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CAIS DO VALONGO (RJ): APROPRIAÇÕES, MEMÓRIAS E CELEBRAÇÕES

VALONGO WHARF (RJ): APPROPRIATIONS, MEMORIES, AND CELEBRATIONS

Resumo

O objetivo deste artigo é analisar as apropriações e os usos que diferentes atores sociais fazem do Cais do Valongo, localizado na região portuária do Rio de Janeiro, revelando como o local condensa diversas representações e significações. Para isso, selecionamos algumas celebrações relacionadas com associações do movimento negro e do movimento afro-religioso. Consideramos que elas enfatizam como esse lugar de memória pode ser visto como um estímulo à constante reflexão acerca do passado escravista brasileiro e do reconhecimento do legado das populações negras, que foram aqui escravizadas, para a construção da identidade nacional. Dito de outra forma, por meio da análise de algumas celebrações que enfatizam a herança africana, nos propomos a discutir como são construídas diferentes narrativas sobre o local, que pode ser visto como um estímulo à constante reflexão acerca do passado e do presente, como lugar de engajamento, de luta contra todos os tipos de desigualdades, contra a intolerância religiosa, assim como de respeito à diversidade étnica e religiosa.

Palavras-chave:
Cais do Valongo; Apropriações; Movimento negro; Intolerância religiosa; Celebrações

Abstract

This article aims to analyze the appropriations and the uses that different social actors make of the Valongo Wharf, in the port region of Rio de Janeiro, revealing how the place condenses diverse representations and significations. To this end, we selected some celebrations related with associations of the Black and the afro-religious movement. We considered that they emphasize how this place of memory can be seen as a stimulus to the constant reflection over Brazil’s slaver past and the recognition of the legacy of the Black populations, who were enslaved, to the construction of the national identity. In other words, by analyzing some celebrations emphasizing the African heritage, we propose to discuss how the different narratives on the place are constructed, which can be seen as a stimulus to the constant reflection about the past and the present, as a place of engagement, of fight against all types of inequality, against religious intolerance, as well as a place of respect to ethnic and religious diversity.

Keywords:
Valongo Wharf; Appropriations; Black movement; Religious intolerance; Celebrations

INTRODUÇÃO

Com a obra de reestruturação urbana que ocorreu na região portuária do Rio de Janeiro, por meio da implantação do Projeto Porto Maravilha, registrou-se o desterramento do Cais do Valongo, em 2011. Desde então, o local tem sido palco de inúmeras celebrações que procuram enfatizar o reconhecimento da história da escravidão e da diáspora de povos africanos que foram aqui escravizados, bem como suas consequências.

Neste artigo, procuramos focalizar alguns desses eventos como importantes ações políticas que revelam no presente não só a tradição religiosa dos afrodescendentes como também a maneira de acionar memórias coletivas. Observamos que tais celebrações integram dinâmicas efetivas de apropriações daquele espaço público e do modo pelo qual o local vem sendo representado de forma emblemática como símbolo da escravidão, por meio das narrativas elaboradas tanto por responsáveis pelo setor público municipal como por integrantes do chamado movimento negro.

Nosso ponto de partida foi analisar como o Cais do Valongo tem sido construído como um lugar de memória (Nora, 1993Nora, Pierre. (1993). Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História, 10, p. 7-28.), importante referência na luta contra o racismo, contra a chamada intolerância religiosa dirigida às religiões afro-brasileiras e contra o silenciamento1 1 As categorias grafadas em itálico são empregadas no contexto pesquisado. Já as frases empregadas aparecem entre aspas. das consequências da escravidão, por diferentes atores sociais. Desta forma, buscamos refletir sobre as articulações que envolvem atores, práticas, ideias, valores, desejos, sentimentos e categorias que constituem um cenário social muito particular. Neste emergem práticas e concepções que tensionam aquelas que silenciam/discriminam as manifestações culturais afro-brasileiras, que estão relacionadas com a estrutura socioeconômica do país. Esta é marcada por profunda desigualdade social e pelo mito da democracia racial, responsável por ocultar as relações de poder e as inúmeras práticas do racismo estrutural que perpassam a sociedade brasileira (Almeida, 2018Almeida, Silvio Luiz. (2018). O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Letramento.). Tais padrões fomentam confrontos, já que podem ser questionados por aqueles que buscam alterar o padrão de participação na vida social (Fraser, 2007Fraser, Nancy. (2007). Reconhecimento sem ética? Lua Nova, 70, p. 101-138.).

Nesse sentido, os eventos podem ser entendidos como táticas, no sentido dado por De Certeau (2008De Certeau, Michel. (2008). A invenção do cotidiano - artes de fazer. Rio de Janeiro: Vozes.), para o alcance do reconhecimento e do respeito para as religiões afro-brasileiras. Contudo, isso não ocorre de modo harmônico, pois os elementos verbais e não verbais integrantes dos rituais analisados expõem as facetas das tensões étnico-raciais na sociedade brasileira. Sustentamos que a noção de drama social elaborada por Turner (2008Turner, Victor. (2008). Dramas, campos e metáforas: ação simbólica na sociedade humana. Niterói: Eduff.) nos ajuda a analisar melhor as celebrações aqui focalizadas na medida em que expõem tensões e conflitos. Essa noção ainda possibilita compreender modos de lidar com a crise por meio de dispositivos que podem ser jurídicos, mediação informal, rituais públicos, por exemplo. E aponta, ainda, para uma fase relevante caracterizada por reflexões sobre as “relações políticas” anteriores ao conflito, assim como mudanças podem acontecer nas relações institucionalizadas, nas normas e regras (Turner, 2008Turner, Victor. (2008). Dramas, campos e metáforas: ação simbólica na sociedade humana. Niterói: Eduff.: 36-37).

Durante o desenvolvimento da pesquisa, que se iniciou em 2014, com caráter predominantemente qualitativo, acompanhamos diversas atividades e práticas desenvolvidas no Cais do Valongo e em seu entorno. Para a elaboração deste artigo, recorremos à descrição das celebrações por meio de observação direta e participante, às entrevistas que realizamos durante o trabalho de campo com diferentes atores sociais e ao levantamento de documentos e matérias veiculados pela prefeitura e pela Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro (Cdurp), gestora do Projeto Porto Maravilha. Relacionamos, ainda, vídeos e materiais de divulgação das celebrações enfocadas, bem como matérias jornalísticas.

Além da introdução, este artigo possui cinco partes. Na primeira, apresentamos algumas questões em torno da redescoberta do Cais do Valongo e dos conflitos e tensões que logo se apresentaram sobre sua patrimonialização, bem como em torno do destino das peças que foram encontradas durante as escavações. Na segunda, discutimos as disputas envolvidas com as construções de memórias do Cais. Na terceira, etnografamos as celebrações realizadas no Cais do Valongo, ressaltando sua dimensão religiosa. Na quarta, abordamos o modo de expressão do passado no presente e a problematização da intolerância religiosa. Por fim, na quinta, fazemos as considerações finais.

A REVITALIZAÇÃO DA REGIÃO PORTUÁRIA E O CAIS DO VALONGO

A partir de 2009, a prefeitura da cidade do Rio de Janeiro iniciou o Projeto Porto Maravilha, voltado à reestruturação da região portuária, e, para tanto, foi realizada parceria entre órgãos públicos e empresas privadas. A prefeitura municipal da cidade do Rio de Janeiro (PMCRJ), na gestão de Eduardo Paes (2009-2016), desenvolveu um conjunto de ações: recuperação de logradouros, serviços de iluminação e saneamento, construção de prédios, “valorização da paisagem urbana”, proteção do patrimônio cultural e “criação de circuito histórico-cultural”, conforme consta na Lei Complementar 101/2009, que autoriza a operação urbana consorciada da região do porto do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro, 2009Rio de Janeiro (Município). (2009). Lei Complementar 101, de 23 de novembro de 2009. Modifica o Plano Diretor, autoriza o Poder Executivo a instituir a Operação Urbana Consorciada da Região do Porto do Rio e dá outras providências. Diário Oficial do Município do Rio de Janeiro, 24 nov. 2009.).

Esses procedimentos geraram tensões e conflitos entre alguns órgãos da prefeitura, os moradores e os movimentos sociais da região, que acusaram os primeiros de promover políticas de higienização com vistas à modernização. E, ainda, ressaltaram como a revitalização afetou dramaticamente as suas existências e suas experiências cotidianas diante das ações de despejo e de remoção de moradores, eliminação das atividades do comércio de rua, fechamento de escolas, elitização e extinção de praças públicas, encerramento das atividades de terreiros das religiões de matrizes africanas, por exemplo (Fase, 2014Fase - Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional. (2014). Cartografia social urbana: transformações e resistências na região portuária do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Fase. Disponível em <Disponível em https://fase.org.br/wp-content/uploads/2014/04/Fase_Web.pdf >. Acesso em 12 jul. 2017.
https://fase.org.br/wp-content/uploads/2...
).

