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A prática pedagógica do professor de Engenharia Agronômica

Pedagogical practice of the Agricultural Engineering teacher

Resumos

Esta pesquisa procurou identificar a prática pedagógica do professor de Engenharia Agronômica, quais as concepções do processo de aprendizagem e em que medida o conceito teórico do professor é coerente com a sua prática. A prática pedagógica foi aqui delimitada como sendo o cotidiano do professor na execução de seu ensino. O público alvo foram os docentes e discentes do Curso de Engenharia Agronômica da Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz"- Campus de Piracicaba da USP. O método expositivo foi predominante, apoiado no uso do quadro negro e retroprojetor. O professor nesse método é a figura central do processo ensino-aprendizagem. A freqüência bastante acentuada em Congressos tem trazido uma atualização constante em termos de conteúdo.

agronomia; ensino; pedagogia


This research aimed to identify the pedagogical practice used by the teacher of Agricultural Engineering, the conceptions of the learning process as well as the degree to which the theoretical concepts of the teacher are coherent with his/her pratice. The pedagogical practice was defined as the regular/customary teaching procedures. The objects of the study were the teachers and the students of Agricultural Engineering at ESALQ - Piracicaba Campus, University of São Paulo. Oral presentation with blackboard, notes and overhead projection was the method most frequently used by the teachers, who, therefore, become the central agent in the teaching process. Because participation in scientific events is very frequent, teaching contempts are constantly updated.

agronomy; teaching; pedagogy


ARTIGOS

A prática pedagógica do professor de Engenharia Agronômica

Pedagogical practice of the Agricultural Engineering teacher

A. A. Tullio

Depto. de Economia e Sociologia Rural-ESALQ/USP - C.P. 9 - CEP: 13418-900 Piracicaba, SP

RESUMO

Esta pesquisa procurou identificar a prática pedagógica do professor de Engenharia Agronômica, quais as concepções do processo de aprendizagem e em que medida o conceito teórico do professor é coerente com a sua prática. A prática pedagógica foi aqui delimitada como sendo o cotidiano do professor na execução de seu ensino. O público alvo foram os docentes e discentes do Curso de Engenharia Agronômica da Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz"- Campus de Piracicaba da USP. O método expositivo foi predominante, apoiado no uso do quadro negro e retroprojetor. O professor nesse método é a figura central do processo ensino-aprendizagem. A freqüência bastante acentuada em Congressos tem trazido uma atualização constante em termos de conteúdo.

Descritores: agronomia, ensino, pedagogia

ABSTRACT

This research aimed to identify the pedagogical practice used by the teacher of Agricultural Engineering, the conceptions of the learning process as well as the degree to which the theoretical concepts of the teacher are coherent with his/her pratice. The pedagogical practice was defined as the regular/customary teaching procedures. The objects of the study were the teachers and the students of Agricultural Engineering at ESALQ - Piracicaba Campus, University of São Paulo. Oral presentation with blackboard, notes and overhead projection was the method most frequently used by the teachers, who, therefore, become the central agent in the teaching process. Because participation in scientific events is very frequent, teaching contempts are constantly updated.

Key Words: agronomy, teaching, pedagogy

INTRODUÇÃO

A partir de uma pesquisa realizada no período de 1988 a 1990 na Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" - Campus de Piracicaba, da Universidade de São Paulo, TULLIO (1989), cujo objetivo foi estudar a adequação do ensino ministrado aos seus graduados de engenharia agronômica, despertou-se para algumas necessidades prementes, com relação ao currículo, à integração entre departamentos e à melhoria da qualidade de ensino, destacando-se a "didática" do professor como um ponto extremamente importante em todo o processo.

Diante dessa constatação, principalmente quando os graduados insistiam em que a "didática" dos professores deveria ser melhorada, propôs-se a retomada do assunto, buscando-se obter uma visão mais aprofundada da questão.

