Acessibilidade / Reportar erro

Aspectos sócio-culturais da epilepsia à luz da psicodinâmica: apresentação de uma entrevista com paciente epiléptica

Resumos

Estuda-se a situação histérico-cultural na determinação da enfermidade psíquica com realce da epilepsia e faz-se considerações em tôrno da saúde e doença como conceitos culturais. Finalmente, analisa-se uma entrevista com paciente epiléptica nos seus aspectos sócio-culturais à luz da psicodinâmica. Em uma das conclusões indica-se a necessidade de esclarecer a comunidade quanto à epilepsia, a fim de ajudar a população a aceitar e compreender o enfêrmo epiléptico.


The author reviews the historical and cultural situation in the determination of mental disease focusing epilepsy, making considerations on health and disease as cultural concepts. Finally, the author analyses an interview with an epileptic patient considering social and cultural aspects as viewed by psychedynamics. One of the conclusions refers to the need of enlightening the community regarding epilepsy so that the population may accept and understand the epileptic patient.


ARTIGO

Aspectos sócio-culturais da epilepsia à luz da psicodinâmica. Apresentação de uma entrevista com paciente epiléptica1 1 Da Disciplina Autônoma de Ciências Sociais Aplicadas da Faculdade de Higiene e Saúde Pública da USP. Apresentado no 1.° Seminário do Grupo de Estudos de Psiquiatria Dinâmica do Hospital Juqueri de São Paulo

Helena Savastano

RESUMO

Estuda-se a situação histérico-cultural na determinação da enfermidade psíquica com realce da epilepsia e faz-se considerações em tôrno da saúde e doença como conceitos culturais. Finalmente, analisa-se uma entrevista com paciente epiléptica nos seus aspectos sócio-culturais à luz da psicodinâmica. Em uma das conclusões indica-se a necessidade de esclarecer a comunidade quanto à epilepsia, a fim de ajudar a população a aceitar e compreender o enfêrmo epiléptico.

SUMMARY

The author reviews the historical and cultural situation in the determination of mental disease focusing epilepsy, making considerations on health and disease as cultural concepts. Finally, the author analyses an interview with an epileptic patient considering social and cultural aspects as viewed by psychedynamics. One of the conclusions refers to the need of enlightening the community regarding epilepsy so that the population may accept and understand the epileptic patient.

INTRODUÇÃO

No 1.° Seminário Interno do Grupo de Estudos de Psiquiatria Dinâmica do Hospital Juqueri de São Paulo e da Disciplina de "Psicologia Profunda" do Curso de Psicossomática do I.B.E.P.G.E. (Prof. e Coordenador Dr. João Gomes Mariante, Representante do S.N.D.M.) preocupamonos em apresentar nossa contribuição através de uma entrevista com paciente epiléptica.

Pretendemos com êste estudo verificar alguns aspectos sócio-culturais da epilepsia à luz da psicodinâmica; verificar o conhecimento sôbre a epilepsia dos familiares da paciente e de outras pessoas de seu meio ambiente; em estudos futuros, sugerir medidas educativas desde que confirmada a hipótese de que a população está mal informada a respeito dessa doença.

Com tais fins, êste estudo seguiu o seguinte plano:

