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Análise empírico-retórica do discurso (AERD) da sentença do caso terra indígena Raposa Serra do Sol (TIRSS)

Empirical-rethorical discourse analysis (AERD) of the verdict in the case of Raposa Serra do Sol indigenous land (TIRSS)

Resumo

O artigo aplica o método Análise Empírico-Retórica do Discurso (AERD) (REIS, 2013) na sentença do caso Terra Indígena Raposa Serra do Sol, objetivando evidenciar a construção do conceito fato indígena a substituir o indigenato como um processo argumentativo eivado de equivocada e estereotipada interpretação do STF sobre a realidade dos Povos Indígenas. Afirma-se, em hipótese, o equívoco da utilização do “marco temporal” autorizativo da supressão e diminuição de terras já demarcadas, inclusive pela Segunda Turma do STF ou pela Advocacia Geral da União (AGU), causando instabilidade e ampliação de violências contra as populações indígenas em suas terras originárias.

Palavras-chave:
Fato Indígena; Indigenato; Análise Empírico-Retórica do Discurso

Abstract

The article applies the Emprical-Rethorical Discourse Analysis method (AERD), (REIS, 2013) in the verdict around the case of Raposa Serra do Sol Indigenous Land, aiming to show the construction of the indigenous fact concept to replace the indiginate as an argumentative process corrupted and stereotyped interpretation of Supreme Federal Court about the Indigenous Peoples’ reality. It is stated, in hypothesis, the misconception of the use of “timeframe” authorizing the suppression and reduction of the land which was already demarcated, including by the Second Class of STF or by Union General Advocacy (AGU) causing instability and enlargement of violence against Indigenous Peoples on their native lands.

Keywords:
Indigeneous Fact; Indiginate; Emprical-Rethorical Discourse Analysis

1 INTRODUÇÃO

O estudo sobre a sentença do caso Terra Indígena Raposa Serra do Sol (TIRSS) a partir da metodologia proposta por Reis (2013REIS, Isaac Costa. Limites à legitimidade da jurisdição constitucional: análise retórica das cortes constitucionais do Brasil e da Alemanha. 2013. Tese (Doutorado em Direito) - Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2013.), análise empírica retórica do discurso, possibilita compreender a construção do discurso do “fato do índio” em contraposição ao conceito indigenato. Deste termo estipularam-se critérios inexistentes como condição para demarcação da terra, originando a possibilidade de criar outros e novos caracteres que atualizam o indigenato (fato indígena), por exemplo, considerar a atualidade da presença índia na terra até o marco temporal da Constituição e renitente esbulho ocorrido a expulsar os índios dessa terra até o advento da promulgação.

Os termos permanência, tradicionalidade e imemorialidade foram compreendidos, na sentença do caso TIRSS, como caracteres da posse, ou seja, elementos que integram o fato indígena dando-lhe atualidade, quando a Constituição aponta como modos de ocupação da terra, porque o direito à ocupação da terra é originário, anterior ao processo de conquista da América.

Forjou-se o novo conceito, fato do índio, derivando-o do indigenato, sob argumentos ad terrorem justificando-o em razão da necessidade de atualização sobre a posse indígena. Por meio do novel conceito se estabeleceu possibilidade de preenchimento de sentidos que tanto podem afirmar a demarcação de terras indígenas como também obstaculizá-las, impedi-las ou diminuir-lhes as delimitações já realizadas.

Passados dez anos da sentença TIRSS o Judiciário tem utilizado o novo instituto para suprimir a possibilidade de demarcação ou diminuir as áreas já demarcadas, denotando discurso de retrocessão constitucional em relação ao reconhecimento de demarcação de terras indígenas. O sentido atribuído ao marco temporal tem sido de alterar as demarcações de terras existentes, podendo revê-las a partir do fato indígena.

Exemplarmente as decisões da Segunda Câmara do STF enunciam exatamente este sentido nos casos Terra Indígena Limão Verde (TILV), dos Terenas (MS); Terras Indígenas Guyra Roka, dos Guarani Kaiowá (MS) e Porquinhos, do povo Canela Apanyekrá (MA). Essa discursividade jurídica do STF acrescida do discurso político anti-indígena do governo atual (2019) pode incitar ao aumento de violência contra as comunidades indígenas que ocupam terras em processo de demarcação.

Interpretar a Constituição em relação aos povos indígenas associa-se à análise sistemática em conjunto com o Decreto 5051 (2004), afirmando a pluralidade cultural brasileira, ao contrário da estigmatização homogeneizante que dilui no termo “povo” a diversidade cultural existente para, objetivamente, sonegar-lhes direitos constitucionalmente garantidos.

Primeiramente, o artigo apresenta o problema enfrentado e o caminho a seguir para tentar desnudá-lo. Posteriormente faz-se a aplicação dos indicadores da metodologia de Reis (2013REIS, Isaac Costa. Limites à legitimidade da jurisdição constitucional: análise retórica das cortes constitucionais do Brasil e da Alemanha. 2013. Tese (Doutorado em Direito) - Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2013.) em relação à sentença TIRSS caracterizando as inconsistências retóricas do STF ao afirmar novo conceito para fins de demarcação de terra (fato do índio).

