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Vigilância sanitária do tabaco no estado de São Paulo

Sanitary surveillance of tobacco in the state os São Paulo, Brazil

INFORMES TÉCNICOS INSTITUCIONAIS

Vigilância sanitária do tabaco no estado de São Paulo

Sanitary surveillance of tobacco in the state os São Paulo, Brazil

Centro de Vigilância Sanitária, Coordenadoria de Controle de Doenças, Secretaria de Estado da Saúde

Correspondência | Correspondence Correspondência | Correspondence: Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo Av. Dr. Arnaldo, 351 1º andar sala 135 01246-901 São Paulo, SP, Brasil E-mail: bepa@saude.sp.gov.br

INTRODUÇÃO

Evidências científicas respaldam medidas regulatórias de restrição ao fumo, cujas vítimas não são apenas os tabagistas, mas também os que compartilham ambientes com condições restritas de dispersão da fumaça.

O Brasil é signatário da Convenção Quadro para o Controle do Uso do Tabaco desde 2006, na qual a Organização Mundial da Saúde (OMS) preconiza a adoção de medidas eficazes, de caráter legislativo, executivo e administrativo, para proteger seus cidadãos "(...) contra a exposição à fumaça do tabaco em locais fechados de trabalho, meios de transporte público, lugares públicos fechados e, se for o caso, outros lugares públicos, (...)".

Nesse sentido, o Governo do Estado de São Paulo apresentou à Assembleia Legislativa proposta de regulamentação que resultou na Lei 13.541, popularmente conhecida como lei antifumo, em maio de 2009, após amplo debate. Ainda na fase de debates no Legislativo, a Secretaria de Estado da Saúde incumbiu o Centro de Vigilância Sanitária (CVS) de elaborar proposta com estratégias de fiscalização para fazer valer o disposto no projeto de lei, dando origem ao Programa Ambientes Saudáveis e Livres do Tabaco.

Os interesses corporativos da indústria do tabaco, o ineditismo da iniciativa paulista e o comportamento social moldado por décadas de massiva indução publicitária ao consumo de cigarro mostram o desafio de se estabelecerem políticas públicas de combate ao tabaco e fazer valer medidas efetivamente restritivas do uso de produtos fumígenos.

Por sua vez, é amplo o universo de demandas historicamente consolidadas de vigilância sanitária que abarcam ações de prevenção e minimização de riscos à saúde em diferentes contextos e circunstâncias. Tais encargos realçam o desafio de incorporar no âmbito do Sistema Estadual de Vigilância Sanitária, sem prejuízo à sua rotina, as particularidades das ações de regulação do uso do tabaco em ambientes de uso coletivo.

As conquistas obtidas em São Paulo fomentaram iniciativas similares em outros estados e reforçaram a necessidade de se aprimorar a legislação federal, resultando na lei 12.546, sancionada em dezembro de 2011 pela presidente da República, ora em fase de regulamentação. O novo cenário legal torna oportuno difundir a experiência paulista no tocante às ações de vigilância sanitária do tabaco.

TABAGISMO E SAÚDE PÚBLICA

A exposição à fumaça do cigarro é um problema de saúde pública de amplitude global. Estima-se que cinco milhões de pessoas morram anualmente no mundo em decorrência dos males do tabaco, 200 mil das quais são brasileiras. Uma em cada duas pessoas que fumam durante 40 anos tem morte associada a esse hábito. Portanto, a indústria do tabaco mata, a longo prazo, metade de seus consumidores. Embora evidências científicas apontem nesse sentido, tal segmento econômico ainda apresenta vigor, beneficiando, dia a dia, 20 mil toneladas de tabaco para o consumo diário de 20 bilhões de cigarros no mundo, ou sete trilhões de unidades anuais, que abastecem cerca de 1,3 bilhão de fumantes.

A literatura médica internacional é farta em relatar os impactos dessa atividade econômica na saúde da população. No mundo, cerca de 30% dos casos de câncer que se manifestam apresentam relação com a fumaça do cigarro. No tocante ao câncer de pulmão - neoplasia que mais mata -, 80% dele deriva da exposição direta ou indireta às substâncias tóxicas emitidas pelos produtos fumígenos. As campanhas de saúde pública, as restrições legais e a presença de uma sociedade esclarecida sobre os males do fumo nas nações mais desenvolvidos têm deslocado, nas últimas décadas, a geografia do consumo do tabaco para os países de economia periférica.