O ingresso do candidato na carreira docente, no curso de engenharia agronômica, se fez, normalmente, através dos programas de pós-graduação, privilegiando os pós-graduandos que se destacam. Outras vezes, abre-se um concurso e dá-se preferência a engenheiros agrônomos, sob o ângulo de sua especialidade técnica.

O curso de graduação em engenharia agronômica é essencialmente técnico. As disciplinas de formação humanística, quando aparecem, são também específicas para a área de extensão rural. O futuro professor geralmente não cursou qualquer disciplina relacionada à sua formação para o magistério. Ele é colocado em sala de aula sem ter recebido noções de, pelo menos, como se processa a aprendizagem, ou onde entra o ensino, no processo.

Como afirmam BARROS & SILVA (1993) "a capacitação científica não é necessariamente sinônimo de capacitação docente haja vista que não basta o domínio da ciência e da metodologia de sua investigação. É mister a habilidade de relacionamento professoral, da capacidade de transmitir conhecimentos, de estimular a criatividade e de ensejar no aluno, o espírito de dúvida, da criatividade e da busca do novo. Esse conjunto de habilidades é que dá ao cientista a possibilidade de ser chamado de "professor".

Dessa constatação, tomou-se como situação-problema para essa pesquisa a prática pedagógica dos professores do Curso de Engenharia Agronômica da Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz", Campus de Piracicaba, da Universidade de São Paulo.

"A prática pedagógica foi delimitada como sendo o cotidiano do professor na execução do seu ensino. As relações entre o "ser", o "saber" e o "fazer" do professor foram objeto de estudo", como sugere CUNHA (1989).

O Campus de Piracicaba possui 257 professores e 1032 alunos de graduação, com quase igual número na pós-graduação, distribuídos por 17 departamentos, o que resultou um material bastante rico e diversificado.

Tendo como referenciais teóricos a teoria psicogenética da aprendizagem de Piaget e as implicações pedagógicas dela decorrentes na linha da "escola ativa", pretendeu-se, através dessa pesquisa, estudar as práticas pedagógicas dos professores de engenharia agronômica, quais as concepções do processo de aprendizagem e em que medida o conceito teórico do professor é coerente com sua prática.

Houve oportunidade de identificar os métodos de ensino usados pelos professores de agronomia no seu cotidiano, a avaliação que os alunos fazem dos seus professores, o grau de integração entre os diversos departamentos, o comportamento didático do professor em relação ao planejamento de ensino e, principalmente, até que ponto as atividades de ensino-aprendizagem têm servido para desenvolver a atitude científica dos alunos, bem como a capacidade crítica e criativa dos mesmos.

Para desenvolver esse trabalho, contataram-se professores e alunos do curso de engenharia agronômica para expor e discutir com eles a pesquisa, envolvê-los e interessá-los pelo trabalho. A partir da acolhida inicial, pôde-se constatar que os resultados da pesquisa em questão são urgentes e necessários ao meio acadêmico da ESALQ. Procedeu-se a um sorteio aleatório do pessoal docente e discente; os 17 departamentos foram envolvidos, ensejando uma amostra estratificada de todos os segmentos do Campus.

Atentou-se também para que as diversas categorias de docentes existentes no Campus fossem abrangidas na amostra, havendo representatividade de todas elas.

Para a realização dessa pesquisa, utilizaram-se na coleta de informações questionários fechados para professores e alunos, entrevistas semi-dirigidas, observação de aulas. Cruzaram-se depois as informações para se ter uma certeza maior da validade dos dados.

Algumas questões levantadas no início da pesquisa foram testadas, tais como: predominaria no Curso de Engenharia Agronômica o método expositivo? Prevaleceriam, no curso, atividades de sala de aula sobre as práticas de campo? Seria insuficiente a inter-relação entre os departamentos com prejuízo da integração de currículo em sua unicidade pedagógica? Grande parte dos professores desconheceria a concepção teórica do processo de aprendizagem adotando, em seu trabalho docente, uma prática didático-pedagógica de caráter empírico-intuitiva e outras?

