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REDES, PRÁTICAS E REMESSAS POLÍTICAS: A FRENTE AMPLA DO URUGUAI NA ARGENTINA E O VOTO TRANSNACIONAL* * Uma versão anterior deste texto foi discutida na “Primera Jornada sobre memoria, historia y presente de la izquierda en Uruguay”, realizada em Montevidéu nos dias 8 e 9 set. 2016. Agradeço os comentários recebidos naquela ocasião, assim como as valiosas contribuições realizadas pelos avaliadores anônimos do artigo. Agradeço também a Alex Martins Moraes e Juliana Mesomo a tradução deste artigo para português.

NETWORKS, PRACTICES AND POLITICAL REMITTANCES: THE FRENTE AMPLIO DE URUGUAY EN ARGENTINA AND THE TRANSNATIONAL VOTE

Resumo

Este artigo explora a criação, consolidação e desestabilização da Frente Ampla do Uruguai na Argentina e a gestão de sua principal remessa política desde a década de 1980: o voto transnacional da Argentina para o Uruguai no contexto das eleições uruguaias. Seguindo uma recente proposta de Boccagni, Lafleur e Levitt (2015), o artigo procura dar conta dos atores (migrantes e não migrantes) que integram a rede política transnacional, enfocando as transformações de suas infraestruturas materiais e canais de comunicação. Simultaneamente, observa as especificidades que caracterizam os processos de incorporação política associados às histórias e trajetórias migratórias compartilhadas por ambos os países. O material empírico é produto do trabalho de campo etnográfico multissituado e inclui a análise das fontes produzidas pelas/pelos entrevistadas/os e/ou seus grupos políticos, bem como a imprensa escrita de ambos os países e a revisão de fontes secundárias.

Palavras-chave:
Estudos transnacionais; migração; práticas políticas; remessas políticas; voto transnacional

Abstract

This paper explores the creation, consolidation and destabilization of the Frente Amplio de Uruguay en Argentina and the management of its main political remittances since the 1980s: the transnational vote from Argentina to Uruguay. Following the recent proposal of Boccagni, Lafleur andLevitt (2015), it describes the actors (migrants and nonmigrants) that make up the transnational political network, the transformations on their material infrastructure and circulation channels while observing the specificities that fit the processes of political incorporation associated with the histories and migratory trajectories shared by Uruguay and Argentina. The empirical data is a product of the multi-situated ethnographic fieldwork and includes the analysis of sources produced by the interviewees and/or their political groups, the press of both countries and the revision of secondary literature.

Keywords:
Transnational studies; migration; political practices; political remittances; transnational vote

INTRODUÇÃO

Desde o final da década de 1990, a literatura sobre cidadania e práticas políticas transnacionais demonstrou os modos complexos pelos quais os processos migratórios operam sobre as formas de fazer política, pensar aptidões institucionais e explicar, entre outras questões, os critérios de representatividade, legitimidade e participação eleitoral. Esses debates encontram em “interseccionalidade” e “simultaneidade” dois termos-chave para a análise crítica dos marcos normativos que intervêm na definição clássica dos direitos cívicos. Hoje sabemos que os “transmigrantes”1 1 Diferentemente do conceito de “migrantes”, o de “transmigrantes” designa aqueles sujeitos que “desenvolvem e mantêm múltiplas relações - familiares, econômicas, sociais, organizacionais, religiosas, políticas - que transcendem fronteiras. Os transmigrantes atuam, tomam decisões, se sentem implicados e desenvolvem identidades dentro de redes sociais que os conectam com duas ou mais sociedades de forma simultânea” (Glick Schiller, Basch & BlancSzanton, 1992: 1-2). participam das eleições dos seus países de origem e que também influenciam a forma como os outros votam, introduzindo ideias e estratégias políticas, disputando agendas das campanhas eleitorais e provendo ou demandando fundos para elas. Tudo isso implica mobilizar, pelas fronteiras territoriais, certos aprendizados, experiências e afetos que nutrem a vida política “daqui” e de “lá”, em referência aos países de origem e destino.

Algumas dessas diversas dimensões das experiências políticas transnacionais foram trabalhadas em termos de “remessas políticas” (Goldring, 2004Goldring, Luin. (2004). Family and collective remittances to Mexico. Development and Change, 35/4, p. 799-840., entre outros), tal como podemos depreender dos estudos de caso relacionados com alguns coletivos de migrantes latino-americanos radicados nos Estados Unidos. Este artigo recupera tal categoria para analisar em perspectiva histórica o caminho percorrido desde o início da década de 1980 pela Frente Ampla do Uruguai na Argentina (FAUA), enfocando as transformações operadas em torno da questão do voto transnacional, conhecido como “voto Buquebus”,2 2 Buquebus é o nome de uma das empresas de navegação f luvial que faz o trajeto entre Buenos Aires (Argentina) e Colônia do Sacramento e Montevidéu (Uruguai). É a empresa que os uruguaios estabelecidos em Buenos Aires utilizam, majoritariamente, para ir votar no país de origem. categoria nativa que alude ao deslocamento de dinheiro, pessoas, ideias e sufrágios da Argentina em direção ao Uruguai no contexto das eleições nacionais celebradas periodicamente neste último país. Vale mencionar que o Uruguai não conta com mecanismo que habilite o voto a partir do exterior, mesmo que ele seja obrigatório para os cidadãos nacionais. A Constituição uruguaia não admite suspensão da cidadania, de modo que os residentes no exterior conservam seu direito ao voto. Aqueles que moram fora das fronteiras nacionais do país podem votar sempre e quando estejam em território nacional no dia das eleições e figurem no Registro Cívico.3 3 Vale acrescentar que a referida inscrição se perde caso o cidadão não exerça o voto em duas eleições nacionais consecutivas e, mesmo que possa ser recuperada, implica trâmite potencialmente complexo. Ver Taks, 2006.

Aqui exploraremos as conjunturas associadas à criação, consolidação e desestabilização de uma das redes políticas transnacionais de maior densidade no Cone-Sul, fortemente enraizada nos processos políticos, econômicos e sociais da região desde o final do século XIX. Para tanto, o artigo está organizado em quatro tópicos. O primeiro apresenta algumas das contribuições teóricas e referenciais metodológicos que, à guisa de coordenadas analíticas, nos permitirão abordar - já no segundo tópico - o caminho percorrido pela FAUA. Logo em seguida, no terceiro tópico, enfocarei a trama que habilita, desde a década de 1980, o voto transnacional frenteamplista, evidenciando sua infraestrutura material, seus canais de circulação e os atores que o fizeram/fazem possível. No último tópico, retomo a literatura referenciada na primeira parte do artigo para formular algumas sínteses e observar as especificidades que caracterizam os processos de incorporação política associados às migrações e às histórias compartilhas por Uruguai e Argentina.

PONTOS DE PARTIDA TEÓRICOS E METODOLÓGICOS

Num sentido amplo, os estudos sobre as práticas políticas transnacionais abrangem as diversas formas de participação direta transfronteiriça na política do país de origem, assim como a participação indireta nas instâncias políticas do país de acolhida ou em diferentes organizações internacionais (Østergaard-Nielsen, 2003Østergaard-Nielsen, Eva. (2003). Transnational Politics. Turks and Kurds in Germany. London: Routledge.: 762). Trata-se, então, de formas de circulação - com maior ou menor grau de institucionalização - que podem ser entendidas como processos abertos e inacabados de difusão de ideias, valores e recursos que cruzam as fronteiras mobilizando compromissos e ações conduzidas por diferentes atores, tanto migrantes como não migrantes (Boccagni, Lafleur & Levitt, 2015Boccagni, Paolo; Laf leur, Jean-Michel & Levitt, Peggy. (2015). Transnational politics as cultural circulation: Toward a conceptual understanding of migrant political participation on the move. Mobilities, 11/3, p. 444-463.).

Como já observado, os vínculos dos e das migrantes com seu país de origem não constituem tema novo de pesquisa (Portes et al., 2003Portes, Alejandro et al. (2003). La globalización desde abajo: Transnacionalismo migrante y desarrollo. La experiencia de Estados Unidos y América Latina. México: Porrúa, p. 15-44., entre outros), desde os trabalhos que problematizaram a noção de “diáspora”4 4 Em Merenson (2015b) resenham-se os usos e conceitualizações de “diáspora” para o caso uruguaio. até as pesquisas mais recentes sobre as experiências de “exílio” e “refúgio”, ficou demonstrado o quão robustas e influentes podem ser as implicações práticas e afetivas dos transmigrantes na vida política de seus países de origem. Entre outras questões, isso é indicado pelas diferentes análises sobre as lutas em torno da obtenção ou o exercício do voto a distância por parte de diversos coletivos radicados nos Estados Unidos e na Europa (Calderón, 2010Calderón Chelius, Leticia. (2010). Los superhéroes no existen. Los migrantes mexicanos ante las primeras elecciones en el exterior. México: Instituto Mora.; Itzigsohn & Villacrés, 2008Itzigsohn, José & Villacrés, Daniela. (2008). Migrant political transnationalism and the practice of democracy: Dominican external voting rights and Salvadoran home town associations. Ethnic & Racial Studies, 31/4, p. 664-686.; Hallet & Baker Cristales, 2010Hallet, Miranda & Baker Cristales, Beth. (2010). Diasporic suffrage: voting rights in the Salvadoran trans-nation. Urban Anthropology, 39 /1-2, p. 175-211.; Escrivá et al., 2009Escribá, Ángeles et al. (2009). Migración y participación política. Estados, organizaciones y migrantes latinoamericanos en perspectiva local-transnacional. Córdoba: Consejo Superior de Investigaciones Científicas Instituto de Estudios Sociales de Andalucía.; Lafleur, 2012Lafleur, Jean-Michel (ed.). (2012). Diáspora y voto en el exterior. La participación política de los emigrantes bolivianos en las elecciones de su país de origen. Barcelona: Cidob., por exemplo).