2 ANÁLISE EMPÍRICO-RETÓRICA DO DISCURSO (AERD) DA SENTENÇA TERRA INDÍGENA RAPOSA SERRA DO SOL (TIRSS): APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA

A tese do indigenato vem sofrendo interpretação neocolonial em relação aos direitos dos índios. No espaço jurídico o sentido hegemônico das reivindicações indianistas tem sido atribuído-construído, ao mesmo tempo, com certo reconhecimento e afronta aos direitos, notadamente, sobre a demarcação de suas terras. Essa dubiedade tem sido frequente na política indigenista brasileira (Perrone-Moisés, 1992PERRONE-MOISÉS, Beatriz. Índios livres e índios escravos: os princípios da legislação indigenista do período colonial (séculos XVI a XVIII). In: CUNHA, Manuela Carneiro (Org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: Cia das Letras, FAPESP, 1992., 2000PERRONE-MOISÉS, Beatriz. Terras indígenas na legislação colonial. Revista da Faculdade de Direito, São Paulo, Universidade de São Paulo, v. 95, 2000.). Desarrazoada a permanente ignorância sobre o direito à demarcação de suas terras, consagradas desde colônia (Perrone-Moisés, 2000, p. 108-109PERRONE-MOISÉS, Beatriz. Terras indígenas na legislação colonial. Revista da Faculdade de Direito, São Paulo, Universidade de São Paulo, v. 95, 2000.).

Atualmente, intencionalmente se exclui o instituto do indigenato, solidificado desde o século XVII. A “inovação-atualização” jurídica neocolonial do STF aponta desconhecimento, preconceito e supressão do instituto para a afirmação do direito à terra dos índios. Não bastasse essa equivocada intepretação, acrescem-se violações aos direitos pelo Executivo e Legislativo a pretenderem alterar a competência da demarcação de terras para ministérios manifestamente anti-indígenas.

João Mendes Júnior (1912) caracterizou a posse indígena a partir do indigenato. O art. 231 da Constituição brasileira (CRFB, 1988) reconhece o instituto. Significa que os índios têm a posse de terras em razão de serem os primeiros ocupantes, possuindo direitos originários.

Menezes Direito elaborou novo conceito fundado em artigo do Secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça (Badin, 2006, p. 133-134): “fato indígena”1 1 “Proponho, por isso, que se adote como critério constitucional não a teoria do indigenato, mas, sim, a do fato indígena. A aferição do fato indígena em 5 de outubro de 1988 envolve uma escolha que prestigia a segurança jurídica e se esquiva das dificuldades práticas de uma investigação imemorial da ocupação indígena. Mas a habitação permanente não é o único parâmetro a ser utilizado na identificação das terras indígenas. Em verdade, é o parâmetro para identificar a base ou núcleo da ocupação das terras indígenas, a partir do qual as demais expressões dessa ocupação devem se manifestar. Para além desse fator temporal, exigem-se na caracterização das terras indígenas, como expõe Luiz Armando Badin, os seguintes fatores: ‘(...) b) fator econômico - as terras devem ser utilizadas para suas atividades produtivas; são os locais necessários à subsistência e produção econômica (como campos de caça, pesca, coleta e cultivo, por exemplo); c) fator ecológico - as terras devem ser imprescindíveis à preservação dos recursos naturais necessários a seu bem estar; d) fator cultural e demográfico - as terras devem ser necessárias a sua reprodução física e cultural (manifestações culturais da comunidade, cemitérios, locais religiosos e destinados a práticas rituais), bem como a outras atividades próprias a sua organização social e econômica’.” (Brasil, STF, 2009, p. 381). Em fins da década de noventa, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) (RE 219.983, relator Min. Marco Aurélio, publicado em 17/9/1999) discutiu a titularidade das terras onde se localizavam antigos aldeamentos indígenas já extintos. Nelson Jobim, ministro da Justiça, entendeu ser imprópria a tese do indigenato porque não estava adequada à Constituição, ante a substituição pelo Constituinte do termo “posse imemorial” por “posse tradicional”. Para o ministro da Justiça era necessário indagar-se pela “atualidade da posse” das terras pelos próprios índios. (Cunha, Barbosa, 2018CUNHA, Manuela Carneiro; BARBOSA, Samuel. Direito dos povos indígenas em disputa. São Paulo: UNESP, 2018.)

A ocupação indígena não se legitima por meio de posse ou prescrição imemorial da qual decorrem seus direitos sobre as terras. Não é uma usucapião imemorial. “Tradicionalmente ocupadas” e habitadas em “caráter permanente” significa o modo específico como cada povo se relaciona com a terra de acordo com suas tradições, usos e costumes (seu bem viver).