Espera-se que, do ponto de vista prático, os resultados possam trazer elementos que sirvam de subsídio para a reformulação de algumas práticas docentes no curso de engenharia agronômica. A expectativa é de que esses elementos, desenvolvidos por técnicos no assunto, contribuam direta ou indiretamente para uma melhor formação do profissional de nível superior no setor agronômico.

MATERIAL E MÉTODOS

A pesquisa é de caráter descritivo, visando a explicitar as práticas pedagógicas do professor de Agronomia, tomando por base a Escola de Agronomia mais tradicional do Brasil.

A escolha da ESALQ, para se realizar a pesquisa, foi em função de que "ao longo de sua existência, a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz vem desenvolvendo suas atividades de ensino e pesquisa de forma a proporcionar ao país contribuições significativas no campo das Ciências Agrárias. Formou cerca de 8.000 profissionais e desde o início da pós-graduação foram outorgados cerca de 3.000 títulos de Mestre e de Doutor". (REVISTA DA ESALQ, 1993)

A ESALQ já diplomou 7.000 engenheiros agrônomos, o curso de Economia Doméstica, 300 profissionais, e o de Engenharia Florestal, outros 300. A nível de pós-graduação credenciou 2.200 Mestres e 600 Doutores. A ESALQ também oferece cursos extracurriculares: Especialização, Aperfeiçoamento, Atualização e Difusão. Atualmente possui 1.193 alunos de graduação e 857 alunos de pós-graduação.

Possui 17 departamentos: Agricultura, Botânica, Ciência do Solo, Ciência e Tecnologia Agroindustrial, Ciências Florestais, Economia Doméstica, Economia e Sociologia Rural, Engenharia Rural, Entomologia, Física e Meteorologia, Fitopatologia, Genética, Horticultura, Matemática e Estatística, Química, Zoologia, Zootecnia.

Para AZEVEDO (1993), a Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" da Universidade de São Paulo (ESALQ-USP) felizmente pode orgulhar-se de ter contribuido para o desenvolvimento e progresso da agricultura e pecuária brasileiras. Além disso, detém uma extraordinária folha de serviços prestados à comunidade, em seus 94 anos de existência.

O universo, para esta pesquisa, foi formado pelos 257 professores de graduação do Curso de Engenharia Agronômica da Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" - ESALQ/USP, que se encontravam no exercício de suas funções docentes, nos 17 Departamentos que compreende a Escola no período de 1992 a março de 1995, e por 1032 alunos do mesmo curso que freqüentavam a ESALQ nesse período.

A amostra constitui 20% da população docente e discente, sorteada aleatoriamente entre os professores dos 17 departamentos da escola e dos alunos, também escolhidos aleatoriamente. A amostra atingiu todos os segmentos discente e docente do Campus. Todos os níveis de titulação acadêmica e todos os departamentos ficaram proporcionalmente representados.

Procurou-se também colher dados dos professores das mais diversas posições funcionais, do "Auxiliar de Ensino" ao "Titular", e observou-se que mais da metade deles se encontra nos níveis maiores de titulação (Titular, Associado, Doutor), conforme a TABELA 1.

A qualificação atual dos professores do Curso de Agronomia quanto à titulação apresenta um índice de 73,54% de doutores e 22,96% de mestres, conforme a Tabela 2.

Os instrumentos de pesquisa foram, basicamente, questionários fechados, que foram preenchidos pela população alvo, complementados por entrevistas semi-dirigidas.

A observação direta também foi usada para complementar os dados, através da participação em aulas.

Visando a assegurar maior participação do professor no processo de pesquisa, realizou-se inicialmente um processo de conscientização. Para tanto contou-se com a colaboração da Diretoria, das Chefias dos Departamentos, da Comissão de Graduação e da Comissão de Representantes Discentes.

Os professores sorteados foram contactados pessoalmente e conscientizados da importância e da necessidade de responder a tal questionário. Enfatizava-se a importância da pesquisa para a Universidade e especialmente para os cursos de Ciências Agrárias.

