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A Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo

EDITORIAL* * Este Editorial resume o pronunciamento do Prof. Yaro Ribeiro Gandra, do Departamento de Nutrição, por ocasião da outorga do título, que lhe foi feita, de Professor Emérito da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, em 1989.

A Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo

As Escolas Médicas e as de Saúde Pública visam ao estudo da saúde das populações e desde que o fenômeno SAÚDE envolve, por si mesmo, vários aspectos do comportamento humano, os limites de suas áreas de pensamento e atuação comumente se confundem. As escolas de saúde pública albergam em suas práticas docentes atuações integradas que abrangem, concomitantemente, todos os aspectos sócio-comportamentais que interferem na saúde das populações.

A Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo tem como objetivo precípuo formar agentes aptos a analisarem, dentro de cada contexto ecológico, comportamentos humanos frente aos agravos, e a tomarem medidas preventivas concernentes. Esta Escola exerce, pois, suas atividades docentes sob uma filosofia própria, cujas escalas de raciocínio diferenciam-se daquelas de uma escola médica.

Foi Geraldo Horacio de Paula Souza, professor de uma escola de medicina, quem visualizou, naquela época, esse instituto cuja área de atuação iria ultrapassar os muros de sua própria escola médica. Concebeu e criou, então, uma nova escola, basicamente de pós-graduação e que seus sucessores bem souberam ampliar.

O ensino nesta Escola foi sempre multidisciplinar, tal como é o próprio comportamento comunitário. Daí a Faculdade de Saúde Pública ser diversificada porém, totalmente integrada, com ênfase às narrativas causais dos fatores macroestruturais.

A tão falada participação comunitária foi incorporada às suas atividades, uma vez que seus docentes, desde logo, souberam interpretar o comportamento comunitário pelas óticas sociológica, psicológica, cultural e outras, constantemente consideradas em uma escola de saúde pública. Não se acredita, mesmo, em sucesso total de programas de controle da maioria das enfermidades, se a comunidade, informada e consciente, não participar, ela mesma, da solução de seus problemas de saúde. É por tudo isso que, em uma escola de saúde pública, a comunidade constitui seu principal laboratório.

Seu corpo docente, no exercício da investigação, foi criando largo acervo de conhecimentos multidisciplinares; base para o raciocínio que leva ao que se pode chamar de "Atitude Científica em Saúde Pública", atitude esta que se manifesta pela curiosidade aguçada, pela contínua investigação de idéias e comportamentos, pela persistente superação de problemas e a verificação metódica de suas origens. Essa atitude é avessa à repetição pura e simples de textos da literatura científica, sem que se lhe aduza um enfoque próprio, oriundo da prática constante no campo e no laboratório. A docência, afinal, não é ler para dizer... é fazer para dizer... Compreende-se que nem mesmo a filosofia de uma idéia pode ser estabelecida se não se tiver vivido experiências próprias sobre o assunto e, sobre estas, se usar a razão. O exercício da docência é, na realidade, a metodização da análise, o pensar contínuo seguido da interpretação própria que a personaliza.

A saúde da população não é um fato isolado; na realidade é uma das conseqüências das condições sócio-econômicas, educacionais e de miserabilidade em que vive nossa gente, marginalizada pela alta concentração de renda e desigual distribuição de atenções e benefícios, inclusive os de saúde, privilegiando uma minoria insensível que se pauta por normas éticas por ela mesma criadas e que passam a funcionar, até, como princípios sociais; falsos princípios...

Muito há o que fazer em saúde no país. Ainda convivemos com a desnutrição e a miséria, com a malária, o cólera, o dengue... Às vezes, parece-nos que caminhamos muito... Às vezes, vemos que caminhamos pouco.

A pesquisa também tem sido um ponto alto com a qual esta Escola enriquece seus cursos. Pode-se afirmar que é esta Casa a que mais vem, ao longo do tempo, desenvolvendo, no Brasil, pesquisas operacionais em programas da área, quer pela extensão de serviços comunitários, como o de Araraquara ou do Centro de Saúde Paula Souza, quer pelo programa docente-assistencial, como o de Itapecerica, quer por meio de pesquisas levadas a efeito em áreas rurais, por docentes dos seus diferentes Departamentos.