O fundamento da posse reside na ocupação pré-existente à colonização (originária). Ambas as expressões são modos com os quais o bem viver indígena se materializa. A imemorialidade, a tradicionalidade e a permanência não são os fundamentos da posse, por certo os conceitos complementam-se, mas não se deduz da originariedade a atualização da interpretação para “fato indígena”.

O sentido atribuído à palavra “indigenato” como origem do direito a terra foi atribuído ao termo fato indígena (Brasil, STF, 2009, p. 381), caracterizando tradicionalidade e permanência como caracteres do direito a terra quando, na realidade, são modos de uso da terra de cada povo.

O modo como imemorialmente cada povo usa a sua terra é impossível de ser levantado por qualquer laudo antropológico. Muito embora onde habitavam, seus caracteres culturais de permanência, não só são possíveis de se comprovar, mas demonstráveis por meios antropológicos e arqueológicos. E isso independe dos índios terem subsistido na área até a promulgação da CRFB/1988, basta comprovar a originariedade de ocupação do espaço de terra reivindicado e não a sua imemorialidade, pois o critério de “atualidade da posse” é inexistente na Constituição.

Fundamentalmente, o STF e a Segunda Turma tem convalidado a tese segundo a qual povos indígenas expulsos de seus territórios após a promulgação da CRFB/1988 perdem seus direitos as terras, salvo se comprovarem resistência pela força ou judicialmente até a promulgação da Constituição. (Cunha, 2018CUNHA, Manuela Carneiro; BARBOSA, Samuel. Direito dos povos indígenas em disputa. São Paulo: UNESP, 2018.) Essa “tese” coloca o marco temporal e o renitente esbulho como caracteres do “fato indígena”. Reduz o sentido de “posse jurídica ao conceito jurídico-civil de posse”2 2 “Aceito, porque me parece absolutamente correta a única explicação jurídica para o critério de delimitação das áreas indígenas, que é o que o eminente Ministro Menezes Direito chamou de fato indígena. Na verdade, o fato da posse jurídica na data de início de vigência da Constituição, em 5 de outubro de 1988, corresponde praticamente ao conceito jurídico-civil de posse, enquanto possibilidade fática de aproveitamento econômico da coisa.” “Ao examinar as disposições constitucionais sobre as terras indígenas, afirma o Ministro Carlos Britto que o marco temporal da ocupação ali referida é o dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição, de modo que é nessa data que deve ser verificada a ocupação pelos índios, para fins de definição das terras que tradicionalmente ocupam e do usufruto a eles concedido (...)”. (BRASIL, STF, 2009, p. 367) (Brasil, STF, 2009, p. 535), economicamente, enquanto possibilidade de aproveitar-se da coisa, destoando do sentido público esperado do intérprete constitucional ao refletir sobre terra de povos indígenas.

A sentença TIRSS criou “19 salvaguardas institucionais” (BRASIL, STF, 2009, p. 241-243) aprovadas por maioria no plenário do STF (especificamente para deslinde do caso), excetuando sua aplicabilidade noutros casos de mesma natureza (Brasil, STF, 2013, p. 2). A grande maioria das salvaguardas está na Constituição, entretanto, a decisão inédita restrita ao caso TIRSS vem sendo revisitada, gerando atos administrativos para padronizar o entendimento da administração pública sobre a matéria. Concretamente, a decisão surtiu o efeito de “paralisar e reverter processos de regularização de outras terras indígenas” (Silva, 2018SILVA, Cristhian Teófilo. A homologação da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol e seus efeitos: uma análise performativa das 19 condicionantes do STF. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais, Brasília, v. 33, n. 98, 2018. ).

A Portaria n. 303 (AGU, 2012BRASIL, ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (AGU). Portaria n. 303, de 16 de julho de 2012. Dispõe sobre as salvaguardas institucionais às terras indígenas conforme entendimento fixado pelo Supremo Tribunal Federal na Petição 3.388 RR. Disponível em: Disponível em: http://www.agu.gov.br/atos/detalhe/596939 . Acesso: 26 jul 2019.
http://www.agu.gov.br/atos/detalhe/59693...
) e Parecer Normativo n. 01/2017 orientam os órgãos da administração pública federal, direta e indireta, a observarem o cumprimento da tese do marco temporal em todos os processos de demarcação de terras indígenas (TIs). Há ainda vários Projetos de Emendas Constitucionais (PECs) e Projetos de Lei Complementar (PLP), dentre os quais o PPL n. 227/2012 objetivando incluir a tese do marco temporal e renitente esbulho como fundamento para demarcação de TIs (Albuquerque, 2015ALBUQUERQUE, Antonio Armando Ulian do Lago; RODRIGUES, Saulo Tarso. Crítica à política indigenista brasileira. Revista Amazônia Legal de estudos sócio-jurídico-ambientais, v. 6, Cuiabá: EdUFMT, 2015, p. 55-90.).