O Jornal dos Economistas (JE), ligado ao Conselho Regional de Economia/RJ, veiculou o debate promovido, em 2012, pelo Fórum Popular do Orçamento, uma organização apartidária em atuação desde 1995, e o Conselho Municipal de Defesa dos Direitos do Negro (Comdedine), órgão de assessoria da Prefeitura Municipal para a elaboração de políticas de combate à discriminação racial, criado em 1987, e que reúne organizações do movimento negro. O encontro contemplou o Projeto Porto Maravilha, sendo que os participantes - moradores e organizações civis - enfatizaram a falta de informação sobre o valor que seria destinado para o que era indicado como preservação do “patrimônio histórico negro”. Para os presentes, a situação contrastava com o que era anunciado como investimento para a construção e a manutenção do Museu do Amanhã e da Pinacoteca, que desde o início faziam parte do projeto Maravilha (Zumbi…, 2012Zumbi e Porto Maravilha : passado, presente e futuro. (2012). Jornal dos Economistas, n. 278, p. 14-15. Disponível em <Disponível em http://www.corecon-rj.org.br/anexos/35DF5268BD4D9F70EA1AE77C7F8E67D7.pdf >. Acesso em 18 jan. 2021.
http://www.corecon-rj.org.br/anexos/35DF...
: 15).

As obras revelaram o que muitos historiadores já vinham apontando: o Cais do Valongo. Porta de entrada de africanos escravizados no Brasil, entre 1811 e 1831, esse atracadouro foi encoberto por reformas para a construção do Cais da Imperatriz, em 1843, e a Praça do Comércio, em 1903. Em 2011, durante as escavações das obras do Projeto Porto Maravilha, o Cais foi desenterrado e considerado, por especialistas da arqueologia2 2 Esses especialistas passaram a atuar na área por causa da legislação relacionada à proteção de patrimônio cultural e de bens arqueológicos, conforme estabelecem a Constituição Federal de 1988 e a Lei Federal 3.924 de 1961 (Brasil, 1961, 1988). , em bom estado de conservação. Nesse processo também foi encontrada grande quantidade de objetos e isso despertou a atenção de especialistas e profissionais de diferentes áreas. O farto material encontrado foi interpretado como um dos maiores testemunhos da diversidade dos povos africanos que entraram no país por aquele ponto de desembarque, sendo logo alçado à condição de artefato arqueológico. Foram identificados tanto objetos de uso pessoal (cotidiano) quanto relacionados a rituais religiosos (sagrado).

A localização e a externalização dos sinais do Cais do Valongo passaram a integrar a agenda de organizações do movimento negro e orgãos de defesa dos direitos do negro, que, no primeiro semestre de 2011, elaboraram a Carta do Valongo com a proposta de construção de um memorial da diáspora africana. A convocação para uma Audiência Pública realizada pelo Conselho Municipal dos Direitos do Negro (Comdedine), em 2012, apresenta um histórico sobre o resguardo do que era entendido como patrimônio de matriz africana. Esta questão mobilizou organizações do movimento negro e os conselheiros do Comdedine buscaram interlocução com o prefeito. Eles foram recebidos pelo subsecretário do Patrimônio Cultural, Intervenção Urbana, Arquitetura e Design do Gabinete do Prefeito (SubPC), e o diálogo prosseguiu. Foi, então, acordada a criação de um grupo de trabalho para definir a abordagem a ser dada à questão do legado afro-brasileiro, tendo o Comdedine estabelecido articulação com os órgãos de promoção da igualdade racial (Comdedine, 2012Comdedine Rio - Conselho Municipal da Defesa dos Direitos do Negro. (2012). Audiência Pública - Cais do Valongo - 26.06.2012 às 18h - Galpão Ação da Cidadania. Disponível em <Disponível em http://comdedinerj.blogspot.com/2012/06/audiencia-publica-cais-do-valongo.html >. Acesso em 20 jan. 2021.
http://comdedinerj.blogspot.com/2012/06/...
).

A mobilização das organizações do movimento negro foi relevante não somente para dar ao Cais do Valongo visibilidade na imprensa mais ampla, mas também para que ele fosse incorporado ao projeto de revitalização. Este projeto não mencionava a antiga construção, apesar de sua localização estar apontada no obelisco existente na Praça do Comércio, que constitui uma das camadas que encobre o Cais do Valongo. O planejamento inicial, conforme consta na revista Porto Maravilha - editada pela Cdurp - previa apenas a proteção do “patrimônio cultural”: ladeiras e construções históricas (Morro…, 2010Morro da Conceição receberá primeiras obras do projeto de revitalização urbana. (2010). Porto Maravilha , 1, p. 4.: 4).

No entanto, após seu desenterramento, Eduardo Paes, prefeito à época, manifestou-se, no editorial da revista Porto Maravilha reconhecendo a importância da revitalização da região portuária, em referência ao Cais do Valongo e ao Cais da Imperatriz, afirmando: “importantes relíquias do Rio Antigo foram reveladas recentemente […] Verdadeiro e valoroso tesouro da nossa história, serão recuperados e farão parte de um memorial a céu aberto” (Porto…, 2011: 2). Só a partir daí que o sítio arqueológico passou a fazer parte do projeto de revitalização em curso, sendo isso conduzido em diálogo com a concepção de alteração urbanística voltada a impulsionar investimentos empresariais. Sua inserção na proposta de revitalizar a “degradada região portuária” figura num artigo (A revolução…, 2011A revolução no Porto do Rio de Janeiro. (2011). Porto Maravilha, 5, p.3.: 3) sobre a venda de Certificados de Potencial Adicional de Construção (Cepacs), uma transação de títulos imobiliários adquiridos pelo Fundo de Investimento Imobiliário Porto Maravilha (FIIPM), administrado pela Caixa Econômica Federal (CEF), que utilizou recursos do Fundo de Garantia de Tempo de Serviço (FGTS).

Ainda no ano de 2011, foi criado o Circuito Histórico e Arqueológico da Celebração da Herança Africana, instituído por meio do Decreto nº 34.803 (Rio de Janeiro, 2011Rio de Janeiro (Município). (2011). Decreto nº 34.803, de 29 de novembro de 2011. Cria o Circuito Histórico e Arqueológico de Celebração da Herança Africana e o Grupo de Trabalho Curatorial do Projeto Urbanístico, Arquitetônico e Museológico do circuito. Diário Oficial do Município do Rio de Janeiro , 30 dez. 2011.), ano escolhido pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o Ano Internacional dos Afrodescendentes. Nessa mesma época, o prefeito ressaltou que: “As obras do Porto Maravilha revelaram sítios arqueológicos que retratam a Diáspora Africana, verdadeiros marcos da cultura afro-brasileira que serão preservados”, sendo destacado o seu potencial turístico e educativo (Prefeitura…, 2011Prefeitura cria Circuito Histórico e Arqueológico da Celebração da Herança Africana. (2011). Porto Maravilha , 6, p. 2-4.: 2-4). Conforme o Decreto nº 34.803, o Circuito da Celebração Africana está relacionado com a formação e a atuação do Grupo de Trabalho Curatorial do Circuito Histórico e Arqueológico de Celebração da Herança Africana, integrado pelo Conselho Municipal de Defesa dos Direitos do Negro (Comdedine) e Coordenação Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Ceppir), da Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto (Cdurp), gestora do projeto de revitalização urbana, e representantes da sociedade civil - afrorreligiosos e moradores da região portuária -, cuja atribuição seria construir e apresentar o “recorte conceitual, histórico-cultural, de abrangência do circuito e sua delimitação territorial” (Rio de Janeiro, 2011Rio de Janeiro (Município). (2011). Decreto nº 34.803, de 29 de novembro de 2011. Cria o Circuito Histórico e Arqueológico de Celebração da Herança Africana e o Grupo de Trabalho Curatorial do Projeto Urbanístico, Arquitetônico e Museológico do circuito. Diário Oficial do Município do Rio de Janeiro , 30 dez. 2011.).

O Circuito da Herança Africana é formado por diferentes lugares, ligados ou não ao tráfico de seres humanos para o trabalho escravo3 3 Integram o Circuito da Celebração Africana os seguintes lugares: o Cais do Valongo, o Largo do Depósito, a Pedra do Sal, o Instituto dos Pretos Novos - situado no terreno do antigo Cemitério dos Pretos Novos -, o Jardim do Valongo e o Centro Cultural José Bonifácio. . No entanto, a inclusão de lugares que não representam propriamente a herança africana foi, desde cedo, tensionada por alguns setores do movimento negro. Apesar de alguns terem participado da elaboração do Circuito da Herança Africana, diferentes ativistas do movimento negro entenderam a proposta final apresentada pela prefeitura como apenas uma compensação para o que era, e ainda é, a sua principal reivindicação: a construção de um memorial com a exposição do farto material encontrado durante a escavação do local onde estaria o Cais do Valongo e da Imperatriz. Durante a pesquisa de campo, percebemos muitas tensões entre diferentes organizações do movimento negro e presenciamos acusações de que a chapa branca (representantes de instituições em defesa da causa negra que integravam a prefeitura) havia sido cooptada nesse processo.