No Brasil, cerca de 17% da população adulta fuma; na capital do Estado de São Paulo a prevalência do tabagismo chega a 21%. O perfil epidemiológico paulista deve parte de sua configuração ao alto consumo de cigarros e outros produtos fumígenos. A despeito de as campanhas de saúde pública estarem tradicionalmente direcionadas ao fumante propriamente dito, a exposição às substâncias tóxicas do cigarro não se limita aos seus usuários, pois os que compartilham ambientes fechados ou parcialmente fechados com fumantes também se expõem. Tal fato é conhecido como fumo passivo.

Em recintos fechados, onde a fumaça tende a se concentrar, mesmo quem não fuma se sujeita aos males do tabaco quando em companhia de fumantes. Irritações nasais e oculares, dores de cabeça e sensação de secura na garganta são sintomas que o fumante passivo pode apresentar quando eventualmente exposto às substâncias presentes na fumaça do cigarro. Quando a exposição é crônica, as consequências se acentuam, com sinusites, otites e riscos mais intensos de infarto, derrame, enfisema e câncer.

LEGISLAÇÃO PAULISTA ANTIFUMO

Nesse contexto de riscos e impactos à saúde pública, São Paulo tomou a iniciativa de se adiantar na regulamentação do tema, para além do arcabouço legal existente no País, seguindo as diretrizes da OMS expressas na Convenção Quadro sobre o Controle do Uso do Tabaco. O texto da convenção é enfático ao afirmar que "(...) a ciência demonstrou de maneira inequívoca que a exposição à fumaça do tabaco causa morte, doença e incapacidade".

A Lei Estadual 13.541 de 2009 conferiu ênfase na proteção ao fumante passivo, proibindo o consumo de cigarro e quaisquer outros produtos derivados do tabaco em ambientes de uso coletivo, fechados ou parcialmente fechados.

Nas estratégias do Governo do Estado estava o propósito de efetivamente fazer valer o disposto no texto legal por meio de intensiva ação de orientação e fiscalização, superando, assim, o arraigado, e muitas vezes incentivado, uso de produtos fumígenos em ambientes impróprios à dispersão da fumaça.

CAMPANHA AMBIENTES SAUDÁVEIS E LIVRES DO TABACO

O Centro de Vigilância Sanitária da Secretaria de Estado da Saúde elaborou projeto condizente com as diretrizes expressas no projeto da lei citada. Quando da tramitação do projeto no Legislativo, foram apresentadas ao Secretário de Estado da Saúde as ações de vigilância para efetivar a política antifumo, organizadas sob o nome de Campanha Ambientes Saudáveis e Livres do Tabaco.

O principal objetivo da campanha foi mostrar a viabilidade de eliminar o tabagismo de locais de uso coletivo, fechados ou parcialmente fechados, sejam eles públicos, sejam privados, mediante ações da vigilância sanitária, coordenadas com outros órgãos, especialmente o de Defesa do Consumidor. Com esse propósito, foram institucionalizadas ações do poder público para vigilância de ambientes que porventura favorecessem o ato de fumar, consolidando mudança de comportamento da população em relação ao produto. Assim, garantindo ambientes livres de fumo, preserva-se o direito de todos à saúde, fumantes e não fumantes, sejam eles frequentadores, sejam trabalhadores de ambientes coletivos.

O eixo estruturador do programa consistiu em inspeções de campo por parte de técnicos das esferas regionais e municipais do Sistema Estadual de Vigilância Sanitária, em parceria com os órgãos de Defesa do Consumidor (Procon), em estabelecimentos de uso coletivo de 28 municípios de importância regional, sedes dos Grupos Regionais de Vigilância Sanitária e onde se assenta cerca de metade da população do Estado. A iniciativa foi depois estendida aos demais municípios do Estado, tendo sempre por referência as cidades-polo.

A magnitude e os desafios das ações antifumo exigiram estreita articulação com outras instituições e construção de parcerias estratégicas. O envolvimento do Procon na campanha foi fundamental para ampliar a capacidade fiscalizatória e direcionar esforços conforme as atribuições e competências das instâncias de vigilância sanitária e de defesa do consumidor. Com a parceria do Instituto do Coração, vinculado ao Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, foram possíveis a aquisição de aparelhos de avaliação da concentração de monóxido de carbono no ambiente e no organismo humano e o desenvolvimento de métodos de trabalho e de investigação científica dos reais impactos da campanha. A intensa colaboração entre a coordenação da campanha e organizações atuantes da sociedade civil, em especial com a Aliança de Controle do Tabagismo (ACT) e a Associação Brasileira do Câncer (ABCâncer), propiciou conhecimento especializado e maior sensibilidade à vigilância sanitária a respeito das demandas sociais.