No momento de ponderar as razões, motivações e os condicionamentos dessas práticas, alguns autores afirmam que a referência para a participação na vida política do país de origem é o país de residência (Baubock, 2003Bauböck, Rainer. (2003). Towards a political theory of migrant transnationalism. International Migration Review, 3/37, p. 700-723; Waldinger, 2010Waldinger, Roger. (2010). Rethinking transnationalism. Empiria. Revista de Metodología de Ciencias Sociales, 19, p. 21-38.); outros argumentam que “a assimilação [ao país de destino] e o transnacionalismo não se opõem, podendo, de fato, ocorrer de forma simultânea” (Portes et al., 2006Portes, Alejandro; Escobar, Cristina & Walton, Alexandria. (2006). Organizaciones transnacionales de migrantes y desarrollo: un estudio comparativo. Migración y Desarrollo, 6/1, p. 3-44.: 25). Com efeito, questões como o tempo de residência, o status legal atingido, a incorporação ao mercado de trabalho, o acesso a serviços básicos e o manejo do idioma parecem operar como bases ou plataformas de ação. A pergunta sobre os modos como se tecem as relações institucionais e os vínculos pessoais que autorizam a incorporação política, contudo, requer uma resposta empírica que contemple as especificidades dos contextos históricos e políticos nos quais se inserem as redes e práticas transnacionais. Essa resposta, como sabemos, não pode contemplar apenas a migração e o deslocamento de pessoas; ela deve, também, incluir a circulação de ideias, valores e materialidades que incidem sobre os acordos e alianças inerentes à prática política. A noção de remessa política, tal como a entende Goldring (2004)Goldring, Luin. (2004). Family and collective remittances to Mexico. Development and Change, 35/4, p. 799-840., enquanto remessa coletiva não estritamente monetária, enfatiza essa ampla heterogeneidade. Tal noção não nos fala apenas da configuração de “comunidades transnacionais” (Levitt, 2001Levitt, Peggy. (2001). The transnational villagers. Berkeley: University of California Press.) em sua articulação com as atividades internacionais assumidas por diplomatas, funcionários de governo (Portes, Escobar & Walton, 2006Portes, Alejandro; Escobar, Cristina & Walton, Alexandria. (2006). Organizaciones transnacionales de migrantes y desarrollo: un estudio comparativo. Migración y Desarrollo, 6/1, p. 3-44.: 14) e referentes políticos, mas também sobre os modos de reduzir a brecha e as desigualdades - nesse caso cívicas - geradas pelos deslocamentos migratórios na ordem do capitalismo global.

Quem produz e como circulam as remessas políticas e em que momentos elas são interpeladas são algumas das perguntas que podem nos guiar na análise da configuração, consolidação e desestabilização de redes políticas transnacionais cujo potencial, por outro lado, está conformado por múltiplas iniquidades. Tais iniquidades se baseiam nas assimetrias existentes entre os migrantes e os não migrantes que integram a rede; apoiam-se, também, nas diferenças de valores e de acessos a recursos tanto materiais como simbólicos associados ao exercício da cidadania política (cf. Brubaker, 2015Brubaker, Roger. (2015). Grounds for difference. London: Harvard University Press.). Assim, por exemplo, diante das acusações ou suspeitas com relação à erosão moral e/ou cultural dos migrantes, atribuída a sua socialização no país de destino, as remessas políticas podem apresentar-se como uma resposta - “um tipo de ação comunicativa” e não um “mero ato de transferência” (Lacroix, 2014Lacroix, Thomas. (2014). Conceptualizing transnational engagements: a structure and agency perspective on (hometown) transnationalism. International Migration Review, 48/3, p. 643-679.: 665) - que almeja a afirmação da inscrição comunitária, colocando em evidência os múltiplos agenciamentos dos e das transmigrantes. Neste ponto, vale antecipar que as práticas políticas transnacionais que exploraremos aqui não são “reativas” nem estão determinadas pelas dificuldades de incorporação ou de integração no país de destino, tal como indicam alguns estudos sobre temáticas análogas (Itzigsohn & Saucedo, 2002Itzigsohn, José & Saucedo, S. (2002). Immigrant incorporation and sociocultural transnationalism. International Migration Review, 36, p. 766-798.; Portes & Rumbaut, 1990Portes, Alejandro & Rubaut, Ruben. (1990). Immigrant America: a portrait. California: University of California Press.). Seria melhor conceber tais práticas como resultado de múltiplas e robustas inserções ou do que Lacroix (2014)Lacroix, Thomas. (2014). Conceptualizing transnational engagements: a structure and agency perspective on (hometown) transnationalism. International Migration Review, 48/3, p. 643-679. define como “hiperintegração”.5 5 Na perspectiva de Lacroix (2014: 672), hiperintegração é a integração ao “hipertexto”; indica uma prática enunciativa que se refere a outro texto. Assim, a noção remete a um processo de integração que não pode ser entendido sem a ancoragem dos atores em outro contexto social. Seguindo a recente proposta de Boccagni, Lafleur & Levitt (2015)Boccagni, Paolo; Laf leur, Jean-Michel & Levitt, Peggy. (2015). Transnational politics as cultural circulation: Toward a conceptual understanding of migrant political participation on the move. Mobilities, 11/3, p. 444-463., nos propomos, aqui, a identificar os atores (migrantes e não migrantes), os canais de circulação, os tipos de contato entre eles, a permeabilidade e o estabelecimento de limites em termos de recursos e, finalmente, a infraestrutura que permite o fluxo de remessas políticas para o caso da FAUA.

O material empírico que sustenta este artigo é fruto de um trabalho de campo etnográfico multissituado desenvolvido entre 2009 e 2015 na Argentina e no Uruguai. Seguindo as pessoas, as metáforas, a trama/relato/alegoria, a vida/biografia e o conflito, tal como sugere Marcus (1995)Marcus, George. (1995). Ethnography in/on the word system: the emergence of multi-sited ethnography. Annual Review of Anthropology, 24, p. 95-117., a pesquisa abarcou a interação com os transmigrantes de nacionalidade uruguaia que mantêm ou mantiveram práticas políticas transnacionais desde sua chegada à Argentina entre o final da década de 1940 e a atualidade. Entre 2009 e 2014, realizei 43 entrevistas em profundidade e levantei 22 histórias de vida de homens e mulheres pertencentes a diferentes gerações e classes sociais, em sua maioria vinculados a coalizão de esquerda Frente Ampla (FA). Meus interlocutores estão radicados na cidade de Buenos Aires e região metropolitana, assim como em outras províncias argentinas. A análise das entrevistas realizadas se articula ao grande número de conversas e interações informais, bem como ao registro etnográfico das múltiplas e diversas instâncias públicas e semipúblicas de reunião que mobilizaram a militância transnacional tanto na Argentina como no Uruguai. Refiro-me a atos partidários e eleitorais, mesas-redondas, jornadas eleitorais, reuniões, assembleias e plenários que tiveram lugar no transcurso das duas últimas campanhas eleitorais relativas às eleições presidenciais de 2009 e 2014. No caso das últimas eleições (2014), tive a opo rtunidade de participar, entre os meses de agosto e novembro, da dinâmica diária de um dos Comitês de Base6 6 Comitê de Base é a denominação das células de bairro da FA. Caracterizam-se pelo trabalho político e social no nível territorial. da FA que funciona no Centro da cidade de Buenos Aires. Dado que o artigo assume uma perspectiva histórica, nele os dados etnográficos são conjugados com a revisão de fontes secundárias e com a análise de fontes produzidas pelas/pelos entrevistados e/ou suas agrupações políticas e pela imprensa escrita7 7 O trabalho de arquivo abarcou, principalmente, a consulta da imprensa de circulação nacional nas semanas prévia e posterior a cada eleição presidencial desde 1984, bem como da imprensa partidária correspondente ao Partido Colorado, ao Partido Nacional e à Frente Ampla. Neste último caso, privilegiou-se, ainda que não exclusivamente, a imprensa dos setores que têm atuação em Buenos Aires, a saber: Movimiento de Participación Popular, Partido Socialista, Partido Comunista, Frente Líber Seregni e o Grupo Magnolia (na Argentina: Uruguaios Unidos por Constanza Moreira). uruguaia e argentina.

A CRIAÇÃO DA FRENTE AMPLA DO URUGUAI NA ARGENTINA: PRÁTICAS E REDES POLÍTICAS EM/NA TRANSIÇÃO

Desde sua criação, em 5 de fevereiro de 1971, a FA entendeu a mobilidade populacional como um dado da realidade política que convocava à “unidade democrática, progressista e anti-imperialista” na qual seu programa se baseou. No célebre discurso de fundação pronunciado em 26 de março de 1971, Líber Seregni, fundador e principal líder da coalizão, afirmava:

O Uruguai, nosso Uruguai, se transformou num país de emigração. Os uruguaios emigram. Emigram aos milhares [...] Essa sangria migratória é responsabilidade direta da oligarquia e do governo. É uma violência sobre o país, uma violência tão terrível quanto as mortes nas ruas, que também tivemos que suportar [...] A emigração é o pior julgamento que pode ser feito à respeito de um regime econômico e social, é o pior julgamento que um governo pode receber.

Boa parte daqueles que, no início da década de 1980, fundaram a FAUA migraram no momento - ou em anos imediatamente anteriores ou posteriores8 8 Nas décadas de 1970 e 1980 a migração uruguaia em direção à Argentina, que representou em torno de metade do volume total do período, esteve marcada pela repressão política desencadeada em anos prévios e conservada durante a ditadura militar (1973-1985) e a crise econômica. Desde o século XIX, a Argentina é o país no qual mora a maior parte dos emigrantes uruguaios. Atualmente, concentra cerca de 4,5% da população votante, ou seja, em torno de 116.000 pessoas de acordo com o último censo (2010), ainda que as autoridades consulares afirmem que o número triplica as cifras censuais. - do pronunciamento dessas palavras por Seregni. Alguns chegaram a integrar a FA no Uruguai e nela militar; outros tornaram-se frenteamplistas uma vez estabelecidos na Argentina. Foi o caso de Carlos, que chegou a Buenos Aires em 1968, logo depois de fazer 20 anos de idade. Já radicado na Argentina, Carlos foi delegado da FA por Nueva Helvecia, a cidade uruguaia na qual cresceu.

