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Exclusão social: noção ou conceito?

Social exclusion: notion or concept?

Resumos

Trata-se de uma reflexão sobre o status metodológico do termo exclusão social, que foi elaborada a partir de uma pesquisa bibliográfica baseada na produção científica francesa e brasileira dos últimos dez anos, considerando-se, também, o reconhecimento científico dos autores entre pesquisadores e trabalhadores sociais.Os trabalhos dos sociólogos contemporâneos encontram grandes dificuldades para definir exclusão, dificuldade essa ligada ao enfraquecimento de análises globais sobre a coesão social. A ausência dessa definição conceitual implica no desconhecimento de paradigmas filosóficos e políticos imersos em diferentes concepções (republicano, social-democrata e liberal) assim como de diferentes significados que podem ser atribuídos à exclusão social. Por esse motivo tentou-se uma identificação de diferentes paradigmas das ciências sociais assim como diferentes orientações a respeito de integração social. Na produção brasileira também são registradas controvérsias em relação ao tema da exclusão social que, na maioria das vezes é remetido a uma base estrutural de desigualdade. Sobre o status científico do termo entende-se que pode ser classificada como uma noção de caráter metodológico, visto que agrega elementos de um processo de conhecimento usados como imagens para explicação do real e que muito contribuiu para a tematização da pobreza em espaços públicos que não os acadêmicos e de elaboração e implementação de políticas públicas.

Exlusão social; Questão social; Sociologia


This manuscript contains a reflexion on the methodological status of the theme social exclusion based on a literature review of the scientific French and Brazilian production of the last ten years, also taking into account the scientific recognition of the authors. The works of present day sociologists face great difficulties to define social exclusion due to the lack of global analysis on social cohesion. The lack of this conceptual definition implies in the lack of knowledge of philosophical and political paradigms behind the different concepts (republican, social-democrat and liberal) as well as of the different meanings that can be given to social exclusion. For this reason an identification of different paradigms of social sciences and of different orientations regarding social integration was undertaken. In Brazilian production also there are controversies related to the theme social exclusion that most times are related to a structural inequality. About the scientific status of the concept, it can be classified as a methodological one, as it aggregates elements of knowledge used as images to explain reality that contributed largely for the inclusion of the theme of poverty in public spaces and for the implementation of public policies.

Social Exlusion; Social Issue; Sociology


ARTIGOS

TEMA EM DISCUSSÃO

Exclusão social: noção ou conceito?

Social exclusion: notion or concept?

Fabiola Zioni

Professora Associada do Departamento de Prática em Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública da USP. E-mail: fabiolaz@usp.br

RESUMO

Trata-se de uma reflexão sobre o status metodológico do termo exclusão social, que foi elaborada a partir de uma pesquisa bibliográfica baseada na produção científica francesa e brasileira dos últimos dez anos, considerando-se, também, o reconhecimento científico dos autores entre pesquisadores e trabalhadores sociais.Os trabalhos dos sociólogos contemporâneos encontram grandes dificuldades para definir exclusão, dificuldade essa ligada ao enfraquecimento de análises globais sobre a coesão social. A ausência dessa definição conceitual implica no desconhecimento de paradigmas filosóficos e políticos imersos em diferentes concepções (republicano, social-democrata e liberal) assim como de diferentes significados que podem ser atribuídos à exclusão social. Por esse motivo tentou-se uma identificação de diferentes paradigmas das ciências sociais assim como diferentes orientações a respeito de integração social. Na produção brasileira também são registradas controvérsias em relação ao tema da exclusão social que, na maioria das vezes é remetido a uma base estrutural de desigualdade. Sobre o status científico do termo entende-se que pode ser classificada como uma noção de caráter metodológico, visto que agrega elementos de um processo de conhecimento usados como imagens para explicação do real e que muito contribuiu para a tematização da pobreza em espaços públicos que não os acadêmicos e de elaboração e implementação de políticas públicas.

Palavras-chave: Exlusão social; Questão social; Sociologia.

ABSTRACT

This manuscript contains a reflexion on the methodological status of the theme social exclusion based on a literature review of the scientific French and Brazilian production of the last ten years, also taking into account the scientific recognition of the authors. The works of present day sociologists face great difficulties to define social exclusion due to the lack of global analysis on social cohesion. The lack of this conceptual definition implies in the lack of knowledge of philosophical and political paradigms behind the different concepts (republican, social-democrat and liberal) as well as of the different meanings that can be given to social exclusion. For this reason an identification of different paradigms of social sciences and of different orientations regarding social integration was undertaken. In Brazilian production also there are controversies related to the theme social exclusion that most times are related to a structural inequality. About the scientific status of the concept, it can be classified as a methodological one, as it aggregates elements of knowledge used as images to explain reality that contributed largely for the inclusion of the theme of poverty in public spaces and for the implementation of public policies.

Keywords: Social Exlusion; Social Issue; Sociology.

Introdução

Este artigo apresenta algumas considerações sobre os diferentes entendimentos que, nos últimos anos, foram atribuídos ao problema central da sociedade contemporânea: milhões de seres humanos destituídos de condições de vida ou de pleno acesso aos direitos universais. Para tal, foi necessária uma reconstrução da emergência de temas que, em diferentes contextos, foram entendidos como "questão social", assim como a identificação de paradigmas teóricos explicativos.

A partir do final dos anos 1980, o termo exclusão social adquiriu uma grande visibilidade no debate político e teórico internacional. Essa visibilidade pode ser explicada pela necessidade de explicar e entender um fenômeno geral de empobrecimento e carências, mesmo para os países europeus que, desde o pós-guerra, teriam estendido à maioria de sua população condições de vida e de integração social bastante positivas. Mais recentemente, essa noção passou a ser criticada tanto pelos alegados limites em sua capacidade explicativa como em função do uso abusivo do termo. Para melhor discutir essa noção ou conceito extremamente polêmico é necessário proceder-se a uma reconstrução do processo de sua elaboração, emergência e consolidação no campo do pensamento social. Para tal, a obra de Fretigné (1999) demonstrou-se adequada. Segundo o autor, a "história" desse tema apresenta quatro etapas:

Explicações Psicológicas, Condições de Moradia e Pobreza

Na França, depois da Segunda Guerra Mundial, o crônico déficit de moradia estava agravado pela destruição provocada pelo conflito. Assim, os interesses voltaram-se para o setor de habitação, conforme os cânones do urbanismo modernista. As casas eram projetadas a partir de critérios racionais que criariam um habitat adequado para a inserção na nova vida urbana e industrial e para a superação da pobreza. Os pobres, depois do conflito mundial, não mais eram percebidos como totalmente responsáveis pela sua situação. Eram trabalhadores vivendo em péssimas condições: em meados da década de 1950, um recenseamento sobre moradias mostrava que existiam na França cerca de 250 mil habitações precárias, insalubres e mal-conservadas, em um universo de 12 milhões de edifícios1 1 Antes da guerra a França já tinha um déficit habitacional significativo que, depois do conflito, tornou-se dramático. O termo "les annes taudis" (anos dos cortiços) chegou a ser utilizado para denominar essa época. Em 1946 considerava-se como habitação minimamente aceitável todo compartimento de um imóvel que, separado de outros por paredes do assoalho ao teto, fosse de tamanho suficiente para caber um leito. .

