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Digitalização e cadeia global de valor da música: uma abordagem evolucionária para emergência dos agregadores no mercado brasileiro

Digitization and music global value chain: an evolutionary approach to the emergency of aggregators in the Brazilian market

Resumo

O artigo analisa os impactos da digitalização sobre a cadeia global de valor da música, com foco no mercado brasileiro. Nesse sentido, observa-se a crise das gravadoras majors e a emergência dos agregadores digitais nessa cadeia de valor. Com o objetivo principal analisar os impactos da digitalização sobre a estrutura de governança do setor da música, principalmente, no Brasil, adapta-se o conceito de governança da abordagem da cadeira global de valor ao contexto das indústrias criativas, de acordo com o referencial teórico da economia evolucionária, combinando a microeconomia vebleniana com a macroeconomia neoschumpeteriana. Conclui-se que a ascensão dos agregadores passa pela bem-sucedida adaptação ao novo paradigma tecnológico e ao desenvolvimento de novos instrumentos de formação de hábitos de consumo, garantindo a estruturação de expectativas tanto dos consumidores como de firmas como gravadoras independentes e plataformas de streaming.

Palavras-chave:
Indústrias criativas; Cadeia global de valor; Música; Agregadores digitais; Brasil

Abstract

This paper analyzes the impact of digitization on the Music Global Value Chains, underlining the Brazilian market. In this sense, it observes the majors labels’ crisis and the digital aggregators emergence within this value chain. With the main objective to analyze the impacts of the digitalization on the governance structure of the music industry, mainly in Brazil, it adapts the governance concept from Global Value Chain approach to the creative industries context according to the Evolutionary economics perspective, combining the Veblenian microeconomics with the Neo-Schumpeterian macroeconomics. It concludes that aggregators’ rising is due to a successful adaptation to the new technological paradigm and the development of new tools for consumption habits formation, assuring the structuration of the expectations from consumers as well as firms such as indie labels and streaming platforms.

Keywords:
Creative industries; Global value chain; Music; Digital aggregators; Brazil

Introdução

No setor da música, a digitalização desponta como força motriz da mudança nos processos de produção, distribuição, promoção e consumo de bens e serviços musicais (Bourreau et alii, 2013BOURREAU, M.; GENSOLLEN, M.; MOREAU, F.; WAELBROECK, P. “Selling less of more?” The impact of digitization on record companies. Journal of Cultural Economics, v. 37, p. 327-346, 2013.). Tal processo remonta à criação do MP3, o qual viabilizou o armazenamento e a reprodução em computador, e o compartilhamento de arquivos musicais pela Internet. Se, por um lado, isso gerou uma crise na indústria fonográfica devido à redução nas vendas físicas ao longo dos anos 2000, por outro lado, houve uma redução dos custos de produção, distribuição e promoção, e foram criados novos modelos de negócio como o download pago de músicas, os serviços de streaming por assinatura ou baseados em anúncios e a ascensão de novos atores portadores de economias de escopo (como empresas de telefonia móvel e tecnologias da informação).

As crescentes receitas digitais do setor de música, que já superam as provenientes de vendas físicas (International Federation of the Phonographic Industry, 2016), colocam um desafio acadêmico à teoria econômica convencional; afinal, em um contexto lastreado em uma inovação disruptiva e seus desdobramentos, uma análise que toma o equilíbrio entre oferta e demanda como ponto de partida e chegada, tal como faz a economia convencional, apresenta dificuldades em projetar a evolução das relações tanto entre firmas quanto entre estas e os consumidores. De acordo com a Unesco (2015), a música é o segundo setor cultural em participação das receitas digitais, atrás apenas de games, e à frente de audiovisual e editoração (livros, revistas e jornais). No Brasil, as consequências da digitalização começam a aparecer em 2005, porém ganham força em 2012, quando passa a representar mais de um quarto das receitas da indústria fonográfica, e quando os serviços de streaming ultrapassam os downloads pagos e os serviços de telefonia móvel no interior das vendas digitais1 1 . Os dados sobre o mercado brasileiro encontram-se disponíveis nos relatórios anuais da Associação Brasileira de Produtores de Disco (2016). .

Inserido nesse contexto, o presente artigo busca analisar os impactos da digitalização sobre a estrutura de governança do setor da música a partir da abordagem das cadeias globais de valor (CGV). Segundo Gereffi (1996), a governança de uma CGV diz respeito ao conjunto de processos pelos quais as firmas líderes exercem controle sobre as demais e se apropriam ou distribuem o valor criado ao longo da cadeia2 2 . Segundo Gereffi (1996), além da governança, as principais dimensões de uma GVC seriam as seguintes: estrutura insumo-produto, configuração geográfica, contexto institucional (regras do jogo na operação da organização e da cadeia). .

Devido à crise do fordismo e à emergência da digitalização, este artigo argumenta que o conceito de governança da abordagem das CGV, baseado na nova economia institucional (NEI), é insuficiente para dar conta da evolução das indústrias criativas, e propõe a reformulação desse conceito nos marcos do institucionalismo evolucionário3 3 . Segundo Samuels (1995), por institucionalismo evolucionário entende-se o conjunto de abordagens teóricas que se adequam aos seguintes princípios: ênfase na evolução econômica e social (rejeição aos mecanismos automáticos); importância do controle social e da ação coletiva; tecnologia como força fundamental de mudança econômica (mútua influência entre cultura e tecnologia); instituições (especialmente, estruturas de poder) como determinantes da alocação de recursos; atenção ao processo pelo qual o valor abriga-se em instituições, estruturas sociais e comportamentos; papel dual da cultura na causação cumulativa; economia como processo de decisão não determinístico e não mecânico; abordagem holística. Tais princípios são atendidos por escolas como a institucionalista original de Thorstein Veblen, a neoschumpeteriana, a regulacionaista, dentre outras. . Dessa maneira, a estrutura de governança segue como uma mediação entre as instâncias micro e macroeconômica. Todavia, na primeira instância, a microeconomia do consumidor com preferências dadas é substituída pela formação vebleniana de hábitos a partir de canais e constrangimentos institucionais, enquanto, na segunda instância, a macroeconomia da estática comparativa dá lugar à dinâmica neoschumpeteriana, que condiciona o sucesso das firmas à aderência ao paradigma tecnoeconômico vigente.

Com o objetivo de ilustrar tal teorização, propõe-se uma reflexão acerca da crise das grandes gravadoras internacionais (majors)4 4 . Atualmente, as majors são as três grandes gravadoras internacionais: Sony/BMG, Universal e Warner. Tais corporações também controlam o mercado editorial, acumulando em seu catálogo parte relevante dos direitos autorais globais. Para mais informações sobre a história das majors, ver Tschmuck (2012). e da emergência de novos atores, os agregadores digitais, principalmente no mercado brasileiro. Por agregadores digitais entendem-se as firmas cujo modelo de negócios baseia-se na intermediação entre plataformas digitais de distribuição (streaming musical e lojas de downloads) e artistas e/ou gravadoras independentes. Nesse sentido, tal terminologia decorre da função principal dessas firmas, as quais se concentram na agregação dos contratos com cada artista ou gravadora em um único contrato junto à plataforma de distribuição. Com a consolidação do streaming5 5 . Como destaca Wikström (2012), o streaming substituiu a distribuição focada na propriedade pela comercialização do acesso e, progressivamente, do contexto que ambiente o ato de escutar música. Ainda que haja uma série de variações, há dois modelos principais de streaming musical: o gratuito para o consumidor (que remunera os detentores de direitos autorais e as plataformas a partir de anúncios); e por assinatura constante para acesso ilimitado e de alta qualidade ao catálogo. Tais alternativas também podem ser acessadas pelo celular, de modo que o avanço da cobertura de Internet impulsionou o consumo de música via streaming. , os agregadores digitais apresentam potencial para conquistar poder no âmbito da cadeia da música, pois apresentam aderência tanto ao paradigma tecnológico vigente quanto aos novos hábitos de consumo.

