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Desemprego, família e reprodução social entre profissionais com formação superior

Unemployment, family, and social reproduction among professionals with university degree

Resumo

Este artigo analisa entrevistas com bacharéis em direito postulantes a concursos públicos e que haviam frequentado a Escola de Magistrados da Bahia (Emab). A pesquisa aborda as condições de existência e o papel familiar na socialização dos riscos do desemprego. Ao partir de uma lista de contatos enviada pela Emab, 21 entrevistas foram realizadas em 2019, configurando uma amostra do tipo contraste-saturação. Após transcritas, as entrevistas foram codificadas e agrupadas em eixos temáticos. As experiências de desemprego interseccionam três aspectos: i. a composição de um campo profissional competitivo, cujas formas de procura por trabalho dependem de investimentos familiares de longo prazo; ii. uma elaboração normativa das biografias, baseada na ideia de que cada etapa das trajetórias está associada a investimentos em instituições educacionais e no mercado de trabalho; e iii. a posição socioeconômica dos arranjos familiares define o desemprego como uma experiência segura e submetida à ideia de carreira profissional.

Palavras-chave:
Desemprego; Família; Mercado de trabalho; Classe média; Desigualdades

Abstract

This article analyzes interviews with law graduates who had attended the Bahia Magistrates School (Emab). The research addresses the conditions of existence and the role of families in socializing the risks of unemployment. From a contact list sent by Emab, 21 interviews were realized in 2019, configuring a contrast-saturation sample. After being transcribed, the interviews were coded and grouped into thematic axes. Unemployment experiences intersect three aspects: i. the composition of a competitive professional field, whose ways of looking for work depend on long-term family investments; ii. a normative elaboration of the biographies, based on the idea that each stage of the trajectories is associated with investments in educational institutions and in the labor market; and iii. the socioeconomic position of family arrangements defines unemployment as a safe experience and subject to the idea of a professional career.

Keywords:
Unemployment; Family; Labor market; Middle class; inequalities

Introdução

Entre os pobres, o desemprego pode inviabilizar o acesso a bens e serviços básicos, sobretudo quando a proteção pública falha em amortecer os impactos socioeconômicos das demissões e do desemprego duradouro. Não à toa, os estudos sociológicos sobre o desemprego costumam focar nas classes populares, que são especialmente vulneráveis às flutuações do mercado de trabalho e à deterioração das condições de vida (Caleiras, 2015CALEIRAS, Jorge. Para lá dos números: as consequências pessoais do desemprego. Coimbra, PT: Grupo Almedina, 2015.; Guimarães et al., 2017GUIMARÃES, Nadya; BRITO, Murillo; ANDRADA, Ana; PICANÇO, Monise. Os pobres e o acesso ao trabalho: entre a ação pública e o interesse privado. Novos Estudos Cebrap, v. 36, n. 2, p. 83-105, 2017.). O outro lado da moeda tem sido a pouca atenção dada ao desemprego entre os profissionais especializados e com renda elevada. Ainda que esse grupo não seja suscetível às consequências mais severas do desemprego, sua inclusão como objeto de pesquisa amplia o campo de estudos sobre a estratificação social no Brasil.

Com isso em mente, no ano de 2019, desenvolvi entrevistas semiestruturadas com bacharéis em direito que haviam frequentado a Escola de Magistrados da Bahia (Emab) e que buscavam iniciar a carreira profissional. A despeito de certa diversidade na construção da amostra, os entrevistados contam com alto investimento educativo e acesso estável a recursos. Os significados atribuídos ao desemprego assumem peculiaridades em relação aos trabalhadores pobres. Isso vale tanto para os impactos do desemprego no cotidiano dos trabalhadores e de suas famílias como para os projetos familiares de reprodução social, entendidos como formas minimamente organizadas de transmissão intergeracional de recursos, valores, habilidades, credenciais educacionais e contatos em redes interpessoais (Jonsson et al., 2009JONSSON, Jan; GRUSKY, David; DI CARLO, Matthew; POLLAK, Reinhard; BRINTON, Mary. Microclass mobility: social reproduction in four countries. American Journal of Sociology, v. 144, n. 4, p. 977-1036, 2009.).

É tentador classificar esses indivíduos como de classe média, um conceito que costuma ser fugidio. Elísio Estanque (2017ESTANQUE, Elísio. Onde para a classe média? Breves notas sobre o conceito e a realidade portuguesa. Sociologia, Problemas e Práticas, v. 83, p. 37-54, 2017.) define classe média como um agregado heterogêneo de categorias sociais, reunindo indivíduos em trabalhos não manuais e que desfrutam de bens culturais e boas oportunidades econômicas. No Brasil, o senso de pertencimento à classe média decorre da experimentação de “um padrão de vida estável”, que se traduz na formação universitária, em rendimentos expressivos e no acesso a ambientes de lazer e casa própria (Salata, 2015SALATA, André. Quem é classe média no Brasil? Um estudo sobre identidades de classe. Dados, v. 58, n. 1, p. 111-149, 2015., p. 131). O emprego exerce um papel decisivo na classificação objetiva da classe média ao definir os salários, o conteúdo do trabalho e a posição hierárquica na estrutura ocupacional (Cardoso & Préteicelle, 2017CARDOSO, Adalberto; PRÉTEICELLE, Edmond. Classes médias no Brasil: do que se trata? Qual seu tamanho? Como vem mudando? Dados, v. 60, n. 4, p. 977-1023, 2017.).

Neste artigo, todos os entrevistados possuem formação superior na área do direito, pleiteavam vagas em concursos públicos e haviam estudado em uma instituição privada com elevado valor de matrícula. Contudo, a origem familiar e as trajetórias ocupacionais variam bastante, o que permite enquadrar os entrevistados em um leque relativamente amplo de estratificação socioeconômica, que inclui desde uma classe média baixa até as camadas superiores da sociedade soteropolitana. Isso não diz tanto respeito às suas ocupações, que, por vezes, são transitórias e visam garantir alguma experiência profissional durante a preparação para concursos públicos; mas às condições de existência que são fomentadas pelas famílias, via ocupação dos pais e transmissão intergeracional de recursos.

Em vez de delimitar uma classe específica, que serviria como ponto de partida para o estudo, pareceu-me mais útil adotar uma perspectiva indutiva, apontando quais experiências eram compartilhadas pelos entrevistados. Na amostra, três experiências sintetizam as condições de vida durante o desemprego:

  1. a satisfação das necessidades básicas é algo garantido pelas famílias, sem nenhum prejuízo provocado pela perda do trabalho ou pelo desemprego prolongado;

  2. o investimento educacional realizado pelas famílias é significativo e acompanha as trajetórias, mesmo durante a vida adulta; e

  3. a dedicação profissional representa um projeto palpável de reprodução e mobilidade socioeconômica.

Já outros fatores ilustram a diversidade interna da amostra, como o alcance dos investimentos familiares, as posições nas redes de parentesco e os tipos de suporte familiar ao alcance dos entrevistados.

De início, o artigo introduz o campo da pesquisa, o perfil dos entrevistados e as escolhas metodológicas. Em seguida, as falas são analisadas a partir de dois grandes temas, abordados em tópicos separados. O primeiro trata das condições de existência e do papel das famílias na socialização dos riscos do desemprego; o segundo discute os diferentes tipos de suporte familiar e a divisão de responsabilidades durante a procura por trabalho. Esses temas elucidam como desempregados com formação universitária e que compõem um nicho profissional agenciam o acesso a oportunidades econômicas, o apoio social e os subsídios públicos, e qual o papel das famílias nesse processo. A reprodução social é um padrão normativo que caracteriza, pelo menos como tendência, a mobilização de recursos e de pessoas para a manutenção ou projeção de posições sociais em uma sociedade de mercado (Kaufman, 2005KAUFMAN, Peter. Middle-class social reproduction: the activation and negotiation of structural advantages. Sociological Forum, v. 20, n. 2, p. 245-270, 2005.), fenômeno fortemente assentado nas relações familiares que se desenrolam nas unidades domésticas (Razavi, 2013RAZAVI, Shahrashoub. Households, families, and social reproduction. In: CELIS, Ka­ren; KANTOLA, Johanna; WAYLEN, Georgina; WELDON, Laurel (orgs.). The Oxford Handbook of Gender and Politics, p. 289-312. New York: Oxford University Press, 2013.). Ao longo desses dois tópicos, veremos como meios distintos de circulação de recursos se combinam na reprodução social dos estratos médios. Finalmente, o quarto tópico sumariza as contribuições mais importantes do artigo.

A Escola de Magistrados da Bahia e a procura por trabalho entre os profissionais do Direito

A Escola de Magistrados da Bahia (Emab) foi fundada em 1982, por meio de um convênio entre o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) e a Associação de Magistrados da Bahia (Amab). Seu objetivo é aperfeiçoar a formação dos magistrados e preparar os bacharéis em direito para o ingresso na carreira jurídica via concursos públicos. Desde a sua fundação, a Emab sedia suas atividades em Salvador (BA), no bairro de Nazaré, conhecido por ser um local de moradia da classe média afluente e por reunir prédios públicos do poder judiciário.