1. Situação histérico-cultural na determinação da enfermidade psíquica com realce na epilepsia.

1.1. A saúde e a doença

1.2. Aspectos sócio-culturais da psiquiatria dinâmica

2. Incidência da epilepsia.

3. A terapêutica psicodinâmica de pacientes epilépticos.

4. Entrevista com paciente epiléptica.

5. Discussão dos aspectos sócio-culturais da epilepsia à luz da psico-dinâmica, do caso em questão.

5.1. Influências sócio-culturais extra-hospitalares

5.2. Relações sócio-culturais intra-hospitalares

6. Conclusões e Sugestões.

1. SITUAÇÃO HISTÓRICO-CULTURAL NA DETERMINAÇÃO DA ENFERMIDADE PSÍQUICA COM REALCE NA EPILEPSIA

A caracterização das enfermidades psíquicas dependem das concepções e valores dominantes nos diferentes grupos humanos. Algumas comunidades são agrupamentos de anormais e de enfermos mentais. Como sabemos, na concepção da medicina helênica (JASPER 7, 1951), entre outros círculos havia os que cultivavam a religiosidade dionisíaca. Nestes círculos foram incluídos, supostamente, atitudes histéricas; na época vitoriana predominavam os desmaios; as tanatomanias de certos povos constituíam padrões culturais. MAC--LACHLAN9 (1958) cita a chamada "histeria ártica" ou "piblotka" de tribos siberianas; a neurose ou psicose conhecida como "windigow", caracterizada por ansiedade obsessiva em relação à fome e ao canibalismo e encontrada entre tribos índigenas do interior do Canadá; o "amok", dos malaios, em que o impacto cultural sobre certas personalidades desencadeava episódios maníacos. A anormalidade chega a ser, assim, um traço característico da cultura.

Preocupou-nos ver estas descrições de sintomas de manias, de histeria como equivalentes epilépticos ou epileptiformes. Grande número de autores, pois, já desde os tempos gregos, descrevem sob o rótulo de outras expressões sintomatológicas ou de entidades nosográficas definidas, nada mais que a própria epilepsia em suas variadas formas.

Certas culturas podem criar não apenas os conflitos que refletem o comportamento neurótico, mas, definem papéis sociàvelmente aceitáveis para os portadores de neurose ou outras doenças mentais. Assim, a sociedade cria uma personalidade-status que considera normal segundo a definição da própria sociedade.

Dentre as criações culturais de enfermidades psíquicas, assume importante papel a educação na primeira infância. Sabemos que o comportamento no meio familiar começa por impor a cultura do grupo em cada período de vida; que a base da personalidade é formada nos primeiros anos de vida da criança e dela vai depender, em grande parte, a saúde mental do adulto; que a autoridade paterna e da sociedade, cria níveis de tensão nervosa e também, outros fatôres culturais podem levar à doença mental.

É através das relações interpessoais estruturadas que o "stress" psico-social. repressões, frustrações são implantados. Estas desordens psicológicas são em essência fenômenos culturais. Isto porque, como vimos, certos episódios como o "amok" e outros que citamos, são expressões de uma psicopatologia social, as chamadas neuroses ou psicoses coletivas.

HOLLINGSHEAD 5 mostrou que segundo as classes sociais há diferentes doenças psíquicas; que a neurose baseada na ansiedade ou sentimento de culpa incide especialmente na classe média e alta; que no relatório Kinsey a classe menos favorecida apresenta menos tensão emocional relacionada ao sexo que a classe média. Com isso queremos mostrar apenas a discriminação que realiza êsse autor, embora não se tenha elementos para extrair conclusões do motivo porque certos tipos de neurose predominam em grau maior ou menor de acôrdo com as classes sociais. Pensamos que é um tema de alta complexidade que necessita de maiores investigações.

1.1. A saúde e a doença

A saúde e a doença não são consideradas pela ciência social como um absoluto universal (MACLACHLAN9, 1958). A definição médica de saúde está implícita na sociologia e antropologia. Isto porque os padrões médicos existem essencialmente em função da cultura e há, portanto, grande variação nos conceitos de saúde normal, em muitos grupos culturais. Quanto à doença, seja física ou mental, sofre o mesmo enquadramento, isto é, está sujeita a uma definição cultural; e, possìivelmente, está exigindo uma conceituação mais precisa. Esta seria a forma de se evitar ambigüidades e confusões principalmente aquelas que dizem respeito à epistemologia.

Num sentido mais amplo, o estado de saúde ou doença como um fator dinâmico, se relaciona com a cultura. O estar doente ou são é um fenômeno cultural.

A ciência médica moderna se tem preocupado mais com a definição de um bom estado de saúde física através de técnicas específicas e diagnóstico. Mas, no campo da saúde mental não se tem alcançado um nível de exatidão. Mas, pensamos que o fator ansiedade, esta ansiedade, diríamos, milenar, que desperta em todo o ser humano quando se fala em enfermidade mental, é que estaria impedindo uma definição mais exata.