O mesmo procedimento foi observado com relação aos alunos, sorteados aleatoriamente e contactados nas salas de aula. Por ocasião da reunião com os representantes discentes dos 17 departamentos, que antecedeu à aplicação dos questionários com os quais eles foram convidados a colaborar, passaram-se todas as informações anteriormente citadas, encarecendo-se sua colaboração no sentido de transmiti-las aos demais alunos de seus departamentos.

Houve ainda, com os alunos do Departamento de Economia e Sociologia Rural, pertencentes ao Grupo de Estudos e Pesquisas (GEP) e que também auxiliaram na pesquisa, um pré-teste do questionário. Seguiram-se algumas adaptações julgadas necessárias. Só então elaborou-se o questionário definitivo.

As variáveis analíticas foram operacionalizadas mediante o uso de escalas nominais e ordinárias de mensuração.

Os dados foram tabulados, processados e analisados estatisticamente com a aplicação de testes não paramétricos e com o auxílio de microcomputação.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Seguindo os procedimentos metodológicos propostos foram levantados na Seção de Alunos, os nomes dos professores de graduação dos 17 departamentos que compunham a Escola na época, de junho de 1992 a março de 1995, e que se encontravam no exercício de suas funções docentes. Em numero de 257, os docentes se distribuem, nas categorias funcionais de Titular, Associado, Doutor, Assistente e Auxiliar de Ensino. Havia ainda 2 professores colaboradores, que não pertenciam ao quadro de professores da ESALQ.

Após o sorteio aleatório, foram distribuídas, depois do pré-teste, já descrito, duas séries de questionários, num espaço de dois meses. Obteve-se um total de 51 (cinqüenta e um) respondidos (20%), que passaram a constituir a amostra.

Com os alunos dos professores sorteados, procedeu-se também a um sorteio aleatório, o que possibilitou uma análise mais objetiva da situação.

A exemplo do que ocorreu com os professores, foram entregues aos alunos, duas séries de questionários, buscando-se atingir os 20% do universo. Foram recolhidos, com a ajuda de professores representantes discentes e estagiários do GEP (Grupo de Estudos e Pesquisas) do Dept° de Economia e Sociologia Rural, 202 questionários, correspondentes a 19,57% do total de alunos (1053), que representaram mais um dado da amostra

Posteriormente foram realizadas outras entrevistas com os professores que puderam ser contactados, cerca de 40% da amostra, para complementação das informações do questionário.

Os professores, entrevistados, sorteados aleatoriamente, pertencem em sua maioria, ao sexo masculino como mostra a TABELA 3.

Numa escola de agronomia a presença de mulheres também no corpo discente tem aumentado muito e rapidamente, contrariando uma tendência bastante recente, onde a porcentagem de mulheres, num curso de engenharia agronômica, era muito pequeno, não ultrapassando 10%.

O regime de trabalho de todos os entrevistados é o de RDIDP - Regime de Dedicação Integral à Docência e Pesquisa - de 40 horas semanais. Esse regime abrange 95% de todos os professores da ESALQ.

A tABELA 4 apresenta um dado bastante importante; a diversificação de tempo de serviço no magistério. Começa com professores que têm de O a 5 anos (13,7%), até docentes com mais de 30 anos de magistério (3,9%). A maior concentração dos entrevistados ficou na faixa de 6 a 10 anos (23,6%), seguida dos de 11 a 15 anos (17,6%).

Quanto à formação pedagógica dos 51 professores entrevistados, 71% declararam não possuir "nenhuma formação pedagógica", 18% apenas um curso de atualização (oferecido pelo Dept° de Economia e Sociologia Rural), 6% curso de licenciatura em outra disciplina. Somente 5% apresentam curso de graduação em pedagogia.

