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PET-Saúde Interprofissionalidade e a disponibilidade dos estudantes para a aprendizagem interprofissional

PET-Health Interprofessionality and the readiness of students for interprofessional learning

Resumo

A interprofissionalidade foi tema central do nono edital do Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde. O objetivo deste estudo foi descrever a disponibilidade dos estudantes que participaram do programa para a aprendizagem interprofissional. A pesquisa, de abordagem quantitativa e de perspectiva descritivo-exploratória, coletou dados através da readiness for interprofessional learning scale, adaptada para o português do Brasil. Os resultados indicam que há disponibilidade para o trabalho em equipe e a colaboração. Também foram encontrados percentuais significativos relacionados à identidade profissional, o que indica disponibilidade para a aprendizagem interprofissional, embora aspectos relacionados à competição tenham aparecido através de percentuais menores de concordância em relação à aprendizagem compartilhada e interdependência das práticas profissionais. Para a atenção centrada no usuário também foram encontrados resultados que indicam boa disponibilidade entre os participantes; porém, aspectos relacionados à colaboração do usuário na produção dos serviços de saúde ainda expressam a tendência de uma lógica centrada nos profissionais. Conclui-se que há disponibilidade positiva para a educação interprofissional, que precisa ser cada vez mais estimulada nas políticas e estratégias de reformas curriculares.

Palavras-chave:
Formação Em Saúde; Educação Superior; Educação Interprofissional; Práticas Colaborativas; Integração Ensino-Serviço-Comunidade

Abstract

Interprofessionality was the central theme of the ninth call for proposals of the Education by Working for Health Program. The objective of this study was to describe the readiness of students who participated in the program for interprofessional learning. The research, of a quantitative approach and descriptive-exploratory perspective, collected data by applying the readiness for interprofessional learning scale (RIPLS), adapted for Brazilian Portuguese. The results indicate an important readiness for teamwork and collaboration. Relevant percentages were also found regarding professional identity, indicating good readiness for interprofessional learning, although aspects related to competition appeared in lower percentages of agreement regarding shared learning and interdependence of professional practices. For user-centered care, results were also found indicating good readiness among participants; however, aspects related to the collaboration of the user in the production of health services still express the tendency of a professional-centered logic. In conclusion, there is a positive readiness for interprofessional education, which needs to be increasingly stimulated in policies and strategies of curricular reforms.

Keywords:
Health Training; Higher Education; Interprofessional Education; Collaborative Practices; Teaching-Service-Community Integration

Introdução

O Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde) vem se consolidando ao longo dos anos como uma das mais importantes estratégias de reorientação da formação em saúde. A vivência nos serviços permite que estudantes tomem por base a realidade dos serviços de saúde para o desenvolvimento de projetos longitudinais de ensino, pesquisa e extensão, avançando na efetiva integração ensino-serviço-comunidade como fio condutor do PET-Saúde (Brasil, 2018aBRASIL. Ministério da Saúde. SGTES - Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. DEGES - Departamento de Gestão da Educação na Saúde. Construindo caminhos possíveis para a Educação Interprofissional em Saúde nas Instituições de Ensino Superior do Brasil. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2018a. Disponível em: <Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/sgtes/publicacoes/miolo_construindo-caminhos-possiveis_web.pdf >. Acesso em: 15 fev. 2023.
https://www.gov.br/saude/pt-br/composica...
; Mira et al., 2020MIRA, Q. L. M. et al. Reorientação da formação profissional em saúde: o que nos dizem os relatórios finais dos PET-SAÚDE e PRÓ-PET-SAÚDE?. Revista de APS, v. 23, n. 1, 2020. DOI: 10.34019/1809-8363.2020.v23.16791
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).

Instituído em 2008, o PET-Saúde aborda temas relevantes a partir da valorização do trabalho como princípio formativo e da necessidade de fortalecimento de áreas estratégicas para os serviços de saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) (Bravo; Pinto; Cyrino, 2021BRAVO, V. Â. A.; PINTO, T. R.; CYRINO, E. G. A educação pelo trabalho na saúde: conexões entre formação e práticas nos serviços de saúde. Temas em Educação e Saúde, Araraquara, v. 17, p. e021013, 2021. DOI: 10.26673/tes.v17i00.15039
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). Em 2018, o Departamento de Gestão da Educação na Saúde (DEGES), da Secretaria de Gestão da Educação e o Trabalho em Saúde (SGTES), vinculada ao Ministério da Saúde, lançou a nona edição do programa, com foco na interprofissionalidade - o PET-Saúde Interprofissionalidade.

A edição do PET-Saúde com foco na interprofissionalidade começa a ser idealizada a partir da Oficina de Bogotá, Colômbia, promovida pela Organização Panamericana de Saúde (Opas), que encorajou países da região das Américas a sistematizarem ações estratégicas com condições de fortalecer o debate da interprofissionalidade na formação e no trabalho em saúde (PAHO, 2017PAHO - PAN AMERICAN HEALTH ORGANIZATION. Interprofessional education in health care: improving human resource capacity to achieve universal health. Washington, DC: PAHO, 2017. Disponível em: <Disponível em: https://iris.paho.org/handle/10665.2/34353 >. Acesso em: 15 jun. 2023.
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). No Brasil, o Plano de Ação de Fortalecimento da Educação e do Trabalho Interprofissional em Saúde do Brasil, do qual o PET-Saúde Interprofissionalidade faz parte, foi resultado de esforços capitaneados pela SGTES, e contou com a parceria de pesquisadores da Rede Brasileira de Educação e Trabalho Interprofissional em Saúde (ReBETIS) (Brasil, 2021BRASIL. Ministério da Saúde. SGTES - Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. DEGES - Departamento de Gestão da Educação na Saúde. As contribuições do PET-Saúde Interprofissionalidade para a reorientação da formação e do trabalho em saúde no Brasil. Brasília: Ministério da Saúde, 2021. Disponível em: <Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/contribuicoes_pet_saude_interprofissionalidade.pdf >. Acesso em: 15 fev. 2023.
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).