A construção da decisão do STF não se limitou a reconhecer a homologação da terra indígena Raposa Serra do Sol, porque criou novos parâmetros para alcançar “um novo consenso jurídico em torno do direito originário dos povos indígenas às suas terras ancestrais” (Silva, 2018SILVA, Cristhian Teófilo. A homologação da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol e seus efeitos: uma análise performativa das 19 condicionantes do STF. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais, Brasília, v. 33, n. 98, 2018. ).

Reis (2013REIS, Isaac Costa. Limites à legitimidade da jurisdição constitucional: análise retórica das cortes constitucionais do Brasil e da Alemanha. 2013. Tese (Doutorado em Direito) - Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2013., p. 66) ao desenvolver a “Análise Empírico-Retórica do Discurso (AERD)” contribui com uma metodologia a auxiliar a compreensão da disputa sobre o sentido da tese do indigenato e a do fato indígena junto ao STF. A disputa em jogo coloca em conflito a alteração do sentido de indigenato para o “fato indígena” (marco temporal e renitente esbulho). Na sentença do caso TIRSS atribuiu-se a tradicionalidade e a permanência o sentido de caracteres vinculados ao conceito de direito à demarcação da TIs. Trata-se de alteração intencional, propositada a conferir critérios fundantes d’outro conceito para abandonar o instituto do indigenato.

A retórica como análise dos atos de persuasão e cosmovisão sobre o poder persuasivo do discurso auxilia no processo de análise de atos persuasivos, desnudando seus efeitos. São três as dimensões de orientação aristotélica (Reis, 2013REIS, Isaac Costa. Limites à legitimidade da jurisdição constitucional: análise retórica das cortes constitucionais do Brasil e da Alemanha. 2013. Tese (Doutorado em Direito) - Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2013., p. 158), cada qual composto por indicadores associados ao caso concreto objeto de análise: ethos (e), phatos (p) e logos (l).

Ethos (e) consiste em analisar o caráter do orador, do modo como o discurso é proferido e leva o receptor a reputá-lo como digno de crédito. Compõe-se dos seguintes indicadores (REIS, 2013REIS, Isaac Costa. Limites à legitimidade da jurisdição constitucional: análise retórica das cortes constitucionais do Brasil e da Alemanha. 2013. Tese (Doutorado em Direito) - Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2013., p. 156): e1 - demonstrações de erudição; e2 - amplificação do valor da Constituição; e3 - elogios e adjetivações; e4 - remissões à legitimidade e à competência do Tribunal; e5 - digressões para lecionar; e6 - demonstração de expertise; e7 - advertência contra o legislador.

Phatos (p) são as “tentativas de persuasão por meio do despertar das emoções do auditório” onde se pode encontrar a plasticidade das palavras e o uso de figuras de linguagem. Composta pelos seguintes indicadores (Reis, 2013REIS, Isaac Costa. Limites à legitimidade da jurisdição constitucional: análise retórica das cortes constitucionais do Brasil e da Alemanha. 2013. Tese (Doutorado em Direito) - Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2013., p. 157): p1 - linguagem hiperbólica e argumento ad terrorem; p2 - personificação e prosopopeia; p3 - ênfase e pergunta retórica; p4 - remissão à opinião pública; p5 - uso de palavras vazias de conteúdo semântico.

Logos (l) restringe-se à organização do discurso que enuncia uma demonstração da verdade ou o que parece ser a verdade associada ao caso concreto ensejando, portanto, uma ênfase “no caráter objetivo e sistemático do discurso, dando a entender que a sua validade, organização ou coerência internas independem do orador”. Essa dimensão compõe-se pelos seguintes indicadores (REIS, 2013REIS, Isaac Costa. Limites à legitimidade da jurisdição constitucional: análise retórica das cortes constitucionais do Brasil e da Alemanha. 2013. Tese (Doutorado em Direito) - Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2013., p. 157): l1 - argumentos de codificação; l2 - argumentos hermenêuticos; l3 - argumentos do cotidiano; l4 - argumentos baseados em princípios gerais; l5 - deduções.

A sentença do caso TIRSS tem sido utilizada para fundamentar decisões recentes supressoras do direito a terra, por exemplo, nos casos: Terra Indígena Limão Verde (TILV), dos Terenas (MS); Terras Indígenas Guyra Roka, dos Guarani Kaiowá (MS) e Porquinhos, do povo Canela Apanyekrá (MA).

Em curso tem-se uma interpretação neocolonial dos direitos indígenas pelo próprio STF, pois em hipótese, o caso não tratou apenas de homologar a terra indígena Raposa Serra do Sol, mas a motivar a alteração dos critérios de demarcação de todas as TIs e contrariar o instituto do indigenato.

3 A APLICABILIDADE DO ETHOS NO CASO TIRSS

A interpretação do Judiciário redimensionou a compreensão sobre os critérios objetivos para fins de demarcação de terras indígenas valendo-se de tese iniciada na década de noventa, por Jobim, aprofundada no caso TIRSS pelo voto do ministro Menezes Direito, para (re)parametrizar a possibilidade de tomada de decisão do Executivo em relação à diminuição ou ao impedimento de novas demarcações de terras indígenas.