Não só outras expressões psicopatológicas, mas a epilepsia, obedeciam à concepção da magia e do animismo, tanto assim que a epilepsia ou mal comicial era considerada a doença sagrada. Desde o ultimo século tem havido uma revolução na conceituação dessas doenças. Quanto à epilepsia ela é atualmente definida pela evidência, principalmente, de registros cerebrais anormais, embora esta doença esteja necessitando, como outras entidades, de um enquadramento mais amplo em função das três áreas, já nossas conhecidas, de Pichon Rivière: mente, corpo e ambiente.

Enquadramos a etiologia e terapêutica dessa doença nos conhecimentos científicos modernos. No entanto, a ignorância é generalizada em muitos grupos sociais que desconhecem o aspecto médico da epilepsia. Desta maneira "o epiléptico é olhado como inferior ou peculiar, um pária obrigado a viver à margem da sociedade. Uma convulsão da criança no colégio será motivo para que a professôra aconselhe os pais a retirarem o filho da escola; aos epilépticos são fechadas, às vêzes, as portas do trabalho; desencadeia-se tremenda tragédia doméstica quando a família torna-se ciente de manifestação comicial do candidato ao casamento", como afirma MANFREDINI 10.

Apesar dos conhecimentos científicos modernos o povo não avisado acredita ainda na contagiosidade e na hereditariedade da epilepsia, quando não dá a essa doença o conceito de "misteriosa".

MARIANTE, em comunicação verbal, declara que possìvelmente, no seu modo de ver, nenhum povo aceita a enfermidade. Uns reagem de maneira diferente do outro. A maneira de aceitar depende da cultura em função das ansiedades básicas. Estas ansiedades básicas ditam o comportamento.

1.2. Aspectos sócio-culturais da psiquiatria dinâmica

Não só outras doenças mentais, como a epilepsia, vêm sendo encaradas no âmbito da Saúde Pública e as cogitações estão sendo dirigidas para êsse setor, haja visto as publicações da Organização Mundial da Saúde2,3,6, 11. Os peritos da OMS têm conjugado seus esforços para uma união de pensamento da classe médica a respeito das doenças mentais. Os conhecimentos científicos modernos e a psiquiatria dinâmica têm revolucionado não só o meio clínico, quanto ao aspecto terapêutico, como a coletividade frente não só aos epilépticos como aos enfermos mentais. Mas, êsses núcleos embuídos no espírito da psiquiatria dinâmica representam parcelas aqui e acolá.

Alguns anos atrás, como sabemos, os doentes mentais eram segregados do meio social e a comunidade se protegia dêsses doentes internando-os. Eram esquecidos pelas próprias famílias que faziam o possível para não lembrar de sua existência.

BREMER 1, professor da Universidade de Bruxelas, lembra "que os médicos não neuropsiquiatras deviam ser informados tanto quanto a população geral da natureza exata da epilepsia, de sua complexidade etiológica e patológica, das possibilidades diagnósticas, do E.E.G., e das descobertas terapêuticas recentes que muito modificaram o prognóstico dêsses enfermos até então considerados irremediàvelmente inválidos".

A própria OMS11 (1959) afirma que dois pontos são importantes para a aceitação do problema, como sejam:

1) Incutir o espírito da Psiquiatria Dinâmica em muitos hospitais que mantêm uma administração tradicional.

2) Estudar a comunidade para verificar as reações frente ao problema.

A OMS11 (1959) recomenda a formação de uma equipe psiquiátrica capaz de agir de maneira compreensiva ante à comunidade, família e enfêrmo.

Onde os progressos científicos têm sido aceito, permite-se manter os doentes em tratamento ambulatório, em contato com a sociedade, a qual, aos poucos, vai se inteirando da possibilidade da reabilitação dêsses doentes.

2. INCIDÊNCIA DA EPILEPSIA

Há poucas regiões do mundo em que não há epilepsia. Maori (ilhas dos Mares do Sul) parece constituir essa exceção, se bem que em certas tribos de índios americanos e nativos de Hawai e Filipinas a doença seja muito rara.

A epilepsia incide em qualquer tipo de pessoa, seja rico ou pobre, débil ou gênio. Na história vemos Julius Cesar, Napoleão, Mohamed, Lord Byron, Dostoyewsky, Flaubert, Mendelssohn, Mozart, Paganini, Pedro o Grande, Carlos V e Balzac ( SANTAYANA 15, 1961).