Os Irredutíveis: inaptos para o progresso

A partir de 1955, constata-se uma diminuição no déficit de moradias, mas, em termos das condições de inserção dos "pobres", ainda se percebe que "sobram" camadas da população: os "inaptos para o progresso", pessoas e grupos sobre os quais os poderes públicos não sabem como agir, são apresentados como "pobres de longa data, pessoas mentalmente desequilibradas, infelizes desprovidos de toda esperança, homens e mulheres enfraquecidos ou corrompidos pela vida, cuja readaptação à sociedade constitui-se como tarefa imprescindível" (Fretigné, 1999, p. 53). Assim, foram construídos edifícios que, junto com os HLM (moradias de aluguel moderado para operários) foram destinados a acolher os "inadaptados". Todas essas moradias, normalmente edificadas em grandes conjuntos habitacionais concebidos como "cidades de urgência 'e/ou' de passagem", deveriam se constituir também como espaços para desenvolvimento de ações pedagógicas e de acompanhamento social.

Com o passar do tempo, essa moradia transitória se transformou em uma moradia normal, fim de uma trajetória residencial. Previstos para readaptar e normalizar a vida dos indivíduos, esses conjuntos acabaram por reforçar a estigmatização de seus moradores. No imaginário popular aparecem como casas de readaptação ou de correção, representações essas que remontam a práticas medievais de confinamento dos devedores, dos doentes, dos pobres. Nesse sentido, aqueles que foram colocados de lado o foram porque eram loucos, pobres, ladrões ou tarados. Para os que vivem no habitat dos pobres, a desconfiança dos comerciantes e empregadores não tem fim jamais (Paugam, 1996).

Além dessa memória social e histórica, nessa época de reconstrução e início do crescimento econômico, a situação de pobreza correspondia – em termos simbólicos – a uma situação de inadaptação social. O afastamento corresponderia a uma política de quarentena, de "saúde pública", para corrigir-se esse problema.

Deficientes ou Marginais

Do imediato pós-guerra até os anos 1970, de acordo com Paugam (1996), situações atípicas de moradia, emprego e de estilo de vida eram vistas como enfermidade, anormalidade ou amoralidade; a inserção das populações "com problemas" apelava a uma terapêutica social que tomava a forma de um acompanhamento psicológico e clínico. A partir dos anos 1970, porém, inverteu-se a causalidade, e a sociedade foi colocada sob suspeita; a nova pobreza e depois a exclusão serão interpretadas como "uma conseqüência direta da incapacidade por parte da sociedade em inserir seus membros e não mais como o fruto de uma incapacidade individual em se solidarizar com o todo social" (p.60). Lembre-se, ainda, que os movimentos de contracultura, o movimento de maio de 1968 contribuíram para o desenvolvimento de uma noção de marginalidade por opção pessoal pelo desvio, em oposição à noção anterior pela qual a situação de marginalidade era entendida como resultante de uma inaptidão individual. Nessa época, em 1974, foi publicado o livro de René Lenoir, Les exclus, un français sur dix, obra que supostamente teria estabelecido o termo "exclusão".

Os Novos Pobres e a Consolidação do Termo Exclusão Social

A partir dos anos 1980, com a persistência dos efeitos da crise do petróleo, com as transformações no processo produtivo devidas às inovações tecnológicas, registrou-se uma distorção entre os níveis de oferta e de procura por trabalho. Os primeiros programas de formação e as tentativas de flexibilização da legislação trabalhista, criadas para enfrentar esse problema, não impediram o crescimento do desemprego. A variável econômica assumiu, então, uma posição explicativa central, porque a situação de desemprego e/ou as formas atípicas de emprego alteravam negativamente os salários. A nova pobreza corresponderia, assim, a uma população cuja participação na vida econômica e social seria conjunturalmente aleatória (Fretigné, 1999).

Nos anos 1990, a expressão estava consagrada a tal ponto, que seria possível pensar que se estava inaugurando um novo capítulo no entendimento da questão social: a tendência à precariedade, à marginalidade, antes periférica, tornava-se central; o recrutamento social de pobres alargava-se à custa de novas fatias da população; a impiedosa espiral da exclusão remetia duramente esses grupos populacionais em direção ao "bas fond"; a exclusão assumiu a cena pública e tornou-se o grande medo do fim do século.

A Exclusão Social: obras principais

A maioria dos autores estudados considera o livro de Lenoir (1974) como a primeira obra a adotar o termo exclusão. Fretigné (1999) e Paugam (1996), porém, apontam obras anteriores ao Os excluídos, um francês em cada dez. Esse último autor lembra ainda que o termo "excluídos" – usado no título – estaria mais ligado a imperativos promocionais da edição do que a uma clarificação conceitual, podendo ser entendido como o primeiro exemplo da ocorrência de um termo "guarda-chuva". Escorel (1999) lembra que o título do livro teria sido escolhido pelo editor por causa do sucesso de Foucault em seus estudos sobre a história da loucura. Feitas essas considerações, a ordem de aparecimento da expressão seria, segundo Fretigné (1999), a que se segue:

a: 1960 – Les dividendes du progrès, de Pierre Massé.

b: 1965 – L'exclusion sociale, de Jean Kanfler.

Esses trabalhos podem ser entendidos como inspirados nos paradigmas mais antigos sobre a questão social, nas visões psicologizantes e liberais do início do século passado, em que o pauperismo ou a precariedade eram considerados como decorrentes de uma articulação entre más condições de vida – de cuja constatação não se podia escapar, dada a presença das ruínas da II Guerra Mundial – e atitudes, disposições, personalidades que iam de encontro ao processo de modernização, incapazes de participar dos benefícios do crescimento econômico. Por isso mesmo não se estava diante de um problema central para as sociedades industriais, para as nações modernas, mas sim diante de uma tendência pouca significativa do ponto de vista numérico e passível de intervenções pontuais, corretivas.

c: 1974 – Les exclus: un français sur dix, de René Lenoir.

O autor se aproxima do uso contemporâneo da noção de exclusão; trata da exclusão mais como inadaptação social; interessa-se principalmente pelo handicap físico e mental, pelas pessoas idosas e outros inadaptados, como delinqüentes, fugitivos, prostitutas, marginais; entretanto desvia-se de determinações unilateralmente psicologizantes, e esta exclusão seria um fenômeno irredutivelmente social; as origens do problema encontrar-se-iam na própria organização social, não se tratando de pobreza individual, mas de disfunção social. Urbanização incontrolada produtora de segregações sociais e raciais, distanciamento geográfico crescente que enfraquece as solidariedades familiares, êxodo rural, inadaptação do sistema escolar, perenidade e crescimento das desigualdades de renda, de acesso aos cuidados, enfim, todos esses fatores seriam características das sociedades modernas, apontadas pelo autor como responsáveis e produtoras de exclusão.

Sobre Lenoir, então Secretário de Estado do Governo de Georges Pompidou2 2 Político francês, "herdeiro" de Charles De Gaulle, governou a França entre 1969 e 1974. para a ação social, D'Allondans (2003) afirma que ele só utilizou a palavra "excluído" no título do livro. Ao longo de toda a obra só foi empregada a palavra inadaptado. Ainda que essa obra tenha sido bastante criticada pela esquerda, por sua filiação ao pensamento liberal, para alguns pesquisadores teria tido o "mérito de suscitar o debate, alargando a reflexão em torno da concepção de exclusão, não mais como um fenômeno de ordem individual, mas social, cuja origem deveria ser buscada nos princípios mesmos do funcionamento das sociedades modernas" (Wanderley, 1999).