Meu primeiro contato com a Emab ocorreu no final de 2018, quando apresentei a ideia de pesquisa e me reuni com representantes da escola. Em janeiro de 2019, após o retorno positivo da presidência e de membros do corpo técnico, obtive uma lista com o nome e o e-mail de todos os estudantes matriculados em cursos preparatórios nos anos de 2017 e 2018. Esses 148 indivíduos foram informados dos objetivos da pesquisa e dos temas que seriam abordados nas entrevistas. Nos casos em que obtive uma resposta positiva, perguntei qual seria o ambiente mais confortável para a realização das entrevistas, o que levou os bacharéis a escolherem espaços públicos, o ambiente de trabalho ou a própria residência.

Ao todo, 21 indivíduos demonstraram interesse em participar da pesquisa. Considerei esse número satisfatório, tendo em vista as dificuldades de um primeiro contato virtual, mesmo que mediado pela escola. As entrevistas foram longas, pois as condições eram propícias para que os entrevistados se sentissem preparados e à vontade. Todas as entrevistas foram transcritas e avaliadas após a coleta de dados, o que me permitiu constatar a densidade do material coletado. O saldo foi a produção de uma amostra qualitativa do tipo contraste-saturação, formada por um número intermediário de relatos orais que foram agrupados em torno de eixos temáticos (Pires, 2014PIRES, Álvaro. Amostragem e pesquisa qualitativa: ensaio teórico e metodológico. In: POUPART, Jean; DESLAURIERS, Jean-Pierre; GROULX, Lionel; LAPERRIÈRE, Anne; MAYER, Robert; PIRES, Álvaro (orgs.). A pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos e metodológicos, p. 154-211. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.).

Os trabalhadores foram entrevistados um certo tempo após a procura, quando muitos já exerciam ocupações remuneradas. Isso me levou a adotar um olhar narrativo, abordando as trajetórias individuais desde a formação universitária. As narrativas atribuem significados às experiências pessoais a partir do lugar ocupado pelos indivíduos (ou lugar que imaginam ocupar) no presente, o que confere uma certa unidade aos discursos, transmitindo identidades pessoais e visões de mundo (Ricœur, 1997RICŒUR, Paul. Tempo e narrativa, tomo III. Campinas, SP: Papirus, 1997.; Lechner, 2009LECHNER, Elsa. Introdução: o olhar biográfico. In: LECHNER, Elsa (org.). Histórias de vida: olhares interdisciplinares, p. 5-11. Porto, PT: Edições Afrontamento, 2009.). Em uma sociologia dedicada à escala individual, as entrevistas reconstroem as trajetórias pessoais em diferentes campos e instituições (Lahire, 2005LAHIRE, Bernard. Patrimônios individuais de disposições: para uma sociologia à escala individual. Sociologia, Problemas e Práticas, v. 49, p. 11-42, 2005.), sublinhando a interação entre o particular (as características propriamente ditas da família e do indivíduo) e o coletivo (processos mais amplos que englobam as trajetórias, tais como as configurações do mercado de trabalho e as oportunidades econômicas e escolares) (Bertaux; Bertaux-Wiame, 2007BERTAUX, Daniel; BERTAUX-WYAME, Isabelle. Heritage and its lineage: a case history of transmission and social mobility over five generations. In: BERTAUX, Daniel; THOMPSON, Paul. Pathways to social classes: a qualitative approach to social mobility, p. 62-97. New Jersey: Transactional Publishers, 2007.).

Veremos que algumas identidades típicas são recorrentes, como o advogado excluído do mercado de trabalho ou o indivíduo que, com esforço e auxílio da família, conseguiu ser aprovado em concurso público. Ao conduzir e analisar as entrevistas, interessei-me em como os indivíduos mobilizam o tema do desemprego para elaborar suas identidades. Era comum que a advocacia fosse exercida durante a preparação para concursos públicos, e alguns entrevistados não contavam com clientes ou renda, mas se definiam como advogados ativos. Nesses casos, uma forte identidade profissional pode suplantar o reconhecimento de si como desempregado. O assunto evidencia a fluidez das fronteiras entre o trabalho e o desemprego, no caso dos trabalhadores por conta própria com formação superior. O mesmo pode ser dito sobre a separação entre o desemprego e a inatividade, considerando as dificuldades de se observar a procura por trabalho durante a captação de clientes e a preparação para concursos públicos.

Os entrevistados responderam um questionário socioeconômico, cujos resultados podem ser lidos no Anexo 1. A amostra foi composta por 12 homens e 9 mulheres, com idade entre 27 e 63 anos. Como era de se esperar, todos os entrevistados possuíam ensino superior completo, pois esta é uma condição para a matrícula nos cursos preparatórios da Emab. A maior parte dos entrevistados (12) se declarou de cor parda, seis se reconheceram como brancos, dois como pretos e um como indígena. Chama atenção a baixa frequência de pretos, devido à associação entre raça e indicadores socioeconômicos. A representação de pardos, na cidade de Salvador, explica a frequência elevada desse grupo na amostra1 1 Segundo os microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad-C), no primeiro trimestre de 2019, 48% da força de trabalho soteropolitana com formação universitária era parda, contra 28,9% no restante do país. .

As residências apresentam boa infraestrutura e, nos bairros soteropolitanos com alta desigualdade interna, os entrevistados moravam em locais bem equipados, como condomínios fechados e prédios novos. Apenas dois trabalhadores se reconheciam como desempregados no momento da realização das entrevistas, ainda que muitos, classificados como advogados, não possuíssem clientela permanente, o que explica o salário “variável” informado no Anexo 1. Outros entrevistados estavam mais bem posicionados no mercado de trabalho, exercendo funções como profissionais liberais e empregados do setor público. As diferenças no tipo de emprego e na composição familiar resultaram em uma renda domiciliar bastante heterogênea.

Desemprego, esfera familiar e acesso a recursos

Nas camadas médias e superiores, os efeitos do desemprego nas condições materiais costumam ser pouco expressivos. A perda do trabalho é interpretada mais como um problema pessoal do que como ameaça às condições de existência. No caso dos jovens, isso se deve a uma forte divisão intergeracional da provisão doméstica, responsável por garantir a dedicação exclusiva à procura por trabalho. O Interlocutor 1, por exemplo, não vivenciou grandes dificuldades financeiras quando estava desempregado, pois “a renda da minha mãe mais meu padrasto dava um padrão de vida bom para a gente [...] na nossa casa nunca faltou absolutamente nada”. O Interlocutor 4 segue essa mesma linha, ao lembrar: “tive apoio dos meus pais. [...] Meus pais que me sustentavam, pode-se dizer assim”, quando “eu ainda não exercia” a advocacia de maneira satisfatória.

É um fenômeno intuitivo que, em um grupo social como o que compõe a amostra, os impactos do desemprego não sejam tão severos quanto os que afligem os trabalhadores pobres (Dougherty, Rick & Moore, 2017DOUGHERTY, Debbie; RICK, Jessica; MOORE, Philip. Unemployment and social class stigmas. Journal of Applied Communication Research, v. 45, p. 495-516, 2017.). Nenhum dos bacharéis recebia benefícios socioassistenciais, por extrapolarem a linha de pobreza estabelecida pelo poder público, nem eram elegíveis ao seguro-desemprego, devido aos longos períodos sem trabalho e ao engajamento anterior em ocupações não registradas. A geração de renda se devia unicamente ao apoio familiar e ao usufruto de poupanças, e em menor grau, a trabalhos esporádicos como advogados e consultores. Quando a provisão familiar era compartilhada, ou quando os desempregados arcavam apenas com o próprio sustento, sobretudo no caso dos jovens que residiam com os pais e estavam no início das carreiras, a perda do trabalho ou o prolongamento do desemprego não repercutia em mudanças nos padrões de consumo.

O cenário é diferente quando observamos os indivíduos que desempenhavam papeis importantes de provisão doméstica. Aqui, o desemprego demanda uma reorganização das finanças familiares, sendo necessário equilibrar as receitas e as despesas para que a família termine o mês com certa tranquilidade. O resultado é que “você tem que enxugar despesas, você tem que fazer uma gestão financeira boa [...] ficar mesmo só com aquilo que você não pode cortar, cortar um monte de supérfluos, farra, viagem, essas coisas” (Interlocutor 2). Ao passar por uma situação semelhante, o Interlocutor 5 precisou “zerar despesas que tinha, zerei parcela de cartão, carro quitado [...] Aí fica o que, a despesa normalmente, as despesas de custo fixo [...] E tem despesa extra, aí tira da reserva que já foi montada lá atrás, que é para conseguir equacionar”. É esperado que o núcleo familiar seja capaz de lidar com a queda do nível de renda, devido ao compartilhamento das despesas entre parentes e ao usufruto de poupanças.

