma amostra de 10% dos pacientes que consultaram em dois Postos de Assistência Primária à Saúde da Cidade de Pelotas (RS), Brasil, com o objetivo de avaliar, qualitativamente, o cuidado à saúde que estava sendo oferecido. Através de entrevistas domiciliares, 15 dias após a consulta, a resolução do problema (cura ou melhora) foi alcançada em 87,9% dos pacientes. A satisfação do paciente ou de seu responsável, no caso de consultas pediátricas, foi observada em cerca de 90% dos casos e esteve associada estatisticamente com a resolução do problema (p = 0,04). Observou-se associação entre resolutividade e disponibilidade de medicamentos no Posto. Os pacientes que receberam todo ou pelo menos parte do tratamento tiveram uma probabilidade 33% maior de terem seu problema resolvido. A satisfação dos profissionais mostrou-se linearmente associada com a percepção de melhor relação profissional-paciente (RP = 3,48; IC 95% 2,17 - 5,59) e com a expectativa de melhor prognóstico para o paciente (RP = 1,99; IC 95% 1,36 - 2,91).

Descritores: Cuidados primários de saúde. Avaliação de processos e resultados (cuidados de saúde). Satisfação do paciente.

ABSTRACT

A 10% sample of patients who attended two Primary Health Care Units (PHCU) in Pelotas, RS (Brazil) was studied cross-sectinonally for the purpose of measuring qualitatively the attention being offered to the population. According to domiciliar interviews, 15 days after their appointments, a solution (cure or improvement) was achieved in 87.9% of the patients. Patients or parents satisfaction (in the case of pediatric patients) was observed in nearly 90% of the sample. Patient satisfaction and solution were statistically associated (p=0.04). Association between the solution and the availability of medicines in the PHCU was observed. Patients who had received the whole or a part of their treatment had 33% greater probability of solving their problem. Professional satisfaction was linearly associated with both perception of a better professional-patient relationship (PR=3.48; CI95%2.17-5.59) and the expectation of a better patient prognosis (PR=1.99; CI95% 1.36-2.91).

Keywords: Primaty health care. Outcome and process assessment (health care). Consumer satisfaction.

Introdução

Inúmeros estudos têm sido realizados1,4,10, em diferentes países, com o objetivo de avaliar a qualidade dos serviços de saúde, dos ponto de vista dos pacientes. No Brasil existem poucos estudos de avaliação de serviços de saúde. A pequena produção se restringe praticamente à avaliação quantitativa dos serviços2 , restando escassas informações sobre resolutividade e satisfação dos pacientes. Segundo Donabedian3, a avaliação qualitativa dos serviços comporta sempre duas dimensões: desempenho técnico, ou seja, aplicação do conhecimento e da tecnologia médica, de modo a maximizar os benefícios e reduzir os riscos; e relacionamento com o paciente. A avaliação qualitativa do cuidado à saúde, segundo o citado autor, pode ser realizada em seus três componentes: estrutura, processo e resultado. A estrutura refere-se às características dos recursos utilizados pelo serviço; o processo, aos procedimentos empregados no manejo dos problemas apresentados pelos pacientes; e, o resultado, ao estado de saúde do paciente ou da comunidade resultante da interação com o serviço de saúde. A satisfação do paciente, o objetivo mais importante nos estudos de avaliação de qualidade3, tem sido incluída, geralmente, na avaliação de resultados. O citado autor inclui a satisfação dos profissionais de saúde como importante elemento da qualidade dos serviços oferecidos à população. A qualidade do cuidado oferecido, portanto, é multifatorial7. Desta forma, o presente estudo visa a avaliar qualitativamente a capacidade resolutiva e a satisfação em uma amostra de pacientes e profissionais da rede de Assistência Primária à Saúde da Cidade de Pelotas (RS).