Como o título do livro de Lenoir indicava, esse processo não estaria limitado a uma pequena parcela dos habitantes, mas atingindo uma considerável parte da população francesa. A partir dessa obra e nos anos que se seguiram, poder-se-ia pensar que a temática da exclusão passaria a traduzir a questão social contemporânea, substituindo temas próprios da sociedade industrial – como o conflito entre o movimento operário e o movimento empresarial, a desigualdade social ou a dominação e exploração de classes, ou ainda a oposição tradicional/moderno, conforme as diferentes teorias sociais.

O processo de emergência e desenvolvimento das ciências sociais deu-se profundamente ligado à constituição da modernidade. Diferentes teorias correspondem a diferentes discursos sobre esse período. Cada teoria desenvolvida desde os "fundadores" (Aron, 1999) partiu de uma visão de sociedade, da identificação de seus princípios e problemas. As diferentes conjunturas passíveis de identificação entre o século XIX e o início do XXI tematizaram e enfatizaram seus problemas utilizando-se dessas reflexões. Seria o tema da exclusão, nesse período de transição entre dois séculos, a forma de se representar e de se discorrer sobre a questão social? Seria esse termo capaz de se constituir como uma categoria explicativa ou como uma noção suficientemente ampla para conter a imensa gama e variedade de injustiças sociais desse fim de século?

Para Paugam (1996), que reconhece a banalização do termo pelo uso abusivo, deve-se considerar que o paradigma da exclusão apresenta como ponto positivo o fato de que, por meio dele, "nossa sociedade toma consciência dela mesma e de suas disfunções, procurando, às vezes de maneira desordenada, soluções para esse mal que a transpassa." (p.15). Considera, porém, que do ponto de vista científico seria equivocada, apresentando um paralelismo com a noção de pauperismo do século XIX, dada a tentativa que ambas desenvolvem no sentido de sintetizar a questão social.

O pauperismo caracterizaria a entrada na sociedade industrial, antes das conquistas sociais e das regularizações estatais; a exclusão, hoje, representaria a crise estrutural dos fundamentos desta sociedade, depois de décadas em que se imaginou que a miséria teria desaparecido. Ambos os termos remeteriam a situações precárias de trabalho, à ausência de qualificação, ao desemprego e à incerteza sobre o futuro, mas a similitude não seria total porque, enquanto o primeiro seria explicado pela situação de barbárie do início da industrialização, a noção de exclusão seria entendida atualmente como um processo de afastamento de populações menos qualificadas. O que ambas as noções compartilhariam seria o fato de acentuarem o risco de perturbação para a sociedade como um todo, apelando, portanto, às reformas sociais.

A exclusão social, então, não seria um fenômeno marginal que diria respeito a grupos definidos como subproletariado, mas sim um processo que afetaria, de acordo com as estatísticas, um número cada vez maior de pessoas e que, portanto, exigiria uma filosofia de ação.

Ainda que se reconheça a existência desse fenômeno que o termo exclusão caracteriza, não foram poucas as críticas desenvolvidas contra ele. Em primeiro lugar, destaque-se o que seria uma indeterminação semântica grave, e por isso sua eficácia seria mais ideológica do que explicativa, na medida em que incluiria em uma mesma categoria grupos extremamente diversificados, enfraquecendo critérios econômicos e políticos para a identificação e a explicação do problema. Afirma-se, também, que seu 'autor' – Lenoir – não fazia nenhuma distinção entre questões decorrentes de disfunções conjunturais produzidas por mudanças de caráter econômico-social e aquelas decorrentes da reprodução dos mecanismos de segregação próprios a cada sociedade.

Essas críticas ocorriam em um contexto altamente ideologizado. Para alguns setores, a noção ou termo era vista como uma manobra da classe dirigente para convencer a opinião pública sobre seus propósitos de reforma social, ao mesmo tempo em que evitava enfocar as verdadeiras causas da desigualdade social. Além disso, parte da esquerda resistia ao termo, na medida em que apresentava semelhanças com a noção de lúmpen-proletariat, cuja população assim definida, na concepção marxista, seria incapaz de promover a revolução. Falar em exclusão significava afastar-se da visão dialética de luta de classes, aspecto esse que, nos anos 1970, teria impedido sua incorporação (Paugam, 1996).

A expressão "exclusão social" acabaria sendo mais bem aceita devido ao prolongamento dos efeitos da crise do petróleo. A idéia de inadaptação social passou a ser substituída pelo tema do desemprego como problema central, pela consciência de que se estaria diante de um conjunto heterogêneo de situações instáveis, produtoras de novas dificuldades para grupos da população até o momento considerados ao abrigo da pobreza.

Assim, a questão social passou a ser representada não mais como a situação de grupos marginais, incapazes ou inaptos para o progresso – conforme a representação das décadas precedentes – , mas como um risco para grupos da população perfeitamente adaptados à sociedade moderna, vitimados, porém, pela conjuntura econômica e pela crise do emprego3 3 Datam desta época iniciativas de solidariedade em relação a esses grupos, como o Restaurant du Coeur, Aide aux Chomeurs, além do aumento significativo de recursos alocados para a ajuda a famílias e indivíduos em necessidade. .

A consciência da situação de risco em que se vivia no tocante à coesão social fez com que todos os partidos em disputa nas eleições presidenciais francesas de 1988 incorporassem propostas como o RMI – renda mínima de inserção. A noção de exclusão social, à época, era muito pouco usada, não se apresentando como um paradigma majoritário. Em cerca de dez anos, porém, segundo Paugam (1996), teria havido uma disseminação da expressão em função da persistência e crescimento dos níveis de desemprego, assim como da evolução das representações e categorias de análise.

O maior conhecimento sobre os beneficiários do RMI, mostrando a heterogeneidade das situações vividas por eles, permitiu uma análise dos processos que poderiam conduzir indivíduos e grupos sociais da situação de precariedade à de exclusão, processos esses resultantes de um acúmulo de handicap e, principalmente, de uma ruptura progressiva dos laços sociais.

Foi grande o consenso obtido pela expressão, assim como a representação dela decorrente sobre a questão social. Sua apropriação pela mídia colocou-a numa situação de hegemonia, mas, ao mesmo tempo, provocou um esvaziamento de sua importância como categoria do pensamento social. Paugam conclui afirmando que sua contribuição é mais relevante no campo da ação pública do que no da pesquisa social.

A discussão sobre o caráter mais ou menos científico do termo encontra subsídios importantes no trabalho de D'Allondans (2003). Para esse autor, exclusão, ou exclusão social, não apresenta nem possui uma definição conceitual, podendo, assim, ser entendida como uma construção social: "produto histórico de mecanismos sociais e não um estado resultante de atributos individuais e coletivos" (p.42). Considera, também, que nos anos 1990 teria adquirido um espaço definitivo na cena pública, tornando-se objeto de atenção de vários autores, apesar de ter, talvez como único acordo possível, o reconhecimento de que os processos de exclusão derivam do "desmantelamento das identidades coletivas, ligado ao fim das grandes unidades industriais que contribuíam para certa homogeneização social".

Sobre a diversidade de entendimentos a respeito da expressão exclusão social, o autor elenca, de maneira sucinta, várias definições dos anos 1990 para apresentar, ao final, diferentes paradigmas filosóficos relacionados tanto ao problema como às políticas engendradas para sua solução ou encaminhamento. Como decorrência desta reflexão, tem-se, em seguida, a identificação de diferentes orientações sociológicas entendidas como principais e/ou complementares.