As trajetórias e os diálogos políticos da geração fundadora da FAUA estão marcados, primeiro, pela efervescência popular da “primavera camporista”9 9 Em março de 1973, a vitória eleitoral da chapa CámporaSolano Lima colocou fim a sete anos de ditadura na Argentina. Ocupando a presidência da República durante 49 dias, Cámpora convocou eleições nas quais se admitiu a candidatura de Juan Domingo Perón - até então proscrito -, que veio a sucedê-lo na presidência em outubro desse mesmo ano e que desempenhou o cargo até sua morte, em 1o de junho de 1974. e, mais tarde, pelo recrudescimento da violência política e da repressão que culminou no golpe de Estado de 1976. Ainda que não possamos generalizar, é lícito observar que, para quem militava no país de origem em forças políticas como o Partido Socialista (PSU) e o Partido Comunista (PCU), a integração à vida política argentina percorreu canais orgânicos. Familiares previamente radicados na Argentina ou “contatos” conhecidos em eventos ou encontros internacionais colaboraram em suas respectivas incorporações ao Partido Socialista Argentino (PSA) ou ao Partido Comunista Argentino (PCA). Por outro lado, para aqueles que não integravam partidos políticos, mas atuavam em frentes de luta como o movimento estudantil e sindical, a incorporação à vida política na Argentina seguiu caminhos mais sinuosos, que passavam por comissões diretoras de clubes de bairro, comissões escolares e outras instâncias organizativas da sociedade civil. Se hoje em dia esses militantes não evocam aquelas experiências como parte de sua trajetória política em sentido estrito, elas parecem, ainda assim, ter sido fundamentais, posto que ofereceram espaços de debate que lhes permitiram elaborar as primeiras leituras do cenário político local e atravessar a sangrenta ditadura argentina (1976-1983).

Tanto para uns como para outros, “entender o peronismo10 10 Dada a importância, na Argentina, do movimento político encabeçado por Juan Domingo Perón (conhecido como “peronismo”), ele constitui, em si mesmo, um campo de estudo há várias décadas. Em decorrência da vastidão de debates acadêmicos suscitados por essa temática, qualquer tentativa de síntese ou caracterização seria, inevitavelmente, uma simplificação. Prefiro, então, remeter o leitor aos trabalhos já clássicos de Murmis & Portantiero (1971) e Halperín Donghi (1994), assim como ao recente livro de Adamovsky & Buch (2016). ” ou se posicionar com relação a ele foi, talvez, o primeiro dos desafios políticos no país de destino. Em todas as entrevistas realizadas com os integrantes da geração fundadora da F manifesta-se uma espécie de encontro fundacional com o peronismo ou com sua militância. Tal encontro vem a explicar, pelo menos em parte, as relações institucionais e os vínculos pessoais que eles e elas foram construindo ao longo dos anos; vínculos sem os quais hoje dificilmente se pode compreender a história e a rede transnacional da F. Por isso, vale a pena nos determos em alguns desses relatos que indicam como, precocemente, o contexto político no país de destino permeou as ações e leituras da futura militância transnacional. Tomaremos, então, as definições e posicionamentos de José11 11 A fim de resguardar o anonimato, os nomes dos entrevistados, assim como os dos comitês de base e lugares de reunião foram modificados. e Pedro como sínteses paradigmáticas de outros tantos relatos registrados no decorrer do trabalho de campo.

José chegou a Buenos Aires com 33 anos de idade, quase ao mesmo tempo em que Juan Domingo Perón retornava ao país (junho de 1973). Alojou-se em uma pensão do Centro de Buenos Aires. “Eu tinha para comer um pacote de bolachinhas e uma banana por dia”, recorda. O que ele acreditava que seria uma breve estada - “uma quarentena até que as coisas se acalmassem” no Uruguai - prolongou-se até o presente. Da pensão ele podia ouvir “o burburinho” que vinha das ruas no dia em que Perón voltou ao país. Curioso, decidiu se somar à multidão. Sua presença ali assume um caráter revelador:

Nunca tinha visto nada igual, crianças nas marchas, bombos, festa. Enquanto caminhava no meio de toda essa gente, vi uma bandeira que dizia “Matacos12 12 Wichís, wichis ou matacos são as denominações que recebem os integrantes de uma etnia indígena do Chaco Central e do Chaco Austral, na Argentina e na Bolívia. con Perón”. Foi a primeira vez na minha vida que eu vi um índio: e eram peronistas! Aí eu disse: “aqui tem alguma coisa, isto é muito importante”, e então comecei a me interessar e a me relacionar. Quem veio em 73, 74, pôde se radicar rapidamente graças ao peronismo. Quem não reconhecer isso, está faltando com a verdade13 13 No começo dos anos 1970, como apontam Porta e Sempol (2006), existia certa tolerância com relação aos prazos e documentos solicitados para obtenção da residência. Entre 1972 e 1974 Lelio Mármora foi o responsável pelo escritório de migrações. Mármora era um jovem sociólogo integrante da Juventud Universitaria Peronista. No entanto, por volta de 1975, a situação mudou dramaticamente. (José, entrevista, 24 set. 2014).

Desde então, as relações que José estabeleceu com aquela militância da esquerda peronista o levaram a participar como jornalista em diferentes publicações nas quais atua, até os dias de hoje, fazendo a cobertura do cenário político uruguaio. Para Pedro, militante do PSU integrado à FAUA há cerca de dez anos, o encontro com o peronismo está associado à violência política. Essa, entre outras questões, confirma a leitura que ele fazia do movimento peronista antes de chegar a Buenos Aires, quando morava na cidade uruguaia de Paysandú, trabalhava como operário de uma fábrica e, mesmo sendo frenteamplista, não militava na coalizão:

Eu era gorila [antiperonista] lá [em Paysandú] e continuei sendo gorila aqui [em Buenos Aires]. Na semana que eu cheguei [agosto de 1975] andava [pelo bairro de] Once14 14 Bairro central de Buenos Aires no qual se situa uma das estações ferroviárias e rodoviárias da cidade. caminhando e vi um ônibus todo incendiado. Os Montoneros15 15 “Montoneros” é o nome da organização revolucionária mais importante no contexto da esquerda peronista dos anos 1970. o tinham incendiado, jogaram um coquetel molotov. Nunca vou me esquecer disso. Eram pessoas trabalhadoras... Ficou claro para mim que isso não tinha nada a ver com o que eu considerava política. Eu não queria saber nada dessa gente (Pedro, entrevista, 15 out. 2011).

De diversas formas, as interpretações do peronismo propostas por José e Pedro oferecem sínteses de outras interpretações que, assim como essas, combinam leituras políticas com tentativas de acoplar os posicionamentos que eles mantinham no Uruguai aos que começavam a assumir na Argentina. Tal como veremos adiante, essas leituras variaram, especialmente nas seguintes gerações migratórias e na última década, marcada por tensões entre os governos de ambos os países.16 16 O desacordo em torno da instalação das empresas de celulose às margens do rio Uruguai foi um dos mais conhecidos conflitos bilaterais do período, mas não o único. Outras tensões entre os governos uruguaio e argentino foram ocasionadas pela dragagem do rio da Prata e por diferenças cambiais e de política monetária. Houve, também, posições divergentes a respeito do Mercosul e da Unasul no contexto regional.

A década de 1980 foi inaugurada por três eventos que incidiram vertiginosamente sobre a organização da migração política uruguaia assentada na Argentina: o resultado do plebiscito de 1980, as eleições internas de 1982 no Uruguai e a “guerra das Malvinas”, também em 1982, na Argentina. Entre estes fatos, que foram lidos como indícios do início do fim das ditaduras nos dois países, ocorreu o reencontro institucional da Asociación de Residentes Orientales José Artigas (AROJA) e, depois, a criação da FAUA. A AROJA era um dos espaços de solidariedade uruguaia com o povo argentino durante o conflito bélico pelas Malvinas. Dela surgiram os Comitês de Base que, pouco depois, confluíram na FAUA. Seus lugares de reunião - unidades básicas peronistas, sedes de sindicatos e do PCA, PSA e Partido Intransigente (PI) - expressavam a infraestrutura material aprovisionada pelo processo de recomposição da trama partidária e sindical argentina, assim como os diálogos construídos pela incipiente militância frenteamplista no país. Esses espaços, conseguidos graças a vínculos pessoais, familiares e/ou de vizinhança não constituem um dado menor. Além de compartilhar os gastos de manutenção e os órgãos de imprensa, oferecer apoio e assistência às atividades organizadas, muitos dos “compatriotas” que chegavam aos comitês vinham a convite da própria militância argentina. Mariano, integrante da primeira Mesa Política da FAUA, recordava o seguinte:

Nós, em Quilmes,17 17 Cidade situada no sul da região metropolitana de Buenos Aires, também denominada “conurbano bonaerense”. fizemos dois comitês de base. Um funcionava numa sede da UOM [Unión Obrera Metalúrgica] e outro numa sede do PI. Os companheiros nos davam uma baita mão, porque espalhavam a notícia de que nós nos reuníamos ali, colocavam a informação nos seus boletins. Se eles conheciam algum uruguaio no trabalho, no bairro, onde quer que fosse, diziam para dar uma passada lá. As coisas eram assim quando não tinha Facebook [risos] (Mariano, entrevista, 23 ago. 2013).

Em alguns casos os vínculos pessoais se transformaram em relações institucionais; em outros, as relações institucionais foram motivo de conflitos, dissensos ou migrações de um comitê de base para outro. Em seguida voltaremos a esse ponto. Agora, gostaríamos de indicar que a infraestrutura transnacional no momento da fundação da FAUA - a qual permitirá a circulação de remessas políticas - foi, principalmente, obra dos vínculos tecidos pela militância de base. Em alguns casos, essa militância de base dinamizou a recomposição político-institucional no Uruguai: tal foi o caso da militância do PCU que, entre 1981 e 1982, abriu sua sede em Buenos Aires, no bairro de Almagro. Em “la Sierrita”, nome que remetia à rua na qual se encontrava a sede central do PCU em Montevidéu, planejou-se um dos primeiros atos desse partido em Buenos Aires que, segundo seus organizadores, reuniu cerca de 400 compatriotas e contou com a ajuda financeira de um banco argentino estreitamente vinculado ao PCA.