Depois de uma seção a respeito das agendas de pesquisa da CGV e da economia criativa, passa-se à discussão teórica e à análise de dois períodos históricos diferentes, separados por uma inovação radical, a digitalização (Moreau, 2013). No primeiro, as majors foram capazes de formular um arranjo adequado ao paradigma fordista, formando hábitos de consumo a partir da promoção em rádio e televisão e transferindo as consequências da incerteza às gravadoras independentes (indies) e aos próprios artistas. No segundo, com a crise do fordismo e a invenção do MP3, analisa-se a crise do poder das majors em cada um desses aspectos e o potencial dos agregadores digitais a partir da emergência do streaming no mercado brasileiro.

Cadeias globais de valor e economia criativa: uma trajetória comum

A atenção à economia criativa remonta à crise do regime intensivo de acumulação, baseado no consumo e na produção em massa, ocorrida em meados da década de 1970 (Aglietta, 1998AGLIETTA, M. Capitalism at the turn of the century: regulation theory and the challenge of social change. New Left Review, n. 232, London, Nov./Dez. 1998.). Naquele período, formulou-se uma estratégia de desenvolvimento na Austrália e no Reino Unido que, por um lado, reconhecia a impossibilidade de reverter a transferência da manufatura tradicional para mercados emergentes, principalmente asiáticos, enquanto, por outro lado, apostava-se na recuperação das economias avançadas a partir de setores dinâmicos, caracterizados pela criatividade, inovação e produção de valor simbólico (Throsby, 2002).

No contexto pós-fordista, as indústrias criativas6 6 . De acordo com a United Nations Conference on Trade and Development (Unctad) (2010), as indústrias criativas são caracterizadas por: ciclos de criação, produção e distribuição de bens e serviços que utilizam a criatividade e o capital intelectual como insumos primários; atividades baseadas em conhecimento, capazes de gerar potenciais de comércio e direitos de propriedade intelectual a partir de bens e serviços com conteúdo criativo, valor econômico e objetivos de mercado. Esse conceito inclui tanto os setores culturais - centro da produção de valor simbólico -, quanto os setores distantes das tradicionais áreas artísticas, como design, publicidade, novas mídias, dentre outros. ganham relevância em diversas abordagens. No institucionalismo evolucionário, por exemplo, tanto autores regulacionistas (Harvey, 1989HARVEY, D. The condition of postmodernity: an enquiry into the origins of cultural change. Cambridge (MA): Blackwell Publishers, 1989.) como neoschumpeterianos (Freeman & Perez, 1988) apontam a substituição da produção em larga escala e do trabalho pouco qualificado em favor de um novo arranjo, caracterizado pela ampla variedade de produtos, pela relevância das ocupações criativas, pelo peso do valor simbólico na lucratividade das firmas e pela influência da digitalização.

Na mesma linha, a abordagem da CGV explica a globalização comercial e produtiva e a desindustrialização dos países desenvolvidos a partir da mudança de postura das empresas transnacionais, as quais reduziram sua participação na produção em massa e passaram a se concentrar na inovação, na estratégia de produto e marketing, bem como em segmentos de alto valor agregado (Bair, 2009BAIR, J. Global commodity chain: genealogy and review. In: Bair, J. (Ed.). Frontiers of commodity chain research, p. 1-35. Redwood City (CA): Stanford University Press, 2009.). Nesse novo contexto, tais empresas passaram a nuclear a sequência de processos pelos quais bens e serviços são concebidos, produzidos e levados até o mercado, estabelecendo transações rotinizadas com diferentes firmas, localizadas mundo afora, tanto para a compra de insumos como para a distribuição do produto final7 7 . Tal conceito de GVC remonta à sociologia organizacional de Michael Porter (1990), que apresenta as cadeias de valor como ferramentas para analisar as relações entre atores e atividades dentro de uma organização, de modo que a vantagem competitiva seria fruto de conexões internas dessas funções como forma de gerar valor aos consumidores. Nesse marco teórico, a GVC corresponderia ao chamado sistema de valor, isto é, ao conjunto de nexos entre as diferentes firmas. .

No interior dessas cadeias, as firmas líderes, localizadas nas economias desenvolvidas, concentram-se em atividades mais lucrativas, que demandam trabalho de alta qualificação, e coincidem com setores criativos como design, marketing e propaganda, gestão de marca e pesquisa e desenvolvimento (P&D), o que pode ser observado na chamada curva sorriso8 8 . A curva sorriso refere-se ao maior valor adicionado observado nas duas pontas da cadeia global de valor, isto é, nas etapas de concepção e comercialização do produto. (Lee, 2010). Por fim, nota-se que, além de representar os elos mais lucrativos das CGV, as indústrias criativas - como artes visuais, design, música, dentre outros - também podem ser compreendidas a partir do referencial teórico baseado nas cadeias globais de valor.

As cadeias globais de valor e a nova economia institucional: uma crítica evolucionária

Com base no conceito de CGV, exposto na seção introdutória, vale à pena delimitar os principais referenciais teóricos acionados por tal abordagem. Em primeiro lugar, a abordagem da CGV reformula o conceito de cadeias globais de mercadorias (CGM)9 9 . Para mais informações sobre a abordagem da GCM, ver Gereffi (1994, 1995) e Hopkins & Wallerstein (1986). , fundamentado na literatura sobre sistemas-mundo. Assim, em linha com a nova economia institucional, a abordagem da CGV confere centralidade à transação, da qual decorreria a distribuição de poder no interior da cadeia (Lee, 2010). A emergência da firma, portanto, passa a ser justificada a partir de uma nova equação de otimização, um novo ponto de equilíbrio oriundo da igualdade entre custos de transação e custos de organização interna da firma, ao invés da simples troca no mercado (Coase, 1937COASE, R. H. The nature of the firm. Economica, New Series, v. 4, n. 16, p. 386-405, 1937.).

De acordo com Williamson (1995WILLIAMSON, O. Hierarquies, markets and power in the economy: an economic perspective. Industrial and Corporate Change, v. 4, n. 1, p. 21 -49, 1995.), cada transação engendra diferentes modelos ótimos de governança, que se localizam entre o mercado simples e a hierarquia na firma verticalmente integrada, a depender de dimensões críticas como a frequência da transação, a especificidade do ativo transacionado e a incerteza sobre os contratos incompletos firmados. Todavia, se a governança é tratada como mediação entre os fatores macro (ambiente institucional) e microeconômicos (modelo de escolha dos agentes), os pressupostos neoclássicos em tais instâncias levam a uma análise restrita da mudança institucional, que se torna uma reformulação do problema da especificidade dos ativos10 10 . Gereffi, Humphrey & Sturgeon (2005), por exemplo, constroem uma tipologia da governança nas GVC a partir de três fatores: a complexidade das transações; a capacidade de codificação da informação pela firma líder; e as condições de cumprimento do contrato pelos fornecedores. Ainda que considere a formação de capacidades por parte da firma líder e de seus fornecedores diretos, tal abordagem restringe-se à transação, omitindo as condições que regulam a acumulação de poder na GVC, levando, em última análise, ao modelo adotado de transação e, consequentemente, de governança. .

Ainda segundo Williamsom (1995WILLIAMSON, O. Hierarquies, markets and power in the economy: an economic perspective. Industrial and Corporate Change, v. 4, n. 1, p. 21 -49, 1995.), cada ativo possui especificidades, como grau de controle de controle do demandante sobre as características do bem ou serviço encomendado, que condicionam a organização da transação, fortalecendo a troca via mercado ou a internalização via integração vertical da firma. Nesse sentido, a abordagem CGV transpõe tal conceito para o âmbito da cadeia de valor, tratando a posição das firmas dominantes e seu comportamento frente aos consumidores e às demais firmas como uma decorrência do bem ou serviço produzido pela CGV.