(e1) A primeira dimensão de análise refere-se à hipótese do discurso levar os destinatários à credulidade de sua enunciação. Os ministros do STF são enunciadores de um discurso jurídico qualificado intelectualmente pela própria comunidade jurídica, valendo-se de largas citações de autores e trechos de obras de direito que referenciam a matéria debatida, principalmente fazendo referências aos próprios argumentos apresentados noutros julgados.

Nos votos os ministros utilizaram várias3 3 Dados categorizados podem ser disponibilizados por meio de solicitação ao autor pelo endereço eletrônico lagoalbuquerque@hotmail.com. referências enunciadoras de erudição, mesclando-se argumentos de compreensão geral contidos nos dicionários e enciclopédias (inclusive wikipedias), opinião em entrevista jornalística com circulação nacional, artigos da legislação nacional-internacional e referências a artigos científicos e livros com conteúdo aprofundado. Significa uma escrita de erudição buscando compreensão de modo geral, complexificando em argumentos mais específicos, mas sem dialeticidade com outras perspectivas antropológicas, jurídicas e políticas, indicando um convencimento preconcebido.

(e2) O modo como se amplificou o valor da Constituição reside na interpretação do art. 215 e 231 (CRFB), desprestigiando-se a análise sistemática conjunta ao Decreto 5051/2004 (Convenção 169 da OIT), muito embora tal norma integre a ordem jurídica constitucional (art. 5, parágrafo segundo4 4 § 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. ).

Anterior à inclusão do parágrafo terceiro5 5 § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. ao art. 5 da CRFB (EC n. 45, 8 dezembro de 2004) o Decreto 5051, de 19 de abril de 2004 foi integrado à ordem jurídica ganhando status de norma com conteúdo constitucional (bloco de constitucionalidade). A interpretação da Constituição com relação aos povos indígenas reside em prestigiar tal norma, não ao contrário. Diminuir a importância da legislação por tratar diretamente do reconhecimento do instituto do indigenato (art. 14 e seguintes) possibilitou ao STF “atualizar” o entendimento constitucional sobre demarcação de terras indígenas a partir do argumento “fato indígena”.

A relatoria do caso moldou entendimento a partir da CRFB diminuindo a importância do Decreto 5051 na afirmação das terras e territórios pertencentes aos povos indígenas. Por isso mesmo propôs-se a buscar “na própria Constituição, e com o máximo de objetividade que nos for possível, as próprias coordenadas da demarcação de toda e qualquer terra indígena em nosso País”. (Brasil, STF, 2009, p. 262)

(e3) Na construção do discurso jurídico os elogios e adjetivações têm propósito de autoafirmar os argumentos contidos em decisões do próprio STF, configurando enaltecimento das análises dos colegas de plenário como método de qualificar o argumento ante o coletivo de ministros. Na sentença recorrentemente utilizam-se expressões como “eminente”, “nobre”, “grande”, “ilustre”, “sensibilidade social do ministro”, “minucioso voto”, “excelente voto produzido”, “brilhante voto”, “brilhante, profundo e histórico voto”, “presto minhas homenagens ao eminente”, “verdadeira aula de Direito Indígena”, “excelência dos votos proferidos”, “grandeza enorme”, “muito bem descrito pelo douto”, “apropriada linguagem”.

(e4) Expressões muitas vezes circunstanciadas de remissões à legitimidade e à competência do Tribunal para afirmar a atribuição da Corte, receando ocorrer interferência de outros atores e instituições, pois outros olhares sobre a questão além de descaracterizar a importância do STF como espaço de produção de sentido das normas, também pode acarretar incoerências. Parece assim manter-se a possibilidade das incoerências serem discutíveis e estabilizadas num consenso, mas desde dentro do sentido atribuído pelo próprio STF.

Tais incoerências não podem ser suscitadas para além daquilo que dispõe o texto constitucional, muito embora os intérpretes autênticos sejam competentes para inovação contribuindo para a contemporaneidade da norma. (Brasil, STF, 2009, p. 515-516)

O cuidado dos ministros, portanto, reside em não tornar a prática jurisdicional uma farsa, um exercício de subjetivismo judicial. Muito embora o texto constitucional seja bastante claro a respeito do indigenato, a provocação de uma incoerência para além do disposto na norma foi sublinhada por Jobim e retomada intencionalmente no caso TIRSS, a gerar consequências, quase imediatas, em outros processos demarcatórios que passaram a solicitar revisão das terras.

O relator expôs a competência originária da Suprema Corte para legitimar as discussões que se travariam no caso, asseverando inclusive ter sido anteriormente reconhecida quando do julgamento da Reclamação 2.833. (Brasil, STF, 2009, p. 255) Trata-se de “competência a ser exercitada também contra os Estados e Municípios, se necessário. Não só contra os não-índios”. (Brasil, STF, 2009, p. 274)

(e5) Por toda a sentença há várias digressões para lecionar, ampliando o objeto de decisão para explicações professorais, parecendo direcionar a compreensão para além do plenário, ampliando o destinatário da aplicação das normas. (e6) Associado a essa ampliação de “auditório” acresce-se a demonstração de expertise, afirmação de um conhecimento com fundamento acerca do assunto.