O reconhecimento do Cais do Valongo como patrimônio da memória da diáspora africana nas Américas foi feito pelo Conselho Científico Internacional Rota do Escravo, da Unesco, em evento realizado no dia 20 de novembro de 2013. Esse encontro contou com a participação de órgãos nacionais e internacionais, particularmente, de integrantes do Comitê Rota do Escravo. Nesse mesmo dia, a edificação recebeu uma placa de reconhecimento como patrimônio cultural da cidade, cuja concessão foi do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH), órgão criado em 2012, ligado ao gabinete do prefeito à época, com a finalidade de criar e gerir programas e projetos relacionados à política de patrimônio da cidade.

Figura 1
Patrimônio Cultural Carioca

A partir de novembro de 2013, foi iniciada uma forte campanha envolvendo os governos municipal, estadual e federal para elevar exatamente o Cais do Valongo à condição de patrimônio mundial da humanidade. Washington Fajardo, então presidente do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH), criado em 2012 e vinculado ao gabinete do prefeito, apontou, por ocasião do reconhecimento do Cais do Valongo como patrimônio cultural da cidade, que “o Rio de Janeiro tem muito orgulho das nossas raízes e dos nossos antepassados negros” (Engelbrecht, 2013Engelbrecht, J. P. (2013). Prefeitura apoia a candidatura do Cais do Valongo a patrimônio mundial. Rio Prefeitura, 28 nov. Disponível em <Disponível em http://www.rio.rj.gov.br/web/irph/exibeconteudo?id=4483113 >. Acesso em 13 jan. 2021.
http://www.rio.rj.gov.br/web/irph/exibec...
). Para lançar o Cais como candidato a Patrimônio da Humanidade, a prefeitura reuniu diversos órgãos4 4 A prefeitura, à época, reunia órgãos municipais voltados a essa proposta, tais como: o Conselho Municipal de Defesa dos Direitos do Negro (Comdedine), o Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH), a Subsecretaria de Patrimônio Cultural, Intervenção Urbana, Arquitetura e Design do Gabinete do Prefeito, a Secretaria Municipal de Cultura, a Secretaria Municipal de Obras e a Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro (Cdurp), empresa gestora da Operação Consorciada Porto Maravilha. e não dispensou alianças com órgãos do governo federal (Fundação Cultural Palmares e Iphan) e outros de atuação internacional, como a Unesco.

Em 30 de setembro de 2015, ocorreu o lançamento oficial da candidatura do Cais do Valongo ao título de Patrimônio da Humanidade, no Palácio Gustavo Capanema, localizado no centro da cidade do Rio de Janeiro. No ano seguinte, foi finalizado o dossiê “Sítio Arqueológico Cais do Valongo: proposta de inscrição na lista de Patrimônio Mundial”, que teve a participação de historiadores e antropólogos em sua elaboração e aponta como o antigo atracadouro passou a ser destacado: testemunha do “maior processo de migração forçada da história da humanidade e seu significado de dor e de tragédia” e acaba por identificá-lo como “lugar de memória”. O documento ainda menciona os objetos encontrados que atestam a diversidade das populações africanas trazidas para o Brasil, reveladores de suas “marcas identitárias” (Iphan, 2016Iphan - Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional. (2016). Sítio Arqueológico Cais do Valongo: proposta de inscrição na lista de Patrimônio Mundial. Brasília, DF: Iphan.: 13).

Em 9 de julho de 2017, o sitio arqueológico Cais do Valongo foi finalmente reconhecido como patrimônio mundial pelo Comitê de Patrimônio Mundial da Unesco, na 41ª reunião da instituição, realizada na Cracóvia, Polonia. Na ocasião, a representante brasileira Katia Bogéa (presidente do Iphan à epoca), que acompanhou as discussões promovidas por esse organismo, mencionou em seu discurso:

Em momentos de elevada intolerância que ronda o mundo atual, o reconhecimento de sítios sensíveis coloca em evidência a necessidade de compartilharmos nossa experiência em prol de uma visão mais humanista da sociedade global, a partir da observação do quê o Cais do Valongo significou e da sua reapropriação social nos dias atuais, em especial, pelos descendentes afro-brasileiros, que numa atitude de superação reafirmam sua negritude e sua história para o Brasil, as Américas e todo o Mundo (Cais do…, 2017Cais do Valongo (RJ) ganha título de Patrimônio Mundial. (2017). Iphan, 3 jul. Disponível em <Disponível em http://portal.iphan.gov.br/noticias/detalhes/4188/cais-do-valongo-rj-pode-se-tornar-patrimonio-mundial >. Acesso em 24 out. 2022.
http://portal.iphan.gov.br/noticias/deta...
).

Em 5 de novembro de 2018, foi realizado o tombamento do Cais do Valongo como patrimônio histórico e cultural do Estado do Rio de Janeiro, durante a abertura da exposição “Cartografia da Africanidade Fluminense”, na Casa França-Brasil.

No entanto, apesar dessas titulações, existem várias denúncias de que hoje o Cais do Valongo está mal preservado e sinalizado, além de não receber o devido reconhecimento e apoio dos poderes públicos que indicaram a sua candidatura a Patrimônio da Humanidade. O prédio da antiga Docas Pedro II, do século XIX, que deveria abrigar as peças encontrados no sítio arqueológico (conforme previsto em documentos, como o anteriormente citado Dossiê), continua ocupado, desde 2003, pela ONG Ação da Cidadania, fundada por Herbert de Souza. Esse é um debate que ainda não está finalizado e que deverá ter desdobramentos.

MEMÓRIAS EM DISPUTA OU RELACIONAIS

O conceito de memória foi abordado por diferentes autores, por meio de referências teóricas distintas. Mas aqui a destacamos como fenômeno social de expressão tanto individual como coletiva e, para tanto, as contribuições de Pollak (1992Pollak, Michael. (1992). Memória e identidade social. Estudos Históricos , 5/10, p. 200-212.) são importantes ao mostrar a existência de uma relação entre estas duas dimensões. Ao lado disso, os aportes de Pierre Nora são fundamentais para compreendermos que “a memória é vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em permanente evolução, aberta à dialética de lembrança e do esquecimento, inconsciente de suas longas latências e repentinas revitalizações” (Nora, 1993Nora, Pierre. (1993). Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História, 10, p. 7-28.: 9).

Seguindo essas pistas interpretativas, podemos dizer, como Nora (1993Nora, Pierre. (1993). Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História, 10, p. 7-28.), que lugar de memória seria toda unidade significativa, de ordem material ou ideal, que a vontade dos homens ou o trabalho do tempo se converteu em elemento simbólico do patrimônio memorial de uma comunidade qualquer. A questão, no entanto, seria: como uma dada sociedade lê o seu próprio passado? Para responder justamente a essa pergunta, Nora (1993Nora, Pierre. (1993). Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História, 10, p. 7-28.: 22) nos diz: “é a partir dos lugares de memória que as identidades se constituem”. Nesse sentido, procuramos compreender as tensões em torno da construção e enquadramento de memórias.

Para os principais órgãos estatais e a Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro (Cdurp), empresa consorciada que encabeça a execução do Projeto Porto Maravilha, o Cais do Valongo sempre foi apresentado como lugar de memória da diáspora fora do continente africano. No entanto, constatamos que outros sentidos também eram acionados e contribuíram para marcar a condição do Cais do Valongo como o convidado inesperado do projeto de revitalização. Isso se deu porque esta antiga construção estava totalmente fora das representações que se queria estabelecer para a cidade do Rio de Janeiro, que ganhava nova centralidade com a operação em curso na região portuária. Isso, sem dúvida, trouxe uma questão: como conciliar um passado que se queria soterrado ao lado da ideia de uma cidade moderna, criativa e voltada para o futuro?

A descoberta do Cais do Valongo e dos milhares de objetos classificados como pertencentes aos africanos que aqui foram escravizados acabou por complexificar o contexto da revitalização urbana, assim como das relações raciais. Isso porque, mesmo que a gestão anterior da prefeitura e a Cdurp entendessem o Cais do Valongo a partir da perspectiva da cidade como negócio, sua redescoberta impôs uma reflexão densa sobre diferentes questões: o significado dos artefatos encontrados; a herança deixada pela sociedade escravista; a estrutura excludente da sociedade brasileira.