A transparência das ações da campanha foi garantida pela ampla cobertura da mídia e pelas opiniões (favoráveis e contrárias à lei). A garantia do cumprimento da lei, por meio da ostensiva fiscalização, foi enfaticamente noticiada, bem como todas as informações a respeito dos resultados das ações fiscalizatórias e das autuações contra os infratores. Todos os cidadãos que fizeram denúncias tinham à disposição informações a respeito das medidas adotadas pelos agentes fiscais.

As ações da campanha foram desencadeadas três meses antes de a lei antifumo entrar em vigor, consistindo, na primeira fase, em atividades de orientação e esclarecimentos e, na segunda fase, em efetiva fiscalização dos espaços contemplados pela legislação. As ações resultaram, entre maio de 2009 e janeiro de 2012, em mais de 580 mil inspeções de orientação, esclarecimento e fiscalização. Como consequência da intensa vigilância, não se observa mais o fumo em ambientes fechados ou parcialmente fechados no estado de São Paulo, eliminando-se, assim, um importante fator de risco à saúde da população.

Para que a iniciativa alcançasse os resultados esperados foi necessário estabelecer novas referências de atuação de vigilância e um cuidadoso planejamento, que contemplou ampla interlocução institucional, mobilização dos serviços municipais e estaduais de vigilância, capacitação dos agentes, definição precisa do apoio logístico e financeiro, elaboração sistemática de escalas de ações de campo para garantir atuação maciça e equilibrada da fiscalização em termos geográficos e temporais, estabelecimento de canais de comunicação com a população e elaboração de um sistema de informações para controle e avaliação da produção.

COMENTÁRIOS FINAIS

O Sistema Estadual de Vigilância Sanitária mostrou ser uma instância da administração pública que possibilita respostas eficazes a políticas de promoção e proteção da saúde coletiva.

Muito da regulação de riscos sanitários está atrelada a ações rotineiras que envolvem o cadastramento, licenciamento e fiscalização de atividades de interesse à saúde. A despeito disso, as estruturas de Vigilância Sanitária devem contar com flexibilidade, capacidade de adaptação às circunstâncias e aos novos contextos, bem como poder de articulação e criatividade suficientes para responder às demandas que a sociedade apresenta e impõe, em diferentes momentos, como desafio ao Sistema Único de Saúde.

A cessação do uso de produtos fumígenos em ambientes coletivos fechados, comprovada pelo número ínfimo de infrações e denúncias atualmente observadas, indica que os objetivos da campanha foram atendidos e que ações de vigilância sanitária são importantes para garantir a execução de políticas de saúde pública. Desse modo, a campanha é referência para o enfrentamento de outros problemas relevantes que envolvem fatores de risco à saúde da população.

As condutas contempladas na campanha procuraram sintonia com os princípios constitucionais da administração pública, com destaque para a eficiência e publicidade dos atos. O banimento do fumo em ambientes coletivos fechados do estado de São Paulo e o amplo debate que permeou a implementação da lei indicam que a campanha atendeu esses princípios.

Outro princípio prevaleceu de forma notória na campanha: a supremacia do interesse público sobre o privado. Do confronto transparente das ideias surgiu patente a prevalência de um compromisso coletivo sobre comportamentos individuais que prejudicam a saúde de terceiros. Além disso, consolida-se a convicção de que um estado atuante, fiscalizador, não guarda parentesco direto - como a princípio se fez supor - com um estado autoritário.

Muito da argumentação que sustentou a lei antifumo está ancorada no consenso internacional de que a tolerância ao fumo em ambientes coletivos fechados é indefensável em termos de saúde pública. O mérito da iniciativa paulista foi adiantar-se à legislação federal e sintonizar-se com o movimento global para enfrentamento do tabaco.

A descentralização das ações da campanha, com sua incorporação às rotinas fiscalizatórias do Sistema Estadual de Vigilância Sanitária, conferem permanência e sustentabilidade às ações antifumo, confirmando que iniciativas do poder público podem mudar, de fato, contextos desfavoráveis à saúde e à qualidade de vida da coletividade.

Texto de difusão técnico-científica da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo.

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    01246-901 São Paulo, SP, Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Mar 2012
    • Data do Fascículo
      Abr 2012
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