As estatísticas demonstram ser uma das mais freqüentes afecções nervosas, atingindo mais de 0,5% da população mundial (PEREIRA12, 1964).

É considerada um problema social por excelência pois afeta, como sabemos, não só o setor infância (REID 14, 1960) como vincula uma série de problemas sociais, particularmente a deliqüência e a incapacidade no adulto (LANSOT-BLANCO8, 1962).

3. A TERAPÊUTICA PSICODINÂMICA DE PACIENTES EPILÉPTICOS

O mundo do enfêrmo mental é de ansiedade ou de angústia. A Psiquiatria Dinâmica se propõe em 1.° lugar aliviar os doentes, reconstituindo para eles um universo social do qual quanto possível sejam eliminados o temor, a culpabilidade, a frustração e o conflito; no caso dos epilépticos, principalmente a insegurança. A equipe psiquiátrica deverá reconstituir uma sociedade adaptada para o enfêrmo.

Como sabemos, 3 tipos de terapia são advogadas hoje, não só para os doentes mentais como para epilépticos: psico-social, física e farmacológica. Os peritos da OMS11 (1959) revelam o êxito que se tem generalizado a êsse respeito e preconizam o tratamento psicológico através de uma dinâmica social, seja pelo sistema de lares adotivos ou aceitação da doença pelos familiares dos próprios enfermos; seja ainda através de tratamento psicológico com base analítica. Neste caso não podemos deixar de citar o trabalho de GIOIA 4 (1954), onde se salientam os benéficos resultados obtidos com um paciente epiléptico cujo tratamento foi feito em ambulatório e na internação.

4. ENTREVISTA COM PACIENTE EPILÉPTICA

Dia: 3/8/1967; 5.a-feira; 9:10 h.

Duração: 45 min.

Paciente: N.A.N., feminina, 20 anos, solteira.

Aspecto psíquico: A paciente a princípio não queria ser entrevistada. Depois teve bom contato, mostrando-se tranqüila, não aparentando agressividade, nem obnubilação; aparentemente, nível intelectual normal; passou despercebido viscosidade, bradipsiquia e atividades automáticas. Demonstrou durante tôda a entrevista uma atitude infantil e acanhada.

N.A.N. é filha de Fulana de tal e pai ignorado, sendo o atual padrasto o 4.°; os 3 primeiros largaram a mãe, deixando-a com uma "tonelada de filhos". A mãe sempre trabalhou, mas, sempre bebeu muito.

Desde criança, morou com a tia, a qual a fêz estudar datilografia e diplomar-se no Grupo Escolar Barão H. de Melo (São Paulo). "De fato minha tia é minha mãe para mim. Porque ela me visita, me traz sapatos. Às vêzes, choro da mãe que tenho; ela me fêz vingança para mim; urino na cama até hoje; quando era pequena ensinaram para ela me dar rato morto frito numa lata de manteiga e com isso que eu largava de urinar na cama; me fêz comer à fôrça. Quando acabei ela disse: ah! comeu ou não comeu! Quando era pequena fui muito judiada por ela; acho que por isso que vim parar aqui no Juqueri. Porque ratos passam doenças feias e até hoje não deixei de urinar na cama. Depois dos 7 anos minha tia me levou ao médico e ele disse para não beber água depois das 5 horas; eu obedecia, sempre obedeci; agora não é todo o dia que faço na cama".

Aos 16 anos foi para o juizado em uma cidade do interior, onde foi entrevistada por uma assistente social, ocasião em que manifestou desejos de estudar enfermagem. Conseguiu ingressar no 1.° ano, na Santa Casa local. A primeira manifestação epiléptica se deu nesta época. Tendo ido ao Centro Cirúrgico buscar material às 11 horas da noite, "quando voltei não senti nada mais; deu ataque em mim; nunca tinha sentido nada. No dia seguinte ao acordar estava na enfermaria com pontos na cabeça, pois rachei ao cair. Fiquei um mês internada e o médico do Instituto Bierenbach disse que não mais podia continuar enfermagem". Daí voltou para o juizado que a mandou para a casa da mãe. A mãe não a queria em casa porque dizia que precisava trabalhar (a paciente). Foi, mas não parava em casa de famílias, devido aos ataques; "as mulheres não sabiam o que eu tinha e não queriam ficar comigo". Em 1963 providenciaram sua internação no Hospital do Juquerí. Algum tempo depois foi removida para o Sanatório Pinel. A seguir voltou a casa da mãe e desde 1966 retornou ao Hospital do Juquerí. "A única coisa que quero é ir embora; que Dr. B. me desse licença; êle disse que eu estou boa mas que não me solta assim; só se alguém vier me buscar. Não tenho tido mais ataque, tomo direitinho remédios, só que não gosto de tomar, porque tenho muito sono e gosto de ajudar as funcionárias".