Assim, citando Xiberras, D'Allondans (2003, p. 44) define a exclusão "como um processo multidimensional – totalmente novo – que atinge muitas pessoas, em qualquer situação social ou em qualquer aspecto de sua existência." Em Rosanvallonn, por sua vez, encontra a seguinte definição: "resultado de um processo de desagregação... de uma falha do tecido social... o conceito central é hoje muito mais o de precariedade ou de vulnerabilidade...".

Em Touraine, D'Allondans (2003) vai encontrar uma definição e uma visão de sociedade: "A exclusão caracteriza uma sociedade 'horizontal' na qual é importante saber se nos encontramos próximos do centro ou se fomos rejeitados para as trevas exteriores da periferia, em oposição a uma sociedade 'vertical' na qual se trata somente de saber se estamos situados mais ou menos ao alto da hierarquia." D'Allondans afirma que essa percepção pode ser encontrada também em Donzelot, para o qual a exclusão corresponderia a uma "etapa na qual a ausência de atores ou conflitos torna impossível o processo de integração: a relação entre os pólos da sociedade não tem mais a forma de um face a face, mas de um lado a lado" (p.45). Em Wieviorka, encontra a definição pela qual "as estratégias que veiculam a noção de exclusão parecem implicar em um vazio social, anomia, carência, sofrimento, perda de suporte... Por isso é melhor tomar distância desse conceito preferindo desqualificação ou desfiliação, conforme o que propõem Paugam e Castel, respectivamente" (p.45).

Essas dificuldades de definição ilustrariam uma dificuldade teórico-metodológica. Os trabalhos dos sociólogos contemporâneos encontram grandes dificuldades para definir exclusão, a qual estaria ligada ao enfraquecimento de análises globais sobre a coesão social. "A tendência à desagregação poderia significar a entrada em uma era nova assim como o fim das grandes representações coletivas ou a crise dos valores" (D'Allondans, 2003, p.46).

Considerando-se, então, os diferentes significados que podem ser atribuídos à exclusão social, valeria a tentativa de identificação de diferentes paradigmas das ciências sociais, assim como de diferentes orientações de integração social.

Silver (1995) classifica as diferentes definições de acordo com três tipos de orientações sociológicas. Assim, teríamos o paradigma republicano ou da solidariedade, expresso em trabalhos como os de Xiberras e Dominique Schnapper, que se utilizam do termo exclusão como uma ruptura do vínculo social, de tipo cultural, entre o indivíduo e a sociedade, uma deficiência de solidariedade mais do que uma questão econômica ou política. O paradigma republicano se entende como uma terceira via entre o liberalismo e o socialismo.

O paradigma da especialização, continua Silver (1995), que teria uma orientação liberal, é seguido por autores como L. Stoleru, que trabalham a noção de underclass. Nesses trabalhos, que não se utilizam do vocábulo, considera-se a diferenciação social – sempre definida como uma experiência individual – a partir de critérios de eficiência ou de liberdade de escolha.

Finalmente, conclui, haveria o paradigma seguido por aqueles que, como Bourdieu e Weber, trabalham a noção de nova pobreza, dentro do paradigma do monopólio de poder. Essa teoria social-democrata entende a exclusão social como decorrente da interação entre classes sociais e o poder político que, numa ordem coercitiva, defenderia os interesses dos grupos incluídos. Assim, o combate à exclusão seria efetuado por meio da extensão da cidadania, entendida nos moldes de Marshall (1967).

No trabalho de D'Allondans (2003) pode-se encontrar, ainda, além desses paradigmas de filosofia ou orientação política, a referência a três enfoques sociológicos que visam esclarecer o tema da exclusão social e os mecanismos inerentes a ela, representados pelos trabalhos de Castel, Paugam e Gaujelac.

A Desqualificação Social

Para tentar melhor definir o processo de exclusão social, Paugam (apud D'Allondans, 2003) cria o conceito de desqualificação social: descrédito em que cairiam aqueles que não participam mais plenamente da sociedade. Para tal, desenvolve estudos tanto macro como micro- sociológicos, além de abordagens etnográficas. A partir desse enfoque, Paugam identifica quatro situações nas quais podem estar envolvidas as populações designadas como "pobres".

1. A estigmatização dos assistidos: humilhado pela condição de assistido, o indivíduo encontraria dificuldades para estabelecer e manter vínculos e relações sociais mais amplas. Essa situação constitui-se como uma exclusão relativa, visto que eles ainda fazem parte da sociedade.

2. Os pobres assistidos da coletividade podem conservar meios de resistência a essa situação e manter-se em nível de inclusão social.

3. Os modos de resistência ao estigma ou de adaptação à situação de assistido podem variar de acordo com a fase do processo de desqualificação.

4. Nas condições sociohistóricas que conduzem ao recurso da assistência social, o autor reconhece três fatores intervenientes:

a) um nível elevado de desenvolvimento econômico e uma forte degradação do mercado de trabalho;

b) uma grande fragilização dos vínculos sociais, principalmente primários;

c) a inadaptação dos modos de intervenção dos sistemas de proteção social.

A partir desses pontos, o autor cria categorias analíticas – conjuntos de pessoas com características comuns e agrupadas por necessidade de compreensão sociológica: os frágeis, que sofrem intervenções pontuais; os assistidos, que sofrem intervenções regulares; e os marginais, que não passam por intervenções.

A Desinserção Social

Essa análise foi desenvolvida por Vincent de Gaulejac e Isabel Taboada Leonetti em 1997. Os autores, a exemplo de Paugam, consideram que o que deve ser estudado é o processo que conduz à desclassificação, denominada "desinserção social". Segundo os autores, cada época histórica produz seu pobre; a desinserção seria um fenômeno individual produzido pela substituição da luta de classes pela luta por lugares, posições.

O processo social contemporâneo atribuiria, de maneira perversa, a responsabilidade pelas inadequações aos próprios excluídos. A exclusão seria um processo decorrente do desemprego, da pobreza, da estigmatização social, do isolamento, da ruptura, da ausência de redes de suporte etc., que atingiriam todos os indivíduos da sociedade, não somente as classes desfavorecidas.

Os fatores que podem ser identificados como desencadeadores da desinserção são vividos no plano individual e têm um caráter multidimensional: perda de emprego, dificuldades financeiras, rupturas familiares, expulsão da moradia, desvalorização identitária etc. Ou seja, a exclusão seria decorrente de itinerários particulares próprios de pessoas mais frágeis.

Assim como Paugam, também estabelecem fases nas quais o processo desenvolver-se-ia: ruptura (perda de emprego, por exemplo), encadeamento de rupturas, apelo a meios institucionais para subsistir, entrada em um grupo excluído (definitiva), termina D'Allondans (2003).

A Desfiliação

Para Castel (2003), falar em exclusão social significaria considerar que existem indivíduos rejeitados pela sociedade, o que seria impossível na sociedade contemporânea. Se na Idade Média era possível fugir para a "ville franche", hoje é impossível sair da sociedade estruturada em torno do mercado. Para o autor não existiria ninguém fora da sociedade a não ser – casos-limites. O uso dessa noção significaria a não-compreensão dos fenômenos que estariam atingindo a sociedade salarial, fenômenos esses que deveriam, sim, ser estudados.