Do ponto de vista do institucionalismo evolucionário, essa influência da NEI sobre a abordagem da CGV coloca alguns problemas. Em primeiro lugar, a origem neoclássica da NEI implica na posição de que a natureza dos arranjos institucionais tende a uma trajetória preconcebida de equilíbrio (Argyrous & Sethi, 1996), isto é, de que a CGV se move em direção a um modelo ótimo de governança, capaz de minimizar a incerteza e os custos de transação (Conceição, 1999). Ainda que esse marco teórico preveja a mudança, esta se dá sob o prisma da eficiência institucional (North, 2005). Na abordagem evolucionária, por sua vez, a mudança ocorre a partir da causação cumulativa, onde cada passo depende do estado presente e da trajetória histórica, sem qualquer compromisso com a optimização (Samuels, 1995SAMUELS, W. The present state of institutional economics. Cambridge Journal of Economics, v. 19, n. 4, p. 569-590, 1995.).

Em termos metodológicos, a ausência de equilíbrio significa que não é possível trabalhar com condições iniciais, ainda que se possa delimitar um marco histórico para o começo da análise (Atkinson & Oleson, 1996). Assim, a estratégia evolucionária de pesquisa consiste na seleção dos conflitos fundamentais no ambiente institucional em questão, caracterizado por antagonismos, desigualdade e hierarquia (Conceição, 2002). Além da centralidade da busca por poder pelas firmas que compõem a mesma CGV, o ambiente institucional é caracterizado pela incerteza radical (Hodgson, 1998), de modo que a função da firma líder na CGV seria desempenhar o papel de estruturação das interações sociais em um contexto de assimetrias, responsabilizando-se por ordenar expectativas e compromissos (Hodgson, 2006)11 11 . Do ponto de vista estrutural, Aglietta (1998) condiciona a coesão temporária de um modo de regulação à transferência das consequências da incerteza para as margens da acumulação capitalista. .

Em setores criativos - como o do audiovisual e o da música, por exemplo - Caves (2000) explica o poder de grandes empresas globais por sua capacidade em oferecer financiamento e remuneração a agentes competitivos que se defrontam com a incerteza no que tange à demanda por um bem criativo, constituindo um oligopólio em franjas. Tal estrutura de mercado caracteriza-se pela existência de um número reduzido de firmas com grande poder de mercado (neste caso, as gravadoras majors) e um grande número de empresas com poder nulo (gravadoras independentes), as quais competem em uma situação de concorrência perfeita. Quando uma pequena empresa competitiva é bem-sucedida na produção de um novo bem ou serviço como, por exemplo, a criação de um novo gênero musical por uma gravadora independente, as empresas oligopolistas aproveitam-se de seu tamanho e propõem uma parceria, por exemplo, na distribuição e promoção dos novos artistas, na exploração da inovação, apropriando-se da maior parte dos lucros decorrentes.

Dito isso, tendo em vista os impactos da digitalização sobre o setor da música, o presente artigo apresenta uma crítica às instâncias macro e microeconômica mediadas pela CGV sob os pressupostos da NEI. Nesse sentido, até mesmoGereffi, Humphrey e Sturgeon (2005GEREFFI, G.; HUMPHREY, J.; STURGEON, T. The governance of global value chains. Review of International Political Economy, v. 12, n. 1, p. 78-104, 2005.) reconhecem que sua abordagem passa ao largo da possibilidade de alteração dos parâmetros de produção por firmas internas e externas à CGV, bem como da influência das preferências do consumidor.

No nível macroeconômico, como primeira aproximação, a influência das firmas sobre os parâmetros de produção é condicionada pela capacidade de inovação tecnológica. Nesse sentido, os modelos de Solow (1956) são insuficientes, uma vez que se concentram apenas na dimensão quantitativa da mudança tecnológica, isto é, no impacto sobre o crescimento do produto. Além disso, a inovação é tratada como neutra quanto aos setores, contribuindo pouco, portanto, para uma análise das relações entre as firmas da mesma ou de diferentes CGVs. Nessa abordagem, como aponta Dosi (1982), a mudança técnica resulta apenas das forças de mercado (demand-pull) ou da tecnologia como fator autônomo ou quase autônomo (technology-push).

No presente artigo, adapta-se a instância macroeconômica que condiciona a CGV aos pressupostos da economia neoschumpeteriana, a qual enfatiza elementos como capacidade limitada de aprendizagem, comportamento direcionado por rotinas, dependência de trajetória, equilíbrios múltiplos, racionalidade limitada e retornos crescentes dinâmicos (Dosi & Nelson, 1994). Tendo em vista a evolução de uma CGV, tais aspectos confluem em torno do conceito de paradigma tecnológico ou tecnoeconômico, que diz respeito ao padrão de solução aplicado a todos os setores, ante os problemas tecnológicos a partir de certos princípios gerais, arranjos organizacionais e tecnologias, levando a um efeito de exclusão diante das demais possibilidades tecnológicas (Dosi, 1982DOSI, G. Technological paradigms and technological trajectories: a suggested interpretation of the determinants and directions of technical change. Research Policy, v. 11, n. 3, p. 147-162, 1982; Perez 2009aPEREZ, C. Technological revolutions and techno-economic paradigms. Working Papers in Technology Governance and Economic Dynamics, n. 20, 2009a.; 2009b____. The double bubble at the turn of the century: technological roots and structural implications. Cambridge Journal of Economics, n. 33, p. 779-805, 2009b.).

De acordo com Freeman e Perez (1988FREEMAN, C.; PEREZ, C. In: DOSI et alii. Technical change and economic theory , p. 38-66. London: Pinter Publishers, 1988.) e Nelson (1995NELSON, R. Recent evolutionary theorizing about economic change. Journal of Economic Literature, v. 33, n. 1, p. 48-90, 1995.), uma mudança de paradigma impacta todos os setores, alterando a situação de atores antes adaptados e gerando oportunidades para atores novos ou em mutação. Tal transformação engendra uma crise estrutural de ajuste, durante a qual há um descasamento entre o arranjo institucional vigente e as práticas produtivas emergentes. Nesse sentido, o avanço técnico destrói capacidades, pois novas tecnologias demandam habilidades diferentes, gerando problemas para firmas estabelecidas no setor (Anderson & Tushman, 1986).

A última mudança de paradigma ocorreu em meados dos anos 1970, quando o fordismo deu lugar ao paradigma das tecnologias da comunicação e da informação. No que tange às CGVs das indústrias criativas, as transformações ocorreram em pelo menos três dimensões:

  1. a conquista de protagonismo pelas cadeias associadas às telecomunicações, às tecnologias da informação e à digitalização, o que desembocou no fenômeno da convergência - movimento conjunto das tecnologias que proveem serviços de mídia, entretenimento, comunicação e atividade comercial (Throsby, 2002THROSBY, D. The music industry in the new millennium: global and local perspectives. Paris: Unesco, 2002.);

  2. a emergência de novos modelos de negócios, explorando a massificação do uso da Internet e do computador pessoal para formular estratégias de criação e captura de valor (Bourreau, Gensollen & Moreau, 2012BOURREAU, M.; GENSOLLEN, M.; MOREAU, F. The impact of a radical innovation on business models: incremental adjustments or big bang? Industry and Innovation, v. 19, n. 5, p. 415-435, 2012.; Perez, 2009aPEREZ, C. Technological revolutions and techno-economic paradigms. Working Papers in Technology Governance and Economic Dynamics, n. 20, 2009a., 2009b____. The double bubble at the turn of the century: technological roots and structural implications. Cambridge Journal of Economics, n. 33, p. 779-805, 2009b.); e, por fim,

  3. a ocorrência de crises setoriais de ajuste, levando à gradual substituição das firmas líderes no fordismo por novos atores, adaptados ao novo paradigma12 12 . Segundo Dosi (1982), na fase de emergência do paradigma, há um processo de tentativa e erro a partir de diversos atores dispostos a tomar riscos por meio de novas combinações. Já na fase da maturidade oligopolizada, constituem-se barreiras à entrada, estabilizando a posição dominante das firmas líderes. .

