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Pré-compromissos: as heurísticas necessárias para a decisão judicial

Precommitments: the necessary heuristics for judicial decision

Resumo:

O presente artigo tem por objetivo analisar a caracterização dos pré-compromissos democráticos, no modelo proposto por Jeremy Waldron, como heurísticas que estabelecem padrões decisórios a serem observados nos julgamentos, a fim de se garantir uma melhor qualidade constitucional-democrática das decisões judiciais. A problemática passa por uma abordagem de heurísticas e vieses que se utilizou de categorias teóricas do pensamento de Daniel Kahneman, entre outros autores. Este estudo se pauta em pesquisa bibliográfica inerente ao direito e à psicologia, para fins de estudo qualitativo das potencialidades da relação entre pré-compromissos e heurísticas. Os resultados demonstram a oportunidade de aprimoramento das decisões judiciais mediante o controle das heurísticas e vieses do ser humano julgador por meio de heurísticas advindas de pré-compromissos democráticos, sendo estes desenhados institucionalmente como uma arquitetura constitucional de escolhas. Neste cenário, o reconhecimento da característica heurística dos pré-compromissos apresenta visão que, sem negar as conquistas dos modelos teóricos mais aplicados, foca no natural modo de estruturação do pensamento humano, o qual causa impacto na teoria da decisão judicial.

Palavras-chave:
Pré-compromissos; Decisão Judicial; Heurísticas; Restrições Democráticas

Abstract:

The purpose of this article is to analyze the characterization of democratic precommitments, through the model proposed by Jeremy Waldron, as heuristics that establish decision-making standards used in court judgements, to ensure a better constitutional-democratic quality of judicial decisions. The problem involves an approach of Kahneman’s theoretical categories. This study uses the bibliographic analysis about law and psychology, for the purpose of qualitative study about the relations between precommitments and heuristics. The conclusion demonstrates the opportunity to enhance the judicial decisions by controlling the heuristics and biases of the human judge through heuristics derived from democratic precommitments, institutionally designed as a constitutional architecture of choices. In this scenario, the recognition of the heuristic characteristic of precommitments presents a vision (without denying the achievements of the most applied theoretical models) that focuses on the natural way of structuring human thought, which impacts the theory of judicial decision.

Keywords:
Precommitments; Judicial Decision; Heuristics; Democratic Constraints

1 INTRODUÇÃO

De início, percebe-se que a abordagem do presente estudo, pautada na interação entre pré-compromissos democráticos e padrões psicológicos do julgador, é tema de destacada relevância e que tem caráter inovador, pois os estudos anteriores (que pela grande diversidade não cabem nos limites deste artigo) focam em visões segregadas de cada um dos fenômenos. Todavia, em relação às pesquisas anteriores, cabe destacar o pensamento de Cass Sunstein (1999)SUNSTEIN, Cass R. Behavioral Law and Economics: A Progress Report. American Law and Economics Review, New York, v. 1, n. 1, n. 115-157, 1999., pois este busca uma visão da democracia através de heurísticas, razão pela qual o mesmo integra o marco teórico deste artigo.

Observar a realidade para interpretá-la, interpretar a realidade para se posicionar, justificar o raciocínio para decidir, decidir racionalmente para julgar de forma legítima. Eis o mantra que transcende a teoria do direito, o direito constitucional e o direito processual através de diferentes facetas, bem como que tem inspirado intensos debates na academia, no Judiciário e na sociedade.

A abordagem padrão do problema tem sido discutir as questões inerentes à teoria da norma jurídica, à interpretação do direito, à argumentação justificatória e aos elementos objetivos da decisão judicial. Tudo isso é parte do legado teórico que trouxe a democracia até o presente patamar civilizatório. Todavia, a abordagem tradicional (também lembrada em certos aspectos neste estudo) apresenta-se como uma heurística em si mesma, a qual merece maiores detalhamentos para se desvelarem outros aspectos da teoria da decisão judicial.

Para tal intento, o problema de pesquisa que o presente artigo investiga é a relação entre os pré-compromissos democráticos, no modelo proposto por Jeremy Waldron (2004, p. 256-257)WALDRON, Jeremy. Law and Disagreement. New York: Oxford University Press, 2004., e as heurísticas (Kahneman, 2012, posição 145-257)KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: Duas formas de pensar. Tradução: Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. E-book Kindle. necessárias à instrumentalização e à construção da decisão judicial. Neste caminho, investiga-se a humanidade do julgador como uma premissa necessária à definição do processo decisório, bem como os elementos teórico-institucionais que possibilitam reconhecer as características do pensamento do julgador.

Dessa maneira, o objetivo geral do presente artigo se volta ao estudo da classificação das formas de pensamento do juiz, mediante pensamento rápido e intuitivo (Sistema 1) e pensamento reflexivo (Sistema 2) (Kahneman, 2012, posição 281)KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: Duas formas de pensar. Tradução: Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. E-book Kindle. na construção de decisões judiciais, de modo a indicar que o processo de justificação da decisão judicial não escapa à influência do pensamento intuitivo e às heurísticas envolvidas. A metodologia adotada foi a análise bibliográfica para fins do desenvolvimento presente estudo qualitativo.

Os resultados indicam a possível simbiose entre os marcos teóricos de Jeremy Waldron e Daniel Kahneman (entre outros autores indicados no texto) para que existam controles democráticos e conscientes do processo de formação da decisão judicial, o que leva à conclusão de que é necessário o reconhecimento da função heurística dos pré-compromissos (e dos consensos democráticos) como limite à justificação (e ao seu invólucro de racionalidade) e como repositório de fundamentação, a fim de aprimorar o processo de julgamento a partir da maior previsibilidade do mesmo na democracia constitucional.

O primeiro capítulo demonstra a possibilidade de caracterização dos consensos dos pré-compromissos como modelos institucionais inerentes à democracia constitucional (nos níveis normativo e interpretativo), sendo que tal interação se mostra como fato a ser analisado e reconhecido. Já o segundo capítulo define os pré-compromissos como os padrões do sistema jurídico que devem ser observados pelo julgador, em detrimento das posições pessoais deste. Desse modo, os pré-compromissos podem ser caracterizados como atalhos a serem normalizados na cadeia de pensamentos do julgador e no sistema jurídico, a fim de se aprimorar os julgamentos. Este é o cenário do estudo, o qual situa a decisão judicial como um produto surgido do característico gradiente inerente à racionalidade humana, fato este que deve ser levado em conta pela teoria do direito.

2 PRÉ-COMPROMISSOS: A CARACTERIZAÇÃO DOS CONSENSOS COMO HEURÍSTICAS

Seria inadequado negar os milhões de anos de evolução da biologia do pensamento humano (Harari, 2015, posição 148-152)HARARI, Yuval Noah. Sapiens: Uma breve história da humanidade. Tradução: Janaína Marcoantonio. Porto Alegre: L&PM Editores, 2015. E-book Kindle. mediante teoria que encobrisse tal característica, pois a estrutura do pensamento humano possui elementos próprios de funcionamento, os quais são pressupostos à própria existência da decisão judicial como uma atividade humana.

Os estudos acerca dos processos de decisão não são uma exclusividade do direito, pois, por exemplo, a psicologia, a filosofia, a administração e a ciência da computação se interessam profundamente pelo tema (Magalhães; Lima, 2019)MAGALHÃES, Átila de Alencar Araripe; LIMA, Renata Albuquerque. A Contínua Necessidade do Juiz em Transpor Obstáculos Epistemológicos e Superar Paradigmas na Construção do Conhecimento Científico do Direito. Seqüência - Estudos jurídicos e políticos, Florianópolis, v. 40, n. 81, p. 105-130, abr. 2019. DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2177-7055.2019v40n81p105.
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.

Nesse sentido, o campo de estudo é vasto e qualquer pretensão de revisitar todos os temas seria ingenuidade. Assim, como lembra Nassim Taleb (2019, p. 37)TALEB, Nassim Nicholas. A Lógica do Cisne Negro: O impacto do altamente improvável. Tradução: Marcelo Schild. 19ª ed. Rio de Janeiro: BestBusiness, 2019., deve-se desconfiar de teorias com pretensão de completude, haja vista a opacidade da realidade em relação à percepção do intelecto humano. Dessa forma, falar sobre pré-compromissos e heurísticas é flertar com a incompletude das soluções pensadas no tecido do processo político (Waldron, 2004, p. 256)WALDRON, Jeremy. Law and Disagreement. New York: Oxford University Press, 2004., com o limite do conhecimento e com aquilo que já se conhece para não tropeçar nos obstáculos do desconhecido (Thaler; Sunstein, 2019, posição 466-467)THALER, Richard H.; SUNSTEIN, Cass R. Nudge. Tradução: Ângelo Lessa. Rio de Janeiro: Objetiva , 2019. E-book Kindle..