Inquiridos sobre a assinatura de revistas especializadas, a maioria afirmou assinar periódicos na área específica (68%), periódicos na área científica (12%) e periódicos de agronomia em geral (10%). Alguns assinam dois tipos de periódicos: normalmente da área específica e agronomia em geral. Entretanto, além dos que não assinam periódicos (10%), todos os professores pesquisados declararam não assinar nenhum tipo de revista didático-pedagógica.

Quanto à participação em Congressos, respondeu-se como "frequente"por 67% dos entrevistados, contra 33% que responderam "algumas vezes".

No que diz respeito à atividade docente do professor, verificou-se que todos os entrevistados dão aula na graduação; 38 deles (74,5%) também na pós-graduação.

Todos os professores pesquisados desenvolvem atividade de ensino e pesquisa. Apenas 21,5% no momento não têm atividade de extensão.

Com relação à formação acadêmica, apenas 15,6% dos entrevistados não têm ainda o doutorado. Os demais (84,4%) já são doutores.

Os dados recolhidos foram tabulados e, de posse de algumas tabelas e gráficos, pôde-se proceder à análise.

Assim, através das Figuras 1 e 2, pode-se perceber que a exposição oral ilustrada é o método mais utilizado, visto que 18% dos professores e 22% dos alunos nomearam essa alternativa como a mais freqüente. Por outro lado, pode-se notar também que a exposição oral pura e simples, ou seja, o método expositivo atingiu, entre os professores, 6% das escolhas, ao passo que, entre os alunos, 16% apontaram como o método mais usado no dia-a-dia do docente. A exposição oral, com discussão, entre professores, possui uma faixa bastante pequena, 9% de adeptos, ao passo que, entre os alunos, aumentou um pouco a porcentagem, 12%. Um fato que chamou a atenção é a quase total ausência de seminários, como técnica de estudos, pois, entre os professores apenas 10% responderam adotar essa técnica. Os alunos, porém, respondem à mesma questão com 2%, o que mostra que a percepção dos alunos e professores nessa questão é substancialmente diferente. Ainda, com relação às Figuras 1 e 2, no item "práticas de campo", 11% dos professores dizem usá-las. Por outro lado, entre os alunos, a porcentagem foi de 9%. De uma ou de outra maneira é bastante pequena tal prática, considerando-se a situação do curso - engenharia agronômica.



A amostra de 51 professores e 202 alunos atingiu todos os departamentos da Escola, assim como todas as categorias de professores. Houve ainda a preocupação de colocar, na amostra, o tempo de serviço no magistério de 2 a 35 anos, colhendo as experiências da atividade docente mais variadas possíveis.

Algumas preocupações iniciais foram logo esclarecidas. Assim, procurando saber as concepções que os professores tinham do processo de aprendizagem, descobriu-se que 71% não têm "nenhuma formação pedagógica", visto terem cursado apenas um bacharelado, 18% fizeram um curso rápido de atualização em didática, de alguns dias, 6% cursaram outra licenciatura, como Biologia, Ciências, Matemática. Apenas 5% dos professores tiveram oportunidade de cursar Pedagogia (como curso regular, ou complementação pedagógica). Diante dessa constatação, inquirindo os professores sobre o processo ensino-aprendizagem, verificou-se que a maioria dos docentes desconhece o processo. Outro ponto dentro desse enfoque que reafirmou essa afirmativa é que nenhum dos docentes pesquisados assina qualquer tipo de revista didático-pedagógica. Apenas 1 (um) dos entrevistados afirmou que lê, na Biblioteca, assuntos ligados à área. Os demais assinam periódicos da área específica que lecionam, da área científica e da área de agronomia em geral. Nesse sentido SILVA (1993) afirma que o professor universitário é considerado um especialista em sua disciplina - seu campo de conhecimento - condição essencial, inclusive, para sua admissão na universidade. Contudo, esse professor nem sempre tem conhecimentos pedagógicos fundamentais para o trabalho em sala de aula. Como asseguram BARROS & SILVA (1990) capacitação científica não é sinônimo de capacitação pedagógica.