Ao passar para a instância microeconômica, o consumidor previsto no modelo de governança da NEI e, consequentemente, da CGV, apresenta os seguintes pressupostos, nos termos de Argyrous e Sethi (1996ARGYROUS, G.; SETHI, R. The theory of evolution and the evolution of theory: veblen’s methodology in contemporary perspective. Cambridge Journal of Economics, v. 20, p. 475-495, 1996.):

  1. preferências dadas, ainda que constrangidas por regras formais e informais;

  2. extinção de comportamentos subótimos por meio da aprendizagem do modelo racional (levando a indivíduos homogêneos); e

  3. ausência de espaço para tradições, convenções e normas sociais, bem como para propósitos alternativos ao autointeresse material.

Aqui, tais fundamentos serão substituídos pelo institucionalismo original, no qual o caráter inerte e previsível do agente econômico dá lugar à ação baseada em hábitos de pensamento (Veblen, 1989), os quais são os principais elementos constitutivos de instituições e preferências individuais (Hodgson, 1992)13 13 . Segundo Veblen (1989), instituições seriam hábitos de pensamento comuns aos homens em geral. Nos termos de Hodgson (1998), o conceito de hábito diz respeito a uma propensão não deliberativa e autorreforçada de se engajar em um padrão previamente adotado de comportamento, não sendo resultado, necessariamente, da deliberação racional prévia. .

Nesse sentido, o consumidor do institucionalismo original caracteriza-se por:

  1. preferências que coevoluem junto ao ambiente institucional14 14 . Como sublinha Samuels (1995), a crítica institucionalista ao individualismo metodológico não significa aderir ao “coletivismo metodológico”, o extremo oposto na escala indivíduo/sociedade de formação de preferências. Nesse sentido, Dolfsma (2004) opõe-se à Escola de Frankfurt, para a qual a indústria musical seria o único agente constitutivo do ambiente que conformou a música pop. , ao invés de mera adaptação a constrangimentos exógenos como orçamento e marco legal (Hodgson, 2002);

  2. heterogeneidade no comportamento dos consumidores (Hodgson, 1997); e

  3. agentes dotados de propósitos complexos, que incorporam crenças e valores para além do autointeresse material, e, portanto, não podem ser reduzidos a uma equação de otimização (Atkinson & Oleson, 1996).

A partir dessas premissas, a agregação dos consumidores pode tanto compor um todo maior como afetar as propriedades de seus componentes em níveis inferiores.

No presente artigo, atenta-se para a mútua relação entre os hábitos dos consumidores e um dado arranjo institucional (relações de poder entre as firmas no âmbito da CGV), isto é, o processo de formação de hábitos a partir de canais e constrangimentos institucionais, do qual se deriva a possibilidade de reconstrução das preferências individuais, baseadas em hábitos emergentes e preexistentes15 15 . Hodgson (2002, 2007) sublinha a relevância do reforço a hábitos emergentes a partir de hábitos preexistentes. O exemplo dado pelo autor conecta o hábito preexistente de obediência e deferência ao Estado ao hábito emergente de confiança na moeda como meio de troca, reserva de valor e unidade de conta. Ao transpor tal possibilidade para o âmbito de uma GVC, a consolidação de novos hábitos de consumo, a partir da digitalização, na indústria do entretenimento, tende a reforçar hábitos emergentes na cadeia da música, por exemplo. , por parte da estrutura institucional (Hodgson; 2006____. What are institutions? Journal of Economic Issues, Ano XL, n. 1, p. 1-25, Mar. 2006., 2007HODGSON, G. Institutions and individuals: interaction and evolution. Organization Studies, v. 28, n. 1, p. 95-116, Jan. 2007.). Se isso permite relacionar o poder das firmas líderes na CGV com a capacidade de formar hábitos de consumo, reconstruindo preferências individuais e aspirações das demais firmas sobre a evolução da CGV, por outro lado, a conexão do ato de consumir com a hierarquização de estilos de vida e a expressão de valores socioculturais16 16 . Nos termos de Dolfsma (2004), os valores socioculturais são fortes convicções subjacentes a um grupo de pessoas (ou sociedades) que são carregadas de forma consciente ou inconsciente, apresentando, portanto, uma natureza ética ou filosófica. (Dolfsma, 2004DOLFSMA, W. Institutional economics and the formation of preferences: the advent of pop music. Cheltenham (UK): Edward Elgar, 2004.) lança luz sobre a outra dimensão da relação entre governança da CGV e hábitos de consumo, na qual a última variável impulsiona mudanças na primeira. Isso significa prever que as firmas líderes - e, consequentemente, a CGV - tendem a enfrentar uma crise quando ocorre um descasamento entre as estratégias de criação e captura do valor17 17 . Aqui, parte-se da teoria institucionalista de valor, o qual decorre de uma construção social condicionada pelas instituições vigentes (Heilbroner, 1988). Difere, portanto, da teoria clássica (na qual o valor é inerente aos bens) e à teoria marginalista (na qual o valor depende das preferências individuais, formadas por agentes isolados e autônomos). e os hábitos e valores socioculturais dos consumidores, principalmente, nos setores criativos, que são acessados por consumidores que usam bens e serviços simbólicos para formar e sinalizar sua identidade.

A partir do exposto nos parágrafos anteriores, a análise da cadeia do setor da música - a ser exposta na seção seguinte - deve incorporar três aspectos fundamentais. Em primeiro lugar, a governança da CGV, ao invés de seguir os pressupostos da economia dos custos de transação, organiza-se em torno da capacidade da firma líder em desempenhar o papel de estruturação das interações sociais em um contexto de assimetrias, responsabilizando-se por ordenar expectativas e compromissos. Tal governança segue funcionando como mediação entre as esferas macro e microeconômica. Todavia, no nível macroeconômico, o tratamento neoclássico da mudança técnica dá lugar ao conceito neoschumpeteriano de paradigma tecnológico ou tecnoeconômico, sendo a adaptação das firmas líderes o ponto central na existência ou não de uma crise estrutural no âmbito da CGV. Além disso, na instância microeconômica, as preferências dadas do consumidor neoclássico tornam-se evolucionárias, dado que os hábitos mudam a partir de canais e constrangimentos institucionais, bem como pela emergência de novos valores socioculturais18 18 . Há também a mútua influência entre tecnologia (paradigma) e preferências do consumidor, uma vez que a inovação tecnológica altera o espaço de oportunidades e o ambiente de seleção das preferências que informam o consumo cultural (Potts, 2014). Ao tratar da emergência da música pop, por exemplo, Dolfsma (2004) sublinha a importância da substituição do rádio a cabo (centralizado na residência e controlado pelos mais velhos) pelo rádio com transistor (descentralizado nos quartos, ampliando a liberdade dos jovens). . Nesse sentido, a crise das firmas líderes em uma CGV associa-se à perda de aderência ou influência sobre a formação de hábitos de consumo.

A digitalização e o setor da música: uma análise a partir da abordagem evolucionária das cadeias globais de valor (CGV)

A presente seção pretende analisar, nos termos do institucionalismo evolucionário, os impactos da digitalização sobre a estrutura de governança da CGV do setor da música. Para tal objetivo principal, será necessário atentar para três aspectos:

  1. as bases do poder das firmas líderes (gravadoras majors) no setor da música antes da digitalização;

  2. os fatores responsáveis pela erosão deste poder, ou parte dele, após a invenção do MP3 e a emergência do compartilhamento de dados pela Internet;

  3. a resposta insuficiente das majors e a emergência do streaming.

Segundo informações da International Federation of the Phonographic Industry (2012; 2016), observou-se um forte crescimento das receitas digitais, as quais cresceram mais de 500% desde 2005, e representaram, em 2015, 45% das receitas totais, à frente dos ganhos provenientes de vendas físicas pela primeira vez na história. Tal avanço não foi capaz de evitar a forte queda das receitas totais desde o final dos anos 1990, mas logrou estabilizar o tamanho do setor a partir de 2010. No mercado digital, o streaming saltou de 9%, em 2008, para 43%, em 2015, das receitas, enquanto os downloads pagos foram de 64% para 45% no mesmo período.