Nos piores cenários, o desemprego representa um desafio de gestão financeira, mas que não coloca em risco a sobrevivência familiar e o futuro profissional dos entrevistados. Enquanto distribuía currículos e estudava para concursos públicos, a Interlocutora 17 se tranquilizava ao pensar que “eu não vou ficar desempregada a vida toda, vai aparecer alguma coisa”. Ela “não gastava com nada além do essencial” e contava com a ajuda de parentes residentes no interior, o que lhe permitia aproveitar “esse período como férias, vou descansar um pouco e estudar”. Assim como na pesquisa de Carrie Lane (2009LANE, Carrie. Man enough to let my wife support me: how changing models of career and gender are reshaping the experience of unemployment. American Ethno­logist, v. 36, n. 4, p. 681-692, 2009.), voltada aos profissionais especializados do setor tecnológico, dois fatores explicam por que o desemprego não configura um momento de ruptura ou crise familiar2 2 De outro modo, a associação entre desemprego e crise familiar manifesta na ruptura de vínculos, é um tema bastante presente nos estudos sociológicos até a década de 1980, seguindo o enfoque analítico iniciado por Marie Jahoda, Paul Lazarsfeld e Hans Zeisel (1933). : em primeiro lugar, o acesso estável a recursos permite que as condições de vida sejam mantidas ou submetidas a ajustes pontuais; em segundo lugar, as trajetórias ocupacionais são inscritas em uma temporalidade mais ampla, o que traduz o desenvolvimento profissional. As evidências dialogam com o estudo de Ricardo Visser e Gustavo Siqueira (2020VISSER, Ricardo; SIQUEIRA, Gustavo. Defendendo a sociedade: um estudo sobre a trajetória de oito juízes. Ciências Sociais Unisinos, v. 56, n. 3, p. 404-416, 2020.) sobre os magistrados brasileiros, particularmente a constatação de que as trajetórias desse grupo se baseiam na gestão do tempo e na dedicação sistemática aos estudos, com vistas aos ganhos econômicos futuros.

O desemprego é descrito como problema particular e situação transitória passível de ser enfrentada por meio da gestão financeira e da inserção planejada no mercado de trabalho. Mesmo assim, o desemprego afasta as expectativas elaboradas durante a formação universitária e a experiência atual no mercado jurídico. Isso torna “muito complicado você manter o psicológico” (Interlocutora 3), pois existem “cobranças internas próprias [...] você fica sem trabalhar, e aí você não fica tão à vontade, sendo meio bancado” (Interlocutor 6). Embora os entrevistados possam contar com recursos familiares satisfatórios, o desemprego pode vir acompanhado de desgaste emocional e medo de fracassar na profissão. Não à toa, parte da literatura tem se dedicado aos impactos psicológicos do desemprego, tendo em vista a centralidade do mundo do trabalho para a satisfação pessoal, a organização de rotinas e o acesso a status (Shamir, 1986SHAMIR, Boas. Self-Esteem and the Psychological Impact of Unemployment. Social Psychology Quarterly, v. 49, n. 1, p. 61-72, 1986.; Mousteri, Daly & Delaney, 2018MOUSTERI, Victoria; DALY, Michael; DELANEY, Liam. The scarring effect of unemployment on psychological well-being across Europe. Social Science Research, v. 72, p. 146-169, 2018.). Ademais, muitos bacharéis se sentem frustrados ao perceber que o diploma universitário vale menos do que imaginavam. Os relatos caracterizam o contato com o mundo jurídico como um “banho de água gelada” (Interlocutor 16), pois “a gente imagina que vai ser de uma forma, aí quando a gente vê que a realidade é tão mais difícil, é tão difícil isso” (Interlocutor 1).

Os acordos familiares de apoio financeiro visam garantir que os entrevistados se dediquem exclusivamente à formação educacional e à procura por trabalho. Em mercados de trabalho cada vez mais desestruturados, a competição por credenciais educacionais é entendida como meio necessário para se obter empregos estáveis e bem remunerados (Devine, 2004DEVINE, Fiona. Class practices: how parents help their children get good jobs. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2004.; Fragoso, Valadas & Paulos, 2019FRAGOSO, António; VALADAS, Sandra; PAULOS, Lilian. Ensino superior e empregabilidade: percepções de estudantes e graduados, empregadores e acadêmicos. Educação e Sociedade, v. 40, p. 1-17, 2019.). Para que isso encontre eco nos projetos familiares de subsistência e mobilidade socioeconômica, é preciso que uma visão específica sobre a vida adulta seja compartilhada: os indivíduos contam com suporte material e afetivo até que logrem uma inserção bem-sucedida no mercado de trabalho.

O apoio financeiro costuma basear-se nas relações domiciliares, como modelo de divisão de tarefas e de alocação de recursos. Diversas falas enfatizaram a solidariedade via relações conjugais e de descendência direta, assim como em pesquisas anteriores sobre as camadas médias no continente europeu (Kellerhals & McCluskey, 1988KELLERHALS, Jean; MCCLUSKEY, Huguette. Uma topografia subjectiva do parentesco: contributo para o estudo das redes de parentesco nas famílias urbanas. Sociologia, v. 5, p. 169-184, 1988.; Aboim, Vasconcelos & Wall, 2013). Mas outros arranjos são possíveis, quando o suporte financeiro mobiliza redes protetivas mais amplas, incluindo relações colaterais e participação de parentes que não residem com os entrevistados. Nesses casos, chama atenção o caráter heterogêneo das relações familiares, no que diz respeito aos indivíduos envolvidos, aos recursos disponíveis e ao papel dos trabalhadores nas redes de parentesco.

Minha mãe custeava [as despesas] [...] Minha avó materna, que também ajudou bastante, ajuda ainda bastante, tem as irmãs e irmãos da minha mãe. [...] Às vezes minha avó também ajudava com a questão financeira, ou pagava um curso, ou quando precisava viajar para concurso, às vezes me ajudava a pagar a passagem, hospedagem, nesse sentido. E depois que eu comecei a trabalhar, aí fui custeando. E quando minha mãe faleceu, tinha um seguro de vida, o que ajudou a manter minha irmã e eu. E aí hoje é com esse dinheiro que a gente se banca.

Interlocutora 10, mulher, 32 anos, ensino superior completo, branca.

Minha ex-sogra pagava a parcela do apartamento que eu tinha comprado, minha mãe ajudava com água e luz e meu ex-marido com o mercado, e continuou pagando a escola dos meninos. [...] Cada um ia pagando um pouquinho das contas e a gente ia se virando. [...] Com minha mãe eu tinha mais intimidade, claro, eu sei que ela não tinha grana, mas ela sempre perguntava como estava, e aí ela sempre mandava um dinheirinho. [...] Minha mãe sempre teve comércio, confecções. Nessa época, ela tinha um comerciozinho no interior e costurava, sempre costurou. Meu ex-marido foi uma coisa assim, ele já pagava a escola dos meninos, mas ele sempre foi muito atencioso, nunca foi de soltar grana, mas nesse período ele até que foi mais. Eles mandavam mercado do interior, fazia mercadinho. [...] Minha família sempre teve aquela coisa de perguntar como está, se tem, se não tem, sempre teve essa preocupação. A ajuda mais surpresa que eu fiquei foi a minha ex-sogra, eu não esperava.

Interlocutora 17, mulher, 45 anos, ensino superior completo, branca.

As entrevistas revelaram diferenças importantes entre as relações de aliança, consanguinidade e descendência, nos termos apresentados por Martine Segalen (1986SEGALEN, Martine. Historical anthropology of the family. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1986.). Para uma análise mais acurada sobre a proteção familiar, vale discutir separadamente cada tipo de relação de parentesco, considerando as características do apoio familiar e a forma como são elaboradas as entreajudas financeiras.

O apoio dos cônjuges traduz “uma parceria” (Interlocutor 2) ancorada na divisão de encargos financeiros. Bem assim, o Interlocutor 18 conta que a entrada de sua esposa no mercado de trabalho “melhorou para mim”, pois ela “dividia os honorários” que recebia como turismóloga. A ajuda de “minha mulher, que trabalha e tem dinheiro”, somada à independência financeira dos filhos, permitiu que o entrevistado passasse dois anos apenas “dedicado ao concurso”. A unificação e a distribuição dos rendimentos definem a proteção familiar como um assunto doméstico, que não precisa envolver outros parentes.

As relações de aliança também costumam basear-se em uma equivalência entre os cônjuges, o que faz com que a decisão sobre quem deve contribuir financeiramente com o domicílio dependa das condições atuais de geração de renda. O Interlocutor 21 dedicou-se à captação de clientes no início da advocacia e, nesse período, “eu pagava o que eu podia, ela [a esposa] pagava a maioria” das contas. O cenário se inverteu quando o entrevistado conseguiu se consolidar no mercado jurídico, e “hoje em dia, eu pago quase tudo, eu ganho mais do que ela”. Se as condições financeiras mudam com o passar do tempo, o mesmo se aplica aos acordos familiares de provisão doméstica.

Frente à queda da renda ou desemprego de um dos cônjuges, a reorganização do orçamento doméstico é um expediente comum nas famílias urbanas (Leighton, 1992LEIGHTON, Gillian. Wives’ and husbands’ labour market participation and household resource distribution in the context of middle-class male unemployment. In: ARBER, Sara; GILBERT, Nigel (orgs.). Women and working lives: divisions and chan­ges, p. 131-147. London: Palgrave Macmillan, 1992.; Lane, 2009LANE, Carrie. Man enough to let my wife support me: how changing models of career and gender are reshaping the experience of unemployment. American Ethno­logist, v. 36, n. 4, p. 681-692, 2009.; Ferreira-Valente & Coelho, 2015). Além de garantir o sustento, as relações conjugais permitem que os trabalhadores assumam empregos de meio período ou trabalhos autônomos experimentais, como no caso dos advogados em início de carreira. Foram registradas negociações conjugais sobre a divisão das contas da casa, como forma de resolver as demandas financeiras de curto e longo-prazo.