Ainda que o direito tenha que empregar um importante esforço para se adaptar às novas realidades e aos novos ares, deve-se ter em mente que na ponderação jurídica primordial entre justiça e segurança jurídica (Alexy, 1997, p. 138)ALEXY, Robert. Teoria de Los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997. esta última também tem seu espaço, seu momento e sua função no regime democrático. Desse modo, para além de ser uma norma inerente ao direito fundamental à segurança jurídica, conforme se extrai do art. 5º, caput, da Constituição Federal e de outras normas do ordenamento jurídico brasileiro, a estabilização das relações jurídicas é um valor (Alexy, 1997, p. 143)ALEXY, Robert. Teoria de Los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997. que deve ser perseguido na democracia (Habermas, 1997, p. 316-317)HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Vol. I. Tradução: Flávio Beno Siebeneichler. Brasília: Tempo Brasileiro, 1997..

Nessa linha, serão analisados, por um lado, os principais tipos de heurísticas existentes (Thaler; Sunstein, 2019, p. 423-426)THALER, Richard H.; SUNSTEIN, Cass R. Nudge. Tradução: Ângelo Lessa. Rio de Janeiro: Objetiva , 2019. E-book Kindle. e, por outro, a influência dos modelos heurísticos na formação de pré-compromissos decisórios voltados à composição de argumentação (Waldron, 2004, p. 257)WALDRON, Jeremy. Law and Disagreement. New York: Oxford University Press, 2004. apta a influenciar o processo de decisão pelo Judiciário (Habermas, 1997, p. 241)HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Vol. I. Tradução: Flávio Beno Siebeneichler. Brasília: Tempo Brasileiro, 1997..

Em tal aspecto, Waldron (2004, p. 257-258)WALDRON, Jeremy. Law and Disagreement. New York: Oxford University Press, 2004. adota a ideia do pré-compromisso como a forma de vinculação à segurança (inclusive contra maiorias legislativas eventuais) e à previsibilidade de aplicação do Direito, num balanço delicado entre democracia e soberania popular (Waldron, 2004, p. 256-257)WALDRON, Jeremy. Law and Disagreement. New York: Oxford University Press, 2004.. Nesse caminho, percebe-se a distinção entre o pré-compromisso individual (cujo grau de consenso é mais tênue) e o pré-compromisso democrático, que possui um caráter vinculativo mais denso (Waldron, 2004, p. 271)WALDRON, Jeremy. Law and Disagreement. New York: Oxford University Press, 2004.. Todavia, vale destacar que, a depender de cada desenho institucional, os pré-compromissos variam nas formas de vinculação e de revisão dos mesmos (Dixon, 2019DIXON, Rosalind. Argumento Central a Favor da Forma Fraca do Controle de Constitucionalidade. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, Curitiba, v. 24, n. 2, p. 5-55, mai./ago. 2019. DOI: 10.25192/issn.1982-0496.rdfd.v24i21647.
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).

Um pré-compromisso individual (Waldron, 2004, p. 260-263)WALDRON, Jeremy. Law and Disagreement. New York: Oxford University Press, 2004. pode ser um mecanismo causal (espécie de mecanismo à prova de falhas) ou pode se constituir por meio de uma limitação prévia mediante a atribuição de uma decisão ao julgamento de outra pessoa que não seja a afetada diretamente pelo resultado. Nesse sentido, em caso de pré-compromisso individual, o agente é considerado bastante certo (em seus momentos de lucidez) sobre as ações que deseja evitar, pelo fato destas ações serem indesejáveis em si mesmas no contexto do tecido social. Nessa linha, o agente tem percepção a respeito das ações que ele possa ser tentado a executar no futuro (por exemplo: o fumante que conhece os males do cigarro; e o motorista que sabe é mais perigoso dirigir após ingerir álcool) (Waldron, 2004, p. 259)WALDRON, Jeremy. Law and Disagreement. New York: Oxford University Press, 2004.. Por outro lado, os pré-compromissos democráticos representam problemática que demanda uma análise mais detalhada.

Assim, questão reside na ponderação entre a vontade do presente (e seu poder de vinculação do futuro mediante a predição de situações de risco ou indesejadas, bem como o através do planejamento de ações) e a vontade do futuro, a qual poderá buscar se expor à situação de risco ou indesejada (Consani, 2014)CONSANI, Cristina Foroni. A Crítica de Jeremy Waldron ao Constitucionalismo Contemporâneo. Revista da Faculdade de Direito - UFPR, Curitiba, v. 59, n. 2, p. 143-173, 2014..

Por sua natureza, o consenso (Waldron, 2004, p. 270-271)WALDRON, Jeremy. Law and Disagreement. New York: Oxford University Press, 2004. é intergeracional na medida em que o “eu do presente” adota medidas de contenção de eventuais desvios e iniquidades a serem potencialmente praticados pelo “eu do futuro”. Por outro lado, o “eu do futuro” (quando já estiver consciente que é o novo “eu do presente”) pode não mais concordar com os pré-compromissos antes assumidos no nível democrático (constitucional, legal ou em relação aos precedentes judiciais), o que implica na potencial superação do, neste momento, “eu do passado”.

Ademais, Habermas (2012, p. 61)HABERMAS, Jürgen. Teoria do Agir Comunicativo, 1: Racionalidade da ação e racionalização social. Tradução: Paulo Astor Soethe. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012. lembra que os consensos possuem um grau de provisoriedade, pois a coação do melhor argumento pode mostrar ser necessária a repactuação do consenso constitucional em algum momento no futuro (Habermas, 2002, p. 73). Tal perspectiva de Habermas se restringe aos aspectos procedimentais do uso público da razão e desenvolve “o sistema dos direitos a partir da ideia de sua institucionalização legal” (Habermas, 2002, p. 87)HABERMAS, Jürgen. A Inclusão do Outro: Estudos de teoria política. Tradução: George Sperber e Paulo Astor Soethe. São Paulo: Loyola, 2002., o que passa pelas “condições para discursos e negociações racionais” (Habermas, 2002, p. 88)HABERMAS, Jürgen. A Inclusão do Outro: Estudos de teoria política. Tradução: George Sperber e Paulo Astor Soethe. São Paulo: Loyola, 2002.. Sobre os consensos democráticos, percebe-se que tanto a leitura de Waldron quanto à abordagem de Habermas são posições que refletem melhor a democracia em seu dinamismo de profusão de ideias.

Essa abordagem possibilita uma viagem no espaço-tempo jurídico para criar freios de contenção aos abusos da vontade futura contaminada pela visão tópica (e potencialmente tóxica) do momento em que se desenvolverá a decisão, sendo que este pensamento tem como pressuposto a possibilidade de pré-compromissos desejáveis e necessários para o funcionamento da democracia. Contudo, os pré-compromissos podem sofrer desgaste temporal e passarem por pressão político-jurídica para sua ressignificação, ou mesmo para sua extinção. Aliás, esta entropia é natural, pois tudo que é organizado, desde a matéria (Chakrabarti; Chakrabarty, 2007)CHAKRABARTI, C.; CHAKRABARTY, Indranil. Boltzmann Entropy: Probability and Information. Romanian Journal of Physics, Bucharest, v. 52, n. 5-7, p. 559-564, 2007. até a informação (Shannon, 1948)SHANNON, Claude E. A Mathematical Theory of Communication. The Bell System Technical Journal, New York, v. 27, n. 3, p. 379-423, Jul. 1948. DOI: 10.1002/j.1538-7305.1948.tb01338.x.
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, tende a se desorganizar com o passar do tempo, imperativo este que não discrimina nada e alcança inclusive o Direito. Todo consenso tenderá, em algum momento, a uma nova rodada de repactuação causada pelo dissenso que surge na vida democrática (Mouffe, 2014)MOUFFE, Chantal. Agonística: Pensar el mundo políticamente. Tradução: Soledad Laclau. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2014..