Material e Método

Os dados aqui apresentados foram obtidos através da realização de um estudo transversal em dois postos de saúde da rede de assistência primária à saúde da Cidade de Pelotas (RS). A área de abrangência dos dois postos cobre uma população em torno de 8.500 pessoas. Esses postos são gerenciados e financiados pela Universidade Federal de Pelotas, e a demanda mensal é de cerca de 2.500 consultas. Os serviços prestados à população pelas equipes de saúde diversificam-se desde procedimentos preventivos, preponderantemente na área da saúde materno-infantil (vacinas, monitorização do crescimento e desenvolvimento da criança, pré-natal, prevenção do câncer ginecológico) até o atendimento de pacientes com problemas agudos ou crônicos. Ambos os postos estão estruturados com equipes multiprofissionais de saúde e funcionam como postos-escola para médicos residentes e estudantes de graduação de vários cursos da área da saúde da Universidade Federal.

O objetivo do presente estudo foi o de avaliar o impacto sobre a resolutiviclade e sobre a satisfação dos pacientes e dos profissionais das seguintes variáveis: tipo de problema6 ; prognóstico do paciente, considerando fatores biopsicossociais; prescrição de medicamentos e adesão ao tratamento; solicitação de exames complementares e sua realização; encaminhamento para outros profissionais e garantia de acesso; e, qualidade da relação profissional-paciente. Entende-se por resolutividade a capacidade do serviço de solucionar os problemas que lhe são apresentados; e, por satisfação, a percepção subjetiva de pacientes e profissionais quanto ao alcance de suas expectativas.

Para a avaliação da resolutividade e da satisfação do usuário, utilizou-se um processo sistemático de amostragem, de forma a obter-se informação de 10% dos pacientes que tiveram consulta em cada um dos postos, no período de 23.10.92 a 16.11.92. Os pacientes eram entrevistados no período máximo de 15 dias após a realização da consulta. Para a avaliação da satisfação dos profissionais foram entrevistados todos os profissionais de nível superior ao final de um turno de trabalho (4 horas), no período de 16.11.92 a 04.12.92.

Para a avaliação do grau de resolução de problemas e de satisfação dos usuários foram utilizados questionários especialmente delineados e pré-testados. Esses foram aplicados aos pacientes (ou aos pais dos pacientes, para o caso de consultas pediátricas) em entrevistas domiciliares por entrevistadores treinados. Os dados de identificação e endereço do paciente foram obtidos através dos registros dos postos. Para a avaliação da satisfação dos profissionais de saúde utilizou-se questionário auto-explicativo e auto-aplicável que era preenchido na presença de um membro da equipe de pesquisa. A satisfação do profissional foi definida através de uma escala demarcada de um a dez em que o profissional escolhia, visualmente, o escore de satisfação que melhor correspondia a cada consulta.

Após a revisão do conteúdo e da codificação dos questionários, os dados foram digitados em microcomputador, utilizando-se o programa Epi Info5. As análises foram feitas com o programa SPSS/PC+8. O teste qui-quadrado foi usado para avaliar a força das associações, e o risco relativo foi calculado através das razões de prevalências.

Resultados

Cento e dezenove pacientes deveriam compor a amostra estudada, perfazendo 10% da demanda atendida nos 15 dias que precediam a entrevista. Desses, conseguiu-se localiza99(83%). Dos 20 pacientes que não foram encontrados, 9 residiam fora de área e haviam tido consulta no serviço informando endereço de pessoa da família cadastrada no Posto, 7 haviam mudado de endereço e a vizinhança não dispunha do endereço atual, 3 não foram encontrados após três visitas em horários e dias diferentes e um paciente havia viajado para outra cidade. A amostra ficou então constituída por 128 pessoas, sendo 99 pacientes que foram entrevistados em seu domicílio e 29 profissionais de saúde que executavam suas funções nos dois postos periféricos estudados.