Não havendo o conceito teórico do processo de aprendizagem não há como se avaliar a coerência desse conceito com a prática exercida pelo professor. LUCKESI, citado por SILVA (1993), salienta que o professor precisa tomar conhecimento de que não é possível uma proposta pedagógica sem uma teoria pedagógica. Toda prática pedagógica implica uma teoria que irá determinar a visão do mundo, de escola, de aluno e de procedimentos didático-pedagógicos.

O método expositivo, como ficou demonstrado na análise de dados, seja sob a forma de exposição oral ilustrada, seja sob a forma de exposição oral pura e simples, foi o predominante, tanto entre professores como para os alunos. Aliado à preferência absoluta pelo quadro negro, seguida pelo retroprojetor, o método expositivo está intimamente ligado à teoria da Escola Tradicional que dá ênfase à transmissão de conhecimentos, razão pela qual o professor é a figura central do processo ensino-aprendizagem. Sua didática baseia-se no empirismo e na imitação de modelos tradicionais de antigos mestres. Para muitos professores entrevistados, a "admiração pelo trabalho de um professor", foi o motivo forte que os levou a seguirem a carreira do magistério.

GIL (1994) diz que a exposição, no sentido clássico, fundamenta-se na idéia de que é possível ensinar os outros por meio da explicação oral. Convencidos disto, os professores concentram todos os seus esforços no sentido de condensar seus conhecimentos e de expô-los de forma lógica e clara. E diz ainda que toda a iniciativa cabe ao professor, que decide acerca da ordem, do ritmo e da profundidade a ser dada ao ensino. Quanto ao aluno cabe ser dócil, atento e submisso à autoridade do professor. Assim, a exposição aparece como a estratégia que melhor caracteriza a educação 'bancária", de que fala Paulo Freire.

Ainda, com relação ao método usado, ligado à teoria da Escola Tradicional, outros fatores afloram nos resultados referendando essa opção: a memorização, a pequena motivação dos alunos, demonstrada também pelas suas saídas durante a aula, a avaliação em grande parte feita apenas com perguntas (só um tipo de avaliação) e a pouca oportunidade de desenvolver a criatividade do aluno.

De certa forma ligadas ao método mais usado pelos docentes, na relação entre aulas teóricas e práticas, as aulas teóricas apresentam-se em numero bastante superior às práticas.

Procurando saber mais sobre o cotidiano do professor, constatou-se que o seu planejamento semestral é sempre atualizado, revisado e alterado (78%) - um dado bastante alentador. Contudo, na entrevista, procurando esclarecer esse dado, a resposta obtida da maioria, prende-se principalmente à bibliografia e posteriormente ao conteúdo. O que se observa é que, espontaneamente, o professor quase nunca se preocupa com a discussão de objetivos, finalidades e metodologia proposta no seu planejamento.

Ainda, com relação ao planejamento, procurou-se saber como está a inter-relação entre departamentos com vistas à integração do currículo em sua unicidade pedagógica, constatando ser pequena, quase nula. Cada departamento na ESALQ funciona com certa autonomia, principalmente a sua parte didático-pedagógica. Cada docente prepara o seu planejamento independente dos demais. Recentemente está surgindo um movimento, entre alguns departamentos, no sentido de professores de disciplinas afins, ou que sejam pré-requisitos para os demais, se reunirem, a nível de Departamento, para juntos estabelecerem os limites de cada disciplina e a continuidade desejada.

O estudo do cotidiano do professor universitário vem sendo realizado por vários autores e traz uma riqueza de informações que, trabalhadas, poderão oferecer subsídios e contribuições para o desenvolvimento do aluno como ser social, provocar inquietações no professor e, por fim, melhorar a qualidade do ensino. Sobre o problema, assim se pronuncia CUNHA (1989) - "a vida cotidiana é a objetivação dos valores e conhecimentos do sujeito dentro de uma circunstância. É através dela que se faz concreta a prática pedagógica, no caso do professor. É tentar descobrir como ele vive e percebe as regras do jogo escolar, que idéias vivência na sua prática e verbaliza no seu discurso e que relações estabelece com os alunos e com a sociedade em que vive".