As tensões e os conflitos em torno dos achados arqueológicos que vieram à tona com o desenterramento do Cais do Valongo envolveram diferentes representações sobre a escravidão, bem como sobre a criação de museus ou memoriais (Vassalo & Cáceres, 2019Vassalo, Simone Pondé & Cáceres, Luz Stella Rodríguez. (2019). Conflitos, verdades e política no Museu da Escravidão e da Liberdade no Rio de Janeiro. Horizontes Antropológicos, 25/53, p. 47-80.). Nas narrativas construídas por diferentes órgãos da prefeitura, vimos serem reveladas pelo menos duas visões de cidade. De um lado, a de uma cidade que tinha um passado vergonhoso, representada pela cidade colonial e escravista, que não podia mais ser escondido diante dos desenterramentos/descobertas do Cais e dos artefatos, e, de outro, a ideia de uma cidade que se representava como maravilhosa, moderna, criativa e voltada para um futuro de desenvolvimento. Essa tensão fica evidente na convocação realizada pelo Conselho Municipal de Defesa dos Direitos do Negro (Comdedine) para a Audiência Pública voltada à apresentação do documento relacionado com a criação do Circuito Histórico e Arqueológico da Celebração da Herança Africana. No documento, é enfatizado o posicionamento para impedir que a “história da população afrodescendente” seja “soterrada mais uma vez”, pois a história a ser escrita deve “respeitar uma outra já existente” (Comdedine, 2012Comdedine Rio - Conselho Municipal da Defesa dos Direitos do Negro. (2012). Audiência Pública - Cais do Valongo - 26.06.2012 às 18h - Galpão Ação da Cidadania. Disponível em <Disponível em http://comdedinerj.blogspot.com/2012/06/audiencia-publica-cais-do-valongo.html >. Acesso em 20 jan. 2021.
http://comdedinerj.blogspot.com/2012/06/...
).

Podemos mencionar a dinâmica que envolveu a participação de uma religiosa da tradição afro-brasileira na identificação e classificação dos objetos encontrados nas escavações, cooperando para a emergência de outra narrativa sobre o local (Carneiro & Pinheiro, 2015Carneiro, Sandra de Sá & Pinheiro, Márcia Leitão. (2015). Cais do Valongo: patrimonialização de locais, objetos e herança africana. Religião & Sociedade, 35/2, p. 384-401.; Pinheiro & Carneiro, 2016Pinheiro, Márcia Leitão & Carneiro, Sandra Sá. (2016). Revitalização urbana, patrimônio e memórias no Rio de Janeiro: usos e apropriações do Cais do Valongo. Estudos Históricos, 29/57, p. 67-86.). Tânia Lima, arqueóloga supervisora da escavação do Cais do Valongo, ao falar sobre a preservação do material encontrado, reconheceu que os objetos informavam sobre uma época e um lugar e seus sentidos não poderiam ser definidos apenas por sua associação com o Cais do Valongo ou pelo olhar científico. Era necessário também interpretá-los em sua dimensão religiosa. Segundo ela, como a sua equipe era formada por cristãos, foi convocada uma mãe de santo para auxiliar na identificação e na classificação dos objetos, marcando, assim, a possível e necessária interface entre os saberes (Carneiro & Pinheiro, 2015Carneiro, Sandra de Sá & Pinheiro, Márcia Leitão. (2015). Cais do Valongo: patrimonialização de locais, objetos e herança africana. Religião & Sociedade, 35/2, p. 384-401.). A presença da liderança religiosa evidenciou um certo cuidado da chefe dos arqueólogos em não produzir traduções apressadas, evitando destacar simplesmente que os objetos seriam somente oriundos da África porque estavam em tal lugar.

De fato, a participação de mãe Celina de Xangô, integrante do Centro Cultural Pequena África, que desde 2006 busca preservar a cultura e os valores da chamada Pequena África, território negro na região portuária, sinalizou outra perspectiva para que os objetos pudessem ser mais bem compreendidos, levando-se em consideração dois motivos: como indicativo da complexidade do deslocamento de seres humanos de diferentes locais da África para o trabalho escravo; como resultado da combinação de olhares que se complementavam e se diferenciavam na elaboração de lugar de memória e de patrimônio. Se, para a arqueologia, os objetos e os lugares foram considerados importantes para definir um sítio de pesquisa, para a religiosa, outra questão estava colocada. A escavação externou as pedras do Cais do Valongo e os objetos, permitindo ver e falar dos ancestrais, dos orixás e de tudo aquilo que faz com que o local seja considerado como uma terra sagrada, conforme afirmou a sacerdotisa.

Em 2012, outro acontecimento atestou a importância da parceria entre órgãos da prefeitura e religiosos de matriz africana. Um dos órgãos administrativos da prefeitura, a partir da sugestão de Rubem Confete, membro do Grupo de Trabalho Curatorial responsável por elaborar o Circuito Histórico e Arqueológico de Celebração da Herança Africana, fez um convite para que três mães de santo visitassem os lugares do Circuito da Celebração Africana. O objetivo era identificar os lugares detentores de ancestralidade, de sacralidade e circunscrever sua relevância cultural e simbólica. Segundo o subsecretário de Patrimônio à época, a atuação dessas sacerdotisas estaria relacionada com a concepção da prefeitura de que o projeto precisava agregar o aspecto religioso, não ficando restrito ao histórico e ao arqueológico (Lopes, 2012Lopes, Yara. (2012). Em busca do sagrado, o respeito à ancestralidade. Porto Maravilha, 18 maio. Disponível em <Disponível em https://www.portomaravilha.com.br/noticiasdetalhe/4152-em-busca-do-sagrado,-o-respeito-a-ancestralidade >. Acesso em 6 fev. 2021.
https://www.portomaravilha.com.br/notici...
).

Definido em texto como um fato inusitado na administração pública, as três sacerdotisas foram apresentadas como “autoridades em religiões de matrizes africanas” (Lopes, 2012Lopes, Yara. (2012). Em busca do sagrado, o respeito à ancestralidade. Porto Maravilha, 18 maio. Disponível em <Disponível em https://www.portomaravilha.com.br/noticiasdetalhe/4152-em-busca-do-sagrado,-o-respeito-a-ancestralidade >. Acesso em 6 fev. 2021.
https://www.portomaravilha.com.br/notici...
). Apesar de o Circuito da Celebração Africana ser formado por seis lugares, apenas três foram contemplados por elas e classificados como sagrados: o Cemitério dos Pretos Novos - onde funciona o Instituto Pretos Novos (IPN) -, o Cais do Valongo e a Pedra do Sal - onde reside uma comunidade quilombola. Esses locais, que integram o território chamado Pequena África5 5 A Pequena África é uma importante referência para aqueles que visam demarcar um território negro na cidade (Guimarães, 2014). Essa área estaria relacionada com a chegada de negros libertos que vieram da Bahia ou de outras regiões do país e tinham acolhida em casas conhecidas por sua hospitalidade aos irmãos de fé de religiões afro-brasileiras e companheiros de condição no mundo do trabalho (Moura, 1995). Esses elementos corroboram o reconhecimento da região como lugar de memória e celebração das heranças africanas. Contudo, há estudos que ressaltam a presença de portugueses e judeus na chamada Pequena África (Bitter, 2015). , são referências importantes para as diversas atividades das organizações do movimento negro, que se mobilizam constantemente para fortalecer o tripé do patrimônio negro na região portuária.

O Cais do Valongo passou assim a significar também “terra cheia de energia”, segundo mãe Celina de Xangô. Isso evidencia o destaque dado ao que é entendido por ela como ocultado ou esquecido e que vem ganhando visibilidade por meio da realização de diferentes manifestações.

O entendimento do Cais do Valongo como lugar de memória (Nora, 1993Nora, Pierre. (1993). Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História, 10, p. 7-28.) ganhou ainda mais relevo na pesquisa na medida em que buscávamos compreender a importância das celebrações para a promoção e a valorização das identidades afro-brasileiras. Particularmente porque essa ideia supõe a justaposição de duas ordens de realidades: uma tangível e apreensível, às vezes material, às vezes menos, inscrita no espaço, no tempo, na linguagem, na tradição; uma outra realidade, puramente simbólica, portadora de uma história. A noção engloba ao mesmo tempo os objetos físicos e os objetos simbólicos, com base no que eles têm em comum. Segundo Nora (1993Nora, Pierre. (1993). Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História, 10, p. 7-28.: 13), os lugares de memória nascem e vivem do sentimento. Não há memória espontânea, sendo importante criar arquivos, organizar celebrações etc., na medida em que essas operações não são naturais. O autor acrescenta ainda que sua categoria de lugar de memória seria uma espécie de resposta à necessidade de identificação do indivíduo contemporâneo. É por meio dos grupos (sejam geracionais, étnicos etc.) que se procura ter acesso a uma memória viva e presente no cotidiano. Para ele, existe sempre a possibilidade de acessarmos uma memória reconstruída que nos dê o sentido necessário de identidade. Por fim, ao chamar a atenção para a necessidade de discutirmos a ritualização da memória, Nora (1988) sugere que devemos dar mais atenção ao papel que o ritual exerce nas sociedades.