Foram selecionados 120 projetos, para uma vigência de 24 meses de execução de atividades, que foram baseadas nos pressupostos teóricos, metodológicos e conceituais da educação interprofissional em saúde (EIP), articuladas entre os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS) e as instituições de ensino, com envolvimento de professores, estudantes, profissionais de saúde, gestores e usuários. O PET-Saúde Interprofissionalidade, a partir do acúmulo de debates, estudos e pesquisas, é instituído com o compromisso de estimular a adoção de estratégias educacionais orientadas pelos marcos teórico-conceituais e metodológicos da educação e do trabalho interprofissional em saúde. As diretrizes do nono edital do PET-Saúde Interprofissionalidade (Brasil, 2018bBRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Edital nº 10, de 23 de julho de 2018. Seleção para o Programa de Educação Pelo Trabalho para a Saúde Pet-saúde/interprofissionalidade - 2018/2019. Diário Oficial da União: seção 3, Brasília, DF, ano 168, p. 93, 30 ago. 2018b.) reforçam o compromisso histórico com o debate sobre o efetivo trabalho em equipe e a centralidade do usuário, família e comunidade na produção dos serviços de saúde e na formação em saúde no Brasil (Brasil, 2021BRASIL. Ministério da Saúde. SGTES - Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. DEGES - Departamento de Gestão da Educação na Saúde. As contribuições do PET-Saúde Interprofissionalidade para a reorientação da formação e do trabalho em saúde no Brasil. Brasília: Ministério da Saúde, 2021. Disponível em: <Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/contribuicoes_pet_saude_interprofissionalidade.pdf >. Acesso em: 15 fev. 2023.
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).

A interprofissionalidade dialoga fortemente com as premissas fundamentais da defesa dos princípios fundamentais do SUS: integralidade da atenção, centralidade do usuário, trabalho em equipe e organização dos sistemas de saúde, a partir das necessidades de saúde das pessoas, famílias e comunidades (Costa et al., 2018COSTA, M. V. et al. A educação e o trabalho interprofissional alinhados ao compromisso histórico de fortalecimento e consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS). Interface: Comunicação, Saúde, Educação , Botucatu, v. 22, n. 2, p. 1507-1510, 2018. Suplemento. DOI: 10.1590/1807-57622018.0636
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). A interprofissionalidade, portanto, reforça o caráter complementar e indissociável entre os campos da formação e do trabalho em saúde. Tomando por base o PET-Saúde Interprofissionalidade como ação estratégica de reorientação da formação em saúde no/para o SUS, a pesquisa em pauta aborda de forma mais enfática a educação interprofissional,

A definição de educação interprofissional que subsidia o presente artigo é: “ocasião em que membros de duas ou mais profissões aprendem em conjunto, de forma interativa, com o propósito explícito de melhorar a colaboração e a qualidade dos cuidados” (Reeves et al., 2016REEVES, S. et al. A BEME systematic review of the effects of interprofessional education: BEME Guide No. 39. Medical Teacher, [s. l.], v. 38, n. 7, p. 656-668, 2016. DOI: 10.3109/0142159X.2016.1173663
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). A EIP propicia o compartilhamento de conhecimentos e de práticas entre profissões, o melhor entendimento de valores e o respeito aos papéis desempenhados pelos profissionais de saúde, além de articular e complementar as competências específicas das profissões na organização do trabalho nos moldes de uma prática colaborativa (Peduzzi et al., 2013PEDUZZI, M. et al. Educação interprofissional: formação de profissionais de saúde para o trabalho em equipe com foco nos usuários. Revista da Escola de Enfermagem da USP, São Paulo, v. 47, n. 4, p. 977-983, 2013. DOI: 10.1590/S0080-623420130000400029
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, p. 978). Nessa perspectiva, a EIP articula novos arranjos de formação, em processos de experimentação e de produção dos elementos constitutivos do trabalho coletivo em saúde, a partir do desenvolvimento de um ambiente colaborativo (Pereira, 2018PEREIRA, M. F. Interprofissionalidade e saúde: conexões e fronteiras em transformação. Interface: Comunicação, Saúde, Educação , Botucatu, v. 22, n. 2, p. 1753-1756, 2018. Suplemento. DOI: 10.1590/1807-57622018.0469
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). Portanto, a EIP se efetiva por uma aprendizagem interativa, que deve ter uma intencionalidade clara no desenvolvimento de competências interprofissionais capazes de consolidar uma cultura de colaboração e de situar o usuário no processo dos serviços de saúde.

O PET-Saúde Interprofissionalidade foi organizado de forma a garantir rigor teórico-conceitual nas iniciativas de EIP dos projetos aprovados, em consonância com os princípios-chave da educação interprofissional: aprendizagem compartilhada e interativa e explícita intencionalidade no desenvolvimento de competências interprofissionais para a qualificação dos cuidados em saúde. Uma equipe de assessores e de tutores adotou um processo sistematizado de apoio e de acompanhamento, com o intuito de induzir processos sustentáveis e sólidos de adoção da EIP na formação em saúde, tendo como principal horizonte a tradução desses esforços em melhoria da qualidade dos cuidados em saúde.