Antes disso, define-se a CGV - ou o sistema de valor - da música como o arranjo institucional no qual os símbolos culturais são transformados em objetos de troca, incorporando valor econômico às entidades simbólicas e constituindo uma rede onde produção e distribuição apoiam-se na divisão do trabalho e nas últimas tecnologias para viabilizar o consumo massivo (Tschmuck, 2012)19 19 . Historicamente, a indústria da música remonta à produção de partituras no século XIX. Todavia, foi na transição entre os séculos XIX e XX que o setor passou a se concentrar na produção de suportes físicos e/ou de equipamentos para sua reprodução. Para um panorama da história do setor, ver Tschmuck (2012). . Para Throsby (2002), tal setor é formado por artistas, agentes, empresários e produtores, editoras, gravadoras, sociedades coletoras de direitos, firmas de distribuição, reprodução em outras mídias, consumidores.

Segundo Tschmuck (2012TSCHMUCK, P. Creativity and innovation in the music industry. Springer: Heidelberg, 2012.), o poder das grandes gravadoras de operação global (majors) consolida-se em meados do século XX, quando estas passam a controlar os canais internacionais de produção, distribuição e promoção de bens musicais, acumulando poder também sobre o mercado editorial a partir da detenção dos direitos autorais das músicas mais demandadas. Com isso, nos termos do institucionalismo evolucionário, essas empresas passaram a estruturar as interações no interior da cadeia da música, estabilizando, principalmente, as expectativas de artistas, produtores e gravadoras independentes (indies).

Nesse arranjo, as majors ofereciam adiantamento de capital e estruturas de distribuição e promoção a tais atores periféricos na cadeia. Em troca, as firmas líderes capturavam a maior parte do excedente e se tornavam aptas a integrar artistas independentes de maior sucesso à gravação direta, o que permitia a rotinização das inovações de conteúdo, bem como a exploração da diversidade criativa sem a contrapartida da instalação das consequências da incerteza, restrita a elos periféricos, no núcleo da cadeia.

O modelo de governança, sob o comando das majors, assentava-se na aderência das firmas líderes tanto ao paradigma tecnoeconômico quanto aos hábitos dos consumidores. Na primeira instância, o arranjo organizacional e produtivo das majors mostrou-se adequado ao paradigma fordista. Nesse sentido, Matos (2008MATOS, M. Perspectivas de investimento na indústria musical. Rio de Janeiro: BNDES, 2008.), Tschmuck (2012TSCHMUCK, P. Creativity and innovation in the music industry. Springer: Heidelberg, 2012.) e Towse (2016TOWSE, R. Economics of music publishing: copyright and the market. Journal of Cultural Economics, 2016 (no prelo).) apontam semelhanças como:

  1. controle do setor a partir de corporações verticalmente integradas, incluindo as editoras que detêm os direitos autorais sobre os fonogramas;

  2. estrutura oligopolizada de mercado;

  3. estabilidade no emprego, para compositores e produtores, garantindo a padronização dos bens musicais;

  4. montagem de redes globais de distribuição massiva, devido ao ciclo curto de vendas e a postura conservadora dos revendedores, dado que o salto nos pedidos em caso de sucesso demandava uma estrutura pronta de distribuição; e

  5. aproveitamento de economias de escala na produção de bens, em razão dos custos elevados dos equipamentos de gravação antes da digitalização.

No que tange à instância das preferências do consumidor, a aderência do modelo de negócios das firmas líderes aos hábitos de consumo passa tanto pela expressão de valores socioculturais vigentes como pela capacidade em formar hábitos a partir de canais institucionais. No primeiro aspecto, Dolfsma (2004) observa que parte do sucesso da música pop, cuja produção era controlada pelas majors, deveu-se à associação desta com valores emergentes do pós-guerra como autonomia, individualismo, liberdade sexual e velocidade. Quanto à formação dos hábitos de consumo, as majors controlavam o acesso a meios de promoção massiva como cinema, televisão e rádio, o que viabilizava a internacionalização por meio da homogeneização do conteúdo musical, bem como a exploração de sucessivos gêneros musicais quando considerados potencialmente populares (Tschmuck, 2012TSCHMUCK, P. Creativity and innovation in the music industry. Springer: Heidelberg, 2012.). Além disso, a organização das informações sobre as preferências relevadas dos consumidores - rankings de álbuns e músicas mais vendidas - permitia inovações incrementais como covers e parcerias.

Ainda que a invenção do CD na década de 1980 faça parte do conjunto de mudanças tecnológicas decorrentes da digitalização, tal inovação teve um caráter incremental, aprofundando o poder das majors sobre a cadeia da música. Todavia, no final dos anos 1990, o surgimento do MP3 e a massificação da Internet viabilizaram o compartilhamento gratuito de músicas, transformando a digitalização no principal desafio à liderança das majors.

Ao retomar o marco teórico da seção anterior, a primeira dimensão dessa crise deriva da transição de paradigma tecnológico, substituindo o paradigma fordista pelo das tecnologias da comunicação e da informação. Nesse sentido, a digitalização foi uma inovação radical, que tornou inadequado o modelo tradicional de negócios das majors (Bourreau, Gensollen & Moreau, 2012BOURREAU, M.; GENSOLLEN, M.; MOREAU, F. The impact of a radical innovation on business models: incremental adjustments or big bang? Industry and Innovation, v. 19, n. 5, p. 415-435, 2012.), e colocou os seguintes desafios:

  1. erosão do valor atribuído à propriedade do fonograma, dada a possibilidade de baixar músicas a preço zero (Wikström, 2012WIKSTRÖM, P. A typology of music distribution models. International Journal of Music Business Research, v. 1, n. 1, 2012.);

  2. redução acelerada dos custos de distribuição com a Internet, levando à perda do poder conferido pelo controle sobre a distribuição física (Bourreau, Gensollen & Moreau, 2012BOURREAU, M.; GENSOLLEN, M.; MOREAU, F. The impact of a radical innovation on business models: incremental adjustments or big bang? Industry and Innovation, v. 19, n. 5, p. 415-435, 2012.);

  3. diminuição dos custos de produção de um fonograma e, consequentemente, das vantagens competitivas decorrentes das economias de escala obtidas sob esse aspecto (Tschmuck, 2012TSCHMUCK, P. Creativity and innovation in the music industry. Springer: Heidelberg, 2012.);

  4. lenta adaptação organizacional de firmas verticalmente integradas a modelos de trabalhos em rede ou por projeto (Li, 2013LI, J. The development of the digital music industry in China during the first decade of the 21st century with particular regard to industrial convergence. International Journal of Music Business Research, v. 2 n. 1, 2013.); e

  5. rápida integração do setor musical aos setores de tecnologias da informação e comunicação, devido ao fenômeno da convergência, criando condição para a entrada de concorrentes advindos de fora da cadeia, que se aproveitaram de economias de escopo, associadas ao novo paradigma (Throsby, 2002).

Além do descasamento frente ao paradigma tecnoeconômico, a segunda dimensão da crise resulta da perda de aderência das majors aos hábitos dos consumidores. Quanto à capacidade de formar hábitos, observou-se tanto a deterioração dos meios tradicionais de promoção - rádio e televisão -, quanto a ascensão de plataformas cujo acesso não trata da assimetria favorável às majors, como as redes sociais (Moreau, 2013MOREAU, F. The Disruptive nature of digitization: the case of the recorded music industry. International Journal of Arts Management, v. 15, n. 2, 2013.). Além disso, o download gratuito de música formou consumidores que valorizam escopo e seleção ilimitados, o que prejudica os esforços concentrados de promoção das grandes gravadoras. No que tange aos valores socioculturais, seguindo o modelo de Dolfsma (2004DOLFSMA, W. Institutional economics and the formation of preferences: the advent of pop music. Cheltenham (UK): Edward Elgar, 2004.), a crise do fordismo gerou uma demanda por elementos como flexibilidade e livre acesso, que põem em xeque o modelo tradicional de negócios da indústria fonográfica. Destaca-se também o enfraquecimento do nexo entre música pop e expressão da autonomia, devido à rotinização e padronização das inovações de conteúdo musical.