Dessa maneira, no futuro há a probabilidade de que a sociedade tenha posicionamentos democraticamente fracos, sendo que no âmbito jurídico os pré-compromissos podem ser ativados para se proteger do momento de fragilidade, a fim de que, como no exemplo de Ulisses tentado pelo canto das sereias, a democracia resista à sua corrosão interna em relação às instituições básicas de funcionamento (Elster, 1977)ELSTER, Jon. Ulysses and the sirens: A theory of imperfect rationality. Social Science Information, v. 16, n. 5, 469-526, 1977. DOI: 10.1177/053901847701600501.
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, resiliência esta que também deve alcançar o Direito fruto do regime democrático. Logo, os pré-compromissos democráticos definem a maquinaria institucional de funcionamento do Estado e estabelecem um rito constitucional mais dificultoso ao processo de emenda, o que atua sobre os problemas de paixão, inconsistência e eficiência na aplicação do Direito (Elster, 2000, p. 117-118)ELSTER, Jon. Ulysses Unbound: Studies in Rationality, Precommitment, and Constraints. Cambridge: Cambridge University Press, 2000. E-book Kindle..

Nessa linha, há uma distinção entre democracia e soberania popular, uma vez que as decisões que determinam a forma da constituição institucional básica de uma sociedade são tecidas no contexto da vida política comum, decisões estas que, na medida em que ocorrem, podem ser indistinguíveis do cotidiano da tomada de decisões políticas próprias das instituições democráticas (Waldron, 2004, p. 256)WALDRON, Jeremy. Law and Disagreement. New York: Oxford University Press, 2004.. Portanto, uma atribuição da soberania popular a um sistema político é uma questão de julgamento. Exige-se o descobrimento de quais decisões contam como constitutivas do sistema político em questão, bem como é necessário que se arrisque certa hipótese explicativa para demonstrar o significado constitucional das decisões, de maneira a contar com a hipótese no sentido de que elas permaneceram ou se estabeleceram como práticas constitucionais porque eram aceitáveis como tal para a maioria dos membros comuns da sociedade (Waldron, 2004, p. 257)WALDRON, Jeremy. Law and Disagreement. New York: Oxford University Press, 2004..

Neste ponto, é necessário perceber que a existência de restrições constitucionais escritas e o poder dos tribunais para interpretá-las e aplicá-las são mecanismos de restrição que as pessoas deliberadamente e por boas razões optaram por impor (Waldron, 2004, p. 257)WALDRON, Jeremy. Law and Disagreement. New York: Oxford University Press, 2004.. Isso se verifica desde de uma “pretensão de fundamentalidade” (Alexy, 2005, p. 193-194)ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: A Teoria do Discurso Racional como Teoria da Justificação Jurídica. 2.ª ed. Tradução: Zilda Hutchinson Schild Silva. São Paulo: Landy, 2005., eis que se mostra um processo de arquitetura de escolhas para a melhoria da qualidade das decisões dentro do necessário desenho institucional, pois um “arquiteto de escolhas tem a responsabilidade de organizar o contexto no qual as pessoas tomam decisões” (Thaler; Sunstein, 2019, posição 89-90)THALER, Richard H.; SUNSTEIN, Cass R. Nudge. Tradução: Ângelo Lessa. Rio de Janeiro: Objetiva , 2019. E-book Kindle..

Dessa forma, a inteligência desse tipo de autocontrole consiste no aspecto de que a legislação majoritária possivelmente venha a ser injusta, mediante a discriminação de minorias, que são impotentes politicamente para resistir, por uma maioria. Assim, os pré-compromissos se constituem em atalhos mentais (Kahneman, 2012, posição 2037)KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: Duas formas de pensar. Tradução: Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. E-book Kindle. que restringem a possibilidade de pura e simples revisão da interpretação pelo julgador.

Com foco nesta concepção de racionalidade limitada, este padrão de julgamento, caracterizado como um ponto necessário para o sistema democrático, reverte-se em respeito aos direitos individuais, definindo-se o mesmo como incompatível com uma imagem puramente predatória de maiorias legislativas eventuais. Dessa forma, se as restrições constitucionais e os mecanismos de judicial review forem estabelecidos por decisão popular, os mesmos podem ser vistos como precauções tomadas pelos titulares responsáveis contra suas próprias imperfeições (por exemplo: Ulisses que se amarra ao mastro do navio; ou motorista que esconde a chave quando irá experimentar bebida alcoólica). Tais arranjos relacionam-se com a ideia de autogoverno, não caracterizando simples derrogações da liberdade individual.

Portanto, as heurísticas levam o sistema jurídico a “esquecer” o calor do debate majoritário e a demarcar o terreno, de maneira a garantir a adoção de comportamento decisório baseado em arquitetura inteligente (Thaler; Sunstein, 2019, posição 730-738)THALER, Richard H.; SUNSTEIN, Cass R. Nudge. Tradução: Ângelo Lessa. Rio de Janeiro: Objetiva , 2019. E-book Kindle. que estimule um ambiente de decisões democráticas.

Nessa toada, o ato de pré-compromisso pode ser autônomo, contudo a autonomia do agente A que estabelece o pré-compromisso (na época t1) pode ser delimitada pelo julgamento do agente B que aplica o pré-compromisso na época futura t2 (Waldron, 2004WALDRON, Jeremy. Law and Disagreement. New York: Oxford University Press, 2004., p. 262.). Por conseguinte, a dimensão interpretativa na época futura t2 pode atuar dentro do espaço que encontra na textura da linguagem (Hart, 2009HART, Herbert Lionel Adolphus. O Conceito de Direito. Tradução: Antônio de Oliveira Sette-Câmara. São Paulo: WMF Martins Fontes , 2009., p. 164) e na multiplicidade de significados (Alexy, 2005ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: A Teoria do Discurso Racional como Teoria da Justificação Jurídica. 2.ª ed. Tradução: Zilda Hutchinson Schild Silva. São Paulo: Landy, 2005., p. 222) que o próprio pré-compromisso limita ao intérprete no julgamento.

No já referido exemplo do motorista, o agente sabe que após ingerir álcool seu julgamento sobre a capacidade de dirigir com segurança será seriamente prejudicado. Tal caso se enquadra na categoria de patologia decisória ou akrasia (Waldron, 2004, p. 266)WALDRON, Jeremy. Law and Disagreement. New York: Oxford University Press, 2004.. Esta categoria é inerente às restrições constitucionais e ao controle do aspecto político no regime democrático, pois, guardadas as proporções limitadas do exemplo, é possível que uma vontade da sociedade futura represente o rompimento com os consensos sobre as formas de vida e de organização estabelecidas como importantes para a própria existência da sociedade, o que desde já demonstra que laços de coesão jurídico-social não podem ser revistos sem prévio debate democrático e institucional.

A figura da akrasia, conforme o pensamento de Waldron, representa a crise do consenso intertemporal, pois a akrasia desafia os modelos estabelecidos de maneira a implicar em rodada de decisão desorientada, movendo-se a decisão para longe do padrão previamente gravado no sistema jurídico, motivo pelo qual se trata de vício decisório que deve ser combatido. Desse modo, para além da destruição dos padrões decisórios, o esquecimento da história invariavelmente tem o potencial de superar pré-compromissos estabelecidos no nível jurídico-interpretativo, vindo a desafiar o próprio regime democrático em sua demanda por previsibilidade e coerência interna.

Por outro lado, o cerne da teoria dos precedentes (Barboza, 2011, p. 180-194)BARBOZA, Estefânia Maria de Queiroz. Stare Decisis, Integridade e Segurança Jurídica: reflexões críticas a partir da aproximação dos sistemas de common law e civil law. 2011. Tese (Doutorado em Direito) - Programa de Pós-graduação em Direito, Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), Curitiba, 2011. aponta que a superação de posicionamento anterior sem a existência de um debate nos planos político-jurídico (mediante overruling) e intertemporal (por meio da historicidade) implica em decisão de pior qualidade, pois o que se tem é a formação de novo consenso sem que haja a retomada do consenso anterior no âmbito institucional, o que denota ausência de integridade (Lorenzetto; Clève, 2016)LORENZETTO, Bruno Meneses; CLÈVE, Clèmerson Merlin. Interpretação Constitucional: entre dinâmica e integridade. Seqüência - Estudos jurídicos e políticos, Florianópolis, v. 37, n. 72, p. 67-92, abr. 2016. DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2177-7055.2016v37n72p67.
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. Nesse ponto, cabe ressaltar que o funcionamento da democracia se dá por meio de instituições (SÁNCHEZ-CUENCA, 2003SÁNCHEZ-CUENCA, Ignacio. Power, Rules, and Compliance. In: MARAVALL, José María (coord.); PRZEWORSKI, Adam (coord.). Democracy and the Rule of Law. Cambridge: Cambridge University Press , 2003., p. 80-81), eis que mesmo a criação argumentativa de nova interpretação a embasar decisão judicial deve ser construída mediante argumentação institucionalizada (Maccormick, 2009, p.13-15)MACCORMICK, Neil. Argumentação Jurídica e Teoria do Direito. Tradução: Waldéa Barcellos. 2.ª ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009..