Com esse objetivo, três cartas-acordo - firmadas entre a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), a Fundação Norte-Rio-Grandense de Pesquisa e Cultura (Funpec) e a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) - sistematizaram ações de apoio e de acompanhamento dos 120 projetos selecionados no intuito de propor mudanças curriculares para os cursos de graduação na área da saúde a partir de ações de EIP. O processo de apoio e de acompanhamento a partir de três eixos estratégicos foi importante para evitar uma compreensão limitada de EIP como mera junção de estudantes ou profissionais de diferentes profissões em iniciativas de formação ou de trabalho em saúde.

As três cartas-acordo foram: (1) “Evidências científicas sobre as implicações do PET-Saúde Interprofissionalidade na formação em saúde” (SCON2018-00510), que buscou elaborar evidências científicas sobre as implicações dos projetos apresentados e aprovados no edital do PET-Saúde Interprofissionalidade; (2) “Acompanhamento, apoio e avaliação dos projetos selecionados para o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde/Interprofissionalidade)” (SCON2018-00573), que objetivou acompanhar, apoiar e avaliar o processo de implementação das ações de EIP dos projetos aprovados no Edital do PET-Saúde Interprofissionalidade (Brasil, 2018bBRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Edital nº 10, de 23 de julho de 2018. Seleção para o Programa de Educação Pelo Trabalho para a Saúde Pet-saúde/interprofissionalidade - 2018/2019. Diário Oficial da União: seção 3, Brasília, DF, ano 168, p. 93, 30 ago. 2018b.); e (3) “Atualização em desenvolvimento docente para a adoção da interprofissionalidade na formação em saúde direcionada para o PET-Saúde” (SCON2018-00515), que pretendeu ofertar um programa de desenvolvimento docente, com foco nos marcos teórico-conceituais e metodológicos da EIP, para as instituições de ensino superior (IES) selecionadas no edital do PET-Saúde Interprofissionalidade (OMS; Opas/OMS; Ministério da Saúde, 2021OMS - ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE; OPAS - ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DE SAÚDE; MINISTÉRIO DA SAÚDE. Relatório técnico do termo de cooperação nº 102 - Fortalecimento da gestão do trabalho e da educação na saúde para o SUS: para alcançar o acesso a saúde universal. Washington, DC, 2021. Disponível em: <Disponível em: https://www.paho.org/pt/documentos/relatorio-tecnico-do-termo-cooperacao-no-102-fortalecimento-da-gestao-do-trabalho-e-da-2 >. Acesso em: 21 jun. 2023.
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).

Tomando por base a importância do PET-Saúde Interprofissionalidade como política indutora de mudanças na formação e no trabalho em saúde, esta investigação foi orientada pela seguinte pergunta: qual a disponibilidade dos estudantes participantes do PET-Saúde Interprofissionalidade para a aprendizagem interprofissional? O objetivo do estudo, portanto, foi responder a essa questão.

Materiais e métodos

Este estudo possui abordagem quantitativa, sendo classificado como descritivo-exploratório em relação ao alcance dos objetivos. O método quantitativo busca explicar os resultados encontrados em números para que seja feita a classificação e a organização usando os métodos matemáticos da estatística. Assim, mantém-se a precisão dos resultados, o que permite ainda classificar e relacionar os dados de modo a mensurar opiniões, relações, atitudes e hábitos. Com relação aos objetivos, a perspectiva descritivo-exploratória foi adotada, no campo da exploração, para abarcar as experiências práticas relacionadas ao problema pesquisado e, no campo descritivo, por ter como objetivo captar as percepções, atitudes, opiniões ou crenças de um determinado grupo de uma população (Creswell; Creswell, 2018CRESWELL, J. W.; CRESWELL, J. D. Research design: qualitative, quantitative, and mixed methods approaches. Thousand Oaks: SAGE Publications, 2018.).

A população do estudo são estudantes vinculados ao Edital no 10, de 23 de julho 2018, de seleção para o PET-Saúde (Brasil, 2018bBRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Edital nº 10, de 23 de julho de 2018. Seleção para o Programa de Educação Pelo Trabalho para a Saúde Pet-saúde/interprofissionalidade - 2018/2019. Diário Oficial da União: seção 3, Brasília, DF, ano 168, p. 93, 30 ago. 2018b.), que contemplou um total de 3.955 estudantes. Para esta pesquisa, foi adotado um recorte no campo de análise com uma amostra intencional desse universo. A lista de e-mails dos estudantes foi viabilizada pela Coordenação Geral de Ações Estratégicas, Inovação e Avaliação em Saúde (CGIED), do Departamento de Gestão da Educação na Saúde (DEGES), estrutura administrativa responsável, no âmbito da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES), pelo acompanhamento e pelo monitoramento do PET-Saúde. Lembretes para participação na pesquisa foram enviados semanalmente para os e-mails dos estudantes cadastrados, com o objetivo de obter o maior número possível de respostas. Todas as tentativas foram realizadas através dos e-mails cadastrados no sistema do Ministério da Saúde.