Em 1983, depois de sete anos de ditadura, Raúl Alfonsín assumiu a presidência argentina, e Buenos Aires voltou a ser base do frenteamplismo.18 18 Como podemos depreender da leitura do livro de Aguirre Bayley (2007), até essa época a Frente Ampla no Exterior havia concentrado suas atividades em outros destinos do exílio, principalmente no México, na URSS e em diferentes países da Europa. Na época, a FAUA contava com sede própria no Centro da cidade, financiada pela militância local, e reproduzia a estrutura organizativa que caracterizava a coalizão desde a época de sua fundação no Uruguai, nucleando mais de 30 comitês de base dispersos por vários bairros da capital, cidades da região metropolitana e do interior do país. Sua participação na luta contra a ditadura uruguaia foi sumamente intensa, ainda que breve.19 19 De finais de 1982 até 1985 foram realizados, na Argentina, diferentes atos, shows e conferências de imprensa com grande repercussão em ambos os países. Dentre eles podemos destacar o show de Daniel Viglietti e Alfredo Zitarrosa; a concentração foi convocada para 27 de junho de 1984, dia em que a ditadura uruguaia completou 11 anos. Essa atividade contou com a presença de cinco mil pessoas em Buenos Aires e foi replicada em outras cidades do país. Outras concentrações populares celebraram a libertação de Líber Seregni (19 mar.1984) e o 13o aniversário do primeiro ato público da FA (26 mar.1984). No mesmo ano, também seria organizada uma concentração para receber Seregni em sua primeira visita a Buenos Aires depois de ser libertado (25 set. 1984). Sua atividade se concentrou, principalmente, na recepção dos exilados que estavam prestes a voltar ao Uruguai e na estabilização da coalizão na Argentina. Ainda que o retorno ao país fosse o objetivo de muitos - e a FAUA soube ecoar essa vontade, fazendo que constasse em seu plano de ação de 198620 20 A FAUA participou da “Comisión del Reencuentro”, instância multipartidária que foi considerada “âmbito privilegiado para desenvolver essa grande tarefa que consiste em organizar o retorno” (La Hora Frentista, 22 mar. 1986). -, não consistia, ainda assim, numa meta realizável por todos, especialmente por quem tinha constituído família ou conseguira um emprego satisfatório que, pelo menos naquele momento, poderia não estar disponível no Uruguai da pós-ditadura.

Ao mesmo tempo em que a FAUA colaborou com o “retorno político” de sua militância (ver Lastra, 2014Lastra, María Soledad. (2014). Los retornos del exilio en Argentina y Uruguay. Una historia comparada de las políticas y tensiones en la recepción y asistencia en las posdictaduras (1983-1989). Disertación de Doctorado. FHCE/Universidad Nacional de la Plata.) e contribuiu para os custos financeiros implicados em reinstalar a FA no Uruguai (La Hora Frentista, 22 mar. 1986), também procurou capitalizar seus múltiplos contatos com o amplo leque político argentino, tendo em vista a transição democrática uruguaia. A recuperação e consolidação da democracia na região, enquanto valor compartilhado pelos dirigentes políticos de ambos os países, evidenciou a heterogeneidade dos vínculos locais da FAUA, elemento que desde então passou a ser fonte de sua força e também de seus conflitos internos. Os relatos dos integrantes da geração fundadora da FAUA evocam o apoio de senadores, deputados e quadros das organizações de direitos humanos na Argentina, além do respaldo de funcionários do governo e políticos-chave da transição democrática local, que facilitaram a regularização da situação migratória de vários compatriotas, bem como a concessão de subsídios para impulsionar empreendimentos sociais, culturais e comunicacionais, e colaboraram na campanha frenteamplista com vistas às eleições de 1984, que colocariam fim na ditadura uruguaia. Iniciava-se, assim, a rede de relações institucionais e pessoais que, a partir de então, vincula o Estado e quadros sociais e políticos argentinos à militância da FAUA e à direção montevideana da FA.

Do que foi sintetizado até aqui, pode-se depreender que, na segunda parte da década de 1980, a FAUA experimentou dupla transição política: uma associada à recuperação democrática em ambos os países; outra que começava a mostrar que chegara para ficar, uma vez que muitos de seus integrantes haviam descartado a decisão de retornar ao Uruguai. Estava surgindo, então, um espaço de militância transnacional de caráter permanente que, entre outras questões, assumirá o desafio de mobilizar o voto frenteamplista radicado na Argentina, sua remessa política mais contundente.

AS TRAMAS E VAIVENS DO “VOTO BUQUEBUS”

O voto transnacional, que hoje conhecemos como “voto Buquebus”, começou para a FAUA com as eleições presidenciais de 1984 e foi-se consolidando à medida que avançavam o trabalho e os diálogos perenes com a militância argentina e a FA se ia estabelecendo enquanto força eleitoral no Uruguai. A partir de então, todos os candidatos frenteamplistas à presidência da República, bem como os candidatos ao parlamento e às instâncias locais do Poder Executivo, realizaram visitas a Buenos Aires e ao interior da Argentina. A organização das sucessivas campanhas, assim como a organização do voto frenteamplista radicado em diferentes partes do país, foi assumida como tarefa coletiva que, conforme a conjuntura, definiu distintas interlocuções e alianças, promoveu o envolvimento do potencial eleitorado - que nem sempre votou do mesmo modo ou pelas mesmas razões - e incidiu as representações desse eleitorado no Uruguai.

Em linhas gerais, as duas primeiras eleições presidenciais depois do fim da ditadura (1984 e 1989) estiveram dominadas pela expectativa de retorno à vida política e democrática e, em alguns casos, pelo desejo de voltar a morar no país. Por outro lado, também estiveram marcadas pelos “erros” que hoje a militância da FAUA atribui à falta de experiência na organização das “viagens eleitorais”. Nas primeiras eleições democráticas os militantes da FAUA recorreram a duas estratégias principais para enviar eleitores ao Uruguai. Uma delas consistia em alugar ônibus com a ajuda financeira de militantes e colaboradores da organização. A outra passava pela elaboração de um sistema de transporte voluntário realizado por veículos individuais que contemplava aqueles cujos nomes figuravam em listas de compatriotas interessados em exercer o direito ao voto no país de origem. O boca a boca, os programas de rádio da coletividade, as correntes de ligações telefônicas, o envio de telegramas, as mesas de informação colocadas nas principais praças e espaços públicos, assim como a colagem de cartazes e a pintura de murais - realizadas com o apoio da militância argentina - foram os principais canais de difusão da campanha frenteamplista na Argentina. Nessa conjuntura, ainda que a FAUA mantivesse fluente comunicação com a FA por intermédio da Comissão de Assuntos e Relações Internacionais, as viagens eleitorais não contaram com financiamento institucional; na verdade, elas foram possíveis graças ao apoio material provido pela rede política local, construída nos seus inícios “de baixo para cima” (Guarnizo & Smith, 1998Guarnizo, Luis & Smith, Michael. (1998). Transnationalism from below. Comparative urban and community research. New Brunswick: Transaction.), lançando mão das implicações e identificações dos transmigrantes com alguns partidos políticos argentinos que, por sua vez, colocaram à disposição da FAUA suas respectivas estruturas institucionais e o trabalho de seus militantes.

Os organizadores dessas primeiras “viagens para votar” lembram particularmente dos problemas que encontraram ao chegar na fronteira. Além terem que esperar muitas horas em decorrência do engarrafamento nos postos fronteiriços - situação que, a propósito, se repetiu em outras ocasiões eleitorais -, essas primeiras eleições foram marcadas por uma série de denúncias sobre fraudes, tentativas de barrar a caravana de veículos e pedidos de subornos para permitir sua passagem. Esses fatos, que repercutiram na imprensa montevideana (ver Mate Amargo, nov. 1989; La República, 25 & 26 nov. 1989), foram decodificados como parte da disputa política que então se colocava. Ismael, que integrava a Mesa Diretora da FAUA, procurava explicar a situação da seguinte maneira: “os funcionários da Aduana tornaram nossa vida impossível, nos pediam dinheiro, nos pediam documentos de não sei o quê, listas disto, daquilo. Eram todos colorados,21 21 Refere-se ao Partido Colorado (PC), que governava o país naquele momento. então obviamente não queriam que passássemos. Nós, imagina, íamos cantando, com as bandeiras: éramos um voto certo para a Frente Ampla!”

Essas cenas de fronteira, relatadas por quem participou das primeiras viagens, são contrabalançadas por um profundo sentido afetivo no momento de descrever a recepção dos que vinham do exterior e os trâmites administrativos orientados a facilitar seu deslocamento. Neste último ponto, os viajantes evocam o decreto presidencial pelo qual o governo argentino outorgou licença remunerada aos cidadãos uruguaios que fossem empregados da administração pública e que estivessem em condições de viajar para votar - medida que, entre outras, foi reiterada a cada nova jornada eleitoral, indicando como certas práticas de Estado22 22 No decreto presidencial mencionado agrega-se a eliminação de formulários migratórios para ingressar no país e do pagamento de pedágios para transitar nas pontes internacionais. foram incorporadas às redes da FAUA - e o efusivo recebimento da caravana que somava mais de 300 ônibus especialmente alugados para a viagem. A imprensa também se ocupou de registrar a recepção: várias notas e editoriais abordaram a chegada dos votantes ao Uruguai num tom que oscilava entre o enaltecimento do compromisso e os arroubos épicos. A ideia de estar cumprindo um dever cívico, a responsabilidade23 23 Como exemplo disso, o jornal El País (27 nov. 1989) indicava: “não se pode descartar o percentual de uruguaios residentes no exterior que, no momento em que chegavam a Montevidéu, se mostraram ou se identificaram com os indecisos [...] por esse motivo [a fim de informar-se] optaram por chegar nos três primeiros dias da semana passada”. com que o fizeram e o suposto esforço que tudo isso demandava eram combinados com a descrição de performances sumamente emocionadas, como a entonação do hino nacional por parte dos votantes que pisavam solo uruguaio (El País, 26 nov. 1984) ou o fato de alguns deles dormirem em praças e espaços públicos à espera do momento da votação (El País, 27 nov. 1989). A isso se somava outro dado importante, principalmente em razão das transformações posteriores operadas sobre a percepção do voto transnacional: a valoração positiva do papel desempenhado pelos partidos organizados na Argentina enquanto “facilitadores” do “grande feito cívico” protagonizado por milhares de compatriotas (El País, 27 nov. 1989).