A digressão para lecionar e demonstrar expertise sobre o indigenato passa a ser utilizado como contraponto para afirmar os novos conceitos: “fato indígena”, “marco temporal” e “renitente esbulho”. Ocorre, portanto, a descaracterização do conceito anterior, justificando-o obsoleto.

Lewandovski, após o voto-vista do Ministro Menezes Direito, aditou na sua análise o “fato indígena” como conceito melhor aplicado ao caso, tornando-o assim locus comum no discurso jurídico da sentença, de aceitação sem maiores aprofundamentos em relação à aplicação a outros casos de demarcação de terras, bem como descaracterizando completamente a possibilidade de terras serem retomadas por povos indígenas que delas foram expulsos, por violência, posterior à CRFB/1988. “E o faço, agora, com base na teoria do fato indígena, desenvolvida pelo eminente Ministro Menezes Direito, teoria a qual adiro completamente, e que substitui, com vantagem, o instituto do indigenato” (Brasil, STF, 2009, p. 509).

O “ensino” reverberado por Menezes Direito não promoveu maiores debates entre os ministros, seu estudo foi apenas afirmado em razão da expertise do assunto que, aliás, lhe foi etiquetado devido, exatamente, a justificativa de um novo conceito.

Apesar do que foi dito hoje pela manhã no voto brilhante do Ministro Menezes Direito, vou fazer algumas observações sobre indigenato, porque o Ministro Menezes Direito superou essa questão, para levar em consideração o fato do índio. (Brasil, STF, 2009, p. 432)

A ministra Carmen Lúcia ao tentar aprofundar o conceito de indigenato não contraria o voto do ministro Menezes Direito em relação ao “fato indígena”, mas o utiliza como ponto histórico pretérito a afirmar o novo conceito. O argumento ganha relevo quando a ministra é indagada sobre sua discordância com a tese de Menezes Direito.

Vossa Excelência não aceita a proposta do Ministro Menezes Direito? Não aceito, como? Faz restrições. Com as restrições, porque a última acho que é repetir a Constituição no voto. “Os direitos dos índios relacionados as suas terra são imprescritíveis” está expressamente na Constituição. “É vedada a ampliação da terra indígena já demarcada;” referente à Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Sua Excelência, na verdade, está propondo diretrizes que podem afetar os procedimentos de demarcação. Sim. Quanto a isso, não me oponho. Eu apenas digo: como estou dando uma decisão, um voto judicial numa ação específica para este caso. Há outras considerações que Sua Excelência fez que, na verdade, podem repercutir e repercutirão. Aliás, isso tem relação com o fundamento que Sua Excelência assentou, que é o fato da posse indígena. Sim. Se a posse foi verificada em 05 de outubro, não pode ser ampliada, porque naquela época não havia outra. É isso. Exatamente. Esses pontos estão explicitados. (Brasil, STF, 2009, p. 481-482)

Havia articulação da ministra na formação coerente do argumento para ponderar criticamente a criação do novo instituto, mas a interpelação por outros ministros ofereceu-lhe uma conclusão cíclica sobre o fato indígena, enquanto estava elaborando uma crítica sobre o conceito. Parece ter compreendido o contra-argumento e confirmado, ao final, seu ponto de vista em consenso com os demais ministros.

Caso contrário qual sentido teria da ministra lembrar a Corte que as Constituições anteriores, por exemplo, de 1934, já reconhecia o indigenato como instituto, ou seja, exigia respeito a “posse de terras de silvícolas que nelas se achem permanentemente localizados (...)”. Complementa sua análise a partir da CRFB/1988 e parece afirmar um sentido de autodeterminação tal como exposto no Decreto 5051, pois a determinação de seus modos peculiares e suas propostas de etnodesenvolvimento mantem-se adstritos aos seus próprios anseios, de acordo com a conveniência e oportunidade que assim “desejarem, sem que isso signifique abrir mão de suas crenças e de suas formas de ver o mundo e de viver no mundo” (Brasil, STF, 2009, p. 481-482).

A questão tergiversada pelos ministros reside em evitar afirmar que o reconhecimento do direito indígena sobre suas terras preexistem ao sistema normativo e ao próprio estado. O sentido de alteração do instituto associa-se ao receio de tomada de áreas hoje habitadas por não índios e tornadas cidades. Inexiste qualquer reivindicação sobre tais áreas, ao contrário, comumente, a solicitação atinge as terras (não urbanas) em que os índios ocupavam antes de 1988, mas foram violentamente (no período militar, por exemplo) removidos e passaram a habitar outro local quando da promulgação da CRFB/1988. Desse modo, a tese do marco temporal anistia toda a grilagem ocorrida no período de expulsão e violência aos índios das terras que ocupavam tradicionalmente.