Os critérios de inclusão definidos foram: estudantes participantes do Edital do PET-Saúde Interprofissionalidade, com cadastro atualizado junto ao banco de dados do Ministério da Saúde. O critério de exclusão foi: estudantes para quem o convite retornou por erro do endereço de e-mail. A taxa de respondentes foi de 10,45%, que pode ser considerada satisfatória para o caráter descritivo-exploratório.

A Tabela 1 apresenta a amostra do estudo a partir da aplicação dos critérios de inclusão e exclusão.

Tabela 1
Amostra final após aplicação dos critérios de inclusão e exclusão

A coleta de dados foi realizada a partir da aplicação da readiness for interprofessional learning scale (RIPLS), com a versão validada em língua portuguesa falada no Brasil. A RIPLS é uma escala psicométrica que permite a avaliação da prontidão e da disponibilidade dos estudantes para a aprendizagem interprofissional (Parsell; Bligh, 1999PARSELL, G.; BLIGH, J. The development of a questionnaire to assess the readiness of health care students for interprofessional learning (RIPLS). Medical education, Edinburgh, v. 33, n. 2, p. 95-100, 1999. DOI: 10.1046/j.1365-2923.1999.00298.x
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). Para o andamento desta pesquisa, foi utilizada a versão ampliada da RIPLS (RIPLS-40), que agrega questões à escala original e as distribui em três fatores. A escala permite mensurar a intensidade e as vivências de maneira objetiva, e, assim, produz-se a quantificação da disponibilidade dos estudantes para a aprendizagem interprofissional (Peduzzi et al., 2015PEDUZZI, M. et al. Adaptação transcultural e validação da readiness for interprofessional learning scale no Brasil. Revista da Escola de Enfermagem da USP , São Paulo, v. 49, n. 2, p. 7-15, 2015. Edição especial. DOI: 10.1590/S0080-623420150000800002
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).

O fator 1 corresponde ao trabalho em equipe e colaboração, estando relacionado às atitudes positivas e à disponibilidade para aprendizado compartilhado, trabalho em equipe, colaboração, confiança e respeito em relação aos profissionais de outras áreas. O fator 2 refere-se à identidade profissional, relacionando-a à aprendizagem interprofissional, à autonomia profissional e aos objetivos clínicos de cada profissão. Por fim, o fator 3 aborda aspectos da atenção à saúde centrada no paciente e mede a atitude e a disponibilidade para entender as suas necessidades, com base em relações de confiança, compaixão e cooperação (Peduzzi et al., 2015PEDUZZI, M. et al. Adaptação transcultural e validação da readiness for interprofessional learning scale no Brasil. Revista da Escola de Enfermagem da USP , São Paulo, v. 49, n. 2, p. 7-15, 2015. Edição especial. DOI: 10.1590/S0080-623420150000800002
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).

A RIPLS foi transcrita utilizando o Google Formulários, ferramenta de pesquisa on-line que permite a criação e o envio de questionários via e-mail, coletando automaticamente os dados e permitindo a tabulação dos resultados obtidos. A escolha dessa ferramenta foi baseada nas facilidades para o acesso, preenchimento e recebimento por meio de link. Foram convidados todos os estudantes participantes do nono edital, sendo respeitada a adesão voluntária e explicados os objetivos da pesquisa, a justificativa e a importância da participação. Posteriormente, os dados coletados foram organizados e tabulados em planilhas Excel. Também foi inserido um campo aberto para os estudantes relatarem de forma breve as contribuições do PET-Saúde Interprofissionalidade para a sua formação. Para este estudo, serão apresentados os resultados quantitativos relacionados às dimensões da escala.

Para análise dos dados, foi adotado o método de frequência percentual, tratamento estatístico utilizado para descrever a disponibilidade para a educação interprofissional e as práticas interprofissionais de acordo com as variáveis dos participantes da pesquisa, bem como para analisar os pontos fortes e as fragilidades da disponibilidade para a educação interprofissional e para as práticas interprofissionais colaborativas.

Os dados apresentados neste estudo são um recorte do projeto de evidências científicas sobre as implicações do PET-Saúde Interprofissionalidade na indução de mudanças na formação e no trabalho em saúde, com financiamento da Organização Panamericana de Saúde (Opas). Toda a pesquisa e suas ramificações foram analisadas e aprovadas pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), através de parecer nº 4.498.726.

Resultados

Os resultados foram organizados de acordo com as dimensões da RIPLS: trabalho em equipe e colaboração; identidade profissional; e atenção à saúde centrada no paciente. Embora os resultados estejam distribuídos em percentuais, de acordo com as respostas dos participantes, serão destacados aspectos que indicam as variações mais relevantes nos padrões de respostas.

Trabalho em equipe e colaboração

A primeira dimensão da RIPLS identifica a disponibilidade dos participantes da pesquisa para o trabalho em equipe e colaboração. Os resultados encontrados indicaram grande frequência de disponibilidade para trabalho em equipe e colaboração. A numeração das assertivas estão apresentadas de acordo como aparecem na RIPLS.

Tabela 2
Fator 1: Trabalho em equipe e colaboração

No primeiro fator, alguns aspectos chamaram atenção: embora o percentual de concordância tenha sido elevado, três assertivas obtiveram importante percentual de neutralidade. Para as assertivas “a aprendizagem compartilhada me ajudará a pensar positivamente sobre outros profissionais”, “a aprendizagem junto com outros estudantes da área da saúde durante a graduação melhoraria os relacionamentos após a graduação” e “a aprendizagem compartilhada me ajudará a compreender minhas próprias limitações”, foram encontrados 6,79%, 5,66% e 4,15% de neutralidade, respectivamente. A neutralidade das respostas precisa ser explorada de forma mais aprofundada em novos estudos e pode indicar dificuldade para se posicionar sobre aspectos que são distintos do modelo de formação vigente e hegemônico.