Resolução do problema e satisfação dos pacientes

Quanto às características socioeconômicas e demográficas da população estudada, 46% dos pacientes eram crianças e adolescentes (menores de 20 anos), 43% eram adultos e 11% pertenciam ao grupo de 60 anos ou mais de idade. A média de escolaridade das pessoas entrevistadas foi de 3,7 anos (desvio-padrão de 2,9 anos), sendo que 22% eram analfabetos. A renda familiar média foi de 2, 1 salários-mínimos da época.

A Tabela 1 mostra que 55,7% das consultas resultaram em prescrição de medicamentos. Foram solicitados exames complementares em 19,4% das consultas; e, apenas 5% dos pacientes foram encaminhados para outros profissionais. Quanto ao problema que motivou a consulta (Tabela 2), quinze dias após os pacientes ou seus responsáveis relataram que estavam melhor ou tinham resolvido o problema em 35,3% e 46,5% dos casos, respectivamente. Cerca de 88% dos pacientes ou seus responsáveis relataram estar satisfeitos com a consulta (Tabela 2), o que esteve significativamente associado com a resolução do problema (p = 0,04).

A Tabela 3 mostra o grau de resolução dos problemas segundo a opinião do paciente, de acordo com a prescrição de medicamentos. A resolução ou a melhora do problema foi duas vezes mais freqüente entre os pacientes que conseguiram fazer o tratamento prescrito (p = 0,00; IC 95% de 1,27 a 4,25). Os pacientes que receberam toda ou parte da medicação no próprio posto tiveram uma probabilidade de 33% maior de terem seu problema resolvido ou melhorado nos quinze dias subseqüentes à consulta (p = 0,004; IC 95% 1,01- 1,75) quando comparados com os demais. Poder comprar todo o tratamento também esteve associado com probabilidade maior de ter o problema resolvido. Quando comparados com os pacientes que não receberam medicação gratuita, os que puderam comprar todo o tratamento tiveram uma probabilidade 25% maior de melhorar ou de ter seu problema de saúde resolvido em igual período de quinze dias. Quando a medicação era receitada para ser obtida total ou parcialmente na farmácia do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), a probabilidade de resolução do problema ficou reduzida em cerca de 40% (p = 0,06 IC 95% 0,34-0,97).

As demais variáveis independentes estudadas não apresentaram associação estatisticamente significativa com resolução do problema ou satisfação do paciente.

Satisfação dos profissionais

Foram estudadas as opiniões dos 29 profissionais de nível superior que trabalhavam nos dois postos de saúde. Ao final de um turno de trabalho dos 29 profissionais, 109 pacientes haviam sido atendidos. Setenta e oito por cento das consultas foram realizadas por médicos, 15% por enfermeiras, 6% por nutricionistas e 1% por assistentes sociais. Atividades preventivas por excelência (puericultura e pré-natal) constituíram o principal motivo de atendimento em ambos os postos de saúde (16% das queixas principais e 13% dos diagnósticos). Em 67,3% das consultas os profissionais se sentiram muito satisfeitos (grau de satisfação 8 a 10, inclusive, na escala); em 28%, mediante satisfeitos (grau de satisfação 4 a 7); e, em apenas 4,7% deles se sentiram insatisfeitos. O "score" médio de satisfação dos profissionais foi de 7,8 (desvio-padrão 2,2).

A relação profissional-paciente, segundo a percepção dos primeiros, foi considerada "muito boa" em 58,7% das consultas; "boa" em 37,5% e "ruim" em apenas 3,8% delas (Tabela 4). A prevalência de satisfação do profissional aumentou de 25%, quando a relação profissional-paciente foi considerada "ruim", para cerca de 90% nos casos em que foi considerada "muito boa".