CELEBRAÇÕES QUE REVELAM E EXPRIMEM A LUTA POR RECONHECIMENTO

Conforme já tivemos oportunidade de destacar, desde que foi desenterrado, o sítio arqueológico do Cais do Valongo tem sido importante para o desenvolvimento de inúmeras atividades e celebrações: rodas de capoeiras, manifestações artísticas, culturais, políticas e religiosas. Ao longo da pesquisa de campo, acompanhamos muitas delas, mas aqui focalizamos as três que consideramos como mais representativas da proposta de dar maior visibilidade ao legado negro à cidade do Rio de Janeiro. São elas: a) o evento denominado Semana da Herança Africana, que teve duas edições (2012 e 2014); b) a Lavagem do Cais do Valongo, que ocorre desde 2012, no primeiro sábado de julho; c) o Cortejo de Iemanjá, que ocorreu pela primeira vez na localidade em fevereiro de 2017.

A primeira edição da Semana da Herança Africana ocorreu no período de 19 a 21 de dezembro de 2012, promovida pelo Centro Afro Carioca de Cinema, criado em 2007 pelo ator e cineasta Zózimo Bulbul, tendo o apoio e o recurso da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro e como homenageado Abdias do Nascimento. Nesse evento, foi mencionada a importância dos ancestrais e de se “reverenciar a todos os africanos que por ali passaram” - frase de Zózimo Bulbul, em sua homenagem a Abdias -, sendo ressaltada a necessidade de “perpetuar o legado de intervenções em pontos distintos da zona portuária”.

O evento, em comemoração ao Dia da Consciência Negra, teve início no Largo de São Francisco da Prainha, situado entre a Praça Mauá e a Pedra do Sal, de onde saiu um cortejo que passou pelo Jardim Suspenso, com chegada no Cais do Valongo. Durante o cortejo, foram entoados pontos religiosos por adeptos das religiões de matrizes afro e pelo público mais amplo. Na chegada, houve uma grande festa de confraternização e apresentações de música, dança e teatro.

A edição seguinte, ocorrida nos dias 16 e 17 de maio de 2014, também promovida pelo Centro Afro Carioca de Cinema e o Prêmio Porto Maravilha Cultural, tinha como título “Intervenções Urbanas no Caminho do Porto” e como subtítulo, em destaque, a frase atribuída a Zózimo Bulbul, principal homenageado e que havia falecido no início daquele ano: “Uma reverência a todos os africanos que por aqui passaram”. Essa edição também contou com a realização de um cortejo que teve a participação de vários representantes de terreiros e do Afoxé Filhos de Gandhi, tendo lugar relevante as músicas de umbanda e candomblé (Canto para Oxalá e Ijexá). Na frente do cortejo caminhavam várias pessoas com vestimentas religiosas carregando flores, incensos e jarros d’água, que era jogada na rua como forma de purificar o caminho percorrido até chegar ao Cais do Valongo.

Figura 2
Herança Africana 2014; local: Docas Pedro II

O evento ainda contou com barraquinhas que ofereciam gastronomia afro e foram realizadas numerosas atividades: mesa-redonda com a participação de Nei Lopes e Elisa Larkin (esposa de Abdias do Nascimento), entre outros; roda de conversa com artistas e intelectuais negros, apresentação de dança, exibição de filmes do acervo do Centro Afro Carioca de Cinema.

Também foi realizada uma exposição fotográfica com 130 fotos de personalidades negras de várias gerações. Dentre os fotógrafos, podemos destacar Ierê Ferreira, Januário Garcia, Vantoen Pereira, entre outros. O Cais do Valongo foi ocupado por cartazes do evento e por fotos que foram expostas em esteiras de palha. Elas retratavam várias personalidades negras in memoriam, que se destacaram na música, como, por exemplo, Pixinguinha, Donga, Emílio Santiago e Paulo Moura; na dança: Mercedes Batista; nas Artes Cênicas: Grande Otelo, Mussum e Cléa Simões; no Cinema: Zózimo Bulbul; na literatura e história: Machado de Assis, Luís Gama e Lélia Gonzalez. E, em destaque, Tia Ciata. Esses eram referidos como os nossos ancestrais ou os nossos antepassados. Mas também foram homenageados negras e negros em vida: Arlindo Cruz, Martinho da Vila, Elza Soares, Leci Brandão e Rubens Confete, por exemplo. No teatro e na televisão, Milton Gonçalves, Léa Garcia, Ruth de Souza e Zezé Motta; na literatura, Conceição Evaristo, Ele Sémog, Sueli Carneiro, entre outros. Também foram expostos alguns quadros de Heitor dos Prazeres.

Figura 3
Herança Africana 2014; local: Cais do Valongo

Segundo os organizadores, o evento visou homenagear as personalidades importantes no cenário artístico e cultural da cidade do Rio de Janeiro, sendo destacada por Biza Vianna, companheira de Zózimo Bulbul (falecido em janeiro de 2013), a relevância de assim “homenagear a cultura africana e sua influência na formação da identidade cultural brasileira”.

Um aspecto que nos chamou a atenção é o apelo que é feito no cartaz dessa edição do evento, quando conclama que por meio dele se vai “empretecer a cidade”. As mensagens expostas no cartaz remetem à luta de setores do movimento negro pela valorização da cultura negra para a formação da cidade, bem como de seu desenvolvimento. Vale a pena reproduzi-las aqui:

Eu quero com este projeto que a população se reconheça, se espelhe e venha para a reflexão. Foi por aqui que os africanos chegaram neste país, nessa cidade, para transformar o Rio de Janeiro em capital. Nós temos uma história, que precisa ser contada. Uma trajetória que vai muito além da história da escravidão (Figura 4).

Figura 4
Cartaz do evento Herança Africana, 2014

Em diversos momentos desse evento, particularmente pelos expositores que participaram da mesa redonda, sempre foi ressaltada a importância de se reconhecer lugares tantas vezes invisibilizados nas expressões culturais e religiosas de matriz africana, particularmente em um contexto no qual a promoção de direitos humanos é vital aos processos democráticos. Ao lado dessas colocações, foi enfatizado o papel das celebrações que transmitem e comunicam conhecimentos e tradições ancestrais da cultura afro-brasileira, tantas vezes incompreendidas e silenciadas. Também foi mencionado por vários participantes da mesa-redonda, citada acima, a relevância de se pensar a cidade do Rio de Janeiro por uma ótica diferente da narrativa oficial/dominante sempre assentada/sustentada sobre uma suposta identidade superior branca e europeizada. Era necessário, segundo os participantes, construir uma outra narrativa sobre a cidade, por isso a palavra de ordem era “vamos empretecer a cidade”, pois “não somos uma minoria” e era necessário e urgente lembrar e resgatar a memória dos ancestrais.

Outra celebração importante na valorização do patrimônio cultural afrodescendente é a Lavagem do Cais do Valongo, que acontece desde 2012 e foi concebida por mãe Edelzuita de Oxaguian, advogada que luta pela proteção das religiões de matrizes africanas, oriunda de Salvador, ambientada com a Lavagem do Bonfim e iniciada por mãe Menininha do Gantois. Além dela, cooperam com a iniciativa o Conselho Municipal de Defesa dos Direitos do Negro (Comdedine) e o Conselho Estadual dos Direitos do Negro (Cedine), que também reúnem organizações do movimento negro.

O ritual da Lavagem do Cais do Valongo, proposta de mãe Edelzuíta de Oxaguian, uma das ialorixás que também participou da identificação dos pontos sagrados do Circuito da Celebração Africana, tem ocorrido no primeiro sábado do mês de julho. Em 15 de dezembro de 2014, por meio da Lei 5.820/2014 (Rio de Janeiro, 2014Rio de Janeiro (Município). (2014). Lei 5.820/2014. Diário Oficial do Município do Rio de Janeiro , 16 dez. 2014.), foi criado o Dia da Lavagem do Cais do Valongo, sendo o ato simbólico incluído no calendário oficial da cidade.

A cerimônia conta com a participação de pesquisadores, de diversas organizações do movimento negro, principalmente aquelas localizadas na região portuária como, por exemplo, o Quilombo Pedra do Sal, localizado em área reconhecida como monumento histórico e religioso da cidade do Rio de Janeiro; Afoxé Filhos de Gandhi, uma associação cultural afro-brasileira; Centro Cultural Pequena África, dedicado à preservação da cultura negra na região; Instituto Pretos Novos, criado em 2005, e voltado à pesquisa, estudo e preservação do patrimônio material e imaterial afro-brasileiro. Também estavam presentes diversos representantes do candomblé, que, com seus trajes tradicionais, com flores nas mãos, dançavam durante a cerimônia, ao som dos instrumentos musicais (atabaques, tambores, xequerês e agogôs), enquanto algumas mulheres, com trajes rituais, jogavam água nas pedras da antiga construção.