Mas se você olhar hoje, sou eu e minha esposa, ela tem um emprego fixo. Aí se você olhar assim, e a despesa normal, do dia a dia? Minha esposa, ela dá o suporte na parte fixa, na parte variável, que entra como advogado, ela vem para fazer as outras coisas maiores. Aí se perguntar, “ah, como é que você paga, condomínio, água, energia, telefone?”, isso é bancado pelo recurso que minha esposa tem disponível. Aí o que entra de extra são os projetos que a gente tem em comum, para fazer uma viagem para o exterior, para fazer alguma coisa, ou seja, esse valor que entrar, é o valor que vai ser destinado para isso. Uma parte, como eu falei, para reserva, para o futuro, e a outra parte a gente vai colocar. É um certo combinado entre a gente.

Interlocutor 5, homem, 41 anos, ensino superior completo, pardo.

A prevalência da homogamia matrimonial, tão importante para as estratégias de reprodução social das camadas médias e superiores (Guerreiro, 1992GUERREIRO, Maria. Trajectórias sociais e relações familiares: empresários de PME. Sociologia, Problemas e Práticas, v. 11, p. 63-77, 1992.; Costa, 2011COSTA, Carolina. Casamento e estratificação social: um estudo sobre seletividade marital por escolaridade e origem social no Brasil. Tese (Doutorado em Sociologia) - Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Política, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Rio de Janeiro, 2011.; Beltrão, Sugahara & Teixeira, 2012BELTRÃO, Kaizô; SUGAHARA, Sonoe; TEIXEIRA, Moema. Os atributos de cor/raça e escolaridade no mercado matrimonial brasileiro: meio século de negociações. Anais do XVIII Encontro Nacional de Estudos Populacionais, 2012.), permite que as relações conjugais arquem com o sustento doméstico e a manutenção de um padrão de consumo entendido como aceitável. Esse fenômeno ilustra uma circulação restrita de recursos, quando os casais alternam os papeis de provisão financeira e circulam dinheiro apenas dentro do domicílio. Os núcleos conjugais conservam certa autonomia em relação às redes extensas de parentesco, algo que é bem quisto pelos entrevistados. É comum que a formação de unidades domésticas pressione o indivíduo a se tornar independente da família de origem, o que não significa um afastamento completo para com a família elementar, mas uma reescrita dos direitos e obrigações que acompanham as relações de parentesco (Abreu Filho, 1981ABREU FILHO, Ovídio de. Parentesco e identidade social. Anuário Antropológico, v. 5, n. 1, p. 95-118, 1981.). Ainda que o indivíduo possa obter apoio dos seus parentes, especialmente durante a procura por melhores empregos, espera-se que ele ou ela arque com as necessidades da nova unidade doméstica.

A Interlocutora 19 diz que “enquanto eu estou ainda na casa de meus pais, é tranquilo, porque eu tenho um suporte financeiro”. Mas após se mudar com o esposo para uma nova residência, “eu vou ter que começar a suportar, sozinha, custos que eu não suportava na casa deles, aí tudo isso gera mais insegurança”. A entrevistada complementa que “eu preciso de uma fonte de renda para poder me manter. Então, a cabeça já está mais voltada para esse lado agora. [...] Parar para estudar fica mais complicado, porque eu não vou ter fonte para poder me custear”. Pelo menos em um sentido ideal, a formação de novas unidades domésticas traduz a autonomização dos filhos em relação aos pais, redefinindo os papeis familiares (Wendling & Wagner, 2014). Nos casos estudados, isso ocorreu quando novos arranjos familiares eram formados pelos casamentos, levando os casais a assumirem encargos até então sob responsabilidade das gerações mais velhas. Por outro lado, os indivíduos que moravam sós ou com irmãos eram classificados como uma extensão do núcleo familiar original e, por esse motivo, continuavam a participar dos direitos e das obrigações advindos da casa dos pais.

Já as relações de descendência fomentavam a circulação intergeracional de recursos, que seguem uma via de mão única, beneficiando as gerações mais novas. Seu objetivo é investir continuamente nas trajetórias profissionais, como responsabilidade dos pais3 3 Em alguns poucos casos, dos avós. de garantir que os trabalhadores sigam os projetos de vida que mais lhes apetecem. Entre os jovens, o apoio financeiro é descrito como “mesada” (Interlocutor 20) ou como “herança” familiar (Interlocutora 11).

Eu comecei a perceber que o trabalho estava começando a atrapalhar um pouquinho, sentei-me e conversei com minha mãe: “olha, vou receber uma rescisão, queria ver se você pode me ajudar com parte do curso”. E foi o que minha mãe fez. Aí foi o momento que mais a minha mãe, digamos assim, foi assim, aquela pessoa que esteve ali presente. [...] Com o tempo, eu comecei a perceber o seguinte, minha mãe só podia ajudar quem queria se ajudar. Enquanto eu não estivesse estudando, ela não poderia fazer nada.

Interlocutor 1, homem, 38 anos, ensino superior completo, preto.

Eu moro com minha mãe e meu irmão, já estava percebendo essa angústia que eu estava, de chegar tarde em casa, sair cedo, não ter tempo final de semana, o tempo todo trabalhando. Aí eu conversei com ela, dessa minha vontade, eu já entrei na faculdade com essa vontade de fazer concurso. [...] E aí, quando ela me apoiou nessa decisão, inclusive financeiramente, de me manter, até eu passar num concurso, aí foi mais tranquilo para mim, ter esse apoio em casa. Ela sempre soube que eu sou uma pessoa focada, então me apoiou de todas as formas.

Interlocutora 3, mulher, 28 anos, ensino superior completo, branca.

Os achados dialogam com o estudo de Marianela Coria e equipe (2005CORIA, Marianela; TAPIA, Mireia; FUNTEALBA, René; COSTA, Cristina. Socialização econômica em famílias chilenas de classe média: educando cidadãos ou consumidores? Psicologia & Sociedade, v. 17, n. 2, p. 88-98, 2005.). Ao analisar o caso chileno, os autores constataram que as ajudas financeiras periódicas são iniciativas corriqueiras nas famílias dos estratos médios, como investimentos de longo prazo que são atrelados a metas de desempenho. No Brasil, boa parte das pesquisas sobre a interface entre as famílias e as instituições educacionais têm focado no acompanhamento escolar de crianças e jovens (Carvalho, 2004CARVALHO, Maria. Modos de educação, gênero e relações escola-família. Cadernos de Pesquisa, v. 34, n. 121, p. 41-5, 2004.; Zago, 2011ZAGO, Nadir. Fracasso e sucesso escolar no contexto das relações família e escola: questionamentos e tendências em sociologia da educação. Revista Luso-Brasileira, v. 2, n. 3, p. 57-83, 2011.; Romanelli, 2017ROMANELLI, Geraldo. O pai e a escolarização dos filhos. Doxa: Revista Brasileira de Psicologia e Educação, v. 19, n. 2, p. 321-337, 2017.). Ao analisar os relatos de adultos, este artigo ressalta outro aspecto do tema, a saber, o investimento familiar quase que ininterrupto na educação das camadas médias e superiores. Isso se aplica tanto à formação escolar e universitária quanto à preparação para concursos públicos, a partir de acordos que visam potencializar as chances de sucesso profissional em mercados competitivos.

A Interlocutora 15 conta: “eu combinei com minha mãe: me dê dois anos para eu ficar trancada em casa estudando”, até ser aprovada em um concurso. Outras falas enfatizam o ato de “bancar para você estudar” (Interlocutor 16) e o papel da família de ajudar “o cara a garantir alguns livros que custam mais do que um salário-mínimo, os cursos preparatórios [...] de preparação anual, que também custam uns dois salários-mínimos. Então é um investimento alto, não é barato” (Interlocutor 6). Ainda que existam incertezas nesse percurso, como as associadas à capacidade de absorção do mercado de trabalho, os projetos familiares visam garantir as condições de sucesso profissional e para que o indivíduo possa “fazer as coisas no seu tempo” (Interlocutora 14).

O cenário destoa daquele analisado por Douglas Powell e Paul Driscoll (1973POWELL, Douglas; DRISCOLL, Paul. Middle-class professionals face unemployment. Society, v. 10, n. 2, p. 18-26, 1973.), cuja pesquisa abordou profissionais especializados do setor tecnológico americano. Os desempregados, todos do sexo masculino, exerciam papeis centrais de provisão doméstica. Isso conferia um caráter decisivo às poupanças para que o financiamento da procura por trabalho fosse possível, e assim, o suporte familiar se limitava ao apoio emocional. Já nas entrevistas que compõem este artigo, uma forte solidariedade intergeracional beneficia os profissionais desempregados, e novos arranjos de divisão sexual do trabalho possibilitam a provisão feminina durante o desemprego dos homens.

Os dados atestam que essas duas modalidades de apoio financeiro são divergentes. No caso dos cônjuges, a divisão de responsabilidades é mutável, com alternância dos papeis de provisão, a fim de evitar a sobrecarga de um dos componentes do casal. O foco é a manutenção das contas da casa e a busca por bem-estar. Já no caso do suporte intergeracional, o apoio é um investimento que visa garantir a formação educacional e a inserção profissional de longo-prazo. Aqui, o desempregado se torna alheio às contas da casa, como em “eu posso me dar ao luxo de me preparar financeiramente [...] eu tenho um suporte familiar, porque eu moro em casa própria, da minha família. E eu tenho suporte familiar para isso, então eu não preciso trabalhar” (Interlocutora 11).