As diferenças no comportamento didático entre os professores, em função do tempo de magistério, idade, categoria funcional, sexo, são muito pequenas. Nos cursos de atualização em didática que tivemos oportunidade de oferecer no Dept° de Economia e Sociologia Rural, professores de todas as faixas de idade, categorias, titulação e tempo de magistério se inscreveram, e lado a lado, durante 3 dias, tiveram a oportunidade de refletir sobre a sua prática pedagógica.

Uma postura que já se esperava, mas ficou bastante evidente na pesquisa, foi em relação a "gostar de dar aulas", na ESALQ. A primeira parte da questão constou do questionário e foi respondida afirmativamente por boa parte dos professores. Entretanto, quando na entrevista se perguntou sobre a ESALQ, a maioria absoluta se mostrou bastante categórica ao afirmar seu forte carinho para com a Escola. Isso é constatado no dia a dia quando se percebe que professores aposentam e continuam freqüentando a Escola e até trabalhando sem remuneração alguma; que, em reuniões, congressos, simpósios, quando docentes da ESALQ estão presentes, suas palavras sempre são para enaltecer a Escola.

Esse amor à ESALQ é bastante sentido também nos alunos. Defendem-na em todos os lugares por onde passam e, quando termina o curso retornam a ela em todas as oportunidades possíveis. As confraternizações de ex-alunos são muito concorridas. Ex-alunos dos mais diferentes pontos do país, até do exterior, se deslocam à Piracicaba, para estarem juntos, na sua Escola.

Em relação aos alunos, pode-se constatar em função do método de ensino predominante, que eles não dispõem de suficiente capacidade crítica e criativa, provavelmente devido ao conteúdo que aprendem sem problematizá-lo

O aluno, na visão da teoria de Piaget, deixa de ser um receptáculo passivo de informações para tornar-se agente da ação educativa, transformando-se por inteiro, paralelamente com os conhecimentos adquiridos.

O professor deixa de ser um transmissor de conhecimentos prontos, para tornar-se o facilitador da aprendizagem de seus alunos. Deixa de aplicar planos de aula e programas elaborados por especialistas, para tomar-se co-autor do processo educacional.

O importante, além do conhecimento da área específica, como afirma MASETTO (1992), é que "o professor compreenda a situação da sala de aula como a de um grupo de adultos que trabalha, do qual fazem parte ativa, integrante e indispensável, com funções, tarefas e experiências diferenciadas; o professor assumir-se como membro deste grupo junto com os demais para a consecução dos objetivos, numa posição de diálogo e troca, de segurança e de abertura às propostas e críticas dos alunos, incentivando a participação, preocupado com o aluno e seus interesses, e com coerência entre seu discurso e sua ação; o professor compreenda e assuma seu aluno como adulto e estabelece com ele um relacionamento de adulto para adulto e não mais de instrutor para jovem adolescente; por fim o professor assuma uma postura de orientador, de facilitador de aprendizagem, de educador em lugar de apenas transmissor de informações e poder criar o desequilíbrio necessário para se reformular o espaço de sala de aula: seu clima, seu dinamismo, sua transformação em um ambiente de vida, fecundo de aprendizagem e satisfação".

Uma docência com tais características, diante da realidade da educação agrícola superior, como recomenda a FAO, (1993) através de sua Educação Agrícola Superior, busca preparar o aluno para que aprenda por si só, dotá-lo de uma agudeza necessária para uma análise com sentido crítico, criatividade, consciência e responsabilidade social, permitindo-lhe, primeiro como estudante, depois como profissional - apresentar soluções originais aos problemas que se apresentam e assumir, como sua, a responsabilidade de transformar as diversas realidades existentes no setor agropecuário.