Nessas circunstâncias, embora um pré-compromisso constitucional não seja garantia de imutabilidade da interpretação jurídica estabelecida, o consenso político-jurídico estabelecido é um marco que somente pode ser revisto por meios institucionais democráticos. A partir deste dilema inerente à crise do pré-compromisso, Waldron utiliza o exemplo da sua personagem Bridget (Waldron, 2004, p. 268-269)WALDRON, Jeremy. Law and Disagreement. New York: Oxford University Press, 2004., onde o “eu do presente” (que mudou de religião) proibiu um comportamento ao “eu do futuro” (acessar a biblioteca teológica) e estabeleceu um pré-compromisso com um órgão de controle (entrega a chave da biblioteca para amigos), sendo que de maneira superveniente o “eu do futuro” (agora no presente) pretende a quebra do pré-compromisso com o “eu do passado” (mediante a devolução das chaves). Neste exemplo, o órgão de controle, representado pelos amigos de Bridget, deve devolver as chaves? Dessa forma, o exemplo é muito realista ao reconhecer que há um limite aos pré-compromissos, sendo que no espaço democrático, no limite da resiliência do consenso, o pré-compromisso deve ser revisto, abrindo-se espaço para os desacordos na interpretação jurídica e para a política no ambiente democrático.

Logo, no que tange às escolhas político-democráticas, as restrições constitucionais caracterizam pré-compromissos menos irreais e mais aceitáveis (Waldron, 2004, p. 262)WALDRON, Jeremy. Law and Disagreement. New York: Oxford University Press, 2004., eis que é possível, em certos casos na realidade brasileira (observadas as cláusulas pétreas do art. 60, §4º, da Constituição Federal), alterar as restrições referidas através de emendas constitucionais (ainda que isso seja politicamente dificultoso). Isso ocorre porque a objeção democrática seria mais forte se a oportunidade de emenda à constituição não existisse (Waldron, 2004, p. 275)WALDRON, Jeremy. Law and Disagreement. New York: Oxford University Press, 2004..

Observa-se que as restrições constitucionais são externas às instituições democráticas criadas para agir em nome do povo, mesmo que as restrições sejam inerentes à vontade do próprio povo, considerado este como soberania popular (Waldron, 2004WALDRON, Jeremy. Law and Disagreement. New York: Oxford University Press, 2004., p. 275). Sendo assim, as decisões são tomadas com base em pré-decisões (Waldron, 2004, p. 278)WALDRON, Jeremy. Law and Disagreement. New York: Oxford University Press, 2004., como no caso das decisões judiciais que são feitas com base em escolhas constitucionais. Dessa forma, o procedimento como pré-compromisso, embora possa ser alterado, garante a existência de uma deliberação (Waldron, 2004, p. 278)WALDRON, Jeremy. Law and Disagreement. New York: Oxford University Press, 2004. e de que esta seja institucionalmente observada.

Nesse sentido, as instituições democráticas devem ser estabelecidas como uma forma particular de decisão majoritária, a qual é baseada em princípios democráticos que observam a proteção às minorias (Waldron, 2004, p. 279)WALDRON, Jeremy. Law and Disagreement. New York: Oxford University Press, 2004., pois, embora existam questões sobre as quais as pessoas discordam razoavelmente, por outro lado se caracterizam questões de discordância que passam por um viés de discriminação (Waldron, 2004, p. 279)WALDRON, Jeremy. Law and Disagreement. New York: Oxford University Press, 2004..

Desse modo, a existência de divergências razoáveis é característica de todas as democracias modernas. Justamente em decorrência da própria característica do regime democrático, os juízes discordam tanto entre si quanto quaisquer outras pessoas. É de boa-fé esta discordância sobre a natureza da Constituição e sua interpretação (Waldron, 2004, p. 280)WALDRON, Jeremy. Law and Disagreement. New York: Oxford University Press, 2004., ainda que se seja baseada em vieses equivocados (Kahneman, 2012, p. 570)KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: Duas formas de pensar. Tradução: Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. E-book Kindle.. Os desacordos decorrem, inclusive, de imperfeição ou assimetria de informação (Downs, 2001, p. 100)DOWNS, Anthony. Teoría económica de la acción política en una democracia. In: RUBIO, Albert Batlle (coord.). Diez textos básicos de Ciencia Política. Madrid: Ariel, 2001., o que demonstra a necessidade de adequada delineação dos pré-compromissos como balizas interpretativas para a decisão judicial.

A partir destes pressupostos, evidencia-se que um pré-compromisso, embora seja racional em sua gênese, passa a estimular decisões intuitivas pelas instituições democráticas, as quais podem aprimorar a agilidade decisória dentro das atividades estatais, especialmente no que se refere às decisões judiciais. Isso se evidencia na medida em que há a superação do pré-compromisso individual (padrão individual de decisão) mediante o reconhecimento de que os pré-compromissos constitucionais se dão no plano coletivo, na dinâmica viva da própria democracia. A parábola da biblioteca teológica utilizada por Waldron é bastante didática, na medida em que a sociedade pode decidir rever aspectos do pacto democrático com o passar dos anos, sem que isso autorize o incentivo a decisionismos por parte dos juízes.

3 HEURÍSTICAS E PRÉ-COMPROMISSOS: HEURÍSTICAS DO JULGADOR VERSUS HEURÍSTICAS DO DIREITO

Do ponto de vista da psicologia, uma heurística pode ser definida como sendo um atalho mental para uma decisão mais rápida (Moraes; Tabak, 2018)MORAES, José Diniz de; TABAK, Benjamin Miranda. As Heurísticas e Vieses da Decisão Judicial: análise econômico-comportamental do direito. Revista Direito GV, São Paulo, v. 14, n. 2, p. 618-653, set. 2018. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/2317-6172201824.
https://doi.org/10.1590/2317-6172201824...
, com grande nível de automatização e já reprodutora de um padrão pré-definido, ou mesmo como sendo uma decisão que reverbere o padrão já conhecido pela mente humana. Daniel Kahneman refere que heurística é um procedimento simples que auxilia na busca de respostas (ainda que provavelmente imperfeitas), bem como que tais respostas têm a característica de adequação para questões difíceis (Kahneman; Tversky, 1982, posição 232)KAHNEMAN, Daniel; TVERSKY, Amos. Judgement Under Uncertainty: Heuristics and Biases. Cambridge: Cambridge University Press, 1982. E-book Kindle.. Veja-se que o estudo mais influente sobre o tema foi produzido em decorrência da parceria entre Daniel Kahneman e Amos Tversky, sendo que Kahneman vem desenvolvendo sua pesquisa neste ponto há algumas décadas.

Para facilitar a compreensão, de maneira mais apegada à didática do que a um rigorismo, Kahneman (2012, posição 229)KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: Duas formas de pensar. Tradução: Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. E-book Kindle. divide as formas de pensar entre o Sistema 1 e o Sistema 2 (Kahneman, 2012, posição 281)KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: Duas formas de pensar. Tradução: Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. E-book Kindle. como se fossem dois personagens. Neste ponto, o presente trabalho passa a adotar a classificação didática das formas de pensamento, na maneira proposta por Kahneman, pois a divisão de funções entre os Sistemas 1 e 2 é bastante eficiente, eis que otimiza o desempenho e diminui o esforço cognitivo (Kahneman, 2012, posição 469).

O intuitivo Sistema 1 tem mais influência e é o autor silencioso de várias das escolhas feitas e dos julgamentos realizados pelo ser humano (Kahneman, 2012, posição 282)KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: Duas formas de pensar. Tradução: Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. E-book Kindle., sendo que o Sistema 1 nunca é desligado (Kahneman, 2012, posição 473)KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: Duas formas de pensar. Tradução: Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. E-book Kindle.. Observa-se que o Sistema 1 atua de maneira continua na aplicação de soluções intuitivas pré-programadas. Tal abordagem pode ser aplicada aos pré-compromissos (Waldron, 2004, p. 258-260)WALDRON, Jeremy. Law and Disagreement. New York: Oxford University Press, 2004., na medida em que estes atuam num nível de pré-compreensão interpretativa com potencial de vinculação das decisões judiciais pela via argumentativa-institucional.