O conjunto de estudantes das diferentes áreas da saúde que responderam à pesquisa, a partir da frequência de concordância das respostas aos itens do fator 1, demonstraram compreensão e valorização da aprendizagem compartilhada e produção conjunta de conhecimentos. Portanto, os dados encontrados na primeira dimensão sugerem o entendimento dos participantes sobre a necessidade do desenvolvimento do trabalho em equipe e a colaboração para realizar o efetivo trabalho em conjunto voltado para uma atenção aprimorada ao paciente.

Identidade profissional

A segunda dimensão da RIPLS reflete a disponibilidade dos estudantes participantes do PET-Saúde Interprofissionalidade referente à identidade profissional. Os resultados indicam que a identidade profissional é um aspecto que precisa ser melhorado nas iniciativas de educação interprofissional. A maioria das assertivas evidenciou disponibilidade positiva superior a 80% de concordância ou concordância total. Porém, nessa dimensão, foram identificados itens com respostas bastante distribuídas entre as opções.

Tabela 3
Fator 2: Identidade profissional

A frequência de concordância para a assertiva relacionada à autonomia profissional “serei capaz de usar frequentemente o meu próprio julgamento no meu papel profissional (autonomia profissional)” é uma boa evidência de que a educação interprofissional também fornece subsídios para o desenvolvimento de competências específicas. Do total de respondentes, 63,02% indicaram concordar ou concordar totalmente, 24,53% indicaram neutralidade e 12,45% discordaram ou discordaram totalmente.

É possível afirmar que a competição entre as profissões foi identificada pela pesquisa nos menores percentuais de concordância, se comparados com os demais fatores. A assertiva “preciso adquirir muito mais conhecimentos e habilidades que estudantes de outras profissões da saúde” obteve 14,72% de concordância e concordância total, e 23,40% de neutralidade. Já a assertiva “minha profissão desenvolve atividades interdependentes com as de outros profissionais de saúde” obteve 10,94% de neutralidade e 10,95% de discordância e discordância total.

Embora o percentual de concordância seja elevado, padrões de respostas diferentes são aspectos que precisam ser analisados como expressões de um modelo de formação com forte ênfase na defesa de uma identidade profissional, que pode ser obstáculo para a construção de uma cultura de colaboração.

Atenção à saúde centrada no paciente

A última dimensão da RIPLS identificou a disponibilidade dos estudantes para atender as necessidades dos pacientes com base nos princípios centrais da colaboração: confiança, interdependência, comunicação e centralidade nas necessidades das pessoas. Os resultados indicam a necessidade de mudança do foco nos serviços de saúde, de uma abordagem de identificação e caracterização de doenças para uma perspectiva de cuidado integral centrado no paciente.

Tabela 4
Fator 3: Atenção à saúde centrada no paciente

Assim como nos fatores anteriores, o estudo encontrou respostas que evidenciam disponibilidade positiva para a atenção centrada no paciente no fator 3. No entanto, chama atenção a frequência de respostas neutras nas assertivas relacionadas à participação do usuário no processo de produção dos serviços de saúde.

Para a assertiva “a opinião do paciente pode mudar minha conduta clínica”, o estudo encontrou 20,75% de neutralidade e 7,55% de discordância. Na assertiva “o paciente é corresponsável pelo seu cuidado”, a neutralidade alcançou 8,30%, e a discordância, 3,77%. No item “o paciente deve participar das decisões sobre seu plano terapêutico”, 7,17% não concordam nem discordam da afirmativa. E, por fim, no item que indica que “a família do paciente deve participar do cuidado”, 6,79% optaram pela alternativa da neutralidade.

A frequência de neutralidade precisa ser explorada com mais profundidade e associada a outras variáveis. Assim, seria possível obter maior clareza sobre a disponibilidade dos estudantes para considerar o paciente como colaborador no processo de trabalho em saúde.

Discussão

Por se tratar de uma pesquisa de caráter descritivo, os dados apresentados demonstram a distribuição das respostas em relação aos itens da escala utilizada. Na realidade brasileira, algumas pesquisas que utilizaram a versão validada para o português falado no Brasil da RIPLS buscam associação entre a disponibilidade para aprendizagem interprofissional, as características da amostra e os cursos pesquisados, bem como a relação com o método de ensino. Esses aspectos serão explorados a seguir.