Em síntese, os processos eleitorais ocorridos na década de 1980 inauguraram um fluxo de ideias, valores, dinheiro, pessoas e sufrágios que o frenteamplismo na Argentina soube sustentar e atualizar até o presente. No início, o desejo de retorno ao Uruguai e a decisão de defender a consolidação das democracias recuperadas em ambos os países definiram ações e compromissos múltiplos de migrantes e não migrantes. A solidariedade em meio à militância de base, tramada em diversos espaços sociais e políticos de interação, guiou as relações institucionais que foram se fortalecendo ou debilitando com o correr dos anos, em sintonia com o amadurecimento da FA enquanto alternativa eleitoral e das relações bilaterais entre Argentina e Uruguai.

Já no começo deste século, a organização das campanhas políticas e das viagens eleitorais da FAUA se modificaram substancialmente. Depois da difícil década de 1990,24 24 Não nos deteremos nas viagens eleitorais desenvolvidas nesse período em que o neoliberalismo incidiu dramaticamente nas atividades das organizações sociais e políticas em ambos os países, conjuntura abordada em Merenson (2015c). o frenteamplismo na Argentina testemunhou um incremento de sua massa de militantes, nutrida agora por compatriotas chegados ao país nos períodos posteriores à ditadura. Alguns comitês de base retomaram suas atividades e outros foram criados, ainda que em geral estes últimos fossem destacamentos dos já existentes. Tal é o caso de Regresaremos, um dos primeiros comitês de base criados nos anos 1980, que reiniciou suas atividades como Comitê Agüero em 2009, reunindo parte da militância que pertencia ao primeiro. Em sintonia com o desenrolar da conjuntura no Uruguai, alguns setores políticos integrados à coalizão frenteamplista ganharam peso em detrimento de outros. A título de exemplo, em Buenos Aires foi evidente a consolidação do Movimiento de Participación Popular (MPP)25 25 Vale mencionar que, recentemente, seu candidato a delegado regional para a mesa política da FA obteve a maioria dos votos, rompendo assim um período de 30 anos de representantes alinhados com o PCU. e da Asamblea Uruguay, assim como a criação de novos setores, como Uruguayos en Argentina con Constanza Moreira. Essas dinâmicas parecem indicar que, pelo menos nos casos abordados, ainda quando o país de destino cumpre o papel de referência e sustento material na incorporação à vida política do país de origem, a configuração ideológica ou suas linhas políticas acompanham de perto os passos demarcados pelo tempo.

O paulatino processo de heterogeneização tanto das trajetórias políticas como das gerações migratórias reunidas na FAUA transcorreu, ainda que não sem conflitos, paralelo à consolidação do kirchnerismo26 26 Assim é designado o movimento político argentino de orientação peronista que o governo de Néstor Kirchner (2003-2007) inaugurou, e sua esposa, Cristina Fernández de Kirchner (2007-2015), continuou em dois mandatos presidenciais. na Argentina e ao acirramento dos conflitos bilaterais entre os países. Ambas as questões, longe de operar como “pano de fundo”, tiveram papel central na rede que sustenta o voto transnacional, cujas motivações e representações também se modificaram. Concretamente, a participação eleitoral deixou de ser vista como antessala do retorno ao Uruguai e passou a ser apresentada, no horizonte argumentativo das e dos votantes, primeiro, como uma contribuição à chegada da FA ao Poder Executivo pela primeira vez na história política do país e, em seguida, como uma aposta à consolidação de um “modelo político” entendido como positivo, tanto para seus familiares e amigos no Uruguai como para a diáspora da qual fazem parte. Este último aspecto implica um posicionamento a respeito da política externa esperada do Uruguai, que inclui programas de vinculação extraterritorial e a composição e o papel desempenhado pelo corpo diplomático na Argentina, especialmente o consular. Não se trata então de um voto que leva em consideração apenas o bem-estar dos afetos que residem no Uruguai; também é um voto que concerne aos migrantes enquanto cidadãos radicados no exterior, razão pela qual esperam uma retribuição que assegure benefícios e governabilidade para a diáspora. Diferente de outros casos com base em trajetórias migratórias que têm por destino países do norte, o exercício do voto uruguaio não vem acompanhado de uma demanda de reconhecimento formal ou simbólico situada além da participação política real dos migrantes;27 27 Algumas pesquisas destacaram a importância que possui, para distintos coletivos de migrantes radicados nos Estados Unidos ou em países europeus, o envio de remessas monetárias na hora de demandar − ou outorgar, no caso dos Estados Unidos − o direito ao voto extraterritorial. Também apontaram que a demanda pelo voto extraterritorial adquire um sentido de reconhecimento formal ou simbólico, mais além da vontade de participação política real. Isso explicaria um dos tópicos recorrentes na literatura: o baixo nível de participação dos migrantes nos atos eleitorais dos seus países de origem. A esse respeito ver, entre outros, Calderón Chelius (2010), Itzigsohn & Villacrés (2008), Hallet & Baker Cristales (2010). tampouco se articula com uma lógica econômica sustentada por remessas monetárias, cuja magnitude nesse caso é escassa, tanto em termos absolutos quanto em relação a diversos agregados macroeconômicos.28 28 Segundo indica o relatório da Organização Internacional para as Migrações de 2011, há pelo menos dez anos as remessas monetárias não alcançam nem 2% do PIB uruguaio. As remessas políticas aludidas neste artigo estão enraizadas, como analisamos em outra ocasião (Merenson, 2015aMerenson, Silvina. (2015a). El ‘exilio’ uruguayo en Argentina: intersecciones entre memoria, ciudadanía y democracia. European Review of Latin American and Caribbean Studies, 98, p. 49-67.), nas intersecções possíveis entre as biografias políticas, as trajetórias migrantes e as memórias do terrorismo de Estado e das transições democráticas no Conesul.

A vitória da FA nas eleições presidenciais de 2004 foi o momento de consagração do “voto Buquebus”, dado que distintos meios de comunicação e analistas políticos atribuíram a apertada vitória no primeiro turno aos “votos vindos da Argentina”29 29 Ainda que essa leitura seja em si mesma um debate, o que nos interessa sinalizar é que, como tal, instalou-se com grande força na opinião pública, modificando com isso a (auto)percepção que até então circulava sobre a militância transnacional frenteamplista, tanto no Uruguai quanto na Argentina. Quanto ao número de votantes mobilizados na Argentina, sem dúvida se trata de uma informação crucial e, no entanto, impossível de ponderar. O que se conhece é a quantidade de pessoas que nos dias prévios e posteriores às eleições cruzaram as fronteiras fluviais e territoriais da Argentina para o Uruguai. Quantas delas atravessaram para votar e em que candidatura, entretanto, constituem motivo de especulações diversas de cada coordenação de campanha. Enquanto os números da FA oscilam entre 30 e 50 mil, aqueles dos dois partidos tradicionais, o Nacional e o Blanco, contam-se em centenas, já que nenhum dos dois assume institucionalmente a organização do transporte de seus eleitores. e à infraestrutura e canais de circulação que até então tornavam possíveis as “artesanais” viagens eleitorais promovidas pela FAUA. Após essa vitória, teve início um paulatino e permanente processo de institucionalização. Nas eleições nacionais seguintes (2009), que levaram José Mujica à Presidência, a mediação da FA na organização do voto transnacional baseouse na inédita e desafiante campanha denominada “voto amigo”, que buscou desindividualizar o voto para multiplicá-lo. Como analisamos em outros materiais (Merenson, 2015aMerenson, Silvina. (2015a). El ‘exilio’ uruguayo en Argentina: intersecciones entre memoria, ciudadanía y democracia. European Review of Latin American and Caribbean Studies, 98, p. 49-67.; 2016Merenson, Silvina. (2016). Movimientos políticos de la ciudad fronteriza. El Frente Amplio de Uruguay en Argentina: intersecciones entre memoria, pertenencia y ciudadanía. In: Besserer, Federico. Intersecciones urbanas: ciudad transnacional/ciudad global. México: UAM-I, p. 257-284.), a campanha convocou os frenteamplistas radicados em países distantes (na Europa e nos Estados Unidos) a doar o dinheiro das passagens áreas que usariam para viajar ao Uruguai a um fundo que permitisse financiar a ida dos votantes residentes na Argentina. A proposta baseou-se num cálculo simples: com o valor da passagem de um votante frenteamplista residente em um país distante, poderiam ser financiadas várias passagens de votantes frenteamplistas residentes na Argentina.30 30 Sobre a gestão do “voto amigo” no caso dos residentes uruguaios na Espanha, ver Moraes (2009). Sem importar, então, quem o depositasse na urna, o “voto amigo”, via “voto Buquebus”, era um voto da FA para a FA que contribuiria para a vitória eleitoral pela segunda vez consecutiva. Da perspectiva da FAUA, essa inovação eleitoral era vista como uma “consequência lógica” da solidariedade e do “histórico compromisso” da esquerda uruguaia e também como mostra da densidade que sua rede política havia alcançado e do esforço dedicado durante anos aos deslocamentos eleitorais ao longo das fronteiras territoriais. Ambas as questões, segundo Blanca, que naquela época impulsionava o Comitê Agüero, faziam do “voto Buquebus” um “voto único”, “substantivamente democrático”, contrário ao espírito liberal que vê nele a máxima instância de expressão e de participação cívica do cidadão enquanto indivíduo.