Dessa forma, a função do Sistema 1 é manter e atualizar o modelo de mundo a ser observado pelo intérprete (Kahneman, 2012, posição 1502)KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: Duas formas de pensar. Tradução: Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. E-book Kindle., razão pela qual deve passar de um modelo de mundo pessoal e puramente subjetivado para um padrão de mundo de maior objetivação, eis que neste último deve existir uma abordagem jurídica pautada numa versão ontológica e valorativa pressuposta pelos pré-compromissos (constitucionais e legais) a serem observados na decisão judicial (Waldron, 2004, p. 280)WALDRON, Jeremy. Law and Disagreement. New York: Oxford University Press, 2004..

Nesse sentido, inclusive em observância ao argumento contramajoritário (Gargarella, 2011, p. 122)GARGARELLA, Roberto. La Justicia Frente al Gobierno. Quito: Corte Constitucional para el Período de Transición, 2011., as relações de causalidade jurídica indicadas pelos pré-compromissos constitucionais preparam o julgador para pensar por meio de padrões inseridos dentro de seu próprio Sistema 1, eis que este reproduz referidos padrões (Kahneman, 2012, posição 1609)KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: Duas formas de pensar. Tradução: Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. E-book Kindle.. Dessa forma, tal causalidade intencional consiste na pressuposição de que algo acontecerá a partir do que se conhece (Kahneman, 2012, posição 1617)KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: Duas formas de pensar. Tradução: Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. E-book Kindle., sendo papel dos pré-compromissos delimitar aquilo que “se conhece” juridicamente a partir da interação com outros pontos de vista que são externos ao Direito (mas ínsitos à pessoa do julgador). Desse modo, negar a influência da pré-compreensão externa ao Direito na composição da decisão judicial acabaria sendo tentativa de encobrir a realidade, pois a pré-compreensão é também delineada pela assimetria informacional e por escolhas pessoais (Downs, 2001, p. 106)DOWNS, Anthony. Teoría económica de la acción política en una democracia. In: RUBIO, Albert Batlle (coord.). Diez textos básicos de Ciencia Política. Madrid: Ariel, 2001., seja nas decisões tomadas pelos serem humanos ou nas decisões auxiliadas por máquinas (Pádua, 2020)PÁDUA, Sérgio Rodrigo de. O Juiz Ciborgue: Inteligência Artificial e Decisão Judicial. In: ROVER, Aires José et al. Direito, Governança e Novas Tecnologias III. Florianópolis: CONPEDI, 2020. programadas pelos humanos (Sunstein, 2019)SUNSTEIN, Cass R. Algorithms, Correcting Biases. Social Research: Algorithms, New York, v. 86, n. 2, 2019..

Logo, a causalidade intencional é uma consequência da heurística da disponibilidade utilizada nas decisões judiciais (Sunstein, 2019)SUNSTEIN, Cass R. Algorithms, Correcting Biases. Social Research: Algorithms, New York, v. 86, n. 2, 2019., pois na “dúvida, o Sistema 1 aposta numa solução, e a aposta é orientada pela experiência” (Kahneman, 2012, posição 1675)KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: Duas formas de pensar. Tradução: Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. E-book Kindle.. Por outro prisma, a heurística da disponibilidade (availability heuristic) (Kahneman, 2012, posição 145)KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: Duas formas de pensar. Tradução: Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. E-book Kindle. é muito criticada por Nassim Taleb (2019, p. 192)TALEB, Nassim Nicholas. A Lógica do Cisne Negro: O impacto do altamente improvável. Tradução: Marcelo Schild. 19ª ed. Rio de Janeiro: BestBusiness, 2019., na medida em que ela tem o potencial de causar decisão baseada em viés de predição daquilo que vai ocorrer no futuro, embora o futuro seja imprevisível devido à característica entrópica da realidade informacional. Isso lembra que o Direito tem compromisso com a previsibilidade de sua aplicação nas decisões judiciais (Santano, 2015)SANTANO, Ana Claudia. Entre a (In)Segurança Jurídica, os Direitos Fundamentais Políticos e o Ativismo Judicial: as Deficiências da Justiça Eleitoral e seus Efeitos sobre a Democracia Brasileira. Revista Direito Público, Brasília, v. 12, n. 66, p. 32-53, 2015., papel este que é desenvolvido numa abordagem bastante ligada à dinâmica de construção e reconstrução dos consensos e de como os pré-compromissos atuam como um amortecedor jurídico na reconstrução consensual.

Todavia, veja-se que ao se admitir a heurística da disponibilidade no processo de formação das decisões judiciais o enfoque não é apenas sobre os pré-conceitos decorrentes da historicidade da linguagem na formação do Direito, pois, para além disso, a abordagem se volta ao modo como a linguagem (e seus pré-conceitos intersubjetivos) encontra limites na própria forma de pensar inerente a todo ser humano. Por isso existe a necessidade de serem estabelecidos atalhos jurídico-argumentativos como anteparos aos padrões intuitivos inferidos pelo julgador, solução que surge a partir da abordagem de pré-compromissos democráticos. Dessa forma, os pré-compromissos possuem aspecto político-jurídico que reconhece a dimensão da linguagem na sua formação (Waldron, 2004, p. 278)WALDRON, Jeremy. Law and Disagreement. New York: Oxford University Press, 2004., mas que não impedem o reconhecimento da irrevogável humanidade do julgador, motivo pelo qual a posição de Waldron é uma proposta de controle racional dos decisionismos que é mais sincera para com a realidade.

Desse modo, os pré-compromissos constituem parte da arquitetura de escolhas (Thaler; Sunstein, 2019, posição 1542-1543)THALER, Richard H.; SUNSTEIN, Cass R. Nudge. Tradução: Ângelo Lessa. Rio de Janeiro: Objetiva , 2019. E-book Kindle. político-jurídica que demonstra o poder do Sistema 1 (Kahneman, 2012, posição 1788)KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: Duas formas de pensar. Tradução: Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. E-book Kindle. no estímulo das decisões a serem tomadas por julgadores. Isto ocorre porque o pensamento intuitivo nunca é desligado, eis que, quanto mais se nega a influência psicológica nos julgamentos, mais se mascara o fato de que na verdade o Sistema 1 influencia até mesmo as mais cuidadosas decisões (Kahneman, 2012, posição 1805)KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: Duas formas de pensar. Tradução: Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. E-book Kindle., haja vista que o input intuitivo nunca cessa. Em suma, a justificação argumentativa de uma decisão, por si só, não escapa das heurísticas que por ela são encapsuladas.

Em sentido auxiliar ao estudo aqui desenvolvido, do ponto de vista da teoria da argumentação, Robert Alexy reconhece a função de estabilização (Alexy, 2005, p. 258)ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: A Teoria do Discurso Racional como Teoria da Justificação Jurídica. 2.ª ed. Tradução: Zilda Hutchinson Schild Silva. São Paulo: Landy, 2005. e a função heurística (Alexy, 2005, p. 262)ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: A Teoria do Discurso Racional como Teoria da Justificação Jurídica. 2.ª ed. Tradução: Zilda Hutchinson Schild Silva. São Paulo: Landy, 2005. no uso de enunciados dogmáticos, que possuem características de consensualidade. Desse modo, quanto à extensão da justificação, pode-se focar no uso justificativo (aplicação de enunciado dogmático justificando-o com outros argumentos) ou no uso não-justificativo, que ocorre quando os argumentos dogmáticos podem ser utilizados mesmo que eles próprios não sejam também fundamentados, quando o enunciado dogmático não é posto em dúvida (Alexy, 2005, p. 253)ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: A Teoria do Discurso Racional como Teoria da Justificação Jurídica. 2.ª ed. Tradução: Zilda Hutchinson Schild Silva. São Paulo: Landy, 2005.. Nessa linha, até certo ponto o uso não-justificativo (heurístico) é obrigatório, pois nenhum interprete “pode fundamentar todos os enunciados dogmáticos em que se apoia para a discussão do seu problema” (Alexy, 2005, p. 253)ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: A Teoria do Discurso Racional como Teoria da Justificação Jurídica. 2.ª ed. Tradução: Zilda Hutchinson Schild Silva. São Paulo: Landy, 2005., uma vez que ninguém consegue fundamentar tudo simultaneamente (Alexy, 2005, p. 253)ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: A Teoria do Discurso Racional como Teoria da Justificação Jurídica. 2.ª ed. Tradução: Zilda Hutchinson Schild Silva. São Paulo: Landy, 2005.. Nesse sentido, percebe-se que a própria teoria da argumentação jurídica se utiliza de atalhos mentais como mecanismos de justificação (Atienza, 2016, p. 210)ATIENZA, Manuel. As Razões do Direito: Teoria da Argumentação Jurídica. 2.ª ed. Tradução: Maria Cristina Guimarães Cupertino. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2016., pois ainda que se busque a saturação das possibilidades de argumentos a serem utilizados numa justificação (Alexy, 2005, p. 240)ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: A Teoria do Discurso Racional como Teoria da Justificação Jurídica. 2.ª ed. Tradução: Zilda Hutchinson Schild Silva. São Paulo: Landy, 2005., quando se trata de se decidir com base em enunciados dogmáticos o uso não-justificativo se apresenta como barreira intuitiva (Kahneman, 2012, posição 826)KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: Duas formas de pensar. Tradução: Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. E-book Kindle. à justificação desnecessária.