No que se refere ao trabalho em equipe e colaboração, as pesquisas tendem a encontrar disponibilidade positiva, de modo semelhante aos resultados encontrados nesta pesquisa. No entanto, nos aspectos relacionados à aprendizagem compartilhada, são encontrados menores percentuais de concordância, se comparado às demais assertivas. Um estudo realizado por Tompsen e colaboradores (2018TOMPSEN, N. N. et al. Educação interprofissional na graduação em odontologia: experiências curriculares e disponibilidade de estudantes. Revista de Odontologia da UNESP, Araraquara, v. 47, n. 5, p. 309-320, 2018. DOI: 10.1590/1807-2577.08518
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), por exemplo, identificou 10,2% de neutralidade sobre a potência da aprendizagem compartilhada no reconhecimento dos papéis dos colegas e das próprias limitações. O referido estudo também encontrou importante frequência de neutralidade (12,5%) na assertiva relacionada à aprendizagem compartilhada no desenvolvimento das habilidades de comunicação. Panorama parecido também foi encontrado no estudo de Atwa e colaboradores (2023ATWA, H. et al. Readiness for interprofessional learning among students of four undergraduate health professions education programs. Advances in Medical Education and Practice, [s.l.], v. 14, p. 215-223, 2023. DOI: 10.2147/AMEP.S402730
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), que, comparativamente, identificaram a menor média de respostas para as assertivas relacionadas à aprendizagem compartilhada, EIP e a sua capacidade de desenvolvimento de habilidades de comunicação. Embora a frequência de concordância seja elevada, o percentual de neutralidade demonstra que ainda se trata de um tema sensível, que carece de estudos mais aprofundados. A presente pesquisa, no entanto, mostra um percentual de neutralidade menor em relação à aprendizagem compartilhada e sua potência no desenvolvimento de habilidades de comunicação quando comparado às pesquisas mencionadas anteriormente.

A disponibilidade para o trabalho em equipe, identificada na primeira dimensão do estudo, diz muito sobre o acúmulo histórico e teórico da realidade brasileira no reconhecimento do trabalho em equipe como premissa para a reorientação do modelo de atenção à saúde. No contexto do SUS, o trabalho em equipe é fundamental para atender às necessidades de saúde dos sujeitos em suas dimensões biológica, psicológica, social, política, econômica e cultural. A integralidade da atenção pressupõe uma atuação integrada entre diferentes profissionais de saúde e entre os diferentes níveis de atenção à saúde (Peduzzi, 2016PEDUZZI, M.; LEONELLO, V. M.; CIAMPONE, M. H. T. Trabalho em equipe e prática colaborativa. In: KURCGANT, P. (Coord.). Gerenciamento em enfermagem. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016. p. 103-114.).

O trabalho em equipe não se resume à presença de diferentes profissionais em um espaço de trabalho. A dinâmica da produção dos serviços de saúde, na perspectiva do efetivo trabalho em equipe, é permeada pelo reconhecimento da interdependência entre as práticas, pela comunicação permanente, pelo reconhecimento e confiança no papel dos demais profissionais de saúde, pelo senso de pertencimento de uma equipe e pela responsabilidade compartilhada nas tomadas de decisões. São atributos fundamentais que garantem uma prática centrada no usuário em busca do atendimento efetivo de suas complexas e dinâmicas necessidades de saúde, além da atenção aos usuários, suas famílias e comunidade (Sangaleti et al., 2017SANGALETI, C. et al. Experiences and shared meaning of teamwork and interprofessional collaboration among health care professionals in primary health care settings: a systematic review. JBI Database of Systematic Reviews and Implementation Reports, Adelaide, v. 15, n. 11, p. 2723-2788, 2017. DOI: 10.11124/JBISRIR-2016-003016
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).

O PET-Saúde Interprofissionalidade, como política indutora, vem viabilizando ao longo dos anos um importante papel na adoção de estratégias que visam reorientar a formação e o trabalho em saúde. A nona edição, por sua vez, propiciou experiências potentes para o desenvolvimento de competências interprofissionais fundamentais para o efetivo trabalho em equipe: clareza de papéis profissionais, compromisso na solução de problemas e negociação na tomada de decisão. São características marcantes de iniciativas educacionais que podem subsidiar mudanças curriculares que priorizam a convivência e a aprendizagem compartilhada, bem como a construção de relações interpessoais mais inclusivas e interativas (Brinco; França; Magnago, 2022BRINCO, R.; FRANÇA, T.; MAGNAGO, C. PET-Saúde/Interprofessionality and the development of curricular changes and collaborative practices. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 46, n. 6 p. 55-69, dez. 2022. Edição especial. DOI: 10.1590/0103-11042022E606I
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).

O efetivo trabalho em equipe demanda a qualificação do profissional, que deve ter a capacidade de reconhecer os diferentes papéis dos colaboradores envolvidos. Trata-se de uma competência necessária para diminuir os conflitos, bem como reduzir a fragmentação das ações de cuidado, omissão e repetição dos atos em saúde. São características importantes para assegurar uma atenção à saúde de qualidade, oferecendo segurança ao paciente e maior capacidade de resposta aos problemas e necessidades de saúde (Reeves et al., 2016REEVES, S. et al. A BEME systematic review of the effects of interprofessional education: BEME Guide No. 39. Medical Teacher, [s. l.], v. 38, n. 7, p. 656-668, 2016. DOI: 10.3109/0142159X.2016.1173663
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).

A compreensão da complexidade da colaboração e do trabalho em equipe, no entanto, requer um aprofundamento no processo de construção da identidade profissional. Esse aprofundamento ocorre a partir da delimitação do próprio campo profissional, por meio da identificação dos diferentes papéis e da autonomia, a partir de atitudes de respeito, ética, busca de conhecimento sobre as especificidades das outras áreas e ampliação do olhar profissional (Rossit et al., 2018ROSSIT, R. A. S. et al. Constructing professional identity in Interprofessional Health Education as perceived by graduates. Interface: Comunicação, Saúde, Educação , Botucatu, v. 22, n. 1, p. 1399-1410, 2018. Suplemento. DOI: 10.1590/1807-57622017.0184
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). A compreensão e a disponibilidade para a aprendizagem interprofissional exigem, portanto, uma análise mais ampliada sobre os aspectos relacionados à identidade profissional, aqueles abordados pelo fator 2 da RIPLS.