Ante esse contexto, a resposta inicial das majors concentrou-se no restabelecimento da rivalidade dos bens musicais, a partir da batalha jurídica contra a pirataria e do desenvolvimento de proteção tecnológica para viabilizar a venda, livre de pirataria posterior, de música digital (Bourreau, Gensollen & Moreau, 2012BOURREAU, M.; GENSOLLEN, M.; MOREAU, F. The impact of a radical innovation on business models: incremental adjustments or big bang? Industry and Innovation, v. 19, n. 5, p. 415-435, 2012.). Em mercados menos relevantes como o brasileiro, isso levou ao predomínio de títulos estrangeiros nos lançamentos, dado que apenas geram custos de licenciamento e reprodução (Matos, 2008). Não obstante, a incapacidade de cooperação entre as majors e a má recepção dos consumidores às alternativas criadas pelas firmas líderes abriram espaço para que a distribuição de música digital fosse tomada por novos atores ou firmas externas ao setor da música (Dolata, 2011). Isso ocorreu com os downloads pagos, com a ascensão da Apple (iTunes), e com o surgimento do streaming musical, a partir de plataformas como Deezer, Spotify, Tidal, Rdio e, até mesmo, YouTube.

O streaming tem um impacto dual sobre as majors, afinal, mitiga as perdas decorrentes do compartilhamento ilegal, mas consolida a deterioração das vendas físicas e abre espaço para novos concorrentes: os agregadores digitais. Antes de passar à seção centrada na emergência desses atores no mercado brasileiro, destacam-se duas razões complementares para que não se considere as plataformas de streaming como firmas emergentes a serem analisadas.

  1. Por um lado, as plataformas exclusivamente musicais - como Deezer e Spotify - dependem dos catálogos cujos direitos autorais pertencem às majors e a suas editoras, portanto, a cada negociação, as majors ampliam os valores recebidos e o controle sobre o modelo de negócios das plataformas (Nordgard, 2016NORDGARD, D. Assessing music streaming and industry disruptions, 2016 (no prelo).).

  2. Por outro lado, outras plataformas - como o YouTube - não compõem a cadeia da música, de modo que seu fortalecimento sinaliza a integração subordinada da música à cadeia das tecnologias da informação (Li, 2013LI, J. The development of the digital music industry in China during the first decade of the 21st century with particular regard to industrial convergence. International Journal of Music Business Research, v. 2 n. 1, 2013.)20 20 . O relatório da International Federation of Phonographic Industry (2016) - organização que representa as majors - mostra-se crítico ao modelo de negócios do YouTube, sublinhando o baixo retorno que a remuneração via anúncios gera aos detentores dos direitos autorais. Tal relatório sublinha que o Spotify gera US$18 por usuário, enquanto o YouTube não chega a US$1 por usuário em termos de retorno às majors. .

A digitalização e o mercado brasileiro: uma análise evolucionária da emergência dos agregadores

A posição das majors no mercado brasileiro consolidou-se a partir da década de 1970, com a concessão de amplos incentivos fiscais, por parte do governo militar, para a instalação de filiais e internalizar a produção de fonogramas, ainda que sob o controle de empresas estrangeiras (Matos, 2008). Atualmente, o mercado brasileiro é dominado por quatro grandes gravadoras, as três majors e a Som Livre (espécie de major brasileira por seu vínculo com as Organizações Globo, principal canal aberto de televisão), as quais concentram a criação e distribuição de conteúdo na Região Sudeste, centro econômico do país. Vale notar que o mercado brasileiro se caracteriza pela força do repertório nacional, responsável por mais de dois terços do consumo (Associação Brasileira de Produtores de Disco, 2016ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS PRODUTORES DE DISCO. Mercado brasileiro de música. Rio de Janeiro: ABPD, 2016.).

Segundo informações da Associação Brasileira de Produtores de Disco (2016), observou-se um forte crescimento das receitas digitais, as quais cresceram mais de 15 vezes desde 2006, e representaram, em 2015, 61% do combinado entre receitas físicas e digitais, liderando-o pela primeira vez na história. Com o avanço da digitalização, o mercado brasileiro ganhou relevância internacional, uma vez que as receitas digitais alcançaram participação superior à média global, sendo capazes de impulsionar não só a estabilização, mas também o crescimento do setor desde 2012. Sublinha-se também a força do streaming, responsável por mais da metade das receitas digitais desde sua primeira mensuração em 2012, chegando a dois terços em 2015, e sob a liderança da modalidade por assinatura. Outra especificidade diz respeito ao peso da telefonia móvel, decrescente, mas bem acima da média mundial com 14% em 2015.

O avanço da música digital e do acesso dos brasileiros à Internet banda larga e móvel constituíram, nos termos de Moreau (2013MOREAU, F. The Disruptive nature of digitization: the case of the recorded music industry. International Journal of Arts Management, v. 15, n. 2, 2013.), uma nova rede de valor, na qual as majors tiveram dificuldade em formular novas rotinas, perdendo parte do controle sobre a intermediação para novos atores: os agregadores digitais. Segundo Galuszka (2015), tais atores têm como principal função a intermediação entre artistas (ou selos) independentes e plataformas de distribuição digital (streaming e lojas para downloads), de modo que o crescimento do mercado digital coloca uma situação de potencial disputa entre agregadores e majors, as únicas duas formas de acesso aos canais de distribuição digital, de modo que o crescimento dos primeiros passa pela conquista de artistas emergentes ou consolidados do portfólio das últimas.

No presente artigo, analisa-se o potencial dos agregadores digitais no mercado brasileiro, considerando o institucionalismo evolucionário quanto às dimensões da governança em uma cadeia de valor. No Brasil, os principais agregadores digitais são The Orchard, OneRPM, Believe Digital, CD Baby e Tratore21 21 . Sites: OneRPM (https://onerpm.com.br/); The Orchard (http://www.theorchard.com/splash/); Believe Digital (http://www.believedigital.com.br/about); CD Baby (http://www.cdbaby.com/); Tratore (http://www.tratore.com.br/). . Nesse sentido, a análise baseou-se em entrevistas com representantes da OneRPM e da Tratore, bem como no estudo de Francisco e Valente (2016). Tal como na seção anterior, as vantagens competitivas dos agregadores serão organizadas em torno de três aspectos:

  1. relação com o paradigma tecnoeconômico;

  2. aderência e formação de hábitos dos consumidores; e

  3. estabilização das expectativas dos demais atores da cadeia.

Antes de passar a esses pontos, sublinha-se que a emergência dos agregadores mostra que a crise das majors não gerou a prometida desintermediação, isto é, a formação de um mercado caracterizado pela relação direta entre consumidores e criadores de conteúdo musical (Wikström, 2012WIKSTRÖM, P. A typology of music distribution models. International Journal of Music Business Research, v. 1, n. 1, 2012.). Nordgard (2016NORDGARD, D. Assessing music streaming and industry disruptions, 2016 (no prelo).) explica tal desdobramento a partir da chamada Lei de Ferro da Distribuição de Elberse (2013ELBERSE, A. Blockbusters: hit-making, risk-taking, and the big business of entertainment. New York: Henry Holt and Company, 2013.), segundo a qual, se as funções cumpridas pelos intermediários seguem relevantes, a crise destes leva apenas à realocação da oferta desses serviços por novos atores. Em geral, os agregadores surgiram como distribuidoras físicas de música independente, expandindo-se devido à demanda por parte das plataformas digitais, incapazes de gerenciar os micropagamentos para cada artista e prevenir a venda de conteúdo roubado dos autores originais (Francisco & Valente, 2016FRANCISCO, P.; VALENTE, M. Música e gestão coletiva no Brasil: direitos autorais, Ecad e o ambiente digital, 2016 (no prelo).).