O protagonismo ganho pelo “voto Buquebus” nas eleições de 2004 resultou no incremento do poder de negociação da FAUA no interior da FA. Isso foi particularmente visível em alguns dos setores que integram a coalizão. Por exemplo, o MPP passou a considerar a Argentina uma zona eleitoral entre as demais, em pé de igualdade com as que funcionam no Uruguai e, portanto, dotada de representação nas instâncias decisórias do partido. Essas mudanças operaram sobre as leituras que podem ser encontradas em parte da imprensa uruguaia. Como veremos, alguns meios impressos de comunicação deixaram de sublinhar e elogiar o “grande feito cívico” ou o papel desempenhado pela militância transnacional para passar a denunciar suas redes e ações em termos de “corrupção” ou “intromissão” do governo e dos políticos argentinos nos assuntos internos do Uruguai, no marco de uma crescente oposição às iniciativas de regulamentação do voto à distância promovidas pela FA.31 31 Para uma análise das distintas iniciativas que no período buscaram habilitar o voto extraterritorial, ver Stuhldreher (2013) e Crosa (2010).

Após oito anos no poder, nas últimas eleições presidenciais (2014) a FA avançou na institucionalização do “voto Buquebus”. Para tanto, incluiu em seu organograma uma comissão32 32 Nas últimas eleições presidenciais (2014) a comissão esteve integrada por membros das comissões de Transporte, Organização e Finanças. Dois de seus membros, ambos migrantes retornados ao Uruguai que viveram por tempos variáveis na Argentina, se instalaram em Buenos Aires 21 dias antes das eleições para cuidar das tarefas mencionadas. encarregada tanto da negociação das passagens com diferentes empresas de transporte quanto da supervisão logística das viagens e do controle da entrega dos vouchers aos e às votantes.33 33 É importante sinalizar que os vouchers constituem um desconto adicional por conta da FA e são somados ao desconto que, nas datas eleitorais, distintas empresas de transporte f luvial e terrestre costumam oferecer. A absorção institucional do traslado do voto frenteamplista residente na Argentina redefiniu tarefas e papéis da FAUA, ao mesmo tempo em que pôs em evidência leituras díspares, e até contraditórias, com relação à “necessidade” ou aos “problemas” que o apoio à mobilização desse eleitorado acarretava. Dito em outros termos: a decisão da direção da FA de deixar nas mãos de militantes especialmente “vindos de Montevidéu” a tarefa de entrega das passagens buscou, entre outras questões, neutralizar possíveis práticas discricionais ou clientelistas atribuídas a sua militância em Buenos Aires. Vale sinalizar que parte da direção montevideana da FA interpreta essas práticas como exemplo da “peronização” de sua militância local, isto é, como “vícios” adquiridos por sua participação na vida política argentina. No entanto, esse tipo de acusações morais que mostram as assimetrias e iniquidades tramadas na rede expõem parte das estratégias locais que permitem nutrir de votantes as viagens eleitorais.34 34 Em outra oportunidade ( Merenson, 2013 ), abordamos o modo em que a participação nos programas estatais argentinos, ainda que possa ser estigmatizada, se torna um insumo fundamental para o voto transnacional. Em consequência, os comitês de base passaram a ser espaços para difundir informação, contatar e receber consultas do potencial eleitorado, ao passo que a direção da FAUA passou a se ocupar de co-organizar a logística da campanha na Argentina, que além dos múltiplos atos públicos incluiu uma série de recepções e entregas de títulos honoríficos aos candidatos por parte de instituições públicas e funcionários do governo argentino − gestos que foram entendidos como adesões políticas.35 35 Na sua passagem pela Argentina, durante a campanha eleitoral de 2014, Tabaré Vázquez foi declarado “Hóspede de Honra” da cidade de Buenos Aires e recebeu o doutorado honoris causa da Universidade Nacional de Córdoba. Danilo Astori recebeu o mesmo título da Universidade Nacional de Misiones.

A institucionalização do voto transnacional frenteamplista foi objeto de distintas leituras no interior da FA no Uruguai. Se parte de sua direção nela entendeu um “reconhecimento histórico” do esforço desempenhado pelo frenteamplismo na Argentina desde os tempos da ditadura, outros a consideraram um “gasto” de dinheiro e energia que, mesmo não convertido num montante de votos significativo, poderia ser rentável em termos de relações e alianças políticas na ordem regional. Este último aspecto se tornava particularmente visível desde 2003, com o início dos três períodos presidenciais do kirchnerismo na Argentina (2003-2015).

Como já adiantamos, a chegada de Néstor Kirchner ao governo argentino acirrou diálogos e posições no interior da FAUA. Sua militância de base, tributária de estreitas relações históricas com distintas forças políticas argentinas, agora alinhadas ao “governismo” ou à “oposição”, vivenciou conflitos em função não apenas dos recursos providos para a campanha eleitoral,36 36 O uso de instalações, a aceitação de doações e recursos econômicos e o apoio de suas estruturas militantes. mas também em razão de algumas das políticas seguidas pelo kirchnerismo em matéria de economia, relações exteriores ou direitos humanos. Apesar dos intentos da Mesa Política da FAUA de primar pela “unidade” e convocar seus apoiadores a “priorizar o Uruguai” (poner la mirada sobre Uruguay), o certo é que os alinhamentos “kirchneristas” e “antikirchneristas” - que reeditavam a antinomia “peronismo/antiperonismo” experimentada por muitos integrantes da FAUA no momento de sua chegada ao país - resultaram na desintegração de alguns comitês de base e no afastamento de certos quadros políticos conhecidos, bem como provocaram o surgimento de novas lideranças especialmente entre as e os jovens frenteamplistas, mais próximos, do ponto de vista ideológico e geracional, à juventude kirchnerista.

Cabe indicar que a direção montevideana e os candidatos da FA também não estavam alheios a esse tipo de tensão, que se manifestou em suas sucessivas visitas a Buenos Aires e nos encontros que mantiveram com políticos argentinos. Em alguns casos, tais encontros entraram em contradição com as relações institucionais mantidas na Argentina pelos setores políticos aos quais pertenciam, evidenciando, assim, os limites inerentes ao espaço transnacional conformado pelos migrantes uruguaios.37 37 A título de exemplo, isso ficou particularmente evidente no ato de campanha que aconteceu em 2014 na Casa “Pátria Grande”, um dos pontos de encontro mais importantes da juventude kirchnerista em Buenos Aires. Ali, os candidatos a legisladores pelo MPP, pelo PSU e pelo PCU se reuniram com a coletividade uruguaia e a militância argentina, desafiando com isso os alinhamentos institucionais e as adesões locais de seus setores políticos. No marco do desgaste da relação bilateral entre Uruguai e Argentina, as tensões até aqui mencionadas contribuíram para que as últimas viagens eleitorais protagonizadas pelo frenteamplismo na Argentina se tornassem foco de uma “campanha suja” materializada em diversas denúncias e desmentidos na imprensa dos dois países. A referida campanha incluiu declarações sobre o oferecimento de passagens gratuitas e dinheiro para quem viajasse para votar na FA, a entrega de dinheiro por parte de um grupo kirchnerista à mesa política da FAUA para financiar os custos de parte das passagens (El País, 25 out. 2009), a cooperação em outros aspectos logísticos por parte de funcionários do governo argentino acusados de emprestar uma de suas sedes em Buenos Aires “para instalar um call-center gratuito a partir do qual se realiza[vam] entre 200 e 300 chamadas diárias para convocar os uruguaios residentes na Argentina para votar” (La Nación, 20 out. 2014).

A FAUA tentou conter a desestabilização provocada por essas denúncias lançando mão dos “pontos neutros” de sua rede, especialmente no momento de realizar atos e reuniões. Desse modo, fazendo uso da infraestrutura de sindicatos, instituições públicas (como as universidades nacionais) e distintas associações da sociedade civil, procurou demonstrar sua independência da trama política argentina. Fato, porém, é que, nessa oportunidade, enfrentou um eleitorado que chegou ao Uruguai fortemente condicionado pelas adesões ou questionamentos ao governo argentino. Naqueles dias, nos comitês de base de Buenos Aires, era comum ouvir algumas pessoas justificarem seu voto na FA em oposição a Cristina Fernández de Kirchner e às políticas que seu governo adotara com relação ao Uruguai. Em outros casos ocorria o contrário, ou seja, o voto na FA era explicado em referência à adesão do eleitor ao governo kirchnerista, concebido como exemplo a ser “copiado” em matéria de políticas relacionadas com a memória e os direitos humanos.

Em tempos recentes, aquilo que pareceu desestabilizar as redes transnacionais frenteamplistas atravessa um processo de recomposição, efeito de duas vitórias eleitorais que a FAUA interpreta como antagônicas. Uma delas é a vitória, em 2014, de Tabaré Vazquez, que colaborou no momento de acalmar os ânimos da militância frenteamplista local e assegurou a continuidade da governabilidade da diáspora na Argentina, especialmente pela manutenção do corpo consular existente desde 2009. A segunda é a vitória de Mauricio Macri nas últimas eleições presidenciais argentinas (2015). A garantia da terceira gestão consecutiva no Uruguai e a mudança de orientação política na Argentina desempenham atualmente o papel de reforçar o compromisso frenteamplista local “contra o avanço da direita na América Latina”.38 38 Recentemente, na sua página de Facebook, a FAUA afirmava: “No dia 24 [de julho] não votamos apenas pela nossa Frente Ampla, votamos também CONTRA o avanço da direita na América Latina. Hoje, como nunca antes, o Uruguai e a Frente Ampla devem ser um farol bem alto na defesa da classe trabalhadora”. Essa bandeira, que repercutiu também o processo político aberto no Brasil após o pedido de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, foi empregada para mobilizar o voto na Argentina nas últimas eleições internas da FA. A percepção da FA como uma espécie de “farol” num contexto regional obscuro sinaliza, quem sabe, uma nova etapa na rede política transnacional frenteamplista que descrevemos até aqui; etapa cujos efeitos sobre o voto transnacional abrem um campo de indagações à espera, ainda, de ser explorado.