Baseando-se em vários estudos empíricos, afirma que aqueles indivíduos classificados genericamente como excluídos procedem de situações individuais muito diferentes entre si, como os desempregados de longa duração, os jovens das "banlieues", os que apresentam algum handicap etc. Esta maneira negativa de agregar diferentes perfis individuais não permitiria analisar as dinâmicas que os deixaram nessas condições. Esse aspecto seria muito grave porque se sabe que, na contemporaneidade, muitos indivíduos foram descartados por questões conjunturais. Para se referir a essas pessoas, Robert Castel prefere o termo supranumerários, porque permitiria explicar o fato de que, se ninguém fica completamente de fora da sociedade, também é verdade que muitos não conseguem encontrar seu legítimo lugar. "O supranumerário ou o inútil está na sociedade sem que tenha realmente uma posição e um papel social dentro dela" (D'Allondans, 2003, p.67).

Afirmando que a inutilidade social não significaria a inexistência social, Castel opõe à noção de exclusão social a de "désaffiliation", desfiliação, que caracterizaria um processo de ruptura da coesão social, processo esse que atinge um número considerável de pessoas particularmente frágeis. O que poderia distinguir o "pobre antigo" do supranumerário de hoje seria o fato de que o primeiro encontrava refúgio em associações filantrópicas, já que não ameaçava a ordem social. Ele era somente desprovido de valor para a sociedade que se modernizava. Na atualidade, as novas formas de "invalidação social" são produzidas pela desestabilização dos mecanismos de regulação, o que faz com que o processo de desfiliação seja encarado como onipresente.

Vale lembrar que isso não ocorria nas décadas anteriores, durante o período de crescimento, quando a classe operária teria sido integrada por meio da segurança do trabalho, do acesso à educação que lhe oferecia uma participação mínima nos valores culturais comuns, o que não estaria mais acontecendo.

Já no início desta década o debate será marcado pelos efeitos da internacionalização da economia, das transformações tecnológicas, da luta contra a inflação, pelo pensamento liberal. Em muitos países há um recuo nos mecanismos de proteção social. Ainda que na França essa política não tenha sido a dominante, verifica-se o desenvolvimento de formas precárias de trabalho e o crescimento do desemprego, que são relacionados à "desfiliação". Na construção dessa noção, dois aspectos são importantes. Em primeiro lugar deve-se destacar o que Castel chama de "individualismo negativo", próprio aos supranumerários porque, em função da ruptura de laços sociais, da perda dos suportes identitários, há uma perda de sentido no nível dos mecanismos simbólicos. Por outro lado, a desfiliação é, também, entendida como um processo progressivo de desinstitucionalização, de perda de ligação com os quadros objetivos que estruturam a vida social.

A desfiliação faz com que os indivíduos não estejam mais inscritos nas formas coletivas de regulação, de proteção social, o que os torna "indivíduos portadores de carências", desde econômicas até simbólicas. Têm-se, então, indivíduos desconectados da sociedade, salientando-se, porém, que esse conceito refere-se a processos feitos de rupturas e pertencimentos e não a uma situação estática. Castel (2003) distingue três zonas de variação da coesão social:

1. Uma zona de integração social que não apresenta dificuldades reais;

2. Uma zona de vulnerabilidade onde se acumulam precariedade de empregos e fragilidade de suportes relacionais;

3. Uma zona de exclusão onde estão concentrados os indivíduos mais fragilizados.

A zona intermediária, de vulnerabilidade, constitui-se como uma zona fronteiriça. Trata-se, então, de entender como se dá a passagem de um espaço para o outro, sendo que a "exclusão", assim, estaria colocada como uma possibilidade, um risco.

Para Castel (2003), a precariedade do emprego, a desestabilização da sociedade salarial fazem com que seja difícil a garantia de uma cobertura social estável, o que provocaria a criação de uma zona de turbulência social capaz de alimentar, constantemente – e em função de eventuais incidentes biográficos – a zona de desfiliação, de direitos precários. É por isso que, segundo o autor, os excluídos podem ser originários dos mais diferentes meios sociais (Castel, 2003).

A noção de "desfiliação" recobre, assim, uma série de situações bastante diferentes, que têm em comum o fato de expressarem um modo particular de dissolução dos laços sociais como o resultado de uma dinâmica de precarização e de fragilização. Assim, vulneráveis e excluídos parecem indivíduos em situação bastante próxima, mas 'desfiliados' seria uma palavra mais adequada para defini-los, porque estariam desligados mas dependentes do centro, visto que a desfiliação não significa uma falta total de "lien social", mas a ausência de inserção do sujeito nas estruturas que são providas de sentido (Castel, 1996).

Sobre o termo exclusão social encontram-se autores como o canadense Quéau (apud Moati, 2003), que se coloca explicitamente contra. Para ele, trata-se de uma noção eminentemente equivocada, que poderia descrever algo das sociedades contemporâneas, mas que não teria capacidade maior de esclarecimento. Afirma que, desde que foi incorporada nos anos 1980 pelo senso comum, tem sido usada para designar as vítimas da crise econômica e social envolvendo, sempre, situações de carências, de pessoas colocadas à margem. Refere-se, também, às experiências subjetivas dos indivíduos que vivem nessas situações. Porém, em termos científicos, não apresentaria condições de ser identificada a um objeto de estudo sociológico nem a uma população determinada.

Nas sociedades contemporâneas, as formas e os momentos de inserção são extremamente variados, apresentam uma complexidade que não supõe – como nas comunidades tradicionais – pessoas de dentro ou de fora. Na França, prossegue o autor, pode designar pessoas que estariam fora dos serviços de proteção social. Mas ele acredita que os dados mais recentes mostram pessoas extremamente fragilizadas, porém poucas em situação de total isolamento.

O autor entende que se deve pensar exclusão social como uma categoria social, ou seja, segundo as propostas durkheinianas, elas comporiam o quadro imaterial e socialmente determinado a partir do qual se interpreta a realidade. Sugere, além disso, que teriam uma proximidade interpretativa com a noção de 'tipo' proposta por Weber e Simmel. Nesse sentido, a "categoria participaria do processo de compreensão social, que é definida não só em termos metodológicos mas também como 'condição ontológica' da existência da sociedade" (p.77).

A sociologia cognitiva baseia-se nessa afirmação de categoria. O processo de categorização consiste, segundo Quéau (apud Moati, 2003), na "capacidade de abstração pela qual uma coisa é conduzida à sua significação geral" (p.77). Assim, a teoria de categorização – apesar de aproximar-se de uma teoria da formação e organização de conceitos – não pode ser reduzida a ela, porque conceitos e categorias são diferentes entre si.

Conceito, explica o autor, é baseado em conhecimentos definidos, enquanto categoria seria procedente de uma imaginação coletiva pela qual uma sociedade pode se representar. Para ele, haveria uma identidade entre esse entendimento sobre categoria e os pressupostos teóricos do interacionismo simbólico, segundo o qual "uma categoria como 'desvio' exprime antes de tudo uma relação social" (p. 78).

Assim, o mesmo raciocínio poderia ser colocado para o tema da exclusão social. A reflexão sobre ela ilumina mais o sujeito do que o objeto, mais a sociedade que reflete sobre ela do que a própria questão.

O aparecimento dessa categoria como tema de debate estaria muito relacionado ao mal-estar das sociedades atuais exemplificado pelo desemprego, pelo crescimento da pobreza. Diz respeito, também, à crise do Estado-Previdência, da sociedade salarial. A integração que não mais podia ser atendida pelo trabalho passou a ser motivo de movimentos sociais inspirados na luta contra as conseqüências de uma sociedade dual (Touraine, 1991). Esses movimentos teriam tido uma acolhida pelo Estado, que visava legitimar-se diante de uma sociedade ameaçada pela imagem de seu "déchirement". Nesse processo de incorporação pelo sistema, a categoria poderia usada para mascarar problemas sociais.