"Meu padrasto disse que não vai me levar para casa porque não vai tocar o filho dêle; que eu estou bem aqui. Minha mãe diz que não daria bem em casa no meio de dois moços (filhos do padrasto) ; agora resta eu ficar aqui esperando a vontade dêles para sair. Já disse que trabalho em qualquer lugar, quero ganhar meu dinheiro; tanto serviço que tem para a gente lá fora e tenho que ficar aqui. O assistente social falou que arranja serviço, se o médico der licença, mas quem vai dar licença, se o Dr. B. não é mais médico daqui? E o Dr. D. não é meu médico. Quando vou em casa passo bem 2-3 dias, mas depois não sei o que é; não dou bem com minha mãe. Ela acha que tenho de trabalhar ou voltar para o Juizado. Aqui ajudo todo o pessoal no pavilhão, de manhã à noite; gosto daqui: bato à máquina; sou tratada bem; todos eles me tratam muito bem, começando da encarregada até a última funcionária. Veio outro dia um funcionário e queria me levar para a costura, eu não quis porque não gosto. Gosto mais de ajudar aqui no pavilhão".

5. DISCUSSÃO DOS ASPECTOS SÓCIO-CULTURAIS DA EPILEPSIA À LUZ DA PSICO-DINÂMICA, DO CASO EM QUESTÃO

Salientamos que esta discussão é baseada em uma única entrevista e caso único, o que limita nosso relatório; mas, cremos que servirá de guia para observações futuras.

Segundo os nossos objetivos, julgamos ter vislumbrado os aspectos dinâmicos do caso e procuramos abordá-los como influências sócio-culturais extra e intra-hospitalares.

5.1. Influências sócio-culturais extra-hospitalares

A configuração cultural da comunidade em que viveu a paciente assemelha-se à de uma comunidade não letrada onde predomina a Medicina de Folk ou também chamada popular (PIOVESAN13, 1959). Haja visto a ignorância sôbre a doença, a magia e crendices predominantes na família da paciente; notamos, também, outros aspectos que dizem respeito à intolerância, não aceitação e mêdo da doença existente na comunidade exteriorizados pelas diferentes famílias em cujas casas a paciente exerceu a atividade de doméstica.

Concordamos com MARIANTE (segundo sua comunicação verbal em aulas) que êste stress-social são aspectos patológicos da própria paciente que refletem a sociedade. Ambos, família e sociedade, identificando-se com a paciente, tiveram necessidade de expulsar para longe o que acham perigoso, internando a paciente.

A família era de baixo nível sócio-econômico educativo, de estrutura desorganizada e nela predominava o alcoolismo. A paciente na infância teve possibilidade para um melhor ambiente social e educativo (cuidada pela tia, estuda datilografia e inicia enfermagem) ; mas, foi absorvida por um meio não esclarecido, não podendo integrar-se no próprio meio devido, parece, ao seu próprio dinamismo psicopatológico.

5.2. Relações sócio-culturais intra-hospitalares

Estamos com WEINBERG 16 (1958) nos pontos que abaixo abordamos:

Sabemos que a terapia somática tem muita influência no restabelecimento do paciente, mas há outras fôrças no hospital inerentes ao processo psico-social que contribuem para êsse restabelecimento; são principalmente os contatos terapêuticos orientados dentro de uma constelação psicodinâmica.

O processo sócio-hospitalar no caso parece ter-se desenvolvido da seguinte maneira :

1) A paciente foi removida do seu ambiente (família, escola, vizinhança, empregos) onde pareciam mais intensos seus conflitos.