PALAVRAS FINAIS

Este artigo se propôs a explorar a criação, a consolidação e as conjunturas de desestabilização da FAUA que, entre outras questões, mobiliza o voto transnacional conhecido como voto Buquebus, que implica o deslocamento de ideias, valores, pessoas e votos provenientes da Argentina a cada jornada eleitoral no Uruguai há mais de três décadas. Para isso, em perspectiva histórica, contemplamos as transformações relativas tanto aos atores (migrantes e não migrantes) que integram a rede quanto aos canais de circulação, seus limites e infraestrutura, tal como propõem Boccagni, Lafleur & Levitt (2015)Boccagni, Paolo; Laf leur, Jean-Michel & Levitt, Peggy. (2015). Transnational politics as cultural circulation: Toward a conceptual understanding of migrant political participation on the move. Mobilities, 11/3, p. 444-463..

A partir da reconstrução do processo histórico-político que deu origem à militância transnacional frenteamplista na Argentina, bem como da dupla transição política que identificamos para ela e das conjunturas de (des)estabilização de sua rede (integrada por militantes políticos, dirigentes sociais e sindicais, funcionários de governo, meios de comunicação e empresários de ambos os países), buscamos evidenciar algumas questões indicadas pela literatura resenhada na primeira parte deste texto.

Inicialmente, vimos que as práticas políticas transnacionais do frenteamplismo na Argentina não se reduzem a um mero deslocamento de votantes. Na verdade, tal deslocamento é possível porque existe uma trama de relações e alianças políticas históricas que atravessam as fronteiras territoriais, suscitando aprendizagens e recursos de diversas ordens. Num segundo momento, vimos que aqueles que mobilizam essa rede e esse voto não o fazem - pelo menos não unicamente - em sinal de “apoio” ou “interesse” pelos familiares e amigos residentes no país; mais do que isso, eles/elas disputam ativamente as agendas de campanha, esperando alguma retribuição em termos de governabilidade da diáspora que integram. Em terceiro lugar, procuramos indicar que, embora a referência dos transmigrantes para se incorporar à vida política do país de origem costume ser o país de residência, ela se encontra intimamente associada a questões tais como as relações bilaterais ou os alinhamentos das forças políticas e dos países em questão, cujas histórias confluem em experiências compartilhadas, tais como o terrorismo de Estado dos anos 1970 e as transições democráticas dos anos 1980. Possivelmente essa sintonia contribui para explicar a incorporação à vida política transnacional não como o resultado ou o efeito “reativo” experimentado diante das dificuldades e estigmatizações no país de destino, mas como produto de uma multiplicidade de diálogos e adscrições identitárias de longa data, que tendem a mostrar a hiperintegração daqueles que compõem a rede e decidem sobre ela. Dito de outro modo, as práticas políticas da militância transnacional frenteamplista na Argentina parecem habilitadas pelas intersecções dos vínculos pessoais e das relações institucionais travadas ao longo de uma história compartilhada, que põe em jogo - a partir de políticas públicas e práticas de Estado - transferências financeiras e ideológicas e pertencimentos geracionais. Tudo isso, com os conflitos que supõe, expressos no paulatino processo de institucionalização do voto transnacional, constitui a rede que a FAUA soube construir e nos ajuda a compreender as transformações materiais operadas sobre sua principal remessa política.

Cabe sinalizar uma última questão. Como indicamos na introdução, a pergunta sobre as modalidades de criação, consolidação e desestabilização das redes políticas transnacionais, assim como sobre as formas de produção de remessas políticas por parte dos transmigrantes, requer respostas empíricas. O “estudo de caso” aqui desenvolvido reage a essa necessidade, razão pela qual esperamos que ele possa originar contribuições que excedem seu escopo. Tal é, como sabemos, o objetivo da própria etnografia. Nesse sentido, esperamos que a tradução etnográfica da proposta analítica de Boccagni, Lafleur & Levitt (2015)Boccagni, Paolo; Laf leur, Jean-Michel & Levitt, Peggy. (2015). Transnational politics as cultural circulation: Toward a conceptual understanding of migrant political participation on the move. Mobilities, 11/3, p. 444-463. contribua para iluminar novas dimensões e perguntas que possam representar contribuições significativas para o estudo das práticas políticas e do exercício da cidadania transnacional. Em tempos de intensificação dos discursos e práticas que enfatizam limites e fronteiras territoriais e simbólicas, a análise daqueles processos e fluxos que souberam - e sabem - desafiá-los recorrendo a astúcias e agenciamentos múltiplos se apresenta como parte de uma tarefa intelectual crítica e necessária.