A esse respeito, lembre-se a afirmação de Castel (1996), segundo a qual assim como a ponta do iceberg pode fazer esquecer o que está submerso no mar, a categoria explicativa poderia esconder as raízes do problema social. Quéau concorda com Castel, para quem a questão é mais profunda. Lembra, também, a relação entre a flexibilidade do trabalho e a exclusão social. Vulnerabilidade, precariedade, instabilidade, todas essas questões relacionadas ao emprego seriam abafadas pelo tratamento e discussão da categoria de exclusão social (Moati, 2003). De maneira mais radical lembra como as políticas sociais contra a exclusão social desenvolvem um aspecto de legitimação do poder, mantém a coesão social sem conduzir a nenhum questionamento em relação aos princípios sobre os quais se baseiam.

Para Castel (2003), o melhor seria excluir definitivamente essa noção; o recurso a ela decorreria tanto das dificuldades geradas pela hipermobilidade dessa fase como das dificuldades para compreendê-la cientificamente. Mais do que efeito de uma nova economia, Castel (2003) define essa situação como uma transformação nos sistemas de regulação social. Os desfiliados do sistema, mais do que excluídos, seriam pessoas que perderam antigas proteções sem encontrar novas. A desfiliação seria, assim, explicada como uma transformação gerada por uma nova fase do capitalismo. Considera, ainda, que parte importante dessa população 'excluída' seria composta por trabalhadores que foram inutilizados pela atual conjuntura tecnológica e econômica. Pergunta-se, ainda, se esses 'náufragos da sociedade salarial' poderiam ser convertidos no trabalhador performático e dotado de mobilidade que se exige desde já. Para o autor, novas categorias são necessárias para se entender novas realidades, e a categoria de exclusão social já não teria mais nada a acrescentar ao debate.

Moati (2003) acredita que o fim do século XX, no plano econômico e social, desenvolveu-se sob o signo do paradoxo. Depois de trinta anos de crescimento sucederam-se trinta anos de crise e talvez novos anos de crescimento estejam por chegar. Mas, de qualquer maneira, a nova economia que se desenvolve a partir das novas tecnologias implica em mudanças nos modos de organização da atividade econômica e da própria vida. Para ele, essas transformações trazem, também, o crescimento das desigualdades, o desenvolvimento do trabalho precário, a persistência de um desemprego de massa.

Diante dessa situação inédita, uma nova terminologia teria sido desenvolvida para caracterizar cada um dos termos deste paradoxo: "nova economia e exclusão... [exclusão] teria surgido para exprimir o fato de que uma fração da população dos países industrializados encontra-se relegada às margens da sociedade. Por extensão pode-se falar de exclusão internacional para designar o fato de que certo número de países em vias de desenvolvimento prova dificuldades para encontrar seu lugar na nova divisão do trabalho... [serve também]... para designar as grandes desigualdades entre territórios regionais" (p.5).

Lembra o autor que a noção é bastante contestada por 'especialistas do social', mas entende que ela é conveniente para designar o enfraquecimento da participação de elementos de um sistema social junto a seus componentes mais essenciais. Enfraquecimento mas não descarte, abandono, porque o excluído pertence ao sistema em relação ao qual ele tende a ser colocado à margem.

A partir desse ponto de vista, exclusão social remeteria ao enfraquecimento da participação dos indivíduos nas redes sociais mais fundamentais do contexto em que vivem. Pode ser associada à pobreza, mas não se reduz a ela; na sociedade atual existem mais desigualdades do que aquelas produzidas pela sociedade industrial. Se o sucesso ou a discussão sobre o termo é recente, o problema a que ele se refere é mais antigo.

Em termos da produção brasileira e francesa, pode-se dizer que nos dois países a exclusão social aparece como ponto de grande preocupação teórica, com alguns pontos de vista diferentes. Nos dois casos, porém, a explicação mais comum parte de uma definição da questão social que apresenta as classes populares como vítimas do funcionamento negativo das estruturas sociais ou como resultado de um processo de desestruturação social que as imerge em um mundo anômico. Um autor, porém, que vai de encontro a essa afirmação é José de Souza Martins:

"Rigorosamente falando, só os mortos são excluídos, e nas nossas sociedades a completa exclusão dos mortos não se dá nem mesmo com a morte física: ela só se completa depois de lenta e complicada morte simbólica." (Martins, 1997, p. 27). Relembrando cerca de trinta anos de movimentos populares, Martins coloca suas preocupações políticas e teóricas quanto à compreensão da realidade que as diferentes correntes desenvolvem em relação à questão social. Para ele, essa abordagem não pode "captar o movimento da sociedade, o social propriamente dito, o homem dominado pelas relações estruturais da sociedade em que vive, mas, ao mesmo tempo, dotado de consciência; o homem dupla e contraditoriamente orientado pelos tempos da história e da vida cotidiana" (p.9). Para o autor, falar em exclusão social não tem sentido nem orientação científica adequados. Partindo da fala de diferentes atores sociais, como as lavadeiras de Salvador que lutam por uma relação contratual de trabalho, considera que estes atores estão falando de "situações dolorosas de ajustamento econômico, social e político..." o que se chama de exclusão é "... aquilo que constitui o conjunto das dificuldades, dos modos e dos problemas de uma inclusão precária e instável, marginal. A inclusão daqueles que estão sendo alcançados pela nova desigualdade social produzida pelas grandes transformações econômicas e para os quais não há senão, na sociedade, lugares residuais (...). A exclusão sociologicamente falando não existe (...). Ela é, na sociedade moderna, apenas um momento da dinâmica de um processo mais amplo" (p.26).

Lembra, ainda, que o conceito de exclusão acaba por empobrecer a possibilidade de interpretação da sociedade, interpretação essa que a prática de e nos movimentos sociais poderia engendrar. Para o autor, o problema da exclusão nasce com a sociedade capitalista: "O problema na Europa tem 300 anos pelo menos; grande parte dos imigrantes europeus que vieram para o Brasil... eram camponeses expulsos da terra... O problema começou a se tornar visível nos últimos anos porque começou a demorar muito a inclusão; o tempo que o trabalhador passa a procurar trabalho começou a se tornar excessivamente longo e freqüentemente o modo que encontra para ser incluído (...) implica certa degradação." (Martins, 1997, p.32). "A sociedade moderna está criando uma grande massa de população sobrante que tem pouca chance de ser de fato reincluída nos padrões atuais de desenvolvimento econômico (...) o período de passagem do momento da exclusão para o momento da inclusão está se transformando num modo de vida, está se tornando mais do que um período transitório" (p.33).

Oliveira e Paoli (1999) afirmam que o Brasil teria ingressado em uma era de restrição de gastos para garantir as políticas de reforma do Estado, de ajuste fiscal, sem que tivesse conhecido propriamente um estado de welfare. O social deve subordinar-se ao econômico, o que gera graves problemas para as populações.

O trabalho de Luciano de Oliveira (Oliveira, 1997), que procura construir epistemológica e sociologicamente o conceito de exclusão, mostra as feições dramáticas do fenômeno em todo o mundo, inclusive no desenvolvido. Reconhece especificidade no fenômeno de exclusão como subproduto do desenvolvimento tecnológico e da precarização das relações de trabalho. Quanto aos significados do termo, o autor lembra sua utilização para enquadrar minorias (negros, homossexuais, deficientes físicos), assim como pobres, desempregados, populações de rua e, tradicionalmente, favelados.