Portanto, os pré-compromissos devem ser utilizados para que o pensamento intuitivo (automático) dos julgadores se adeque aos protótipos e ao conjunto de modelos padrão (Kahneman, 2012, posição 1950)KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: Duas formas de pensar. Tradução: Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. E-book Kindle. democraticamente estabelecidos.

Por outro lado, a abordagem de pré-compromissos como modelos a serem aplicados tem a possibilidade de vir a ser insuficiente e causadora de vieses de julgamento (Thaler; Sunstein, 2019, posição 495-496)THALER, Richard H.; SUNSTEIN, Cass R. Nudge. Tradução: Ângelo Lessa. Rio de Janeiro: Objetiva , 2019. E-book Kindle., o que implica na necessária adoção de controles racionais do Sistema 2 (Kahneman, 2012, posição 536)KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: Duas formas de pensar. Tradução: Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. E-book Kindle. de maneira a se diminuir o risco de erros intuitivos (Kahneman, 2012, posição 1657)KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: Duas formas de pensar. Tradução: Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. E-book Kindle.. Neste sentido, o julgador e o sistema legal (desenhado para a condução à decisão correta) devem criar caminhos deliberativos para que, sempre que haja dúvida ou incerteza, seja acionado o reflexivo Sistema 2 (Kahneman, 2012, posição 1679)KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: Duas formas de pensar. Tradução: Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. E-book Kindle.. Isto posto, o Sistema 2 pode ser acionado quando for detectado evento que viole o modelo de mundo jurídico mantido pelo Sistema 1 (Kahneman, 2012, posição 461)KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: Duas formas de pensar. Tradução: Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. E-book Kindle., bem como o Sistema 2 igualmente tem a tarefa de monitorar o seu próprio comportamento (Kahneman, 2012, posição 464)KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: Duas formas de pensar. Tradução: Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. E-book Kindle..

Contudo, ressalta-se que mesmo o Sistema 2, racional e mais lento (Kahneman, 2012, posição 1870)KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: Duas formas de pensar. Tradução: Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. E-book Kindle., pode incorrer em vieses que representam vícios decisórios (Kahneman, 2012, posição 1703)KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: Duas formas de pensar. Tradução: Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. E-book Kindle.. A partir desta visão, vale destacar que o controle racional exercido pelo julgador é sempre limitado pelo funcionamento do pensamento humano, pois o Sistema 1 pode vir a influenciar a compreensão do problema pelo Sistema 2 (Kahneman, 2012, posição 1575)KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: Duas formas de pensar. Tradução: Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. E-book Kindle.. Sendo assim, os vieses são uma preocupação, uma vez que estes muitas vezes não podem ser evitados, haja vista que existem momentos em que o Sistema 2 não oferece quaisquer indícios sobre o erro (Kahneman, 2012, posição 570)KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: Duas formas de pensar. Tradução: Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. E-book Kindle..

A partir destes aportes, percebe-se que há uma aposta da teoria do direito na decisão pautada na racionalidade lógica típica do Sistema 2, lenta e analítica, contudo tal pretenso protagonismo do Sistema 2 (Kahneman, 2012, posição 415)KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: Duas formas de pensar. Tradução: Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. E-book Kindle. é uma questão problemática, pois em relação ao pensamento reflexivo (e aos seus efeitos na justificação de decisões judiciais) pode-se dizer que ele atua mediante operações trabalhosas, destacando-se que há uma resistência do Sistema 2 em colocar mais esforço do que seja estritamente necessário (Kahneman, 2012, posição 616)KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: Duas formas de pensar. Tradução: Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. E-book Kindle.. Dessa forma, quando se trata de decisões humanas evidencia-se que há uma dominância do Sistema 1 (intuitivo) sobre o Sistema 2 (reflexivo), pois muitas vezes as decisões que o Sistema 2 imagina ter tomado são na verdade dirigidas pelo Sistema 1 na condição de silencioso protagonista (Kahneman, 2012, posição 617)KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: Duas formas de pensar. Tradução: Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. E-book Kindle..

Nesse passo, evidencia-se a importância de se conhecer o funcionamento dos atalhos intuitivos envolvidos no processo de tomada de decisão humana, uma vez que os mesmos se refletem nas decisões judiciais (Thaler; Sunstein, 2019, posição 3742-3743)THALER, Richard H.; SUNSTEIN, Cass R. Nudge. Tradução: Ângelo Lessa. Rio de Janeiro: Objetiva , 2019. E-book Kindle..

Em relação aos tipos de heurísticas envolvidas, primeiramente verifica-se que a heurística da representatividade ocorre quando o Sistema 1 reconhece relações de mais simples de inferência (Kahneman, 2012, posição 2037)KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: Duas formas de pensar. Tradução: Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. E-book Kindle., mediante observação de características aparentes, e se destaca na integração de informações sobre algo para possibilitar sua decisão intuitiva. Contudo, ao tratar da heurística da representatividade, o Sistema 1 não realiza processamento múltiplo de tópicos de uma só vez e não é eficiente ao utilizar estatística pura como base informacional (Kahneman, 2012, posição 738)KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: Duas formas de pensar. Tradução: Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. E-book Kindle.. São exemplos da heurística da representatividade “quando alguém diz ‘Ela vai ganhar a eleição; você pode perceber que é uma vencedora’ ou ‘Ele não irá longe como acadêmico; tem tatuagens demais’” (Kahneman, 2012, posição 3081)KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: Duas formas de pensar. Tradução: Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. E-book Kindle..

Já a heurística do afeto trata-se de uma substituição que ocorre quando a resposta dada a uma questão fácil (um sentimento a respeito de algo) é utilizada como resposta para uma pergunta bem mais dificultosa (o que se pensa a respeito do tema) (Kahneman, 2012, posição 2842)KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: Duas formas de pensar. Tradução: Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. E-book Kindle., a qual acaba por simplificar a ação humana por meio de uma construção mental de cunho emocional que aparenta ser mais ordenada (racional) do que se verifica na realidade (Kahneman, 2012, posição 2865). Dessa maneira, a maior objetividade dos pré-compromissos (Waldron, 2004, p. 259)WALDRON, Jeremy. Law and Disagreement. New York: Oxford University Press, 2004. indica um mecanismo de diminuição da incidência (Kahneman, 2012, posição 3480)KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: Duas formas de pensar. Tradução: Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. E-book Kindle. da heurística do afeto, na qual as decisões são alinhadas por sentimentos de gostar ou não gostar, havendo pouca análise deliberativa ou mesmo raciocínio (Kahneman, 2012, posição 264)KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: Duas formas de pensar. Tradução: Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. E-book Kindle..

Também há a heurística da disponibilidade, a qual é definida “como o processo de julgar a frequência segundo a ‘facilidade com que as ocorrências vêm à mente’” (Kahneman, 2012, posição 2652)KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: Duas formas de pensar. Tradução: Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. E-book Kindle.. Destarte, os pré-compromissos funcionam como uma espécie de heurística da disponibilidade advinda legitimamente do próprio sistema jurídico (Alexy, 2005, p. 262)ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: A Teoria do Discurso Racional como Teoria da Justificação Jurídica. 2.ª ed. Tradução: Zilda Hutchinson Schild Silva. São Paulo: Landy, 2005., os quais têm o potencial de sobrescrever (no todo ou em parte) os modelos mentais baseados na disponibilidade puramente psicológica (Kahneman, 2012, posição 2056)KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: Duas formas de pensar. Tradução: Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. E-book Kindle. e em desacordo com a realidade jurídica.