2) Foi colocada entre grupos não só de pacientes mas de funcionários que, aparentemente, puderam aceitá-la melhor.

3) A mudança de situação pondo-a em combate com novos companheiros modificou seu enquadramento anterior (extra-hospitalar) e a impeliu a fazer coisas no hospital com uma orientação diferente. Esta vida coletiva também teve uma impulsão que facilitou a socialização da paciente. Nosso objetivo aqui não é demonstrar que a paciente modificou completamente, mas, assinalar influências de mudança de ambiente em sua conduta.

Quanto ao que se refere à conduta ou personalidade da paciente, pensamos que houve o seguinte:

1) A paciente tendeu a controlar a sua conduta segundo as regras do hospital; sua espontaneidade de comportamento foi reprimida, mas, deu livre expressão de sua personalidade através da ergoterapia. Pensamos que conseguiu, assim, instrumentar no âmbito hospitalar todas aquelas tensões ou situações exógenas.

2) A paciente, trabalhando no hospital, se confunde em seu papel paciente-sã, se bem que obtém benefícios dessas suas atividades. Penso que aqui pode-se ver bem claro a negação da enfermidade.

3) A negação de seu papel faz com que tenha desejos de deixar o hospital (já está boa e só espera que Dr. B. dê alta).

4) Mas, é certo que o ambiente hospitalar intensifica e desperta também novas ansiedades, promovendo como que alternâncias afetivas. Isto faz com que a paciente não possa permanecer por mais tempo no ambiente hospitalar para ela já ansiógeno; faz com que idealize a comunidade extra-hospitalar, que cessa de ser um mundo cruel, para ser um mundo livre, um mundo de liberdade. Isto é, a pressão social hospitalar no sentido dela deixar o nosocômio torna menos fortes os conflitos passados e ela adquire uma perspectiva divergente através de seu ambiente: sentimento de pertencer e ao mesmo tempo lutar para deixar o hospital.

5) Teve necessidade de recorrer a uma série de racionalizações, como técnica de ação para poder manejar a sua intensa ambivalência e negar a sua enfermidade.

6. CONCLUSÕES E SUGESTÕES

Através do exposto parece-nos que a Epilepsia ainda continua sendo em alguns grupos sociais desconhecida em sua etiologia e terapêutica.

Estamos com os autores OMS 2,3,8,11 (1963, 1960, 1959) e LANSOT-BLANCO 8, (1962) quando afirmam que as medidas profiláticas devem basear-se no esclarecimento da comunidade sôbre a doença; além de um preparo prévio, podemos utilizar inúmeros meios de comunicação de massa educando-a no sentido de aceitar e reabilitar o doente epiléptico; a comunidade deve também aprender a reconhecer na infância as possíveis desordens de comportamento com características epileptiformes a fim de que as crianças possam ser encaminhadas para um tratamento psiquiátrico ou psicológico adequado e evitar futuros distúrbios de comportamento.

O espírito do Grupo de Estudo de Psiquiatria Dinâmica que se vem desenvolvendo há um ano no Hospital Juquerí de São Paulo, deveria ser difundido em outras instituições congêneres. Tal espírito consta da abordagem do paciente mental dentro da psicologia dinâmica e do esquema de Pichon Rivière (comunicação verbal de MARIANTE) que enquadra o indivíduo como um ser integral, dentro das três áreas: mente, corpo e ambiente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. BREMER, F. apud PEREIRA, J. L. C.12

2. LA ENSEÑANZA de la psiquiatría – Cron. Org. mund. Salud, 17(5):180-185, mayo 1963.

3. O ENSINO da psiquiatria do mundo – Cron. Org. mund. Salud, 17(8):324-328, ago. 1963.

4. GIOIA, G. – Reacción de un paciente ante la internación. Rev. Psicoanál., 11 (3): 379-383, mar. 1954.

5. HOLLINGSHEAD apud MAC-LACHLAN, J. M.9

6. INFORMES de grupos de peritos – Cron. Org. mund. Salud, 14(5): 218-219, mayo 1960.

7. JASPER, K. – Psicopatologia geral. Buenos Aires, E. A. Bini, 1951. v. 2.

8. LANSOT-BLANCO, M. – Aspectos médicos sociais de la epilepsia. Arch. Pediat. Uruguai, 33(3): 180-191, mar. 1962; 33(4):252-263, abr. 1962.