A relação teoria-prática é uma discussão clássica em educação. Teoria e prática constituem uma unidade, como afirma PASSOS & VEIGA (1989). Não se opõem e não deve haver dicotomia entre elas. O que deve haver é um constante relacionamento recíproco. Na medida em que este propósito puder ser atingido, a pratica "torna-se cada vez mais esclarecida e controlada pela teoria, e a teoria cada vez mais ligada à realidade educacional". (GOERGEN citado por PASSOS e VEIGA, 1989).

CONCLUSÃO

Ao concluir esta pesquisa, não se tem a pretensão de ditar fórmulas ou receitas didático-pedagógicas. É sabido que elas não funcionam se o professor não está, de fato, motivado para o ensino. As teorias de educação são, em certa medida, referenciais teóricos que ajudam o profissional da educação a agir como tal.

Algumas recomendações tornam-se oportunas no sentido de buscar a melhoria da atuação do professor de ciências agrárias na ESALQ, e, por extensão, nas demais Escolas, o que significa, a melhoria da qualidade de ensino.

- Introdução, em todos os cursos de pós-graduação, da disciplina "Metodologia do Ensino Superior"ou "Didática", como obrigatória e oferecida no primeiro semestre do curso. Se um dos ideais da pós-graduação é o aperfeiçoamento da função docente, se é exigido do professor, mestrado e doutorado para o ingresso e ascensão na carreira universitária, nada mais justo que, além da formação técnico-científica, se ofereça ao docente a formação pedagógica, mesmo que seja com apenas uma disciplina.

- Divulgação dos dados levantados na própria Escola, com discussão conjunta dos "achados", o que pode trazer um efeito imediato na comunidade escolar, abrangendo posteriormente outras Universidades que possuem curso de ciências agrárias. Nessa discussão e reflexão deverão ser envolvidos todos os segmentos da Escola: direção, comissão de graduação, congregação e departamentos.

- Reuniões de planejamento no período que antecede o início do semestre letivo, interdepartamental, com professores que lecionam disciplinas que são pré-requisitos ou básicas para outras, essenciais, no sentido de limitar o campo de cada uma, visando a uma renovação no fazer pedagógico, a partir dessas reuniões.

Tendo como ponto de partida o Curso de Licenciatura em Ciências Agrárias, aprovado pelo Conselho Universitário da USP em 29/08/95, cujo início está previsto para 1996, os professores das disciplinas pedagógicas e a Coordenação do Curso, interdepartamental, abrangendo os Dept°s de Economia e Sociologia Rural que o sedia, e Economia Doméstica, Ciências Florestais e Zoologia sugere-se a criação do Núcleo de Educação Agrícola. Entre as atividades do Núcleo, além da licenciatura, destacar-se-iam cursos de atualização em didática para professores, projetos de educação da zona rural, seminários para discussão dos problemas da ESALQ, fórum de educação a nível nacional, convênio com a Faculdade de Educação da USP e outras universidades. O projeto possibilitaria a vinda de professores e especialistas para ministrar cursos e disciplinas bem como a formação do Núcleo de Apoio Pedagógico, que dará ao professor todo apoio na preparação do material didático, aulas, reciclagem de professores, avaliação e outras. Proporcionar ao professor oportunidades para que possa questionar sua função docente na Universidade, com aguçado espírito crítico, é reforçar sua formação como educador.

Esta pesquisa não pretendeu ser o final, mas o início de uma discussão sobre a prática pedagógica do professor de agronomia. Outras pesquisas, a partir desta, poderão surgir e servirão de subsídios para se repensar o papel do professor de ciências agrárias, e fornecer pistas para sua formação e reciclagem.

Se, de alguma forma, ela servir para a melhoria da qualidade de ensino, o nosso objetivo principal estará cumprido.

Recebido para publicação em 19.12.94

Aceito para publicação em 06.03.95

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Jun 2005
  • Data do Fascículo
    Dez 1995

Histórico

  • Aceito
    06 Mar 1995
  • Recebido
    19 Dez 1994
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