Na área de Saúde Pública também são fundamentais as pesquisas básicas, tais como os estudos metodológicos, de causas e razões, os do comportamento de agentes transmissores em suas relações com o ecossistema... A excelência e a precisão de seus resultados é que municiarão as interpretações epidemiológicas. A filosofia interpretativa dos resultados de campo nasce pois, do acervo de informações prévias e emana, isto sim, do exercício mental no uso desses mesmos conhecimentos.

Esta Escola, embora deva agasalhar os mais variados tipos de pesquisa, deverá, ao longo do tempo, eleger, claramente, suas áreas prioritárias de investigação e a elas canalizar a maioria das sugestões para trabalhos e teses de seus docentes .e alunos. Estas áreas é que irão definir seu perfil predominante junto ao julgamento e reconhecimento das comunidades científicas e universitárias internacionais. Com essa filosofia, a Faculdade poderia, mais facilmente, planejar seus programas qüinqüenais ou mesmo decenais de atividades.

Esta Faculdade vem, por outro lado, formulando propostas concretas de extensão de serviços às comunidades, oferecendo normas para a avaliação de eficiência e eficácia com elencos de indicadores confiáveis, modelos testados de programas de intervenção, esquemas de tratamento de pessoal... Cabe a esta Escola o assessoramento de política de saúde do país. É pois, fundamental que ela mantenha o mais estreito e permanente relacionamento com os órgãos executivos e legislativos nacionais, estaduais e municipais, informando-os do que aqui é feito e assessorando-os com a sua experiência. Seria acertado se a Faculdade fortalecesse seu canal permanente de comunicação, enviando, sistematicamente, às instituições internacionais resumos de seus trabalhos, de suas teses e de sua experiência no trato dos problemas comunitários. Este proceder estimularia o intercâmbio recíproco de estágios e bolsas.

Saúde Pública, mais que qualquer área médica, não deve ficar circunscrita aos espaços de um Estado ou país. A análise das condições de vida de populações várias, de seus agravos, de suas razões é conseqüências, dos resultados de seus programas, interessa a todos os núcleos de estudo de Saúde Pública, tanto os dos países em desenvolvimento do Terceiro Mundo como os daqueles já desenvolvidos e industrializados.

Não foi por acaso que a Organização Mundial de Saúde houve por bem outorgar-lhe recentemente a medalha de "Saúde para todos" em reconhecimento à sua atuação na área de Saúde Pública.

O Departamento de Nutrição, como os demais departamentos desta Escola, sempre deu ênfase às pesquisas e aos trabalhos de campo. Como disse Kant em sua "Crítica da razão pura" — (1781): "Jamais teríamos qualquer experiência válida se não a interpretássemos, simultaneamente, com o espaço, o tempo e a causa"... Não será possível qualquer conceituação acertada se não se levar em consideração de que comportamentos humanos não são objetos e, sim, movimentos que devem ser interpretados e compreendidos.

Com esses trabalhos de campo, esse Departamento tem oferecido informações fundamentadas aos órgãos executivos nacionais e estaduais no amparo aos programas de atuação como, por exemplo: o da vigilância da desnutrição através do crescimento infantil; a inter-relação entre a desnutrição e a infecção; o do controle do bócio endêmico em nível nacional e o seu sistema de vigilância; o do controle da anemia também neste nível; o da hipovitaminose A e muitos outros na área da nutrição.

Do estudo do desenvolvimento sócio-psicomotor e mental de crianças desnutridas ou não, por exemplo, o Departamento de Nutrição desenvolveu e ofereceu com prioridade a governos nacionais e internacionais um modelo de atuação cuja avaliação, tecnicamente adequada, demonstrou ser de alta eficácia.

As atividades do Departamento de Nutrição constituem um bom exemplo do que ocorre nos demais Departamentos desta Escola no exercício pleno de sua filosofia docente.

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    Este Editorial resume o pronunciamento do Prof. Yaro Ribeiro Gandra, do Departamento de Nutrição, por ocasião da outorga do título, que lhe foi feita, de Professor Emérito da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, em 1989.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Out 2004
    • Data do Fascículo
      Fev 1990
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