9. MACLACHLAN, J. M. – "Cultural factors in health and disease". In: JACO, E. C. Patients, physicians and illness. New York, Free Press, 1958. p. 94-105.

10. MANFREDINI, J. apud PEREIRA, J. L. C.12

11. ORGANIZACIÓN MUNDIAL DE LA SALUD. Comité de Expertos en Salud Mental – Psiquiatria social y actitudes de la coletividad: 7.° informe. Ginebra, 1959. p. 20-29. (Ser. Inf. téc., n.° 177).

12. PEREIRA, J. L. C. – O casamento do epiléptico. Rev. bras. Med., 21(4): 278-282, abr. 1964.

13. PIOVESAN, A. – Antropologia. São Paulo, FHSP. Disciplina Autônoma de Ciências Sociais Aplicadas, 1959. (Apostila).

14. REID, D. D. – Epidemiological methods in the study of mental disorders. Geneva, WHO, 1960. Publ. Hlth Pap., n.o 2).

15. SANTAYANA, S. G. – What causes epilepsy? J. Sch. Hlth, 31(5):160-163, May 1961.

16. WEINBERG, S. K. – "Organization, personnel and functions of state and private mental hospitals: a comparative analysis". In: JACO, E. C. Patients, physicians and illness. New York, Free Press, 1958. p. 478-491.

Recebido para publicação em 9-10-1967

  • 2. LA ENSEÑANZA de la psiquiatría Cron. Org. mund. Salud, 17(5):180-185, mayo 1963.
  • 3. O ENSINO da psiquiatria do mundo Cron. Org. mund. Salud, 17(8):324-328, ago. 1963.
  • 4. GIOIA, G. Reacción de un paciente ante la internación. Rev. Psicoanál., 11 (3): 379-383, mar. 1954.
  • 6. INFORMES de grupos de peritos – Cron. Org. mund. Salud, 14(5): 218-219, mayo 1960.
  • 7. JASPER, K. Psicopatologia geral. Buenos Aires, E. A. Bini, 1951. v. 2.
  • 8. LANSOT-BLANCO, M. Aspectos médicos sociais de la epilepsia. Arch. Pediat. Uruguai, 33(3): 180-191, mar. 1962;
  • 9. MACLACHLAN, J. M. "Cultural factors in health and disease". In: JACO, E. C. Patients, physicians and illness. New York, Free Press, 1958. p. 94-105.
  • 11. ORGANIZACIÓN MUNDIAL DE LA SALUD. Comité de Expertos en Salud Mental – Psiquiatria social y actitudes de la coletividad: 7.° informe. Ginebra, 1959. p. 20-29. (Ser. Inf. téc., n.° 177).
  • 12. PEREIRA, J. L. C. O casamento do epiléptico. Rev. bras. Med., 21(4): 278-282, abr. 1964.
  • 13. PIOVESAN, A. Antropologia. São Paulo, FHSP. Disciplina Autônoma de Ciências Sociais Aplicadas, 1959. (Apostila).
  • 14. REID, D. D. Epidemiological methods in the study of mental disorders. Geneva, WHO, 1960. Publ. Hlth Pap., n.o 2).
  • 15. SANTAYANA, S. G. What causes epilepsy? J. Sch. Hlth, 31(5):160-163, May 1961.
  • 16. WEINBERG, S. K. "Organization, personnel and functions of state and private mental hospitals: a comparative analysis". In: JACO, E. C. Patients, physicians and illness. New York, Free Press, 1958. p. 478-491.
  • 1
    Da Disciplina Autônoma de Ciências Sociais Aplicadas da Faculdade de Higiene e Saúde Pública da USP. Apresentado no 1.° Seminário do Grupo de Estudos de Psiquiatria Dinâmica do Hospital Juqueri de São Paulo
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Set 2006
    • Data do Fascículo
      Dez 1967

    Histórico

    • Recebido
      09 Out 1967
    Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo Avenida Dr. Arnaldo, 715, 01246-904 São Paulo SP Brazil, Tel./Fax: +55 11 3061-7985 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revsp@usp.br