(e7) Inexiste na sentença qualquer alerta referente ao legislador ater-se à formulação de leis que qualifiquem melhor a interpretação sobre a ocupação e usufruto da terra indígena pelos povos indígenas. Muito embora, o próprio STF tenha inovado na criação de uma nova terminologia, não referida constitucionalmente, fazendo distinção entre terra ocupada antes e posterior à promulgação da CRFB/1988, o próprio ministro Lewandovski lembrou “onde o legislador não distingue não cabe ao intérprete fazer distinções” (Brasil, STF, 2009, p. 497).

No caso TIRSS distinções foram realizadas onde inexistiam. Consequência dessa compreensão considera que a demarcação das terras indígenas ocupadas tradicionalmente antes da promulgação da CRFB, ocorrendo expulsão dos povos indígenas devido o uso de violência, caberá reivindicação de retorno para tais áreas se comprovado tal esbulho. Entretanto, caso esse esbulho seja posterior obriga-os a permanecer em terra realocada, cuja lembrança dista de qualquer tradição originária à terra de pertencimento tradicional. Na prática é sonegação de desapropriação de terras tradicionais aos povos indígenas.

4 A APLICABILIDADE DO PHATOS NO CASO TIRSS

As tentativas de chamamento de atenção do auditório, para que desperte as emoções em relação ao assunto debatido se caracteriza pela plasticidade das palavras, as figuras de linguagem são indicativas dessa utilização da linguagem.

Tem-se cinco indicadores (Reis, 2013REIS, Isaac Costa. Limites à legitimidade da jurisdição constitucional: análise retórica das cortes constitucionais do Brasil e da Alemanha. 2013. Tese (Doutorado em Direito) - Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2013., p. 157) pertencentes à categoria Phatos.

(p1) Todo ato judicial fundamentado, em sentença, produz um discurso normativo calcado na afirmação dos textos constitucional e infraconstitucional, se acometido por incongruências e contradições tem-se de retificar os sentidos ou abreviar-lhe a existência no ordenamento jurídico. Um dos meios de gerar maior convencimento, afirmando a posição-argumento do ministro relator (que se debruçou “minuciosamente” sobre o assunto) reside em elaborar, no interior da narrativa, um argumento ad terrorem. Significa causar receio no auditório caso não prevaleça a posição do relator.

Antecipando-se ao argumento ad terrorem de segregacionista ante a proteção especial dispensada pela Constituição aos povos indígenas, Menezes Direito reforça que preservar as sociedades indígenas também é um meio de reconstituí-las, mantendo a integridade de sua cultura, reforçando o respeito entre todos integrantes no País (Brasil, STF, 2009, p. 369).

Observa decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, no caso Awas Tingni, que aplicou sanções à Nicarágua em razão de violação de direito de propriedade dos índios sobre suas terras, bem como ao seu bem estar e integridade cultural. Deste mesmo modo, a comunidade internacional envidou esforços para se fazer cumprir o direito à terra aos povos indígenas, pouco importando que a propriedade, no caso do Brasil, por exemplo, pertença diretamente à União. (Brasil, STF, 2009, p. 398)

Outro argumento estabelece comparação com o caso Brown VS Board of Education e aponta cuidado para que o cumprimento da decisão do STF seja executada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, mantida a supervisão pelo relator da decisão. Entende obter maior eficácia, no local do fato, ante maior capacidade operativa e celeridade para responder às lides de execução da sentença. (Brasil, STF, 2009, p. 831-832)

Embora reconheça o direito à demarcação provoca certo temor quanto à execução da decisão, ante a possível não aceitação de desocupação da área pelos não-índios. Não habita preocupação, nem mesmo temor semelhante ao Judiciário quando se trata de desintrusão de comunidades indígenas para imissão na posse de fazendeiros, comumente atos repletos de violência contra os povos indígenas.

Vários votos são concordantes quanto à necessidade de a demarcação proceder de modo contínuo e não por “ilhas”. “Em outras palavras, o direito à posse da terra pelas comunidades indígenas é oriundo da própria Constituição Federal, competindo a União tão-somente demarcá-las, protegê-las e fazer respeitar todos os seus bens” (Brasil, STF, 2009, p. 520), não vislumbrando “risco ao pacto federativo” (BRASIL, STF, 2009, p. 525). Esse argumento aponta o reconhecimento da demarcação constitucional em seu sentido originário, o que mais se aproxima do conceito de indigenato, pois se cabe “tão-somente” intui-se que sua posse é reconhecida ante a originariedade de sua ocupação e não decorrente de interpretação quanto ao tempo verbal do verbo “ocupar” (art. 231 utiliza a declinação verbal “ocupam”) a apontar um marco temporal dessa ocupação.