O cortejo tem saído de uma instalação situada na mesma calçada do Cais do Valongo e chega às ruínas com muitos integrantes segurando palmas de cor branca. Em geral, as mães de santo vão à frente e são seguidas por um grupo de pessoas que seguram um arranjo feito com rosas de cor vermelha dispostas em formato de coração. No centro, vem escrita a palavra PAZ, também com rosas de cor branca. Sempre liderados pelas sacerdotisas, os participantes jogam água e flores sobre as pedras do Cais.

Figura 5
Lavagem do Cais do Valongo, 2014

Em 2014, em seu depoimento - presente no Acervo Digital de Cultura Negra (Cultne) -, mãe Edelzuíta de Oxaguian explicita que esse ritual é visto como “redenção, purificação e também alegria para os nossos ancestrais”. Afirma ainda que a Lavagem é “de suma importância para todos os brasileiros” (CULTNE…, 2014CULTNE - III Lavagem do Cais do Valongo - 2014. [S. l.: s. n.], 2014. 1 vídeo (8 min). Publicado pelo canal Cultne. Disponível em <Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=h2jSCUrAc2o >. Acesso em 10 dez. 2021.
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). Em 2017, quando perguntamos à mãe Edelzuita de Oxaguian, em entrevista que realizamos durante o evento, qual era o sentido da cerimônia, ela respondeu: “para não cair no esquecimento”. Segundo a sacerdotisa, “não se pode novamente ocultar o que ocorreu naquele lugar, pois é preciso lembrar que os diferentes povos africanos foram homogeneizados por sua condição de escravizados que receberam dos grupos dominantes locais”. Para mãe Edelzuita, a população brasileira deve esse reconhecimento e a cerimônia resgata e preserva a cultura africana, que compõe a identidade brasileira e, exalta também, aqueles que chegaram ao Cais do Valongo e se tornaram ancestrais - expressão de luta e resistência.

A sacerdotisa salientou ainda que um outro caminho deve ser buscado, que não o do conflito, por isso as flores abundantes que são utilizadas para compor as palavras PAZ e AMOR. De acordo com sua perspectiva, se o Cais do Valongo é concebido por órgãos governamentais como relevante por ter sido ponto de chegada dos africanos, “é preciso também reconhecer que eles trouxeram importantes conhecimentos para a sociedade brasileira”. Dessa forma, os “ancestrais” precisam ser lembrados e reverenciados, bem como aquilo que foi exposto com as escavações: o Cais e as centenas de objetos encontrados que pertencem aos africanos.

Em 2 de fevereiro de 2017, ocorreu, pela primeira vez no Cais do Valongo, o cortejo intitulado “Presente de Iemanjá”, em sua 52ª edição, sendo que a cerimônia ocorria anteriormente na Cinelândia e seguia até a Praça XV. Trata-se de uma realização da Associação Recreativa Cultural Afoxé Filhos de Gandhi, criada em 1951, cuja sede fica perto do Cais do Valongo, e tem ainda atuado em diversas iniciativas na região portuária ligadas à cultura afro-brasileira.

Figura 6
Cortejo Presente de Iemanjá, 2017

A concentração ocorreu no Cais do Valongo, onde, durante a parte da manhã, os participantes do cortejo cantaram, dançaram, jogaram capoeira e, depois, seguiram até a área do Museu do Amanhã (localizado na Praça Mauá) para colocar oferendas no mar para Iemanjá - importante divindade do panteão afro-brasileiro.

Thiago Laurindo, responsável pelos projetos do Afoxé Filhos de Gandhi à época, fez um discurso durante o evento sempre pautado pela importância da elucidação histórica e seu uso para questionar a escravidão e seus efeitos no Brasil. Em entrevista concedida às autoras em 2017, Thiago afirmou que o Cais do Valongo é algo que vai além do espaço físico, pois conta a “história do holocausto negro, a chegada, o martírio e o sofrimento dos negros africanos que aqui chegaram e contribuíram muito para a formação do país”. Para ele é um solo sagrado, que deve ser ocupado, e isso é fundamental para descortinar memórias que foram apagadas. Thiago ressaltou ainda que a cerimônia a Iemanjá, relacionada com a “vontade das casas religiosas” de matrizes africanas, é um momento de louvar, de “demonstração de visibilidade e unidade […] é onde procuramos o respeito e onde fazemos a nossa resistência”.

Em fevereiro de 2018, durante o cortejo que reuniu 1.500 pessoas em comemoração ao dia de Iemanjá, o diretor cultural do grupo, Marcelo Reis, afirmava: “o afoxé é a única arte marcial brasileira”, seria “o candomblé que vai para a rua”. Emocionado, ele ainda declarou que “nossa religião é baseada na ancestralidade e na natureza. Por isso, o objetivo desta cerimônia seria diminuir a intolerância que toma conta do Brasil” (Santos, 2018Santos, Ana Carolina. (2018). Cortejo pelo dia de Iemanjá leva 1.500 pessoas ao Porto Maravilha . Extra, 2 fev. Disponível em <Disponível em https://extra.globo.com/noticias/rio/cortejo-pelo-dia-de-iemanja-leva-1500-pessoas-ao-porto-maravilha-rv1-1-22358735.html >. Acesso em 18 maio 2018.
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). Por diversas vezes, durante o cortejo realizado nesse ano, foi enfatizado que no Brasil não se fala da “história oculta da escravidão”, que teve milhões de mortos e, por isso, o Estado brasileiro deve “reparação à população negra”8 8 O tema da reparação da escravidão negra tem sido fortemente discutido nas organizações do movimento negro no Brasil, que apontam a relevância de reivindicar a reparação dos danos da escravidão, que afetam a passado, o presente e o futuro da sociedade brasileira (Pinheiro, 2018). . Mas, é preciso destacar que não foram apenas os filhos de Iemanjá que prestigiaram o cortejo em 2017 e 2018. Havia um número bastante expressivo de participantes - cerca de 500 pessoas. Segundo Carlos Machado, presidente do Afoxé Filhos de Gandhi, a “festa reúne pessoas de todas as religiões. Tem gente do candomblé, da umbanda, católicos e evangélicos”. Para ele, o que une essas pessoas é que, “queiram elas ou não, todos têm um pezinho na África” (Santos, 2018Santos, Ana Carolina. (2018). Cortejo pelo dia de Iemanjá leva 1.500 pessoas ao Porto Maravilha . Extra, 2 fev. Disponível em <Disponível em https://extra.globo.com/noticias/rio/cortejo-pelo-dia-de-iemanja-leva-1500-pessoas-ao-porto-maravilha-rv1-1-22358735.html >. Acesso em 18 maio 2018.
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).

PASSADO, PRESENTE E INTOLERÂNCIA

As celebrações que ocorrem no Cais do Valongo constituem “bons casos para se pensar”, pois, por meio delas, entendidas como rituais, são percebidos os lugares sociais, em que são reafirmados valores, crenças, conflitos e tradições de um determinado grupo social. Esses modos confrontam o “espaço disciplinado”, que expressa as forças de controle que agem sobre a cidade, conforme aponta De Certeau (2008De Certeau, Michel. (2008). A invenção do cotidiano - artes de fazer. Rio de Janeiro: Vozes.: 175). O autor fala ainda em “estratégia” e em “tática”, observando que a primeira está relacionada com a produção de ações, com controle de lugares, com a vigência de forças adequadas à previsão e à atuação racional, como faz o Estado. No caso específico desse estudo, podemos destacar as narrativas construídas pelos diferentes órgãos públicos que atuam na região portuária. Já a noção de “tática” é utilizada para falar sobre aquilo que ocorre nos espaços de poder do outro, daquele que produz estratégias, com o jogo de relações e usos por parte daqueles que não detêm as forças de previsão e controle, mas são capazes de produzir mudanças e novos sentidos.

Eduardo Paes no início do Projeto Porto Maravilha afirmava que este exemplificava como se “reabilita regiões degradadas” e sua condução permitiria “mostrar ao mundo, durante a realização dos chamados megaeventos, como o lugar em que o Rio nasceu foi capaz de se reinventar”. Mais tarde, passou a acrescentar que a recuperação e a exposição do Cais do Valongo comporiam o objetivo de revitalizar e integrar a região portuária à cidade (Paes, 2011Paes, Eduardo. (2011). Porto Maravilha , preservando a história, a arquitetura e a cultura na Região Portuária. Porto Maravilha , 4, p. 2. Disponível em <Disponível em http://portomaravilha.com.br/uploads/revistas/c9907fd479ac30a98ca1d398112007e3.pdf >. Acesso em 7 jan. 2021.
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: 2).

Todavia, como vimos, as celebrações aqui analisadas colocam também outros elementos. Um deles tem a ver com o reconhecimento do Cais do Valongo como um museu a céu aberto e a valorização dos inúmeros artefatos encontrados durante a escavação do local. Mas, passados nove anos, o tão aclamado Memorial, uma reivindicação popular, não teve o mesmo suporte financeiro que o Museu de Arte do Rio e o Museu do Amanhã, que estavam previstos desde o início do projeto de urbanização da região portuária. Isso indica o que de fato foi considerado como prioritário pelos governos que subsidiaram o Projeto Porto Maravilha. É dentro desse contexto que o Cais do Valongo aparece como o genuíno museu e as celebrações podem ser entendidas como parte das memórias de um passado presente. Nesse sentido, as celebrações passam a ser entendidas como o patrimônio imaterial mais autêntico de uma cultura sempre em movimento, jamais domesticada ou essencializada.