Nascimento (1994) considera que a situação atual pode ser entendida como uma nova exclusão, porque as tecnologias atuais tornam desnecessários – tanto do ponto de vista da produção como do consumo – grandes contingentes populacionais.

De acordo com Escorel (1999), exclusão social é uma expressão cada vez mais utilizada por governantes, jornalistas, políticos e estudiosos, assim como tema de conferências, livros e trabalhos, porque apresentaria considerável eficiência para designar toda situação ou condição social de carência, dificuldade de acesso a direitos, bens e serviços, assim como risco de discriminação, vulnerabilidade e precariedade. Nessa grande abertura, a expressão correria o risco de, designando todos os fenômenos, terminar por não caracterizar nenhum. Reconhece, ainda, sua pertinência para caracterizar a pobreza urbana.

Uma importante contribuição do trabalho citado refere-se ao fato de que, para discutir o status teórico dessa expressão, a autora, baseada em Maria Cecília de Souza Minayo, diferencia metodologicamente diferentes vocábulos empregados na compreensão do real:

• Termos = simples palavras, sempre revestidas de significados, porém emergindo do vocabulário ordinário, do senso comum; guardam uma coerência interna ao emissor, revelam elementos de seu universo simbólico individual, mas não permitem evidenciar nem uma teoria nem os elementos constituintes de um processo de conhecimento.

• Noções = podem constituir os elementos iniciais de um processo de conhecimento, pois não apresentam clareza suficiente e são usados como imagens na explicação do real;

• Conceitos = unidades de significação que definem forma e conteúdo de uma teoria, representam as vigas-mestras de toda construção teórica... um caminho de ordenação da realidade;

• Categorias = conceitos mais importantes de uma teoria.

Para Escorel (1999), exclusão social designaria um estado e um processo. Um processo porque fala em movimento que exclui, de trajetórias ao longo de um eixo inserção/exclusão e que é potencialmente excludente; estado porque essa condição é o resultado objetivo de um movimento; "as formas de exclusão social podem ser caracterizadas por trajetórias de labilidade dos vínculos sociais até sua ruptura completa, atravessando terrenos de dissociação ou desvinculação". Entre o início da trajetória e a ruptura total existem, certamente, situações (ou zonas) intermediárias de rupturas parciais dos vínculos, eventualmente reconstruídos a partir da criação de novos vínculos, mais ou menos lábeis.

Entendida como categoria, prossegue a autora, seu processo de criação deu-se através de características negativas, definidas por oposição: "sem terra, sem trabalho"; para Escorel (1999), sob essa denominação são agrupadas análises sobre a marginalização econômica, a segregação por motivos étnicos ou raciais, a discriminação de gênero, a proscrição pela privação material, a destituição de direitos, a eliminação física. Interrogando-se sobre sua pertinência teórico-explicativa para a análise da sociedade brasileira, coloca que algumas "análises tendem a considerar a emergência do fenômeno como expressão de um processo com raízes históricas ancestrais na sociedade brasileira, ao longo do qual ocorrem situações de exclusão que deixaram marcas profundas em nossa sociabilidade – como a escravidão." (p.70). Considera, ainda, que os "fenômenos de exclusão social, limítrofes ou não, estruturam-se sobre o pilar da necessidade, mas também revelam uma lógica de exclusão que se manifesta em dimensões como da cidadania e representações sociais" (p. 72).

Perguntando-se como seria possível utilizar-se o conceito de exclusão social – não mais a noção ou a categoria, o que pode ser entendido como uma adesão teórica a ele – para o estudo da realidade brasileira, a autora vai buscar inspiração em Da Matta.

Na sociedade norte-americana, valores e instituições hegemônicos funcionam numa lógica bipolar, fundada na exclusão (quem está dentro ou fora do grupo); no Brasil, predominaria uma lógica de inclusividade articulando-se em planos de oposição hierárquica e complementar, que busca uma compensação dos extremos da escala hierarquizada da sociedade: "O sistema social brasileiro permite seqüências inusitadas de compensações sociais no interior de uma hierarquia de relações complementares que vão do outro mundo até os animais e plantas, passando por uma hierarquia de homens, cujo nível mais próximo da natureza estaria ocupado pelos escravos". Uma epistemologia individualista não pode abarcar, de acordo com Da Matta, uma sociedade que se pensa e age como relacional (p.72).

"A exclusão social pode ser uma categoria de análise – em uma sociedade que se pensa como relacional e inclusiva – quando é abordada como um processo e não apenas em oposição à integração social" (p.73). Pode-se entender, ainda, segundo a autora, que o conceito de exclusão social vale para essa sociedade quando se pensa nesse processo como algo que opera uma interação excludente. "A sociedade brasileira contemporânea é plural, transversal, policultural, fragmentada como toda sociedade pós-moderna, com grupos que apresentam relativa coesão, mas essa sociedade está assentada sobre uma base estrutural de desigualdades sociais na qual o diferente é o pobre" (p. 73).

Autores brasileiros como Martins (1997) e Demo (2003) apontam o caráter contraditório da articulação dos processos de inclusão e exclusão na sociedade brasileira. Demo, explicitamente, não concorda com imagens de uma sociedade dual: os excluídos, reprimidos nas margens, estão aí incluídos, fazem parte intrínseca da dinâmica contraditória. Não há aí "dualismo" (dicotomia estanque), mas dualidade dialética. Considera, também, que não se está vivendo uma situação inédita do capitalismo, dado que o fenômeno da pobreza faz parte de sua história.

Finalmente, se o fenômeno , segundo muitos autores, repousa em uma 'base estrutural de desigualdades', em Escorel (1999), estrutura-se sobre o 'pilar das necessidades'; a desigualdade na distribuição e acesso aos direitos também é apontada, em vários trabalhos, como elementos importantes para a definição da situação estudada. Segundo essa autora: "Análises sobre o padrão brasileiro de cidadania (Carvalho, 1995, Draibe, 1989, Sposati, 1988, Fleury, 1994, apud Escorel, 1999) indicam formas diferenciadas de acesso e usufruto aos direitos civis e sociais, conformando uma fragmentação de modalidades de cidadania, as quais englobam a não-cidadania, a cidadania invertida (Teixeira, 1991, apud Escorel, 1999), a cidadania regulada (Santos, 1987) e a cidadania social ou plena (Marshall, 1967) no interior de um grupo social regido pela mesma Constituição. O padrão de cidadania em um contexto democrático pode ser analisado como expressão do fenômeno da exclusão social. Esse fenômeno envolve um processo que oferece acesso e usufruto diferenciados dos direitos constitucionais e uma zona de desvinculação completa, uma experiência de não-cidadania, na qual a cidadania não confere ao indivíduo nenhuma unidade de pertencimento, nenhum lugar social" (p.74).

Considerações Finais

Discutir a pertinência da expressão exclusão social significa, no fundo, discutir a questão social, objeto último da sociologia. Pela reconstrução da trajetória histórica e científica da noção, elaborada por Fretigné (1999), é inegável o fato de que, nos países desenvolvidos, seu surgimento e consolidação estão associados às grandes transformações do fim do século XX. Autores apresentados neste ensaio apontam e concordam com a relação entre exclusão social e novas tecnologias, novas formas de exclusão social, enquanto muitos outros acreditam que os fenômenos descritos sob o nome de exclusão não podem ser imputados a simples transformações tecnológicas. Na reconstrução da trajetória percebe-se também que, paulatinamente, as explicações sobre a pobreza passaram de argumentos moralistas ou psicologizantes, que individualizavam o problema, para a percepção dos aspectos sociais como nevrálgicos para o entendimento.