No que tange ao modelo de negócios, a relação entre agregadores e artistas - ou selos - é temporária e não envolve cessão de direitos autorais ou exclusividade geral. Os primeiros garantem a distribuição do conteúdo nas plataformas digitais e, em troca, são remunerados com uma participação - em torno de 30% - nas receitas decorrentes das vendas digitais. Além desse ponto principal, Galuszka (2015) e Francisco e Valente (2016FRANCISCO, P.; VALENTE, M. Música e gestão coletiva no Brasil: direitos autorais, Ecad e o ambiente digital, 2016 (no prelo).) apontam que os agregadores prestam serviços opcionais, que podem ampliar seu percentual, como: gestão de redes sociais e canais nas plataformas de streaming; arrecadação e distribuição de royalties relacionados ao fonograma; oferta de tecnologia e conteúdo para marketing de grandes marcas; promoção; curadoria para plataformas de streaming; adaptação aos formatos digitais requeridos; digitalização de suportes antigos; contabilidade; formulação de relatórios que detalham o conteúdo reproduzido em cada plataforma, a composição dos acessos e os valores gerados.

No que tange ao paradigma tecnoeconômico vigente, a primeira vantagem dos agregadores frente às majors diz respeito à proximidade com os setores mais dinâmicos nas tecnologias de informação. Nesse sentido, diferente da tensão que caracteriza a relação com as majors, a parceria junto à Google (detentora do YouTube), por exemplo, é tratada como um ativo por parte dos agregadores22 22 . No Brasil, a Google distribui aos agregadores, que são responsáveis pela intermediação dos valores referentes aos direitos autorais sobre o conteúdo reproduzido por terceiros no YouTube, enquanto se opõe juridicamente à arrecadação desses direitos por sociedades coletoras próximas às majors, que exigem o tratamento do streaming como reprodução pública. .

A segunda vantagem dos agregadores advém da estrutura organizacional dessas firmas, que se destaca pelo trabalho por projeto e pela mão de obra especializada nas tecnologias do novo paradigma, facilitando a educação dos artistas sobre os fundamentos do mercado digital. Em terceiro lugar, sublinha-se a rotinização da adaptação, aos requerimentos das plataformas, do conteúdo produzido pelos artistas a baixo custo, aproveitando-se da gravação digital. Há também as economias de escopo, desfrutadas pelos agregadores, em mercados como marketing musical para empresas comuns e instalação de lojas digitais em sites diversos.

No que tange à aderência aos hábitos dos consumidores, os agregadores apresentam uma estratégia de captura de valor mais adaptada a uma curva de demanda com cauda longa23 23 . Segundo Anderson (2006), em uma curva de demanda com cauda longa, bens de nicho podem coletivamente alcançar uma fatia do mercado que rivaliza ou excede os bens mais vendidos. , afinal, não apostam na promoção massificada via meios convencionais como rádio e televisão, mas sim no aproveitamento do fluxo de informações sobre experiências musicais em tempo real para oferecer, por meio de algoritmos em permanente evolução, produtos adequados à preferência revelada de cada consumidor. Tais firmas emergentes também apresentam vantagem competitiva na formação de hábitos em novos e pujantes ambientes de consumo como as redes sociais.

No campo dos valores socioculturais, ao invés da padronização perseguida pelas majors, o modelo de negócios dos agregadores valoriza a diferença, auferindo ganhos até em mercados pequenos ou de menor capital simbólico. No Brasil, isso ganha relevo devido às dificuldades enfrentadas por artistas de regiões periféricas - como o Norte e o Nordeste - em acessar a indústria fonográfica tradicional, mesmo quando atingem sucesso massivo em seu circuito, por fugirem à hierarquia simbólica massificada pelas majors.

Por fim, reconhece-se nos agregadores um potencial para estruturar as interações no interior da cadeia da música, ordenando as expectativas de artistas, gravadoras independentes e plataformas de streaming. Junto às últimas, a rotinização dos contratos, ao invés das negociações assimétricas impostas pelas majors, bem como os serviços de curadoria interna tornam o sucesso dos agregadores fundamental para a viabilidade do streaming. Quanto a artistas e gravadoras independentes, a entrega de informações detalhadas sobre os consumidores permite a formulação de estratégias adequadas para o conteúdo de nicho. Além disso, o problema da baixa receita inicial com o streaming é parcialmente compensado pelo baixo custo de produção e pela conservação dos direitos autorais por parte de artistas e gravadoras. Do ponto de vista simbólico, a ausência de interferência dos agregadores sobre o conteúdo tende a ampliar a preferência dos músicos por esse modelo de governança.

Considerações finais

No presente artigo, procurou-se analisar os impactos da digitalização sobre a estrutura de governança do setor da música, destacando-se o caso brasileiro. Para tanto, acionou-se o referencial teórico do institucionalismo evolucionário para revisar o conceito de governança no âmbito das cadeias globais de valor (CGV). Contudo, conclui-se que, em um contexto de crise do fordismo e emergência da digitalização, o conceito de governança da abordagem das CGV, baseado na nova economia institucional (NEI), não é capaz de analisar a evolução das indústrias criativas.

Dessa forma, na instância microeconômica, as preferências do consumidor evoluem de acordo com a formação vebleniana de hábitos a partir de canais e constrangimentos institucionais, enquanto a instância macro evolui em torno da dinâmica neoschumpeteriana, que condiciona o sucesso das firmas à aderência ao paradigma tecnoeconômico vigente.

Com isso, a posição de liderança em uma cadeia de valor condiciona-se à capacidade de estruturar interações sociais em um contexto de assimetrias, responsabilizando-se por ordenar expectativas e compromissos dos demais atores da cadeia. Ao levar isso em consideração, o presente artigo analisou as bases da liderança das majors ao longo do século XX, o impacto da digitalização sobre tal posição e a emergência dos agregadores digitais nesse novo ambiente. Tendo em vista o mercado brasileiro, caracterizado pelo avanço das receitas digitais e, principalmente, do streaming, conclui-se que os agregadores apresentam potencial para desempenhar um papel de liderança na cadeia da música, devido à aderência ao paradigma das tecnologias da informação e à capacidade de formar hábitos por meio de novos meios como a Internet e as redes sociais. Por fim, sublinha-se que as grandes gravadoras ainda mantêm vantagens relevantes - como a detenção dos direitos autorais sobre catálogos importantes - e o acesso a canais tradicionais de formação de preferências.