Em vista disso, Kahneman (2012, posição 2977)KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: Duas formas de pensar. Tradução: Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. E-book Kindle. ressalta a inevitável confusão da própria democracia na medida em que as heurísticas de disponibilidade e do afeto, que baseiam as crenças das pessoas, são tendenciosas de maneira natural, ainda que quase sempre apontem na direção correta. Em suma, a essência destes padrões intuitivos se dá pelo fato de que “quando confrontados com uma questão difícil, muitas vezes respondemos a uma mais fácil em lugar dela, normalmente sem perceber a substituição” (Kahneman, 2012, posição 272)KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: Duas formas de pensar. Tradução: Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. E-book Kindle..

Sendo assim, para se diminuir a incidência de vieses na decisão, Kahneman destaca que é adequado eliminar a redundância das fontes de informação (Kahneman, 2012, posição 1776)KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: Duas formas de pensar. Tradução: Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. E-book Kindle., de maneira a se buscar um incremento informacional advindo da pluralidade de fontes. Entretanto, embora o Sistema 2 (reflexivo) tenha a oportunidade de rejeitar as respostas intuitivas ou modificá-las (incorporando novas informações), muitas vezes o mesmo funciona com o menor esforço e acaba aceitando uma resposta padrão sem maior exame sobre a adequação da mesma (Kahneman, 2012, posição 2085)KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: Duas formas de pensar. Tradução: Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. E-book Kindle., o que reforça a necessidade de construção de uma arquitetura constitucional de escolhas (Thaler; Sunstein, 2019, posição 4108-4111)THALER, Richard H.; SUNSTEIN, Cass R. Nudge. Tradução: Ângelo Lessa. Rio de Janeiro: Objetiva , 2019. E-book Kindle. pautada nos pré-compromissos democráticos como os modelos a serem seguidos, podendo tais pré-compromissos condicionar intuitivamente as decisões judiciais para os casos em que o raciocínio lógico-analítico (Sistema 2) se apresente deficitário.

A título de exemplo, pelos tribunais inferiores e pelos juízes de primeiro grau, de maneira direta e intuitiva (sem grande necessidade de carga reflexiva/argumentativa), é possível se aplicar o modelo padrão inerente à forma dada ao direito de crítica, decorrente da liberdade de manifestação do pensamento e da liberdade de imprensa (art. 5º, IV e IX, e art. 220 da Constituição Federal), cujos limites foram devidamente delineados na ratio decidendi simbiótica da ADPF 1301 1 “O pensamento crítico é parte integrante da informação plena e fidedigna. O possível conteúdo socialmente útil da obra compensa eventuais excessos de estilo e da própria verve do autor. O exercício concreto da liberdade de imprensa assegura ao jornalista o direito de expender críticas a qualquer pessoa, ainda que em tom áspero ou contundente, especialmente contra as autoridades e os agentes do Estado. A crítica jornalística, pela sua relação de inerência com o interesse público, não é aprioristicamente suscetível de censura, mesmo que legislativa ou judicialmente intentada. O próprio das atividades de imprensa é operar como formadora de opinião pública, espaço natural do pensamento crítico e ‘real alternativa à versão oficial dos fatos’” (BRASIL, 2009). (Brasil, 2009)BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Plenário). Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 130. Não recepção da Lei de Imprensa, Lei 5.250/1967, pela Constituição Federal de 1998, em razão da incompatibilidade com a liberdade de opinião, a liberdade de informação e comunicação e a liberdade de imprensa. Brasília, DF: Supremo Tribunal Federal , [2009]. Relator: Min. Carlos Ayres Britto, 30 abril de 2009. Disponível em: Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP =AC&docID=605411 . Acesso em: 21 abr. 2021.
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e da ADI 44512 2 “2. A livre discussão, a ampla participação política e o princípio democrático estão interligados com a liberdade de expressão, tendo por objeto não somente a proteção de pensamentos e ideias, mas também opiniões, crenças, realização de juízo de valor e críticas a agentes públicos, no sentido de garantir a real participação dos cidadãos na vida coletiva”. (...) “5. O direito fundamental à liberdade de expressão não se direciona somente a proteger as opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também aquelas que são duvidosas, exageradas, condenáveis, satíricas, humorísticas, bem como as não compartilhadas pelas maiorias. Ressalte-se que, mesmo as declarações errôneas, estão sob a guarda dessa garantia constitucional” (BRASIL, 2018). (Brasil, 2018)BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Plenário). Ação Direta de Inconstitucionalidade 4451. Inconstitucionalidade do art. 45, II e III, e §4º e §5º, da Lei 9.504/1997, Lei de Eleições, em razão da ofensa à liberdade de manifestação do pensamento, à liberdade de comunicação e expressão artística e ao livre exercício profissional de humoristas. Brasília, DF: Supremo Tribunal Federal , [2018]. Relator: Min. Alexandre de Moraes, 21 de junho de 2018. Disponível em: Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID =749287337 . Acesso em: 21 abr. 2021.
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julgadas pelo Supremo Tribunal Federal. Outro exemplo de modelo intuitivo-democrático a basear decisões judiciais é o adotado quando a fixação de índice de correção monetária não corresponde à realidade do fenômeno inflacionário, o que viola o direito à propriedade (art. 5º, XXII, e art. 170, II, da Constituição Federal), conforme delimitado pelo Supremo Tribunal Federal (ADI 43573 3 “O direito fundamental de propriedade (CF, art. 5º, XXII) resta violado nas hipóteses em que a atualização monetária dos débitos fazendários inscritos em precatórios perfaz-se segundo o índice oficial de remuneração da caderneta de poupança, na medida em que este referencial é manifestamente incapaz de preservar o valor real do crédito de que é titular o cidadão. É que a inflação, fenômeno tipicamente econômico-monetário, mostra-se insuscetível de captação apriorística (ex ante), de modo que o meio escolhido pelo legislador constituinte (remuneração da caderneta de poupança) é inidôneo a promover o fim a que se destina (traduzir a inflação do período)” (BRASIL, 2013). ) (Brasil, 2013)BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Plenário). Ação Direta de Inconstitucionalidade 4357. Inconstitucionalidade parcial da Emenda Constitucional 62/2009, em razão da ofensa ao direito à propriedade. Brasília, DF: Supremo Tribunal Federal, [2013]. Relator: Min. Carlos Ayres Britto. Relator para acórdão: Min. Luiz Fux, 14 de março de 2013. Disponível em: Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=6812428 . Acesso em: 21 abr. 2021.
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Para além dos exemplos citados, evidencia-se que nem todo precedente do Supremo Tribunal Federal é adequado e serve de norte inquestionável, pois pode ter, por meio de vieses, desconsiderado os padrões democráticos delimitados pela Constituição Federal. Um exemplo a ser referido é o julgamento de repercussão geral que resultou na total supressão do direito de greve dos servidores públicos da carreira da polícia civil (ARE 6544324 4 “A carreira policial é o braço armado do Estado, responsável pela garantia da segurança interna, ordem pública e paz social. E o Estado não faz greve. O Estado em greve é anárquico” (BRASIL, 2017). ) (Brasil, 2017)BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Plenário). Recurso Extraordinário com Agravo 654432. Fixa o Tema 451 de repercussão geral, mediante a interpretação teleológica dos art. 9º, §1º, art. 37, VII, e art. 144, da Constituição Federal, a fim de estabelecer proibição absoluta ao exercício do direito de greve a todos os servidores públicos integrantes das carreiras de segurança pública. Brasília, DF: Supremo Tribunal Federal , [2017]. Relator: Min. Edson Fachin. Relalor para acórdão: Min. Alexandre de Moraes, 05 de abril de 2017. Disponível em: Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID =14980135 . Acesso em: 22 abr. 2021.
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, equívoco que levou à desconsideração do previsto no art. 37, VII, da Constituição Federal mediante a simples equiparação entre servidores civis e militares para fins de direito de greve, substituindo-se a escolha do constituinte prevista na regra excepcional do art. 142, §3º, IV, da Constituição Federal. Este julgamento deixou de aplicar a heurística da disponibilidade em sua função democrática, inclusive pelo fato de que o Supremo Tribunal Federal fundamentou sua fuga argumentativa ao direito de greve dos servidores mediante a aplicação do art. 9º, §1º, da Constituição Federal, o qual prevê que a “lei definirá os serviços ou atividades essenciais” sujeitos a regime especial mais restritivo ao direito de greve.