Ressalte-se, também, que essa representação é desenvolvida quando, mesmo antes dos anos da crise, se percebe que setores pobres de sociedades ricas não eram numericamente insignificantes. No entanto, até os anos 1980 do século passado, acreditava-se que os níveis de pobreza, ainda que conjunturalmente pudessem surpreender, eram passíveis de redução e enfrentamento por meio de medidas pontuais. O crescimento do desemprego e do trabalho precário questionam essa imagem otimista e conduzem a reflexão ao tema da exclusão social, que dominará o cenário nos anos que se seguem, ainda que bastante questionado.

Teoricamente, só existiria um consenso: a constatação da existência empírica do fenômeno e sua relevância em termos quantitativos e qualitativos. Política e filosoficamente ou em termos de uma representação social dominante, qualquer que seja a filiação teórica ou intelectual, não se nega jamais a importância do Estado para o enfrentamento do tema.

Autores que criticam a capacidade explicativa da expressão não negam o fato de que ela teve uma importância fundamental para que a sociedade tomasse consciência de problemas cuja magnitude estaria afetando sua integridade. A crítica sobre a capacidade explicativa da noção aponta para o fato de que agrupa indivíduos extremamente díspares e não permite uma separação entre fatores conjunturais e estruturais para a explicação do fenômeno. Assim, parece plausível afirmar que, mais do que um conceito, os vocábulos exclusão social podem ser entendidos como uma construção social, ou seja, um produto histórico de mecanismos sociais, e não um estado resultante de atributos individuais e coletivos cuja visibilidade estava bastante associada, no Brasil, a uma distribuição perversa de renda, e na França, ao declínio da sociedade industrial e salarial. Esse argumento, presente na reflexão de D'Allondans (2003), vai ao encontro das considerações de Quéau (apud Moati, 2003). Para esse autor, dentro de uma abordagem durkheiniana, a exclusão social seria definida como um quadro socialmente determinado, a partir do qual se interpreta a realidade.

Nesses termos, exclusão social não poderia ser entendida como um conceito, porque esse recurso teórico baseia-se em conhecimentos definidos, enquanto a categoria (de Queau) seria procedente de uma imaginação coletiva pela qual essa sociedade pode se representar. No caso, essa sociedade estaria refletindo sobre seus medos: desemprego e ruptura da coesão social. A precariedade do trabalho e da renda é temida como fator que pode conduzir à perda de vínculos e a crises de identidades. Teme-se o imigrante que, não mais integrado pelo trabalho, torna-se uma ameaça aos valores culturais, como se teme, no Brasil, o pobre, o 'favelado', o morador da periferia, o negro.

Em todo o debate travado na França, ressalta-se o fato de que – pelos mais variados motivos – existe, em parte importante tanto da produção intelectual francesa como da sociedade em geral, uma rejeição em relação a situações de precariedade e vulnerabilidades, levadas ao limite ou não. Essa rejeição pode ser constatada na existência de inúmeros dispositivos de inserção social e de combate à exclusão. No entanto, constatar essa existência não significa desconhecer seus limites. Em primeiro lugar parece incontestável que a crise do trabalho está na raiz da questão social, junto a contradições anteriores, como a própria diferenciação social, a desigualdade social. Considerando-se a pouca resolutividade dessas ações em relação ao emprego e a própria complexidade desse tema na conjuntura atual, o primeiro limite está dado. Saliente-se, ainda, a diversidade em maior ou menor grau de concepções participativas, democráticas e universalizantes que orientam a política social, assim como as condições institucionais e sociais de sua execução, para se chegar a uma segunda limitação, ou seja, as políticas sociais – principalmente aquelas voltadas para os conjuntos habitacionais – não são planejadas para ou por aqueles que neles habitam, gerando tanto a sua inadequação como dificuldade de acesso (Tramb, 2005).

No Brasil, repete-se a mesma controvérsia em relação ao tema da exclusão social que, na maioria das vezes é remetido a uma base estrutural de desigualdade, ou estruturando-se em um pilar de necessidades e desigualdade na distribuição e acesso aos direitos, na frase feliz de Escorel (1999). Essa autora, apesar de elencar limitações da categoria exclusão social, reconhece sua capacidade explicativa.

A questão social, que no Brasil já foi considerada um caso de polícia, foi bem discutida por Kovarick (2003). O pobre, segundo ele, não é, normalmente, culpabilizado por sua situação, ainda que o crescimento da pobreza associada – apressadamente – à violência urbana venha engendrando expressões e atitudes mais agressivas. O autor considera que, tradicionalmente, a pobreza e o pobre foram objetos de dois mecanismos racionalizadores. De um lado, a naturalização das conjunturas estruturais e relações sociais que levam à pobreza, fazendo com que nem o indivíduo nem a sociedade sejam responsabilizados. O destino de cada um é fruto do acaso, do azar, da inevitabilidade do que sempre foi. Kovarick completa esse argumentando mostrando que atualmente a representação social sobre a inexorabilidade da globalização econômica vem juntar-se a esses argumentos. E de outro, um mecanismo de neutralização que trabalha, por sua vez, no sentido de desenvolver formas de separação, de se evitar o contato com a população pobre. Saliente-se, mesmo, que boa parte dessa população entendida como pobre e evitável é composta por trabalhadores incluídos no mercado formal de trabalho.

Assim, para a conjuntura brasileira, exclusão social implica em várias discussões. Pensar em critérios econômicos significaria considerar que cerca de 30% ou 40% da população estariam desligados da sociedade nacional. O mesmo raciocínio poderia ser aplicado aos mecanismos de proteção social e para os direitos de cidadania. No entanto, a partir da discussão sobre as diferentes abordagens desenvolvidas sobre exclusão social, entende-se que ela pode ser classificada como uma noção de caráter metodológico, visto que agrega elementos de um processo de conhecimento usados como imagens para explicação do real. Concorda-se também que apresentou uma grande utilidade para aumentar a publicização do problema da desigualdade social, para a tematização da pobreza em espaços públicos que não os acadêmicos e de elaboração e implementação de políticas públicas. Porém a compreensão do problema exige maior cuidado teórico, como aqueles desenvolvidos por visões críticas do capitalismo.

Recebido em: 05/07/2006

Aprovado em: 14/09/2006

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  • 1
    Antes da guerra a França já tinha um déficit habitacional significativo que, depois do conflito, tornou-se dramático. O termo "les annes taudis" (anos dos cortiços) chegou a ser utilizado para denominar essa época. Em 1946 considerava-se como habitação minimamente aceitável todo compartimento de um imóvel que, separado de outros por paredes do assoalho ao teto, fosse de tamanho suficiente para caber um leito.
  • 2
    Político francês, "herdeiro" de Charles De Gaulle, governou a França entre 1969 e 1974.
  • 3
    Datam desta época iniciativas de solidariedade em relação a esses grupos, como o Restaurant du Coeur, Aide aux Chomeurs, além do aumento significativo de recursos alocados para a ajuda a famílias e indivíduos em necessidade.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Mar 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2006

    Histórico

    • Aceito
      14 Set 2006
    • Recebido
      05 Jul 2006
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