As pesquisas que exploram a disponibilidade dos estudantes para a aprendizagem interprofissional, a partir da RIPLS, tendem a mostrar médias mais baixas para o fator de identidade profissional. Uma pesquisa realizada por Maharajan e colaboradores (2017MAHARAJAN, M. K. et al. Attitudes and readiness of students of healthcare professions towards interprofessional learning. PloS one, San Francisco, v. 12, n. 1, p. e0168863, 2017. DOI: 10.1371/journal.pone.0168863
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) identificou escores mais baixos para as assertivas que expressam o caráter de interdependência entre as práticas profissionais. No Brasil, estudo realizado por Nuto e colaboradores (2017NUTO, S. A. S. et al. Avaliação da disponibilidade para aprendizagem interprofissional de estudantes de ciências da saúde. Revista Brasileira de Educação Médica , Brasília, DF, v. 41, n. 1, p. 50-57, 2017. DOI: 10.1590/1981-52712015v41n1RB20160018
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) mostra uma realidade semelhante em relação à identidade profissional, acrescentando que estudantes concluintes apresentam menores médias nesse fator, o que indica que, à medida que as identidades profissionais se consolidam, a resistência para experiências de aprendizagem compartilhada torna-se maior. O estudo realizado por Barbosa, Sampaio e Appenzeller (2021BARBOSA, G. R; SAMPAIO, R. A. C.; APPENZELLER, S. Disponibilidade para educação interprofissional em cursos orientados por métodos ativos de ensino-aprendizagem. Revista Brasileira de Educação Médica, Rio de Janeiro, v. 45, n. 3, p. e174, 16 ago. 2021. DOI: 10.1590/1981-5271v45.3-20200090
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) também identificou menor disponibilidade para as assertivas do fator 2 nos estudantes nos anos finais de sua graduação.

Embora nos estudos mencionados também haja análises de comparação, e os resultados apresentados nesta pesquisa mostrem a distribuição descritiva das respostas, fica evidenciado que a identidade profissional é um tema sensível no debate sobre a educação interprofissional. O desafio posto é trabalhar as dimensões do específico de forma indissociável com o comum e o colaborativo. Estudos futuros precisam investir mais fortemente nesta última dimensão, investigando mudanças a partir da realidade identificada neste estudo.

O terceiro fator da RIPLS traz importantes elementos de análise sobre a hegemonia do modelo de atenção centrado nos profissionais. Os resultados apresentados anteriormente chamam a atenção pelo importante percentual de neutralidade nas assertivas que abordam a participação do usuário na tomada de decisões ou em uma influência na (re)orientação das práticas profissionais.

Pesquisa realizada por Feitosa, Gomes e Silva (2023FEITOSA, C. A. L.; GOMES, N. P. C. P.; SILVA, R. M. Disponibilidade para aprendizagem interprofissional em cursos de saúde em uma faculdade do nordeste brasileiro. Journal of Health & Biological Sciences, Fortaleza, v. 11, n. 1, p. 1-13, 2023. DOI: 10.12662/2317-3076jhbs.v11i1.4346.p1-13.2023
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) mostra um panorama semelhante, no qual foram identificados maiores percentuais de neutralidade nas assertivas relacionadas à compaixão, à interação com o usuário e à sua participação na tomada de decisão. Investigação realizada por Cavinatto e colaboradores (2023CAVINATTO, T. J. et al. Experiências extracurriculares e disponibilidade para a educação interprofissional em saúde na graduação. Saberes Plurais: Educação na Saúde, [s. l.], v. 6, n. 2, 2023. DOI: 10.54909/sp.v6i2.128200
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) realizou análises sobre a associação entre a disponibilidade para a aprendizagem interprofissional e a relação com atividades extracurriculares, encontrando níveis elevados de disponibilidade para o aprendizado interprofissional nos estudantes participantes da pesquisa, nas três dimensões da escala. A partir dos resultados, os autores defendem a importância de os estudantes reconhecerem os propósitos das iniciativas de EIP para a efetiva disponibilidade para a aprendizagem interprofissional. Apesar da elevada disponibilidade para a aprendizagem interprofissional, o estudo constata a tendência hegemônica de iniciativas de aprendizagem uniprofissionais. São evidências significativas que reforçam a importância de novas pesquisas de defesa da EIP como resposta ao modelo centrado nos profissionais nos processos de formação das profissões da saúde.

Ainda é muito frequente a influência do modelo de atenção centrado na doença e na capacidade do profissional de realizar diagnóstico e tratamento. Essa tendência precisa ser substituída por uma lógica em que os usuários e suas necessidades de saúde ordenem as práticas profissionais e interprofissionais, bem como a organização dos serviços de saúde e a formulação das políticas. Uma atenção ampliada e integral requer uma compreensão de necessidades que são produzidas na dinâmica de vida e saúde de um determinado momento histórico. Nessa perspectiva, o trabalho em saúde, orientado pela compreensão ampliada do conceito de saúde, requer uma integração de ações de promoção, prevenção, reabilitação e recuperação por meio de ações interdisciplinares, intersetoriais, em rede e interprofissionais (Agreli; Peduzzi; Silva, 2016AGRELI, H. F.; PEDUZZI, M.; SILVA, M. C. Patient centred care in interprofessional collaborative practice. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 20, n. 59, p. 905-916, 2016. DOI: 10.1590/1807-57622015.0511
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).