Quando o apoio financeiro é disponibilizado pelos pais ou responsáveis, costuma ser acompanhado por cobranças de desempenho e dedicação. Embora estas não sejam direcionadas à procura imediata por empregos, reforçam a ideia de que os indivíduos precisam merecer e fazer valer o investimento familiar, mantendo-se ativos. Esse foi o caso da Interlocutora 19, que após receber o diploma, “tinha pressão da família, por estar parada dentro de casa, mas acho que a pressão era mais no sentido de descobrir o que eu queria fazer, a pressão não era tanto para me inserir no mercado de trabalho”. As cobranças também refletem uma forte moralidade familiar, impelindo o indivíduo ao “desenvolvimento pessoal” (Interlocutor 20).

É relativamente assentada a ideia de que as famílias devem formar membros produtivos e disponíveis ao mercado de trabalho. Isso se assemelha a uma espécie de socialização ética, com vistas a preparar os indivíduos à participação no capitalismo competitivo. No sentido conferido por Elisabete Bilac (1994BILAC, Elisabete. Trabalho e reprodução cotidiana: apresentação. Revista Brasileira de Estudos Populacionais, v. 11, n. 2, p. 155-158, 1994.), o incentivo à disciplina nos estudos configura uma forma de garantir a reprodução da posição de classe, visto que essa reprodução, especialmente nos estratos médios, está condicionada ao sucesso profissional. Mas, às vezes, o que se espera do indivíduo não corresponde aos seus êxitos e aspirações, e as cobranças são interpretadas como injustas ou desproporcionais. Um bom exemplo é o relato do Interlocutor 1. Ele estava “demorando muito tempo pra poder ter minha vida, muitas vezes gerava até certas brigas dentro de casa”. Isso acontecia porque “minha mãe sempre me ajudou, mas teve momentos que ela era extremamente, assim, incisiva”. Ao somar a cobrança com o fato de que “você não saiu de casa, não teve a sua vida, a sua independência [...] quando você junta tudo isso, a sua cabeça fica difícil”.

É preciso evitar uma visão simplista sobre as relações intergeracionais. Seu objetivo é garantir que os indivíduos se tornem profissionais bem-sucedidos e financeiramente independentes, mas nem sempre isso é possível. Os percursos entre a família, a escola e o mercado de trabalho são flexíveis e pendulares (Guerreiro & Abrantes, 2007GUERREIRO, Maria; ABRANTES, Pedro. Transições incertas: os jovens perante o trabalho e a família. Lisboa: Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, 2007., p. 149). A vida adulta não traduz, necessariamente, uma sucessão lógica e idealizada entre a formação educacional, a inserção profissional e a autonomia em relação à família de origem. Alguns entrevistados precisaram retornar à casa dos pais ou depender do envio de remessas de dinheiro após serem demitidos, e assim, passaram a procurar trabalho de maneira integral. Esse processo é descrito por meio de palavras como “regredir” e “recuar” (Interlocutora 11), atestando uma quebra de linearidade (real ou imaginada) das trajetórias.

Nas narrativas, as relações consanguíneas e intrageracionais assumiram pouca relevância. Essas relações foram evocadas a partir da solidariedade entre irmãos, que tendem a ser horizontais e interdependentes, mas são marcadas por desigualdades e submetidas ao ciclo de vida familiar (Connidis, 2007CONNIDIS, Ingrid. Negotiating inequality among adult siblings: two case studies. Journal of Marriage and Family, v. 69, p. 482-499, 2007.; Guerra, Wajnman & Turra, 2016GUERRA, Francismara; WAJNMAN, Simone; TURRA, Cássio. Disponibilidade de irmãos no Brasil: um estudo metodológico sobre relações de parentesco. Revista Brasileira de Estudos de População, v. 33, n. 1, p. 9-29, 2016.). As relações fraternas diferem do suporte intergeracional, já que naquelas, um indivíduo não é exclusivamente responsável pelo outro. O apoio também tende a ocorrer de maneira pontual, não representando um verdadeiro investimento nas trajetórias.

Ainda assim, duas funções se mostraram típicas. De um lado, os irmãos podem ajudar na divisão dos encargos domésticos, quando “minha mãe paga a conta de telefone [...] minha irmã paga o condomínio e eu pago a conta de luz. Acaba que fica elas por elas” (Interlocutora 13). Esse é um tipo mais simples de ajuda, como um esforço de gestão financeira a partir da divisão das contas da casa. De outro, alguns indivíduos foram ajudados por seus irmãos durante a busca por trabalho, via parcerias e indicação de clientes, sobretudo nos “momentos iniciais” das carreiras (Interlocutora 14).

Desemprego, tipos de suporte familiar e papeis sociais

As famílias são atravessadas por relações de solidariedade e autoridade, que podem ser negociadas no cotidiano (Couto, 2005COUTO, Márcia. Estudos de famílias populares urbanas e a articulação com gênero. Revista Anthropológicas, v. 16, n. 1, p. 197-216, 2005.; Coutrim, Cunha & Matos, 2016COUTRIM, Rosa; CUNHA, Maria; MATOS, Daniel. A difícil transição: a participação da família na escolha profissional de jovens egressos do Ensino Médio. Educação e Contemporaneidade, v. 25, n. 47, p. 173-186, 2016.). Em face do desemprego, essas negociações permitem a redistribuição de direitos e obrigações entre os trabalhadores e seus parentes, o que pode transformar os acordos financeiros que subsidiam a preparação para concursos públicos e o sustento das unidades domésticas. O tamanho da rede de apoio familiar é variável, considerando a quantidade de demandas e a disponibilidade de pessoas e recursos. As entrevistas ressaltam o caráter dinâmico dessas redes, e assim foram registrados ciclos de expansão e contração dos contatos efetivamente ativados.

O Interlocutor 7 lembra que sua mãe e esposa “mantiveram a casa” quando ele estava desempregado. Com o falecimento de sua mãe, “aí foi um baque ainda maior, porque eu perdi a ajuda dela, financeira. Então só era minha esposa, e eu comecei a correr atrás para buscar alguma coisa”. Visto que o apoio materno “ia fazer falta, ele [o pai] começou a ajudar [...] todo mês ele me dava dois mil reais para ajudar na despesa”. Em muitos casos, os recursos e contatos estão ao dispor dos entrevistados, e as trocas ocorrem, de maneira periódica, quando se avalia que o desempregado não é capaz de arcar com suas necessidades pessoais. Mas também é possível que o apoio financeiro se limite a um ou poucos nós da rede de parentesco. A Interlocutora 3 afirma que a mãe sempre acompanhou de perto sua dedicação aos estudos e, por isso, sabe que ela é uma pessoa responsável. Já “os outros parentes são só para perguntar quando é que eu vou passar em um concurso, se eu já passei, se já não estava na hora de eu estar fazendo alguma coisa”. A Interlocutora 3 se incomodava com a cobrança excessiva, mas a partir de um certo momento, parou de levar essas cobranças a sério, “porque quem me bancava financeiramente, quem via minha rotina de estudo, era minha mãe”. É comum que a prestação de contas seja uma espécie de satisfação ao apoio financeiro e afetivo, que é oferecido por poucos indivíduos.

Além da configuração das redes, as posições sociais são percebidas como instáveis. Somado às mudanças estruturais do mercado de trabalho, esse fenômeno recria as estratégias de acesso a recursos na passagem entre as gerações (Grün, 1998GRÜN, Roberto. A classe média no mundo do neoliberalismo. Tempo Social, v. 10, n. 1, p. 143-162, 1998.; Kramer, 2016KRAMER, Neri. Feeding the squeezed middle-class family: maternal stress, dilemmas, contradictions and the third shift. In: GUIGNARD, Florence; CASSIDY, Tanya (orgs.). Mothers and food: negotiating foodways from maternal perspectives, p. 28-40. Bradford, UK: Demeter Press, 2016.). Mesmo nas famílias de alta renda, existe o receio de mobilidade social descendente, pois a associação entre o investimento educativo e o sucesso profissional é provável, mas não garantido, o que demanda uma avaliação constante das oportunidades disponíveis e dos melhores meios para alcançá-las. Ao longo dos ciclos de vida, as famílias experimentam mudanças contextuais4 4 A exemplo das transformações no funcionamento do sistema de ensino e as formas de transição entre a escola e o mercado de trabalho. que redefinem os constrangimentos e incentivos às estratégias de reprodução e mobilidade socioeconômica. A saturação do mercado jurídico justifica a dedicação aos estudos e a introjeção do papel de “concurseiro”, momento em que a família passa a custear as despesas com viagens e cursos.

Duas entrevistas ilustram a forma pela qual a avaliação familiar das oportunidades econômicas fundamenta as decisões sobre a procura por trabalho. Os familiares da Interlocutora 14 não se preocupam com o tempo necessário para que seja aprovada em um concurso público. Eles “são muito tranquilos quanto a isso. Tudo tem seu tempo [...] ele [o pai] sempre pede paciência [...]. Ele prefere que eu estude para concurso, porque é algo que dá uma estabilidade e uma segurança maior. Mas não me sinto pressionada, não”. Já a Interlocutora 3, desde a formação universitária, interessou-se pela magistratura estadual, “só que eu não poderia começar meus estudos já nesse nível [...] eu estava sendo mantida por minha mãe, então não conseguiria que ela ficasse muito tempo me mantendo”. Isso levou a entrevistada a “focar em concursos menores, de técnica analista e de procurador de municípios pequenos, que é mais tranquilo”. Ao ser aprovada, a Interlocutora 3 passou a estudar para novos processos seletivos, enquanto seu salário ajudava “um pouco minha mãe, nessa questão financeira [...] eu comecei a retirar certas coisas que eram minhas”.