No exemplo acima (ARE 654432) a suposta racionalidade (Sistema 2) encontra respaldo na institucionalização da decisão e na sua força como precedente vinculante que deve ser seguido. Contudo, do ponto de vista material, a referida decisão seguiu as heurísticas do afeto (o estado de greve seria “anárquico”) e de representatividade (“policial” não tem direito de greve), o que causou a deliberação enviesada. Ou seja, negar o direito mediante suposta racionalidade de uma interpretação avessa ao texto normativo é viés interpretativo.

Em resumo, na adoção dos padrões decisórios corretos os pré-compromissos são parte do repositório de ações que o julgador pode adotar dentro da arquitetura constitucional de escolhas (Thaler; Sunstein, 2019, posição 3929)THALER, Richard H.; SUNSTEIN, Cass R. Nudge. Tradução: Ângelo Lessa. Rio de Janeiro: Objetiva , 2019. E-book Kindle., uma vez que a inteligência “não é apenas a capacidade de raciocinar; é também a capacidade de encontrar material relevante na memória e mobilizar a atenção quando necessária” (Kahneman, 2012, posição 950)KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: Duas formas de pensar. Tradução: Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. E-book Kindle.. Por essa razão, percebe-se que a vigilância contínua do Sistema 2 nem sempre é um bem, além de ser impraticável (Kahneman, 2012, posição 572)KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: Duas formas de pensar. Tradução: Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. E-book Kindle., motivo pelo qual se observa a importância de que o julgador esteja ambientado nos modelos imanentes aos pré-compromissos. Nesse caminho, os pré-compromissos são uma forma de se dar celeridade, previsibilidade e segurança aos julgamentos, mediante a possibilidade de análise intuitiva do julgador previamente delimitada pelos acordos democráticos, o que ganha importância no caso de julgamento em que haja uma multiplicidade de resultados possíveis em decorrência da estrutura linguística das normas aplicadas (Alexy, 2005, p. 222)ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: A Teoria do Discurso Racional como Teoria da Justificação Jurídica. 2.ª ed. Tradução: Zilda Hutchinson Schild Silva. São Paulo: Landy, 2005. ou devido à margem de decisão que o direito atribui à figura do juiz (Hart, 2009, p. 165)HART, Herbert Lionel Adolphus. O Conceito de Direito. Tradução: Antônio de Oliveira Sette-Câmara. São Paulo: WMF Martins Fontes , 2009..

Neste ponto, observa-se que a decisão judicial é uma batalha entre heurísticas psicológicas (do julgador) e normativas (do sistema jurídico), pois sempre haverá (em maior ou menor grau) as heurísticas de representatividade, do afeto e de disponibilidade com potencial de direcionar a decisão para fora do modelo democrático. Fundamentação analítica (art. 93, IX, da Constituição Federal e art. 489, §1º, do Código de Processo Civil) e justificação racional (Alexy, 2005, p. 209)ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: A Teoria do Discurso Racional como Teoria da Justificação Jurídica. 2.ª ed. Tradução: Zilda Hutchinson Schild Silva. São Paulo: Landy, 2005. não são garantia de ausência de vieses do julgador e, até mesmo, imperceptíveis ao mesmo. Desta forma, a batalha na mente do julgador se dará entre a visão de mundo por ele imaginada (e enviesada em seus próprios modelos intuitivos) e a heurística da disponibilidade inerente aos pré-compromissos democráticos.

Portanto, existem duas funções heurísticas típicas dos pré-compromissos, que se constituem: [a] no condicionamento do pensamento do julgador segundo o modelo da democracia constitucional; e [b] na maior previsibilidade da aplicação das normas jurídicas nas decisões judiciais, diminuindo-se os sobressaltos interpretativos.

4 CONCLUSÃO

A decisão judicial caracteriza-se pela sua humanidade, eis que se dá na interação entre pensamento intuitivo e reflexivo, bem como em heurísticas e vieses, motivo pelo qual o presente estudo chegou a resultados no sentido de que a decisão judicial deve ser submetida aos controles heurísticos da democracia, advindos estes da experiência e do desenvolvimento decorrentes dos pré-compromissos.

Desse modo, a simbiose entre os marcos teóricos de Waldron e Kahneman (entre outros autores, como Thaler, Sunstein e Alexy) se mostra possível para a definição de controles democráticos adequados e mais conscientes do processo de formação da decisão judicial.

Torna-se necessário o reconhecimento das funções dos padrões decisórios surgidos dos pré-compromissos (e dos consensos democraticamente tensionados a eles antecedentes), seja como limites à justificação do pensamento do julgador ou como bases de disponibilidade de fundamentação de novas decisões. Por isso, a heurística tem efeitos a ela inerentes, não se apegando aos limites cognitivos que supostamente teriam os juízes.

Portanto, saber acerca do funcionamento das heurísticas é fundamental para que se possa reconhecer uma decisão judicial equivocada dos pontos de vista racional e democrático, pois mesmo uma decisão intuitiva pode receber um invólucro de justificação racional no momento de sua elaboração.

Tais considerações indicam que o modelo de interação entre justificação racional das decisões e teoria dos precedentes, ainda que tenha realizado reconhecidas contribuições para o controle democrático das decisões judiciais, por si só não explica todos os aspectos do fenômeno decisório. Desse modo, o vácuo deixado entre a teoria da justificação racional e a teoria dos precedentes pode ser preenchido pela funcionalidade teórica dos pré-compromissos democráticos e pelos padrões decisórios a eles inerentes.

Assim, a função heurística dos pré-compromissos tem o potencial de aprimorar a vinculação do pensamento do julgador ao modelo da democracia constitucional e de estimular uma maior previsibilidade das decisões judiciais.

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  • WALDRON, Jeremy. Law and Disagreement. New York: Oxford University Press, 2004.

Notas

  • 1
    “O pensamento crítico é parte integrante da informação plena e fidedigna. O possível conteúdo socialmente útil da obra compensa eventuais excessos de estilo e da própria verve do autor. O exercício concreto da liberdade de imprensa assegura ao jornalista o direito de expender críticas a qualquer pessoa, ainda que em tom áspero ou contundente, especialmente contra as autoridades e os agentes do Estado. A crítica jornalística, pela sua relação de inerência com o interesse público, não é aprioristicamente suscetível de censura, mesmo que legislativa ou judicialmente intentada. O próprio das atividades de imprensa é operar como formadora de opinião pública, espaço natural do pensamento crítico e ‘real alternativa à versão oficial dos fatos’” (BRASIL, 2009).
  • 2
    “2. A livre discussão, a ampla participação política e o princípio democrático estão interligados com a liberdade de expressão, tendo por objeto não somente a proteção de pensamentos e ideias, mas também opiniões, crenças, realização de juízo de valor e críticas a agentes públicos, no sentido de garantir a real participação dos cidadãos na vida coletiva”. (...) “5. O direito fundamental à liberdade de expressão não se direciona somente a proteger as opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também aquelas que são duvidosas, exageradas, condenáveis, satíricas, humorísticas, bem como as não compartilhadas pelas maiorias. Ressalte-se que, mesmo as declarações errôneas, estão sob a guarda dessa garantia constitucional” (BRASIL, 2018).
  • 3
    “O direito fundamental de propriedade (CF, art. 5º, XXII) resta violado nas hipóteses em que a atualização monetária dos débitos fazendários inscritos em precatórios perfaz-se segundo o índice oficial de remuneração da caderneta de poupança, na medida em que este referencial é manifestamente incapaz de preservar o valor real do crédito de que é titular o cidadão. É que a inflação, fenômeno tipicamente econômico-monetário, mostra-se insuscetível de captação apriorística (ex ante), de modo que o meio escolhido pelo legislador constituinte (remuneração da caderneta de poupança) é inidôneo a promover o fim a que se destina (traduzir a inflação do período)” (BRASIL, 2013).
  • 4
    “A carreira policial é o braço armado do Estado, responsável pela garantia da segurança interna, ordem pública e paz social. E o Estado não faz greve. O Estado em greve é anárquico” (BRASIL, 2017).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    22 Maio 2021
  • Aceito
    05 Nov 2022
Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina Centro de Ciências Jurídicas, Sala 216, 2º andar, Campus Universitário Trindade, CEP: 88036-970, Tel.: (48) 3233-0390 Ramal 209 - Florianópolis - SC - Brazil
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