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Controle de endemias: responsabilidades Municipal e Estadual

APRESENTAÇÕES EM PAINÉIS E MESAS REDONDAS

Controle de endemias: responsabilidades Municipal e Estadual

Almério de Castro Comes

Professor Titular do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da USP

A saúde pública é uma prática dinâmica que na sua evolução e eficiência envolve interações constantes entre teoria e prática. Mais recentemente conta com recursos da ciência ecológica para identificação dessas interações e, entre outros aspectos, é notado que fatores ecológicos que se atribui a várias mudanças no passado poderão ser responsabilizados por outras no futuro. Isto revoluciona as estratégias de prevenção e de controle impondo-lhe uma dinâmica que o administrador precisa conhecer. Ao mesmo tempo este processo faz refletir sobre a eficiência de práticas de intervenção uniformes para realidades distintas, as quais tem sido amplamente difundida em nosso meio.

A reforma federal de 1937 permitiu a criação de Departamentos Nacionais voltados ao controle de endemias como a malária e a febre amarela, os quais foram decisivos na redução da taxa de suas morbidades.Todavia, a implantação e execução de programas elaborados pelos níveis centrais eram verticalizados, paternalista e com forte componente autocrático, à semelhança do regime militar, fato inaceitável para a atual sociedade. Mesmo assim, a tradição daqueles órgãos foi sempre de dispor de recursos inferiores às necessidades sentidas. Ao mesmo tempo, percebe-se que esta estrutura tecnocrática ignorava mudanças nos perfis epidemiológicos das endemias, posto que havia pouco empenho em acrescentar novos conhecimentos aos programas. A dependência de recomendações da OMS e OPAS parecia dominar o rítmo das atividades de controle da endemia. Não que esta contribuição não fosse importante e oportuna, o que não deixava de comprometer ou gerar insegurança na criatividade de nossos técnicos. Aliás, no decorrer das duas últimas décadas a quase destruição dos quadros técnicos altamente qualificados a níveis federal e estadual, reflete bem a realidade brasileira atual, particularmente com a deterioração do serviço público. Coincidência ou não, assiste-se ao retorno gradual da morbidade e mortalidade em algumas endemias, sinal claro do fracasso das estratégias em curso.

Por isso, entendo que no processo vigente de reorganizar a implantação do SUS, torna-se oportuno discutir e reformular as atuais estratégicas de controle. Para tanto, sugiro que se deva começar pelos aspectos multicausais que envolvem as endemias, no delineamento dos novos programas de controle. Neste sentido, entendo que para equacionar o delineamento de novas estratégias torna-se pragmático a retomada do pensamento causal para entender a intricada e complexa articulação entre fenômenos biológicos e sociais, ao lado da reposição de quadros técnicos altamente qualificados. Por exemplo, o conhecimento ecológico voltado às manifestações das interrelações nos habitats de reservatórios de parasitas sofre, permanentemente interferência do tipo de desenvolvimento imposto pelo homem, o qual gera sobreposições de ciclos do mais simples aos mais complexos e determinam a forma pela qual o homem dele participa. Daí, resultar em aspectos multicausais ou perfis epidemiológicos distintos no tempo e espaço. Por conseguinte, fundamentam o delineamento dos instrumentos mais adequados dos programas de intervenção.

Equacionar as medidas de prevenção e controle não é uma tarefa fácil e nunca poderá ser de exclusividade dos municípios. Portanto, tem que haver uma hierarquização das atribuições específicas segundo a complexidade científica e conhecimento epidemiológico na fundamentação das decisões que irão reverter o atual "status" de controle das endemias. Reflexão administrativa imediata deve contemplar a análise sobre o longo intervalo de tempo entre a decisão política e a ação propriamente dita de intervenção, visto que esta fortalece a persistência da endemia. Por isto, épreocupante o alongamento do tempo de transição do SUS, cujas indefinições administrativas e hierárquicas ou políticas, favorecem, de especial modo, a fixação de vetores exóticos em ambientes antrópicos e quanto maior for este tempo mais complexas e caras se tornam as operações de campo e seus custos, sem deixar de reconhecer o crescimento das taxas de morbidade e mortalidade.

Neste contexto, reconhe-se que a implantação do SUS é um grande desafio frente às desigualdades geográficas, culturais e econômicas, as diversidades biológica e climática. Por outro lado, os fracassados programas de controle ou de erradicação fizeram emergir nova ordem mundial que preconiza o controle integrado, onde a sociedade é, também, co-responsável pelos problemas. Logo, torna-se inadmissível que novas diretrizes de controle não contemplem o envolvimento das pessoas. Portanto, a gradativa transferência de responsabilidade aos municípios embora represente alternativa positiva na busca comum das soluções para nossos problemas, a democratização das ações do SUS, ao meu ver, é salutar mas deve ser fiscalizada pelo Estado, ressalvados os princípios científicos, legais, hierárquicos e éticos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Jun 2008
  • Data do Fascículo
    1995
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