Em 56,7% dos pacientes (Tabela 4), o prognóstico imediato esperado pelos profissionais, em função da intervenção da consulta, era de "cura", isto é, resolução completa do problema. Os profissionais esperavam "melhora" do paciente em 26% dos casos; impossibilidade de modificação ("igual") em 9,6%; e, em 7,7% das consultas, o prognóstico foi considerado "imprevisível". Em nenhum caso o prognóstico esperado foi de "piora" do paciente. A prevalência de satisfação do profissional aumentou com a melhora do prognóstico. Quando a cura era o prognóstico esperado, a prevalência de satisfação do profissional foi de cerca de 80%, caindo para cerca de 40% quando não se esperava modificação do problema após a consulta ou quando a evolução do paciente fosse considerada imprevisível.

Tanto a relação profissional-paciente, quanto o prognóstico esperado estiveram ambos significativamente associados com a probabilidade de satisfação do profissional (p = 0,000 e p = 0,4, respectivamente). A Tabela 4 mostra que nas consultas em que a relação profissional-paciente foi considerada "muito boa", a probabilidade de satisfação do profissional foi 3,5 vezes maior do que no grupo cm que esta foi considerada "ruim". Observou-se também tendência à linearidade entre as duas variáveis (p = 0,00), isto é, quanto melhor a relação percebida pelo profissional, maior a probabilidade de satisfação com a consulta. Quanto ao prognóstico, a probabilidade de satisfação foi cerca de duas vezes maior quando o profissional esperava resolução completa do problema. A possibilidade de melhora do paciente esteve associada com uma probabilidade de satisfação do profissional 40% maior do que nos casos em que o prognóstico não era passível de modificação com a consulta. O teste para tendência linear entre as duas variáveis foi significativo ao nível de p = 0,009.

Discussão

A capacidade resolutiva de um serviço de saúde supõe dois aspectos2 : a capacidade de absorver o número de assistência solicitada (capacidade resolutiva quantitativa ou acesso), e a capacidade de resolver os casos atendidos (capacidade resolutiva qualitativa). A capacidade resolutiva qualitativa, objeto do presente estudo, representa a capacidade do serviço em solucionar a maior parte dos problemas que lhe são apresentados. Existem vários indicadores propostos para avaliação de resultados, desde medidas de morbidade até medidas de progressão prevenível de doenças. A percepção própria do paciente também tem sido considerada uma medida da resolutividade dos serviços3 . Segundo a percepção dos pacientes, no presente trabalho, a resolutividade qualitativa alcançada, 15 dias após o contato com o serviço de saúde, foi de 87,9%. Entre as variáveis independentes estudadas, a resolução do problema foi dependente apenas da disponibilidade de medicamentos. Poder fazer o tratamento prescrito correspondeu a uma probabilidade duas vezes maior de resolução do problema, no espaço de 15 dias. Em termos de disponibilidade de medicamentos, receber os remédios no próprio posto de saúde esteve associado com uma probabilidade 33% maior de resolução do problema quando comparados com os demais pacientes. As demais variáveis independentes estudadas não apresentaram associação estatisticamente significativa com a resolutividade, provavelmente em função de dois aspectos: estratos muito pequenos em cada uma das categorias da variável, e uniformidade da amostra quanto a fatores sociais importantes na determinação do processo saúde-doença, como renda e escolaridade.

Cerca de 90% dos pacientes, ou seus responsáveis, se disseram satisfeitos com o atendimento recebido no Posto. Em geral, os pacientes mostram-se relutantes em expressar sua não satisfação com os serviços de saúde2,10. Além disso, vários fatores podem afetar a percepção dos pacientes, desde experiências prévias até o estado atual de saúde. No presente estudo, a satisfação com a consulta esteve significativamente associada com a resolução do problema (p = 0,04), segundo a percepção do próprio paciente ou de seu responsável, o que reforça a possibilidade de real satisfação. Não foram utilizados outros marcadores que pudessem validar a informação de resolução do problema ou de satisfação do paciente. As perguntas que forneciam estas informações, no entanto, foram colocadas estrategicamente ao final da entrevista, depois de se ter garantido um clima de confiança entre o entrevistador e o entrevistado.