No primeiro caso, o suporte familiar permitiu à entrevistada dedicar-se aos estudos e afastar-se do mercado de trabalho, passando a atuar esporadicamente como advogada. No segundo, o suporte familiar representou uma solução transitória, que difere dos investimentos narrados pela maioria dos entrevistados, por ser restrito e orientado a ganhos de médio-prazo. A Interlocutora 3 precisou aproveitar, o mais rápido que pôde, o apoio financeiro da mãe, inscrevendo-se em vagas menos concorridas e adiando o plano de ingressar na magistratura estadual. Mesmo quando a família deseja contribuir com as trajetórias profissionais, a ajuda financeira possui certos limites.

As famílias também oferecem suporte emocional aos desempregados, como uma “motivação de casa” (Interlocutor 1). Ainda que existam cobranças de desempenho, esse tipo de apoio permite que os indivíduos planejem com cuidado sua entrada no mercado jurídico, privilegiando a busca por boas condições de trabalho e satisfação pessoal. Se o suporte financeiro garante que essa procura seja possível, o apoio emocional visa minimizar os impactos negativo do desemprego na autoestima dos trabalhadores. O assunto foi suscitado por diversas entrevistas, e de maneira geral, os dados atestam a relevância dos vínculos afetivos e do suporte emocional durante o desemprego (Huffmann et al., 2015HUFFMAN, Ann; CULBERTSON, Satoris; WAYMENT, Heidi; IRVING, Louis. Resource replacement and psychological well-being during unemployment: the role of family support. Journal of Vocational Behavior, v. 89, p. 74-82, 2015.; Blustein, Kozan & Connors-Kellgren, 2013BLUSTEIN, David; KOZAN, Saliha; CONNORS-KELLGREN, Alice. Unemployment and underemployment: a narrative analysis about loss. Journal of Vocational Behavior, v. 82, n. 3, p. 256-265, 2013.). Entre os pobres, esse tipo de suporte reflete a tentativa de minimizar as preocupações e angústias em face da queda do nível de renda. Já nas camadas médias e superiores, o apoio familiar se dirige para que o indivíduo possa ingressar no mercado jurídico, caso permaneça focado em sua trajetória profissional. O suporte emocional é acompanhado por uma ideia prospectiva sobre o papel das famílias nas trajetórias, considerando a importância dos parentes, especialmente pais e cônjuges, no desenvolvimento das carreiras.

A possibilidade de se dedicar integralmente aos estudos, sem se preocupar com o próprio sustento, é decisiva para a aprovação em concursos públicos. Nas entrevistas, é visível o papel das famílias na reprodução da posição de classe, tanto entre as famílias que contam com membros prestigiosos no poder judiciário, como no caso das famílias sem tradição no campo jurídico, mas que investem na escolaridade de seus membros (Visser & Siqueira, 2020VISSER, Ricardo; SIQUEIRA, Gustavo. Defendendo a sociedade: um estudo sobre a trajetória de oito juízes. Ciências Sociais Unisinos, v. 56, n. 3, p. 404-416, 2020.). Não à toa, a ajuda familiar cinde a amostra dos “concurseiros”. Enquanto alguns destacam o apoio das famílias durante a preparação para concursos, outros lamentam que isso não havia sido possível durante a vida adulta. A Interlocutora 12, por exemplo, afirma que precisou retomar a advocacia a contragosto, pois “minha mãe não tinha condição de me dar esse suporte. Ela também não estava passando por uma fase financeira boa, então ela cobrava de mim, ela dizia que eu não ajudava. Então, eu comecei a advogar justamente porque eu não tinha suporte nenhum para estudar”. De certa forma, a inserção profissional é percebida como um mal necessário, visto que o ideal seria afastar-se temporariamente da advocacia e investir no acesso a um emprego público. A posição do trabalhador em um sistema familiar de direitos e deveres define a sua capacidade de acessar recursos durante a procura por trabalho, como algo que destoa entre os entrevistados e baliza suas narrativas sobre o bem-estar.

Dentre as formas de apoio familiar, a indicação a vagas de emprego e a ajuda à inserção profissional merecem atenção. Para muitos advogados, boa parte dos clientes surgiu via “indicações de família” (Interlocutor 2), sendo que os “clientes iniciais normalmente eram parentes [...] até mesmo meus pais” (Interlocutor 4). Essa circulação “interna” de recursos, no seio da esfera familiar, condiz com um repertório importante de enfrentamento ao desemprego. Sobretudo no início das carreiras, a circulação de informações e a conversão dos familiares em potenciais clientes são decisivas para a entrada no mundo jurídico.

Por mais que você não esteja absorvido por uma grande estrutura, se você tiver os seus clientes próximos, sua família, vizinhos, amigos, você tem o que fazer, você sempre tem o que fazer. Tem processo pequeno, uma coisinha besta, uma audiência. [...] Porque assim, você não precisa de emprego, você precisa de cliente, e cliente só depende de você. Aliás, sua mãe é uma cliente em potencial, seu pai é um cliente em potencial, seus irmãos, seus parentes são clientes em potencial. [...] Claro, pode não ser uma remuneração que você almeja, óbvio, mas no início é difícil. Mas você não fica sem ter o que fazer. [...] Aí eu consegui, através de um advogado que era sócio de minha irmã, inserir-me em um escritório nesse período, até ele me absorver.

Interlocutor 9, homem, 32 anos, ensino superior completo, pardo.

As famílias fornecem uma ajuda difusa na prospecção de clientes, oferecendo processos judiciais ou indicando conhecidos. Porém, a real influência das famílias no mercado jurídico depende da presença de parentes em posições estratégicas nesse mercado. Isso permite o acesso a informações e oportunidades em um ambiente altamente especializado, cuja participação é vedada aos indivíduos que não possuem a formação e os requisitos educativos mínimos.

A quantidade de recursos disponíveis afeta o papel das redes interpessoais na procura por trabalho (Lin, 2000LIN, Nan. Inequality in social capital. Contemporary Sociology, v. 29, n. 6, p. 785-795, 2000.; Guimarães, 2009GUIMARÃES, Nadya. À procura de trabalho: instituições do mercado e redes. Belo Horizonte: Argumentvm, 2009.). Além disso, em sociedades altamente fragmentadas e compostas por campos especializados de práticas, os ambientes nos quais circulam os nós das redes familiares interferem no que elas podem oferecer em termos de oportunidades econômicas. Como resume o Interlocutor 7, “quem não tem uma estrutura de família nessa área do direito, para você começar do zero como eu comecei, é muito difícil”. A experiência é inversa àquela relatada pelo Interlocutor 5, cujo “tio é advogado, hoje ele não advoga mais, por conta da idade. Aí tudo que ele tinha, começou a passar para mim [...] esse [outro tio] que faleceu, cheguei a dar prosseguimento a alguns processos, e consegui mais uns dois clientes dele lá, que um acabou indicando para outro”. A possibilidade de seguir um legado familiar é decisiva para o sucesso profissional, servindo como um atalho para a formação de uma clientela e a consolidação do bacharel no mercado jurídico.

A falta de recursos e a ausência de contatos significativos pode obrigar os indivíduos a se aventurarem em outros nichos profissionais. Após ter sido demitida por um escritório de advocacia, a Interlocutora 3 começou “a colocar currículo em tudo. E lhe digo, nem ser chamada para entrevista eu estava sendo chamada”. Ao ver sua situação, o pai, que possui uma papelaria, “falou: ‘a gente precisa se unir como família [...] a gente está passando por uma fase bem desafiadora no comércio [...] aí vamos ficar juntos, nem que a loja funcione só nós três [a entrevistada, seu pai e sua irmã]’”. Ainda que isso garanta o seu sustento, a Interlocutora 13 lamenta ter se afastado da advocacia. Como segue, “infelizmente, hoje está muito difícil, então eu preciso da ajuda da minha família”.

Muitas narrativas revelaram a correspondência entre os projetos pessoais e familiares de reprodução social. Gilberto Velho (2003VELHO, Gilberto. Projeto e metamorfose: antropologia das sociedades complexas. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.), cujas contribuições são reconhecidamente importantes para os estudos sobre as carreiras profissionais (De Luca, Oliveira & Chiesa, 2016), entende que os projetos são planos dirigidos ao futuro, elaborados a partir da participação dos indivíduos em redes de relações interpessoais. Esses projetos são submetidos a determinantes sociais e fundamentam a tomada de decisões sobre a procura por trabalho. O Interlocutor 16 associa o investimento familiar ao fato de que “ele [o pai] sempre quis que eu fosse, que eu tivesse algum emprego público”. O suporte familiar representa uma experiência gradativa de aprendizado, que desde a infância, incute a ideia de que a dedicação aos estudos e o investimento na carreira profissional são meios possíveis de reprodução e mobilidade social. Com efeito, a transmissão de recursos não pode ser separada da transmissão de uma perspectiva sobre o futuro.