O processo dinâmico do trabalho em saúde é permeado pela construção de consensos e acordos, algumas vezes provisórios e abertos a revisão, de acordo com as necessidades do usuário. As diferentes atuações profissionais devem ser orientadas pelos objetivos da equipe, que por sua vez pode experimentar novos arranjos em direção à elaboração de planos comuns entre os diferentes profissionais que compõem o grupo (Peduzzi; Leonello; Ciampone, 2016PEDUZZI, M.; LEONELLO, V. M.; CIAMPONE, M. H. T. Trabalho em equipe e prática colaborativa. In: KURCGANT, P. (Coord.). Gerenciamento em enfermagem. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016. p. 103-114.). A relação entre os profissionais de saúde e os usuários é aspecto central para a tomada de decisões capazes de aumentar a capacidade de resposta dos serviços de saúde.

A comunicação é, portanto, indispensável para fortalecer o vínculo, mediado por uma relação de confiança e de respeito, em uma perspectiva horizontal e participativa, com importante potencial para a melhoria da qualidade dos serviços prestados (Agreli; Peduzzi; Silva, 2016AGRELI, H. F.; PEDUZZI, M.; SILVA, M. C. Patient centred care in interprofessional collaborative practice. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 20, n. 59, p. 905-916, 2016. DOI: 10.1590/1807-57622015.0511
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). A participação ativa dos sujeitos envolvidos é primordial para essa comunicação recíproca, que orienta dimensões fundamentais da colaboração: compartilhamento, confiança, respeito, parceria e relações de poder mais horizontais (Silva et al., 2015SILVA, J. M. A. et al. Educação interprofissional e prática colaborativa na Atenção Primária à Saúde. Revista da Escola de Enfermagem da USP , São Paulo, v. 49, n. 2. p. 16-24, dez. 2015. Edição especial. DOI: 10.1590/S0080-623420150000800003
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).

Novos estudos são necessários para analisar aspectos que determinam e influenciam a disponibilidade para a educação interprofissional. Estudos longitudinais, com uma maior variedade de dados, a partir de abordagens qualitativa e quantitativa, podem contribuir para construir um panorama mais explicativo sobre a prontidão para a aprendizagem interprofissional. Também é fundamental que os resultados apresentados neste estudo, bem como futuras pesquisas, orientem novas políticas e esforços de reorientação da formação em saúde. As variáveis suscitadas pela escala podem contribuir para o planejamento de iniciativas de educação interprofissional que tenham a clara intenção de desenvolver as competências relacionadas para oferecer serviços de melhor qualidade e centrados nas necessidades de saúde das pessoas.

Limitações do estudo

A população considerada para a realização do estudo foram os estudantes participantes do PET-Saúde Interprofissionalidade de todo o país. A amostra obtida foi adequada para um estudo descritivo-exploratório, mas não é suficiente para a realização de análises estatísticas mais refinadas, capazes de encontrar associações entre a disponibilidade para a aprendizagem interprofissional e outras variáveis dos participantes da investigação.

Considerações finais

Esta pesquisa demonstrou que, de uma forma geral, há disponibilidade positiva para a educação interprofissional e para práticas colaborativas, o que precisa ser cada vez mais estimulado com outras políticas, bem como através de estratégias de reformas curriculares que tenham a EIP como um de seus princípios formativos.

A perspectiva descritiva ofereceu um retrato do que foi encontrado no momento, e a perspectiva exploratória permitiu uma análise dos elementos identificados que se diferenciaram nos padrões de respostas dos participantes. Novos estudos são necessários, especialmente aqueles capazes de associar novas variáveis, além de complementar a pesquisa com abordagens qualitativas, a fim de obter uma análise mais aprofundada dos aspectos que interferem no desenvolvimento da disponibilidade dos estudantes para a educação e para o trabalho interprofissional. Investigações que adotem desenhos longitudinais são potentes para uma análise aprofundada sobre o processo de desenvolvimento das competências relacionadas, sobretudo na elaboração de evidências sobre a tradução desses esforços na melhoria da qualidade da atenção à saúde.

Historicamente, o PET-Saúde vem se consolidando, no contexto brasileiro, como uma ação estratégica para a adoção e valorização da interprofissionalidade como princípio reorientador do modelo de formação e atenção à saúde. A nona edição, que traz como tema central a interprofissionalidade, propiciou o aprofundamento desse debate nas instituições formadoras. Na perspectiva da educação interprofissional, o PET-Saúde Interprofissionalidade ofereceu grandes contribuições. O desafio atual é dar continuidade e avançar no fortalecimento dos esforços como compromisso inegociável com as necessidades de saúde das pessoas e com o fortalecimento do SUS. Portanto, novos estudos são necessários para identificar as contribuições do PET-Saúde Interprofissionalidade na adoção de estratégias que possam viabilizar iniciativas mais sólidas e sustentáveis de educação interprofissional nos diferentes contextos da realidade brasileira.

Por fim, é preciso reforçar a necessidade de ampliação dos esforços para o aprimoramento da curricularização da educação interprofissional, no sentido de potencializar o envolvimento de estudantes em atividades de aprendizagem interprofissional, compartilhada, mediada pela interação de conhecimentos, vivência e práticas e, sobretudo, respeito e valorização do usuário como centro do processo de produção dos serviços de saúde.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    14 Ago 2023
  • Revisado
    26 Jun 2023
  • Revisado
    14 Ago 2023
  • Aceito
    14 Ago 2023
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