Por meio dessas celebrações, houve paulatinamente uma apropriação do Cais do Valongo por algumas organizações negras que lhe atribuíram um significado simbólico de luta “contra a intolerância religiosa”. Suas iniciativas indicam como a ocupação de um lugar público é fundamental para adensá-lo com elementos da religiosidade afro-brasileira. Isso tem a ver com a explicitação de que as religiões de matrizes africanas têm sido mais vulneráveis a situações que podem ser entendidas como ataques de desqualificação (Santos et al., 2016Santos, Babalawô Ivanir et al. (orgs.). (2016). Intolerância religiosa no Brasil: relatório e balanço. Rio de Janeiro: Kliné.), de desrespeito, de estigmas, de preconceitos e de diversas atitudes de agressão (Silva, 2007Silva, Vagner Gonçalves. (2007). Neopentecostalismo e religiões afro-brasileiras: significados do ataque aos símbolos da herança religiosa africana no Brasil contemporâneo. Mana, 13/1, p. 207-236.; Pinheiro, 2014Pinheiro, Márcia Leitão. (2014). Educação, religião e pertencimento étnico-racial: experiências de católicos e protestantes. In: Gonçalves, Maria Alice Rezende & Ribeiro, Ana Paula Alves (orgs.). Diversidade e sistema de ensino brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: UERJ/Outras Letras, vol. 2, p. 63-85.). Cabendo lembrar porque a denúncia de intolerância e a defesa da liberdade religiosa são centrais para a construção de uma articulação entre as organizações religiosas. Isso inclui aquelas vinculadas ao movimento negro e também organizações não governamentais para a condução de agenda de reivindicações que contempla o alcance de uma atmosfera de respeito e de liberdade religiosa (Miranda, 2019Miranda, Ana Paula Mendes. (2019). Se está nos autos, está no mundo: a intolerância religiosa e os limites de aceitação de identidades públicas. In: Miranda, Ana Paula Mendes et al. (orgs.). As crenças na igualdade. Rio de Janeiro: Autografia, p. 29-67.).

Em geral, a noção de intolerância religiosa tem sido associada à segurança e à liberdade, mas isso não é resultado da mera disputa religiosa ou de entendimento individual. Trata-se de figura presente na pauta política de diferentes países que, segundo o relatório das Nações Unidas (ONU, 2016ONU. (2016). Elimination of all forms of religious intolerance. New York: ONU. Disponível em <Disponível em http://www.ohchr.org/Documents/Issues/Religion/A-71-269_en.pdf >. Acesso em 22 jan. 2018.
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), têm investido na violação de direitos como modo de controlar a sociedade, ao estabelecer aquilo que é permitido e o que é proibido.

No Brasil, a liberdade de crença e de pensamento é assegurada pela Constituição Federal (1988), existindo também o Estatuto da Igualdade Racial (Brasil, 2010Brasil. (2010). Lei n. 12.288, de 20 de julho de 2010. Institui o Estatuto da Igualdade Racial. Diário Oficial da União : seção 1, p. 1.), que combate a discriminação e as formas de intolerância, e a lei 11.635/2007, que estabelece o dia de combate à intolerância religiosa (Brasil, 2007Brasil. (2007). Lei n. 11.635, de 27 de dezembro de 2007. Institui o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. Diário Oficial da União : seção 1, 28 dez. 2007, p. 2.). Esses dispositivos jurídicos são referências para as organizações do movimento negro e eles também embasam as denúncias realizadas nos últimos anos sobre a violência dirigida às religiões afro-brasileiras. No estado do Rio de Janeiro, essas religiões enfrentam situações de agressão verbal e física aos seus membros, discriminação em ambiente escolar, entre outras práticas, além de terem sido contabilizados mais de uma centena de ataques aos templos nos últimos anos. Durante a realização de nossa pesquisa, nos deparamos constantemente com informações sobre violências dirigidas a fiéis e aos templos religiosos afro-brasileiros situados na cidade do Rio de Janeiro, bem como na região estudada. Esse quadro era sempre apontado por nossos interlocutores como histórico e ligado às instituições de poder.

Em seu estudo, Dantas (1988Dantas, Beatriz Góis. (1988). Vovô Nagô e papai branco: usos e abusos da África no Brasil. Rio de Janeiro: Graal.) observa como os cientistas brasileiros do século XIX viam as manifestações religiosas de matrizes africanas: como evidência de atraso mental dos povos africanos. Além disso, o direito da época poderia condenar os negros e suas práticas religiosas, conforme a concepção de saúde pública contida no Código Penal de 1890 (Maggie, 1992Maggie, Yvonne. (1992). Medo do feitiço: relações entre magia e poder no Brasil. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional.).

Outro estudo mostra como a Igreja Católica, a ciência e a imprensa viam as práticas religiosas ligadas às populações negras como “curandeirismo” e marcadas pela licenciosidade sexual. O uso das ruas e das praças no Brasil também foi alvo de campanha de “desafricanização”, na medida em que, nesses espaços públicos, eram exercitadas crenças religiosas, tradições musicais, costumes, comportamentos e valores daquelas populações. Tais práticas foram combatidas por higienistas e reformadores do espaço urbano, em virtude do ideal de modernização das cidades, como aconteceu em Salvador, por exemplo (Ferreira Filho, 1999Ferreira Filho, Alberto Heráclito. (1999). Desafricanizar as ruas: elites letradas, mulheres pobres e cultura popular em Salvador (1890-1937). Afro-Ásia, 21-22, p. 239-256.).

No Rio de Janeiro, entre fins do século XIX e início do XX, a busca por higienização de áreas da cidade resultou em reformas urbanas com a destruição de moradias populares, entendidas como relacionadas a doenças e vícios. Tratava-se do disciplinamento espacial e populacional, que atingiu principalmente a região próxima ao porto, onde predominavam as comunidades negras. Elas perpetuam até hoje o conhecimento afrorreligioso e a produção musical da cidade, pois seus saberes e expressões culturais estão intimamente relacionados com a vida nas ruas, nas praças, enfim, nos espaços públicos (Chalhoub, 2017Chalhoub, Sidney. (2017). Cidade febril: cortiços e epidemias na Corte imperial. São Paulo: Companhia das Letras.; Moura, 1985; Rodrigues, 2009Rodrigues, Antônio Edmilson Martins. (2009). Histórias da urbanização no Rio de Janeiro. A cidade: capital do século XX no Brasil. In: Carneiro, Sandra de Sá & Sant’Anna, Maria Josefina Gabriel (orgs.). Cidade: olhares e trajetórias. Rio de Janeiro: Garamond, p. 85-119.).

Essa atmosfera de defesa e de busca do reconhecimento do legado africano - ou da herança africana - envolve várias iniciativas e conta com a participação de membros de religiões de matrizes africanas que se fazem presentes no Cais do Valongo. O babalawô Ivanir dos Santos, estudioso da religiosidade afro-brasileira e dos conflitos religiosos, tendo presença marcante nos atos realizados no Cais do Valongo, ao ser entrevistado por nós em 2017, qualificou a “intolerância não como retórica”, e sim como atitude política contra os cultos de matrizes afro-brasileiras. Por isso, entendemos que as manifestações realizadas no Cais do Valongo expressam sua relevância social, religiosa, política e simbólica e evidenciam questões sensíveis para a cidade e para o país. Elas, para o babalawô, podem ser entendidas como ações de resistência aos atos de desrespeito e ataques de violência às religiões de matrizes afro-brasileiras, assim como cooperam com as iniciativas para que essas expressões religiosas integrem plenamente o espaço público.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entendemos que o interesse em inscrever o Cais do Valongo no catálogo de patrimônio da humanidade evidencia a relevância dada à materialidade para a transformação de uma região da cidade - vide a construção de instalações museais e o restauro de prédios históricos realizados pela prefeitura no processo de revitalização da região portuária. Nesse caso, a força do argumento oficial está naquilo que foi o Cais do Valongo, o entendimento de como representa o passado, considerando uma concepção de futuro que informa o projeto de revitalização, já que é apresentado como uma estrutura de desembarque de escravizados considerada única nas Américas (Iphan, 2016Iphan - Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional. (2016). Sítio Arqueológico Cais do Valongo: proposta de inscrição na lista de Patrimônio Mundial. Brasília, DF: Iphan.).