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  • UNITED NATIONS EDUCATIONAL, SCIENTIFIC AND CULTURAL ORGANIZATION (UNESCO). Cultural times: the first global map of cultural and creative industries. Paris: United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization, 2015.
  • VEBLEN, T. The theory of the leisure class: an economic study of institutions. New York: B. W. Huebsch, 1989.
  • WIKSTRÖM, P. A typology of music distribution models. International Journal of Music Business Research, v. 1, n. 1, 2012.
  • ____. The music industry: music in the cloud. Cambridge (UK): Polity Press, 2010.
  • WILLIAMSON, O. Hierarquies, markets and power in the economy: an economic perspective. Industrial and Corporate Change, v. 4, n. 1, p. 21 -49, 1995.
  • 1
    . Os dados sobre o mercado brasileiro encontram-se disponíveis nos relatórios anuais da Associação Brasileira de Produtores de Disco (2016).
  • 2
    . Segundo Gereffi (1996), além da governança, as principais dimensões de uma GVC seriam as seguintes: estrutura insumo-produto, configuração geográfica, contexto institucional (regras do jogo na operação da organização e da cadeia).
  • 3
    . Segundo Samuels (1995), por institucionalismo evolucionário entende-se o conjunto de abordagens teóricas que se adequam aos seguintes princípios: ênfase na evolução econômica e social (rejeição aos mecanismos automáticos); importância do controle social e da ação coletiva; tecnologia como força fundamental de mudança econômica (mútua influência entre cultura e tecnologia); instituições (especialmente, estruturas de poder) como determinantes da alocação de recursos; atenção ao processo pelo qual o valor abriga-se em instituições, estruturas sociais e comportamentos; papel dual da cultura na causação cumulativa; economia como processo de decisão não determinístico e não mecânico; abordagem holística. Tais princípios são atendidos por escolas como a institucionalista original de Thorstein Veblen, a neoschumpeteriana, a regulacionaista, dentre outras.
  • 4
    . Atualmente, as majors são as três grandes gravadoras internacionais: Sony/BMG, Universal e Warner. Tais corporações também controlam o mercado editorial, acumulando em seu catálogo parte relevante dos direitos autorais globais. Para mais informações sobre a história das majors, ver Tschmuck (2012).
  • 5
    . Como destaca Wikström (2012), o streaming substituiu a distribuição focada na propriedade pela comercialização do acesso e, progressivamente, do contexto que ambiente o ato de escutar música. Ainda que haja uma série de variações, há dois modelos principais de streaming musical: o gratuito para o consumidor (que remunera os detentores de direitos autorais e as plataformas a partir de anúncios); e por assinatura constante para acesso ilimitado e de alta qualidade ao catálogo. Tais alternativas também podem ser acessadas pelo celular, de modo que o avanço da cobertura de Internet impulsionou o consumo de música via streaming.
  • 6
    . De acordo com a United Nations Conference on Trade and Development (Unctad) (2010), as indústrias criativas são caracterizadas por:
    1. ciclos de criação, produção e distribuição de bens e serviços que utilizam a criatividade e o capital intelectual como insumos primários;

    2. atividades baseadas em conhecimento, capazes de gerar potenciais de comércio e direitos de propriedade intelectual a partir de bens e serviços com conteúdo criativo, valor econômico e objetivos de mercado.

    Esse conceito inclui tanto os setores culturais - centro da produção de valor simbólico -, quanto os setores distantes das tradicionais áreas artísticas, como design, publicidade, novas mídias, dentre outros.
  • 7
    . Tal conceito de GVC remonta à sociologia organizacional de Michael Porter (1990), que apresenta as cadeias de valor como ferramentas para analisar as relações entre atores e atividades dentro de uma organização, de modo que a vantagem competitiva seria fruto de conexões internas dessas funções como forma de gerar valor aos consumidores. Nesse marco teórico, a GVC corresponderia ao chamado sistema de valor, isto é, ao conjunto de nexos entre as diferentes firmas.
  • 8
    . A curva sorriso refere-se ao maior valor adicionado observado nas duas pontas da cadeia global de valor, isto é, nas etapas de concepção e comercialização do produto.
  • 9
    . Para mais informações sobre a abordagem da GCM, ver Gereffi (1994, 1995) e Hopkins & Wallerstein (1986).
  • 10
    . Gereffi, Humphrey & Sturgeon (2005), por exemplo, constroem uma tipologia da governança nas GVC a partir de três fatores:
    1. a complexidade das transações;

    2. a capacidade de codificação da informação pela firma líder; e

    3. as condições de cumprimento do contrato pelos fornecedores.

    Ainda que considere a formação de capacidades por parte da firma líder e de seus fornecedores diretos, tal abordagem restringe-se à transação, omitindo as condições que regulam a acumulação de poder na GVC, levando, em última análise, ao modelo adotado de transação e, consequentemente, de governança.
  • 11
    . Do ponto de vista estrutural, Aglietta (1998) condiciona a coesão temporária de um modo de regulação à transferência das consequências da incerteza para as margens da acumulação capitalista.
  • 12
    . Segundo Dosi (1982), na fase de emergência do paradigma, há um processo de tentativa e erro a partir de diversos atores dispostos a tomar riscos por meio de novas combinações. Já na fase da maturidade oligopolizada, constituem-se barreiras à entrada, estabilizando a posição dominante das firmas líderes.
  • 13
    . Segundo Veblen (1989), instituições seriam hábitos de pensamento comuns aos homens em geral. Nos termos de Hodgson (1998), o conceito de hábito diz respeito a uma propensão não deliberativa e autorreforçada de se engajar em um padrão previamente adotado de comportamento, não sendo resultado, necessariamente, da deliberação racional prévia.
  • 14
    . Como sublinha Samuels (1995), a crítica institucionalista ao individualismo metodológico não significa aderir ao “coletivismo metodológico”, o extremo oposto na escala indivíduo/sociedade de formação de preferências. Nesse sentido, Dolfsma (2004) opõe-se à Escola de Frankfurt, para a qual a indústria musical seria o único agente constitutivo do ambiente que conformou a música pop.
  • 15
    . Hodgson (2002, 2007) sublinha a relevância do reforço a hábitos emergentes a partir de hábitos preexistentes. O exemplo dado pelo autor conecta o hábito preexistente de obediência e deferência ao Estado ao hábito emergente de confiança na moeda como meio de troca, reserva de valor e unidade de conta. Ao transpor tal possibilidade para o âmbito de uma GVC, a consolidação de novos hábitos de consumo, a partir da digitalização, na indústria do entretenimento, tende a reforçar hábitos emergentes na cadeia da música, por exemplo.
  • 16
    . Nos termos de Dolfsma (2004), os valores socioculturais são fortes convicções subjacentes a um grupo de pessoas (ou sociedades) que são carregadas de forma consciente ou inconsciente, apresentando, portanto, uma natureza ética ou filosófica.
  • 17
    . Aqui, parte-se da teoria institucionalista de valor, o qual decorre de uma construção social condicionada pelas instituições vigentes (Heilbroner, 1988). Difere, portanto, da teoria clássica (na qual o valor é inerente aos bens) e à teoria marginalista (na qual o valor depende das preferências individuais, formadas por agentes isolados e autônomos).
  • 18
    . Há também a mútua influência entre tecnologia (paradigma) e preferências do consumidor, uma vez que a inovação tecnológica altera o espaço de oportunidades e o ambiente de seleção das preferências que informam o consumo cultural (Potts, 2014). Ao tratar da emergência da música pop, por exemplo, Dolfsma (2004) sublinha a importância da substituição do rádio a cabo (centralizado na residência e controlado pelos mais velhos) pelo rádio com transistor (descentralizado nos quartos, ampliando a liberdade dos jovens).
  • 19
    . Historicamente, a indústria da música remonta à produção de partituras no século XIX. Todavia, foi na transição entre os séculos XIX e XX que o setor passou a se concentrar na produção de suportes físicos e/ou de equipamentos para sua reprodução. Para um panorama da história do setor, ver Tschmuck (2012).
  • 20
    . O relatório da International Federation of Phonographic Industry (2016) - organização que representa as majors - mostra-se crítico ao modelo de negócios do YouTube, sublinhando o baixo retorno que a remuneração via anúncios gera aos detentores dos direitos autorais. Tal relatório sublinha que o Spotify gera US$18 por usuário, enquanto o YouTube não chega a US$1 por usuário em termos de retorno às majors.
  • 21
    . Sites: OneRPM (https://onerpm.com.br/); The Orchard (http://www.theorchard.com/splash/); Believe Digital (http://www.believedigital.com.br/about); CD Baby (http://www.cdbaby.com/); Tratore (http://www.tratore.com.br/).
  • 22
    . No Brasil, a Google distribui aos agregadores, que são responsáveis pela intermediação dos valores referentes aos direitos autorais sobre o conteúdo reproduzido por terceiros no YouTube, enquanto se opõe juridicamente à arrecadação desses direitos por sociedades coletoras próximas às majors, que exigem o tratamento do streaming como reprodução pública.
  • 23
    . Segundo Anderson (2006), em uma curva de demanda com cauda longa, bens de nicho podem coletivamente alcançar uma fatia do mercado que rivaliza ou excede os bens mais vendidos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Maio 2019
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2019

Histórico

  • Recebido
    30 Jul 2018
  • Aceito
    20 Jan 2019
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