Em boa parte dos casos, os projetos profissionais decorrem de acordos familiares, que dão sentido aos investimentos de longo prazo nas trajetórias. Ainda assim, alguns relatos evidenciam desajustes entre os projetos e as biografias. A Interlocutora 13 lamenta que “eu programei minha vida completamente diferente, eu digo, nunca imaginei trabalhar em papelaria, nunca”. Quando começou a atuar como advogada, pensou até mesmo que ia “alavancar” na profissão, “mas tudo que a gente acaba programando, acaba mudando”. O apoio familiar lhe permite arcar com as despesas pessoais, enquanto planeja voltar ao mercado jurídico logo que vislumbre oportunidades, algo incentivado pelo pai, que “sempre fez questão de que eu estudasse para concurso”. Ao contrário do observado entre os trabalhadores pobres, para os quais, os imprevistos cotidianos ameaçam a sobrevivência do grupo e devem ser contornados por iniciativas emergenciais de acesso a recursos, nas camadas médias e superiores, as rupturas nas trajetórias costumam ser seguidas por um replanejamento dos projetos pessoais e familiares. A família e o indivíduo se debruçam sobre um novo campo de possibilidades, vislumbrando a satisfação pessoal e o acesso a bons empregos.

A socialização do trabalho reprodutivo constitui um tipo importante de solidariedade familiar. Mas, na amostra deste artigo, poucos indivíduos já possuíam filhos, e quando isso ocorria, tendiam a ser adolescentes ou adultos. É possível associar esse padrão ao baixo índice de fecundidade nos estratos superiores de renda (Camarano et al., 2014CAMARANO, Ana; KANSO, Solange; BARBOSA, Pamela; ALCÂNTARA, Viviane. Desigualdades na distribuição demográfica e as suas implicações na distribuição de renda no Brasil. In: CAMARANO, Ana Amélia (org.). Novo regime demográfico: uma nova relação entre população e desenvolvimento? Rio de Janeiro: Ipea, 2014.), ao que se somam o uso de ambientes institucionais de cuidado e o ciclo de vida dos entrevistados. Foram encontrados poucos relatos sobre a ajuda familiar no cuidado de crianças, ficando o melhor exemplo a cargo da Interlocutora 17. Ela conta que se mudou para Salvador ao iniciar a carreira jurídica, com o objetivo de procurar trabalho. Nesse período, precisou deixar “os dois [filhos] mais velhos com o pai e os dois mais novos com minha mãe [...] Eles ficaram lá, eu fiquei aqui dois anos, resolvi essa história de trabalho, mas o valor que eu ganhava era muito pouco ainda para trazer”. Depois de certo tempo, conseguiu um trabalho bem remunerado, o que lhe permitiu levar os filhos para a capital, inicialmente sob os cuidados de sua mãe.

Outros relatos trataram do desempenho de atividades de cuidado dirigidas a adultos. A Interlocutora 3 conta que, “no período que eu estava estudando, minha avó teve câncer, passou por quimioterapia. E eu sou muito apegada a ela. Então no início, esses seis meses de estudo que foram praticamente perdidos, foi o momento que eu fiquei mais com ela também”. Como sintetiza, enquanto os planos profissionais são elaborados, “a vida acontece independentemente, então você tem que escolher, em determinados momentos, qual é o seu foco. Naquele momento, o meu foco era minha avó”. Pesquisas sociológicas importantes se dedicaram a analisar os efeitos do envelhecimento progressivo nas relações familiares, levando em conta a demanda pelo cuidado de idosos, que costuma recair sobre as mulheres (Guimarães, Hirata & Sugita, 2011GUIMARÃES, Nadya; HIRATA, Helena; SUGITA, Kurumi. Cuidado e cuidadoras: o trabalho de care no Brasil, França e Japão. Revista Sociologia e Antropologia, v. 1, n. 1, p. 151-180, 2011.; Camarano, 2014CAMARANO, Ana; KANSO, Solange; BARBOSA, Pamela; ALCÂNTARA, Viviane. Desigualdades na distribuição demográfica e as suas implicações na distribuição de renda no Brasil. In: CAMARANO, Ana Amélia (org.). Novo regime demográfico: uma nova relação entre população e desenvolvimento? Rio de Janeiro: Ipea, 2014.). O debate evidencia que elementos não mercantis, nesse caso, a partir da socialização do cuidado intergeracional, cumprem um papel relevante no funcionamento do mercado de trabalho.

As atividades de cuidado e os afazeres domésticos costumam ser realizados por parentes do sexo feminino e por trabalhadoras domésticas. Por vezes, esse tipo de trabalho é compartilhado entre homens e mulheres, mas foram anotadas diferenças na dedicação de tempo e nos tipos de atividade, mesmo em arranjos aparentemente igualitários. O Interlocutor 7 diz que “cada um limpa o seu, elas [as filhas] limpam o quarto delas, eu limpo o nosso e a sala, e minha esposa limpa os banheiros e a cozinha”. Já na “limpeza do dia de sábado, eu ajudo ela [a esposa]”. Além de as parentes do sexo feminino arcarem com as atividades mais pesadas e desgastantes, uma tendência conhecida nos arranjos contemporâneos de divisão sexual do trabalho (Monticelli, 2021MONTICELLI, Thays. Divisão sexual do trabalho, classe e pandemia: novas percepções? Revista Sociedade e Estado, v. 36, n. 1, p. 83-107, 2021.), a “ajuda” revela que a responsabilidade do trabalho reprodutivo recai, de fato, sobre as mulheres. A Interlocutora 3 complementa esse quadro ao contar que, na sua casa, “vai faxineira uma vez na semana e os outros dias minha mãe faz comida [...] [a mãe] lava os pratos de manhã, eu lavo de noite, e meu irmão sempre foi tarefa besta, de encher a água e tirar o lixo”.

A terceirização do trabalho reprodutivo, nos casos em que “a gente tem uma diarista” (Interlocutor 2), foi recorrente. A contratação de trabalhadoras domésticas ilustra o modelo de delegação do trabalho reprodutivo (Hirata & Kergoat, 2007HIRATA, Helena; KERGOAT, Danièle. Novas configurações da divisão sexual do trabalho. Cadernos de Pesquisa, v. 37, n. 132, p. 595-609, 2007.), o que permite que muitos entrevistados se afastem das tarefas domésticas. A Interlocutora 10 conta que “moramos minha irmã e eu, e a gente tem uma diarista, então a gente não faz as tarefas, não limpa, não passa nem nada, porque tem ela”. Isso diminui o espaço conferido ao trabalho reprodutivo nas narrativas, limitada a algumas atividades esporádicas.

Ainda assim, algumas mulheres elevaram o tempo gasto nos afazeres domésticos quando estavam desempregadas. O papel da mulher como trabalhadora “produtiva” está condicionado à geração de renda, e quando isso não é possível, a pressão pelo desempenho de trabalho reprodutivo costuma aumentar (Lippe, Treas & Norbutas, 2017LIPPE, Tanja; TREAS, Judith; NORBUTAS, Lukas. Unemployment and division of housework in Europe. Work, Employment and Society, v. 32, n. 4, p. 1-20, 2017.). Didier Demazière (2017) entende que a legitimidade da atividade feminina é mais vulnerável que a dos homens, especialmente durante o desemprego. Isso traduz uma tensão entre as aspirações socioeconômicas e os constrangimentos impostos pela vida doméstica. Nas entrevistas, essa tensão afetava desproporcionalmente as mulheres jovens, que revelam elevadas expectativas de sucesso profissional, mas são submetidas a um controle de seus comportamentos e rotinas.

Certamente, o caso mais ilustrativo ficou a cargo da Interlocutora 12, que “não tinha suporte familiar para fazer o curso, então tinha muita demanda dentro de casa, e aí eu não consegui conciliar o curso com a demanda que eu tinha em casa”. Isso a obrigava a arcar com as tarefas domésticas e o cuidado de parentes enfermos. Logo, “eu não tinha tempo para fazer uma rotina [...] minha mãe não estava me dando suporte nenhum para estudo, todo mundo reclamando [...] E aí em 2018, eu me frustrei e decidi que ia advogar”. Tudo isso provocou um descontentamento com o seu papel na rede de parentesco, sintetizado no desabafo “minha família me toma”.

Esses exemplos servem para evitar uma constatação automática a respeito da disponibilidade de apoio familiar durante a procura por trabalho. O assunto se manifesta, sobretudo, nas entrevistas realizadas com mulheres e indivíduos oriundos de famílias de menor renda. Esses grupos são submetidos, respectivamente, à sobrecarga pelo trabalho reprodutivo e à impossibilidade de investir de maneira previsível na carreira profissional. Se a família tende a ser descrita como um ambiente de proteção e afeto - o que ilustra um ideal normativo -, essa representação deve configurar mais uma questão de pesquisa (a ser investigada, considerando a estratificação do mercado de trabalho e a divisão de direitos e deveres nos arranjos familiares) do que um dado a priori.

Considerações finais

No grupo que serviu como objeto de estudo para este artigo, a atuação familiar no desenvolvimento das carreiras profissionais se baseia em investimentos educacionais e na inserção planejada no mercado de trabalho. Contudo, a quantidade e a duração esses investimentos, bem como as oportunidades reais de implementá-los variam entre os entrevistados.