Observamos que a identificação e o uso de lugares e objetos favoreceram o processo de circulação e de interação entre ativistas e profissionais - sacerdotisas, especialistas em arqueologia e responsáveis pela revitalização urbana. As celebrações contribuem para exemplificar como as organizações negras têm construído sentidos, significados e usos sobre as memórias da escravidão e têm agenciado suas próprias maneiras de lembrar, narrar e expressar o passado no presente. Essas celebrações fazem parte de um repertório voltado a estabelecer tensões com o passado de ocultação, apresentando suas pautas contra o preconceito racial e a favor da construção de identidades (Santos, 2012Santos, Myrian Sepúlveda. (2012). Museu digital da memória afro-brasileira: um ato de resistência. In: Sansone, Livio (org.). A política do intangível: museus e patrimônios em nova perspectiva. Salvador: Edufba, p. 277-292.). Desse modo, a memória não é formada por fazeres congelados no tempo; ela tem a ver com a existência coletiva e individual: com grupos e indivíduos que reelaboram sua vivência e suas identidades (Rocha & Eckert, 2005Rocha, Ana Luiza Carvalho & Eckert, Cornélia. (2005). O tempo e a cidade. Porto Alegre: Editora da UFRGS.).

Podemos dizer que a apropriação e o uso do Cais do Valongo devem ser entendidos como táticas de visibilidade e também de posicionamentos das organizações negras diante do uso que os governos fazem de áreas públicas, assim como contra aquilo que chamam de invisibilidade, de intolerância dirigida às culturas e às religiões de matrizes afro-brasileiras. A intolerância pode ser entendida como expressão dos “padrões institucionalizados de valoração cultural”, que depreciam as características relacionadas a grupos definidos como minoritários e apresentados como não merecedores de “respeito e estima” por causa de hierarquias em vigência (Fraser, 2007Fraser, Nancy. (2007). Reconhecimento sem ética? Lua Nova, 70, p. 101-138.: 111-115, 2013Fraser, Nancy. (2013). Justiça anormal. Revista da Faculdade de Direito, Universidade de S. Paulo, 108, p. 739-768.).

A interação entre as diversas organizações do movimento negro, os órgãos oficiais - os conselhos de defesa dos direitos do negro do município e do estado - e o diálogo com dispositivos formais existentes - as leis que tratam da questão étnico-racial - cooperam para evidenciar a relevância da categoria resistência no cenário pesquisado. Ela tem sido aplicada para interpretar a ação dos escravizados e de negros livres, que, para as organizações do movimento negro, criaram, apesar das duras condições da diáspora e de existência no Brasil, muitas expressões culturais como, por exemplo, a capoeira, a umbanda etc. A categoria resistência também tem sido mobilizada no cenário pesquisado quando se objetiva expressar e explicitar os atuais confrontos com a invisibilidade da memória afro-brasileira - o desconhecimento de brasileiros que contribuíram para a cultura do país -, as desigualdades e o racismo que afetam os afro-brasileiros - incluindo a desvalorização das expressões religiosas. Essa interpretação que liga passado e presente está bem entrelaçada também com o destaque dado à reparação - categoria que tem adquirido cada vez mais relevância. Ela, por sua vez, não deve compreender sentimentos como o ódio ou ações negativas - como a vingança, por exemplo (Pinheiro, 2018Pinheiro, Márcia Leitão. (2018). Uma Comissão da Verdade no Brasil: escravidão, multiculturalismo, história e memória. Civitas, 18/3, p. 683-698.) -, devendo estar direcionada ao reconhecimento e à compensação dos danos praticados desde a escravidão até a atualidade.

As reflexões que desenvolvemos sinalizam que as celebrações explicitam um drama na sociedade brasileira, expondo particularmente a tensão étnico-racial, mas não somente. São eventos que colocam em circulação ações e categorias de modo a compor um “processo comunicativo”, que não se restringe aos afro-brasileiros, e visa explicitar o conflito, bem como os meios para a sua transposição (Turner, 2008Turner, Victor. (2008). Dramas, campos e metáforas: ação simbólica na sociedade humana. Niterói: Eduff.: 32). Podemos afirmar então que as cerimônias objetivam criar ações que propiciem a não violência e que dêem visibilidade às expressões religiosas no espaço público. Muito se fala em paz e em amor, que são elementos importantes no processo de alcance do almejado respeito. As cerimônias analisadas integram uma atmosfera de sobrepujar a dimensão da dor com a circulação daquelas categorias - que aparecem nas falas e nos arranjos florais. Explicitam ainda a busca por comunicar desejos e sentimentos e podem ser consideradas dispositivos capazes de “domesticar emoções poderosas tais como ódio, temor, afeição e tristeza”, que perpassaram as vivências dos escravizados, bem como as experiências dos afrodescendentes que se deparam com aqueles que praticam os atos discriminatórios. Então, com isso, podemos vislumbrar que os segmentos do movimento negro podem enfrentar as forças que violentam - “forças malignas”, diria Turner - sua crença e sua cultura (Turner, 1974Turner, Victor. (1974). O processo ritual: estrutura e antiestrutura. Petrópolis: Vozes.: 58-60).

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    » http://www.corecon-rj.org.br/anexos/35DF5268BD4D9F70EA1AE77C7F8E67D7.pdf

NOTAS

  • 1
    As categorias grafadas em itálico são empregadas no contexto pesquisado. Já as frases empregadas aparecem entre aspas.
  • 2
    Esses especialistas passaram a atuar na área por causa da legislação relacionada à proteção de patrimônio cultural e de bens arqueológicos, conforme estabelecem a Constituição Federal de 1988 e a Lei Federal 3.924 de 1961 (Brasil, 1961Brasil. (1961). Lei n. 3.924, de 26 de julho de 1961. Dispõe sobre os monumentos arqueológicos e pré-históricos. Diário Oficial da União: seção 1, 27 jul. 1961, p. 6.793., 1988Brasil. (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União : seção 1, 5 out. 1988, p. 1.).
  • 3
    Integram o Circuito da Celebração Africana os seguintes lugares: o Cais do Valongo, o Largo do Depósito, a Pedra do Sal, o Instituto dos Pretos Novos - situado no terreno do antigo Cemitério dos Pretos Novos -, o Jardim do Valongo e o Centro Cultural José Bonifácio.
  • 4
    A prefeitura, à época, reunia órgãos municipais voltados a essa proposta, tais como: o Conselho Municipal de Defesa dos Direitos do Negro (Comdedine), o Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH), a Subsecretaria de Patrimônio Cultural, Intervenção Urbana, Arquitetura e Design do Gabinete do Prefeito, a Secretaria Municipal de Cultura, a Secretaria Municipal de Obras e a Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro (Cdurp), empresa gestora da Operação Consorciada Porto Maravilha.
  • 5
    A Pequena África é uma importante referência para aqueles que visam demarcar um território negro na cidade (Guimarães, 2014Guimarães, Roberta Sampaio. (2014). A utopia da Pequena África: projetos urbanísticos, patrimônios e conflitos na Zona Portuária carioca. Rio de Janeiro: FGV.). Essa área estaria relacionada com a chegada de negros libertos que vieram da Bahia ou de outras regiões do país e tinham acolhida em casas conhecidas por sua hospitalidade aos irmãos de fé de religiões afro-brasileiras e companheiros de condição no mundo do trabalho (Moura, 1995Moura, Roberto. (1995). Tia Ciata e a pequena África no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura.). Esses elementos corroboram o reconhecimento da região como lugar de memória e celebração das heranças africanas. Contudo, há estudos que ressaltam a presença de portugueses e judeus na chamada Pequena África (Bitter, 2015Bitter, Daniel. (2015). Narrativas de memória e performances musicais dos judeus cariocas da Pequena África. Revista Antropolítica, 39, p. 121-149.).
  • 6
    Fotografia gentilmente cedida pelo fotógrafo, músico e produtor cultural para esta publicação. Disponível em <http://afrocariocadecinema.org.br/heranca-africana-reverencia-a-todos-os-africanos-que-por-ali-passaram/fotos-iere-ferreira/>. Acesso em 14 jan. 2021.
  • 7
    A figura está contida na reportagem de Nitahara (2018Nitahara, Akemi. (2018). Lavagem marca um ano do Cais do Valongo como patrimônio da Humanidade. Agência Brasil, 9 jul. Disponível em <Disponível em https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2018-07/lavagem-marca-um-ano-do-cais-do-valongo-como-patrimonio-da-humanidade >. Acesso em 20 out. 2021.
    https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/n...
    ).
  • 8
    O tema da reparação da escravidão negra tem sido fortemente discutido nas organizações do movimento negro no Brasil, que apontam a relevância de reivindicar a reparação dos danos da escravidão, que afetam a passado, o presente e o futuro da sociedade brasileira (Pinheiro, 2018Pinheiro, Márcia Leitão. (2018). Uma Comissão da Verdade no Brasil: escravidão, multiculturalismo, história e memória. Civitas, 18/3, p. 683-698.).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    08 Fev 2021
  • Aceito
    04 Maio 2021
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