NOTAS

  • *
    Uma versão anterior deste texto foi discutida na “Primera Jornada sobre memoria, historia y presente de la izquierda en Uruguay”, realizada em Montevidéu nos dias 8 e 9 set. 2016. Agradeço os comentários recebidos naquela ocasião, assim como as valiosas contribuições realizadas pelos avaliadores anônimos do artigo. Agradeço também a Alex Martins Moraes e Juliana Mesomo a tradução deste artigo para português.
  • 1
    Diferentemente do conceito de “migrantes”, o de “transmigrantes” designa aqueles sujeitos que “desenvolvem e mantêm múltiplas relações - familiares, econômicas, sociais, organizacionais, religiosas, políticas - que transcendem fronteiras. Os transmigrantes atuam, tomam decisões, se sentem implicados e desenvolvem identidades dentro de redes sociais que os conectam com duas ou mais sociedades de forma simultânea” (Glick Schiller, Basch & BlancSzanton, 1992Glick Schiller, Nina; Basch, Linda & Blanc-Szanton Cristina. (1992). Towards a transnational perspective on migration: race, class, ethnicity and nationalism reconsidered. New York: New York Academy of Sciences.: 1-2).
  • 2
    Buquebus é o nome de uma das empresas de navegação f luvial que faz o trajeto entre Buenos Aires (Argentina) e Colônia do Sacramento e Montevidéu (Uruguai). É a empresa que os uruguaios estabelecidos em Buenos Aires utilizam, majoritariamente, para ir votar no país de origem.
  • 3
    Vale acrescentar que a referida inscrição se perde caso o cidadão não exerça o voto em duas eleições nacionais consecutivas e, mesmo que possa ser recuperada, implica trâmite potencialmente complexo. Ver Taks, 2006Taks, Javier. (2006). Migraciones internacionales en Uruguay: de pueblo trasplantado a diáspora vinculada. Tehomai, 14 /2, p. 139-156..
  • 4
    Em Merenson (2015b)Merenson, Silvina. (2015b). “Del ‘exilio’ a ‘la diáspora’”. Lenguajes y mediaciones en el proceso de diasporización uruguayo. Horizontes Antropológicos, 21/43, p. 211-238. resenham-se os usos e conceitualizações de “diáspora” para o caso uruguaio.
  • 5
    Na perspectiva de Lacroix (2014: 672)Lacroix, Thomas. (2014). Conceptualizing transnational engagements: a structure and agency perspective on (hometown) transnationalism. International Migration Review, 48/3, p. 643-679., hiperintegração é a integração ao “hipertexto”; indica uma prática enunciativa que se refere a outro texto. Assim, a noção remete a um processo de integração que não pode ser entendido sem a ancoragem dos atores em outro contexto social.
  • 6
    Comitê de Base é a denominação das células de bairro da FA. Caracterizam-se pelo trabalho político e social no nível territorial.
  • 7
    O trabalho de arquivo abarcou, principalmente, a consulta da imprensa de circulação nacional nas semanas prévia e posterior a cada eleição presidencial desde 1984, bem como da imprensa partidária correspondente ao Partido Colorado, ao Partido Nacional e à Frente Ampla. Neste último caso, privilegiou-se, ainda que não exclusivamente, a imprensa dos setores que têm atuação em Buenos Aires, a saber: Movimiento de Participación Popular, Partido Socialista, Partido Comunista, Frente Líber Seregni e o Grupo Magnolia (na Argentina: Uruguaios Unidos por Constanza Moreira).
  • 8
    Nas décadas de 1970 e 1980 a migração uruguaia em direção à Argentina, que representou em torno de metade do volume total do período, esteve marcada pela repressão política desencadeada em anos prévios e conservada durante a ditadura militar (1973-1985) e a crise econômica. Desde o século XIX, a Argentina é o país no qual mora a maior parte dos emigrantes uruguaios. Atualmente, concentra cerca de 4,5% da população votante, ou seja, em torno de 116.000 pessoas de acordo com o último censo (2010), ainda que as autoridades consulares afirmem que o número triplica as cifras censuais.
  • 9
    Em março de 1973, a vitória eleitoral da chapa CámporaSolano Lima colocou fim a sete anos de ditadura na Argentina. Ocupando a presidência da República durante 49 dias, Cámpora convocou eleições nas quais se admitiu a candidatura de Juan Domingo Perón - até então proscrito -, que veio a sucedê-lo na presidência em outubro desse mesmo ano e que desempenhou o cargo até sua morte, em 1o de junho de 1974.
  • 10
    Dada a importância, na Argentina, do movimento político encabeçado por Juan Domingo Perón (conhecido como “peronismo”), ele constitui, em si mesmo, um campo de estudo há várias décadas. Em decorrência da vastidão de debates acadêmicos suscitados por essa temática, qualquer tentativa de síntese ou caracterização seria, inevitavelmente, uma simplificação. Prefiro, então, remeter o leitor aos trabalhos já clássicos de Murmis & Portantiero (1971)Murmis, Miguel & Portantiero, Juan. (1971). Estudios sobre los orígenes del peronismo. Buenos Aires: Siglo XXI. e Halperín Donghi (1994)Halperin Donghi, Tulio. (1994). La larga agonía de la Argentina peronista. Buenos Aires: Ariel., assim como ao recente livro de Adamovsky & Buch (2016)Halperin Donghi, Tulio. (1994). La larga agonía de la Argentina peronista. Buenos Aires: Ariel..
  • 11
    A fim de resguardar o anonimato, os nomes dos entrevistados, assim como os dos comitês de base e lugares de reunião foram modificados.
  • 12
    Wichís, wichis ou matacos são as denominações que recebem os integrantes de uma etnia indígena do Chaco Central e do Chaco Austral, na Argentina e na Bolívia.
  • 13
    No começo dos anos 1970, como apontam Porta e Sempol (2006)Porta, Cristina & Sempol, Diego. (2006). En Argentina: algunas escenas posibles. In: Dutreit Bielous, Silvia (ed.). El Uruguay del exilio. Gente circunstancias y escenarios. Montevideo: Trilce, p. 98-130., existia certa tolerância com relação aos prazos e documentos solicitados para obtenção da residência. Entre 1972 e 1974 Lelio Mármora foi o responsável pelo escritório de migrações. Mármora era um jovem sociólogo integrante da Juventud Universitaria Peronista. No entanto, por volta de 1975, a situação mudou dramaticamente.
  • 14
    Bairro central de Buenos Aires no qual se situa uma das estações ferroviárias e rodoviárias da cidade.
  • 15
    “Montoneros” é o nome da organização revolucionária mais importante no contexto da esquerda peronista dos anos 1970.
  • 16
    O desacordo em torno da instalação das empresas de celulose às margens do rio Uruguai foi um dos mais conhecidos conflitos bilaterais do período, mas não o único. Outras tensões entre os governos uruguaio e argentino foram ocasionadas pela dragagem do rio da Prata e por diferenças cambiais e de política monetária. Houve, também, posições divergentes a respeito do Mercosul e da Unasul no contexto regional.
  • 17
    Cidade situada no sul da região metropolitana de Buenos Aires, também denominada “conurbano bonaerense”.
  • 18
    Como podemos depreender da leitura do livro de Aguirre Bayley (2007)Aguirre Bayley, Miguel. (2007). Frente Amplio. Uno solo dentro y fuera del Uruguay en la resistencia a la dictadura. Montevideo: Cauce., até essa época a Frente Ampla no Exterior havia concentrado suas atividades em outros destinos do exílio, principalmente no México, na URSS e em diferentes países da Europa.
  • 19
    De finais de 1982 até 1985 foram realizados, na Argentina, diferentes atos, shows e conferências de imprensa com grande repercussão em ambos os países. Dentre eles podemos destacar o show de Daniel Viglietti e Alfredo Zitarrosa; a concentração foi convocada para 27 de junho de 1984, dia em que a ditadura uruguaia completou 11 anos. Essa atividade contou com a presença de cinco mil pessoas em Buenos Aires e foi replicada em outras cidades do país. Outras concentrações populares celebraram a libertação de Líber Seregni (19 mar.1984) e o 13o aniversário do primeiro ato público da FA (26 mar.1984). No mesmo ano, também seria organizada uma concentração para receber Seregni em sua primeira visita a Buenos Aires depois de ser libertado (25 set. 1984).
  • 20
    A FAUA participou da “Comisión del Reencuentro”, instância multipartidária que foi considerada “âmbito privilegiado para desenvolver essa grande tarefa que consiste em organizar o retorno” (La Hora Frentista, 22 mar. 1986).
  • 21
    Refere-se ao Partido Colorado (PC), que governava o país naquele momento.
  • 22
    No decreto presidencial mencionado agrega-se a eliminação de formulários migratórios para ingressar no país e do pagamento de pedágios para transitar nas pontes internacionais.
  • 23
    Como exemplo disso, o jornal El País (27 nov. 1989) indicava: “não se pode descartar o percentual de uruguaios residentes no exterior que, no momento em que chegavam a Montevidéu, se mostraram ou se identificaram com os indecisos [...] por esse motivo [a fim de informar-se] optaram por chegar nos três primeiros dias da semana passada”.
  • 24
    Não nos deteremos nas viagens eleitorais desenvolvidas nesse período em que o neoliberalismo incidiu dramaticamente nas atividades das organizações sociais e políticas em ambos os países, conjuntura abordada em Merenson (2015c)Merenson, Silvina (2015c). El Frente Amplio de Uruguay en Argentina y el “voto Buquebus”: ciudadanía y prácticas políticas transnacionales en el Cono-Sur. Estudios Políticos, 48, p. 115-134..
  • 25
    Vale mencionar que, recentemente, seu candidato a delegado regional para a mesa política da FA obteve a maioria dos votos, rompendo assim um período de 30 anos de representantes alinhados com o PCU.
  • 26
    Assim é designado o movimento político argentino de orientação peronista que o governo de Néstor Kirchner (2003-2007) inaugurou, e sua esposa, Cristina Fernández de Kirchner (2007-2015), continuou em dois mandatos presidenciais.
  • 27
    Algumas pesquisas destacaram a importância que possui, para distintos coletivos de migrantes radicados nos Estados Unidos ou em países europeus, o envio de remessas monetárias na hora de demandar − ou outorgar, no caso dos Estados Unidos − o direito ao voto extraterritorial. Também apontaram que a demanda pelo voto extraterritorial adquire um sentido de reconhecimento formal ou simbólico, mais além da vontade de participação política real. Isso explicaria um dos tópicos recorrentes na literatura: o baixo nível de participação dos migrantes nos atos eleitorais dos seus países de origem. A esse respeito ver, entre outros, Calderón Chelius (2010)Calderón Chelius, Leticia. (2010). Los superhéroes no existen. Los migrantes mexicanos ante las primeras elecciones en el exterior. México: Instituto Mora., Itzigsohn & Villacrés (2008)Itzigsohn, José & Villacrés, Daniela. (2008). Migrant political transnationalism and the practice of democracy: Dominican external voting rights and Salvadoran home town associations. Ethnic & Racial Studies, 31/4, p. 664-686., Hallet & Baker Cristales (2010)Hallet, Miranda & Baker Cristales, Beth. (2010). Diasporic suffrage: voting rights in the Salvadoran trans-nation. Urban Anthropology, 39 /1-2, p. 175-211..
  • 28
    Segundo indica o relatório da Organização Internacional para as Migrações de 2011, há pelo menos dez anos as remessas monetárias não alcançam nem 2% do PIB uruguaio.
  • 29
    Ainda que essa leitura seja em si mesma um debate, o que nos interessa sinalizar é que, como tal, instalou-se com grande força na opinião pública, modificando com isso a (auto)percepção que até então circulava sobre a militância transnacional frenteamplista, tanto no Uruguai quanto na Argentina. Quanto ao número de votantes mobilizados na Argentina, sem dúvida se trata de uma informação crucial e, no entanto, impossível de ponderar. O que se conhece é a quantidade de pessoas que nos dias prévios e posteriores às eleições cruzaram as fronteiras fluviais e territoriais da Argentina para o Uruguai. Quantas delas atravessaram para votar e em que candidatura, entretanto, constituem motivo de especulações diversas de cada coordenação de campanha. Enquanto os números da FA oscilam entre 30 e 50 mil, aqueles dos dois partidos tradicionais, o Nacional e o Blanco, contam-se em centenas, já que nenhum dos dois assume institucionalmente a organização do transporte de seus eleitores.
  • 30
    Sobre a gestão do “voto amigo” no caso dos residentes uruguaios na Espanha, ver Moraes (2009)Moraes, Natalia. (2009). El voto que el alma no pronuncia: un análisis de las movilizaciones y los discursos sobre el derecho al voto de los uruguayos en el exterior. In: Escrivá, Ángeles; Bermúdez, Anastasia & Moraes, Natalia. Migración y participación política. Estados, organizaciones y migrantes latinoamericanos en perspectiva local-transnacional. Córdoba: Consejo Superior de Investigaciones Científicas Instituto de Estudios Sociales de Andalucía, p. 103-123..
  • 31
    Para uma análise das distintas iniciativas que no período buscaram habilitar o voto extraterritorial, ver Stuhldreher (2013)Stuhldreher, Amalia. (2013). Consideraciones en torno al sufragio transnacional en el caso uruguayo. Temas de Antropología y migración, 5/1, p. 55-69. e Crosa (2010)Crosa, Zuleika. (2010). El voto de los uruguayos en el exterior. La extensión de los derechos políticos en el debate parlamentario. Encuentros Uruguayos, 3 /3. Disponível em <http://www.encuru.f huce.edu.uy/>. Acceso em 15 ago. 2016.
    http://www.encuru.f huce.edu.uy/...
    .
  • 32
    Nas últimas eleições presidenciais (2014) a comissão esteve integrada por membros das comissões de Transporte, Organização e Finanças. Dois de seus membros, ambos migrantes retornados ao Uruguai que viveram por tempos variáveis na Argentina, se instalaram em Buenos Aires 21 dias antes das eleições para cuidar das tarefas mencionadas.
  • 33
    É importante sinalizar que os vouchers constituem um desconto adicional por conta da FA e são somados ao desconto que, nas datas eleitorais, distintas empresas de transporte f luvial e terrestre costumam oferecer.
  • 34
    Em outra oportunidade ( Merenson, 2013Merenson, Silvina. (2013). Tras el voto Buquebus. Políticas, prácticas e interdependencias en la producción de la ciudadanía transnacional. Desarrollo Económico, 52/207-208, p. 285-306. ), abordamos o modo em que a participação nos programas estatais argentinos, ainda que possa ser estigmatizada, se torna um insumo fundamental para o voto transnacional.
  • 35
    Na sua passagem pela Argentina, durante a campanha eleitoral de 2014, Tabaré Vázquez foi declarado “Hóspede de Honra” da cidade de Buenos Aires e recebeu o doutorado honoris causa da Universidade Nacional de Córdoba. Danilo Astori recebeu o mesmo título da Universidade Nacional de Misiones.
  • 36
    O uso de instalações, a aceitação de doações e recursos econômicos e o apoio de suas estruturas militantes.
  • 37
    A título de exemplo, isso ficou particularmente evidente no ato de campanha que aconteceu em 2014 na Casa “Pátria Grande”, um dos pontos de encontro mais importantes da juventude kirchnerista em Buenos Aires. Ali, os candidatos a legisladores pelo MPP, pelo PSU e pelo PCU se reuniram com a coletividade uruguaia e a militância argentina, desafiando com isso os alinhamentos institucionais e as adesões locais de seus setores políticos.
  • 38
    Recentemente, na sua página de Facebook, a FAUA afirmava: “No dia 24 [de julho] não votamos apenas pela nossa Frente Ampla, votamos também CONTRA o avanço da direita na América Latina. Hoje, como nunca antes, o Uruguai e a Frente Ampla devem ser um farol bem alto na defesa da classe trabalhadora”.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2017

Histórico

  • Recebido
    07 Fev 2017
  • Revisado
    20 Jun 2017
  • Aceito
    25 Jul 2017
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