As trajetórias sedimentam uma forte identidade profissional, garantida pelo diploma superior e pelo pertencimento a uma categoria ocupacional bem definida. As carreiras constituem uma sequência coerente de ocupações, vinculadas a um nicho profissional. Para que essas carreiras sejam ambiciosas, as famílias realizam investimentos de longo prazo nas trajetórias, com o objetivo de preparar os indivíduos para o ingresso em mercados especializados e competitivos. O desemprego é descrito como período de oportunidades, pois o suporte familiar permite que os trabalhadores planejem a qualificação e a inserção profissional. Além do apoio à dedicação aos estudos, a procura por trabalho se beneficia de parentes que ocupam posições estratégicas em firmas e instituições.

A sobrevivência do grupo doméstico encontra-se garantida, e assim, o acesso a bens e serviços básicos é algo que independe da obtenção imediata de empregos. Por um lado, os indivíduos jovens e aqueles que eram provedores domésticos auxiliares não descreveram mudanças relevantes nas suas condições de vida; por outro, os indivíduos mais velhos e que eram provedores importantes precisaram reorganizar financeiramente suas unidades domésticas, via usufruto de poupanças e circulação familiar de dinheiro, entre cônjuges e gerações distintas.

Os projetos pessoais não se confundem com as demandas mais imediatas do grupo familiar, enquanto a cobrança por autonomia financeira apenas ocorre quando os indivíduos formam novas unidades domésticas por meio do casamento. O foco não é a sobrevivência do grupo, mas a realização do indivíduo, que deve ser investido e projetado para as melhores ocupações. A relevância da transmissão intergeracional de recursos e oportunidades evidencia um cenário de reprodução das desigualdades sociais. Ocasionalmente, os indivíduos precisam readequar os seus planos às oportunidades disponíveis, e para isso, contam com o apoio das famílias no custeio das despesas e na definição das melhores estratégias. Um bom exemplo é o movimento pendular entre as unidades domésticas, quando os indivíduos “dão um passo atrás” e retornam à casa dos pais, afastando-se das demandas financeiras de curto prazo e planejando uma melhor entrada no mercado de trabalho.

As entrevistas combinam discursos individualistas, que informam a importância do esforço e mérito pessoal, e coletivistas, que sublinham o papel da família para a garantia de bons percursos no mercado de trabalho. Como afirmam Emerson Rocha e Boike Rehbein (2020ROCHA, Emerson; REHBEIN, Boike. Social inequality, sociocultures, and social ontology in Brazil. In: BAUMANN, Benjamin; BULTMANN, Daniel (orgs.). Social ontology, sociocultures and inequality in the Global South, p. 157-179. London; New York: Routledge, 2020.), o Brasil é marcado por uma ontologia individualista e meritocrática, mas, nos estratos médios e superiores, as narrativas sobre as carreiras profissionais costumam destacar o papel das famílias no acesso a oportunidades. Ainda segundo os autores, um modelo de socialização centrado nas expectativas e escolhas individuais estabelece o indivíduo como a referência mais importante dos projetos familiares de reprodução social. Nas entrevistas, esse processo combina o suporte do grupo, descrito como esteio para as biografias, e o esforço pessoal, que caracteriza um ethos próprio das trajetórias ancoradas no investimento educacional e na obtenção de credenciais e posições bem estabelecidas no mercado de trabalho.

Vimos que o envio periódico de remessas de dinheiro permite a dedicação aos estudos e uma inserção planejada no mercado de trabalho. Esse tipo de apoio familiar é complementado pela indicação de clientes, ainda que a capacidade de alavancar as carreiras dependa do contato com parentes influentes no mercado jurídico. Por sua vez, a contratação de diaristas permite que os bacharéis foquem em atividades interpretadas como úteis ou produtivas. Todavia, algumas entrevistadas descreveram os impactos negativos dos afazeres domésticos e das atividades de cuidado na procura por trabalho. Não é raro que o desemprego feminino seja sucedido pela intensificação da demanda pelo trabalho reprodutivo, o que não foi observado entre os homens. Esse fenômeno está associado à produção de hierarquias no ambiente doméstico e ao fato de que, entre as mulheres, existe uma vinculação mais direta entre o papel produtivo e a necessidade de geração de renda.

Em linhas gerais, as experiências de desemprego interseccionam três aspectos:

  1. a composição de um campo profissional competitivo e com regras específicas de pertencimento e ingresso, cujas formas de procura por trabalho dependem, em boa parte, de investimentos de longo prazo na educação e no acúmulo de credenciais no mercado de trabalho;

  2. uma elaboração normativa das biografias, baseada na ideia de que cada etapa das trajetórias está associada a investimentos específicos, que são dispendidos nas instituições educacionais e no mercado de trabalho; e

  3. a posição socioeconômica dos arranjos familiares define o desemprego como experiência segura e submetida à ideia de carreira profissional.

Penso que esses elementos balizam uma forma típica de desemprego que tem sido pouco estudada no Brasil. A despeito de seus contornos mais gerais, existem padrões sociais que diversificam essa forma típica. Os desajustes entre os projetos pessoais e familiares ocorrem quando os indivíduos avaliam que o apoio de parentes não é suficiente para garantir uma boa trajetória profissional, ou quando as cobranças familiares são percebidas como injustas. Também não é garantido que as trajetórias ocorram de maneira previsível, em razão dos aspectos da vida familiar e das dinâmicas sociais que escapam ao controle dos indivíduos, sobretudo os ciclos do mercado de trabalho. Nesses casos, ocorre uma readequação dos projetos pessoais e dos acordos familiares, o que torna a experiência profissional mais incerta e, por vezes, distante de uma idealização que foi gestada durante anos de formação educacional e vivência no meio jurídico.

Estudos etnográficos sobre as relações sociais entre os desempregados e suas famílias, com um olhar mais detido sobre as práticas cotidianas, podem contribuir para o avanço desse campo de estudos. É verdade que os relatos pessoais são uma fonte importante de informações sobre a vida familiar, considerando a posição do indivíduo nos arranjos e sua participação em uma rede de parentesco. Mas certos aspectos da vida familiar, como os dissensos entre membros de uma mesma família, aprofundariam a temática das desigualdades intrafamiliares. De maneira complementar, a análise dos microdados de pesquisas domiciliares elucidaria como desempregados de diferentes grupos sociais se engajam em atividades produtivas e reprodutivas; as condições desiguais de existência durante o desemprego; e de que maneira a distribuição de atividades produtivas e reprodutivas nos domicílios varia durante experiências de desemprego e em grupos sociais distintos.

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  • 1
    Segundo os microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad-C), no primeiro trimestre de 2019, 48% da força de trabalho soteropolitana com formação universitária era parda, contra 28,9% no restante do país.
  • 2
    De outro modo, a associação entre desemprego e crise familiar manifesta na ruptura de vínculos, é um tema bastante presente nos estudos sociológicos até a década de 1980, seguindo o enfoque analítico iniciado por Marie Jahoda, Paul Lazarsfeld e Hans Zeisel (1933).
  • 3
    Em alguns poucos casos, dos avós.
  • 4
    A exemplo das transformações no funcionamento do sistema de ensino e as formas de transição entre a escola e o mercado de trabalho.

Anexo 1 Perfil dos entrevistados na Escola de Magistrados da Bahia

ID Sexo Idade Raça Bairro Renda familiar Emprego Salário 1 M 38 Preto Mata Escura R$ 3.300 Advogado R$ 3.300 2 M 59 Pardo Rio Vermelho R$ 3.300 Advogado Variável 3 F 28 Branca Cabula R$ 20.000 Advogada R$ 2.500 4 M 30 Pardo Canela R$ 11.000 Técnico judiciário R$ 11.000 5 M 41 Pardo Vila Laura R$ 13.000 Advogado Variável 6 M 32 Pardo Pituba R$ 10.000 Desempregado (2 anos) - 7 M 57 Pardo Pituba R$ 6.000 Advogado Variável 8 M 34 Pardo Brotas 4 SM Advogado Variável 9 M 32 Pardo Itapuã R$ 20.000 Assessor de desembargador R$ 10.000 10 F 32 Branca Pituba R$ 15.000 Procuradora municipal R$ 7.100 11 F 46 Parda Canela R$ 20.000 Desempregada (3 anos) - 12 F 29 Preta Monte Serrat R$ 4.000 Advogada Variável 13 F 28 Parda Paulo Afonso R$ 4.500 Vendedora Variável 14 F 35 Parda Rio Vermelho R$ 25.000 Advogada Variável 15 F 31 Branca Costa Azul R$ 7.000 Conciliadora R$ 2.000 16 M 32 Branca Patamares R$ 12.000 Advogado R$ 10.000 17 F 45 Branca Itinga R$ 3.500 Cargo administrativo R$ 3.500 18 M 63 Indígena Jauá R$ 6.000 Agente de turismo R$ 6.000 19 F 29 Parda Pituba R$ 60.000 Assessora de juiz R$ 12.700 20 M 27 Branca Vila do Atlântico R$ 32.000 Assessor de desembargador R$ 9.000 21 M 51 Parda Ondina R$ 30.000 Advogada R$ 20.000 * Todos os entrevistados possuem formação universitária.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    20 Mar 2023
  • Aceito
    12 Set 2023
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