A satisfação do profissional tem sido sugerida como uma dimensão importante da avaliação da qualidade dos serviços3 . No presente trabalho, os 29 profissionais de nível superior, trabalhando em assistência primária à saúde, revelaram-se muito satisfeitos em 67,3% das consultas. A qualidade da relação profissionalpaciente, de acordo com a percepção dos primeiros, foi importante fator associado com a satisfação profissional. Embora não se tenha utilizado marcadores de validação da percepção do profissional, as consultas em que a relação profissional-paciente foi considerada "muito boa" tiveram prevalência de satisfação por parte do profissional de cerca de 90%. A probabilidade de satisfação profissional no atendimento de pacientes foi 3,5 vezes maior quando a relação estabelecida entre ambos foi considerada "muito boa".

A incerteza prognóstica ("prognóstico imprevisível") ou a incapacidade de alterar o curso da doença do paciente ("prognóstico igual") estiveram associados com a menor prevalência de satisfação profissional (cerca de 40%). Mesmo que a resolução completa do problema não pudesse ser esperada, em função da cronicidade da doença ou de seu aspecto recidivante ou de fatores sociais adversos, o prognóstico de melhora do paciente esteve associado com uma prevalência de cerca de 60% de satisfação profissional. O manejo de situações cuja expectativa fosse a completa resolução apresentaram uma probabilidade duas vezes maior de satisfação por parte do profissional.

Mesmo considerando que a maior concentração de motivos de consultas e de diagnósticos dos profissionais ocorreu em atividades preventivas (puericultura e pré-natal) o que, por si só, possivelmente se relacione com uma maior gratificação profissional, é plausível considerar a maior probabilidade de gratificação quando o relacionamento profissional-paciente é bom e quando o prognóstico c favorável. Convém destacar, no entanto, a possibilidade de que a motivação de ambas as equipes de saúde não represente a média habitual nos serviços de saúde, podendo estar muito acima desta.

O componente da avaliação qualitativa denominado de "resultado", portanto, mostrou-se no presente estudo indissociado do componente denominado "processo". As teias que ligam estrutura, processo e resultados são, de fato, bastante frágeis, uma vez que tanto a existência de melhores pré-condições pode ser mal usada quanto a excelência profissional pode resultar em benefícios, mesmo em situações bastante precárias9 . Fica evidente que todo o esforço deveria ser feito no sentido de melhorar a fase de "processo" da assistência primária à saúde, investindo na sua estrutura e, entre outros, na educação continuada de seus profissionais, instrumentalizando-os adequadamente para a demanda solicitada e para alcançar melhor relação com os pacientes.

Em resumo, o presente estudo revelou que, do ponto de vista dos pacientes, a satisfação com o serviço de saúde está associada com a resolução do problema que motivou a consulta. A disponibilidade de medicamentos no próprio posto de saúde é o principal fator associado com a capacidade resolutiva qualitativa do serviço. A satisfação do profissional em assistência primária à saúde esteve diretamente associada com a melhor qualidade da relação com o paciente e com uma expectativa prognostica mais favorável. Processo e resultados (dois elementos da qualidade dos serviços) estiveram indissociados, indicando que todo o esforço deveria ser feito para melhorar o processo de cuidado dos pacientes.

Agradecimentos

Às comunidades e às equipes dos postos de saúde da Vila Santos Dumont e Areal da Cidade de Pelotas, RS. Ao Dr. Fernando Barros do Departamento de Medicina Social da UFPel pelas sugestões e críticas.

Recebido para publicação em 24.8.1993

Reapresentado em 11.1.1994

Aprovado para publicação em 11.2.1994

Separatas/Reprints: I.S.Halal - Av. Duque de Caxias, 250 -Fragata- Caixa Postal 464 - 96030-000 -Pelotas, RS - Brasil

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Ago 2003
  • Data do Fascículo
    Abr 1994

Histórico

  • Aceito
    11 Fev 1994
  • Revisado
    11 Jan 1994
  • Recebido
    24 Ago 1993
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