Apesar da unânime concordância quanto ao direito à demarcação das terras de modo contínuo, alguns votos não deixaram de causar temor/terror conhecido desde o período de exceção à democracia (atualmente principal expoente é o general Heleno), qual seja: a internacionalização e ocupação da terra indígena por estrangeiros. A preocupação inicial de apresentar um quadro de “terror” reside na ofensa à soberania nacional. Em conclusão afirma que a soberania nacional, deve ser defendida “passo a passo por todos aqueles que se digam compromissados com o Brasil de amanhã. Essas considerações hão de ficar nos anais do Supremo, para registrar-se o que realmente veio à balha (sic) no julgamento” (Brasil, STF, 2009, p. 605-617).

Desconhece o ministro a realidade, já na época do voto, de uma descentralização da política indígena pelo estado brasileiro, constituindo tanto uma educação escolar indígena, inclusive superior, a partir de territórios etnoeducacionais, bem como um subsistema de saúde indígena, ambas as iniciativas a respeitar o mosaico cultural inserido na unidade brasileira. (Albuquerque, 2008ALBUQUERQUE, Antonio Armando Ulian do Lago. Multiculturalismo e direito à autodeterminação dos povos indígenas. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2008., 2016, 2017) A posição político-constitucional do ministro registra um conhecimento estereotipado sobre a cultura e as organizações indígenas, bastante comuns, infelizmente, no Judiciário brasileiro.

É esse o contexto que o Supremo não pode simplesmente ignorar, solapando valores maiores, desconhecendo o fato de índios e não-índios serem todos brasileiros, a eles estando assegurada constitucionalmente a "livre locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou deles a ir com seus bens" - inciso XV do artigo 5 da Carta Federal, rol das garantias constitucionais. Que a visão romântica, calcada em resgate de dívida caduca - e porque não falar dos quilombolas -, seja alijada deste julgamento. (Brasil, STF, 2009, p. 619)

Com essa interpretação o ministro participa da concepção segundo a qual os índios deveriam ser “aculturados”, porque permitir adentrar nos territórios indígenas “quaisquer pessoas” livremente, é consequência lógica de defesa da integração, pois a “política indigenista nacional sempre foi dirigida à integração” (Brasil, STF, 2009, p. 653).

Conforme alerta outro ministro, a “questão indígena” não seria mais a mesma após a decisão da TI Raposa Serra do Sol. Antevia a possibilidade de reaplicar, na Segunda Câmara, as condicionantes do caso para diminuir ou impedir outras demarcações?

O enunciado “questão indígena” denota um sentido

fixo, estável, natural do qual pode derivar paráfrases como “o problema indígena”, “índio é um problema”, “a solução para índios”. Determinadas palavras são estabilizadas de tal modo que abafam, impedem a instalação de outros sentidos, de outras Formações Discursivas: “questão” atrelada a indígenas, é uma dessas palavras que, no processo de estabilização de sentidos naturaliza a despessoalização (...). (Borges, 2018BORGES, Águeda Aparecida da Cruz. Da aldeia para a cidade: processos de identificação/subjetivação e resistência indígena. Cuiabá: EdUFMT, 2018., p. 15)

O argumento de perda territorial é bastante repetitivo na sentença e faz o decano da Suprema Corte advertir sobre o risco de futuros procedimentos afetarem diretamente o princípio da federação, ante a possibilidade de “desestadualização” decorrente da sensível perda de base territorial. (Brasil, STF, 2009, p. 733-734)

Os votos dos ministros apresentam-se constrangidos e pressionados ante a imperiosa necessidade de demarcação por força constitucional, mas, ao mesmo tempo, assumem posição extremamente estereotipada e preconceituosa em relação aos povos indígenas para dimensionar cautela quanto a soberania nacional, um constrangimento desnecessário ante a farta literatura antropológica e política superadora destes estigmas.

(p2) A interlocução humana com entes inanimados a interpretar uma esfera de essencialização do discurso, fixadez à terra decorrente dessa relação, parece descuidada, desconsiderada nos votos ministeriais. A cosmogonia indígena é utilizada como característica de negação, objetivando assim transpor a fixação natural e essencialização para o contexto de mutação cultural cuja justificativa não se aplica aos povos indígenas que deveriam permanecer, assim, estáveis, inertes, tradicionais essencializados sem perspectivas de ressignificação cultural. Incontornável a negação, há décadas, no Judiciário, do nomadismo como também característico de povos indígenas.

Uma parcela dos antropólogos defende, com razão, que a cosmogonia dos índios, a visão de seu surgimento e da evolução do universo, é incompatível com a convivência dos brancos e seus costumes. O problema em Roraima é que os índios já estão - de certa forma - integrados. As meninas índias de quinze, dezesseis anos não querem viver mais da pesca, da coleta, não querem andar pela floresta com roupas tradicionais. A aspiração é ter uma vida social, vestir-se como se veste uma adolescente. O isolamento para essas pessoas é uma ameaça, é a perda da possibilidade desta convivência. A cosmogonia tem valor para as populações que não tiveram contato com os não-índios. (Brasil, STF, 2009, p. 609)

Há afirmação, em contradição, de que inexistiriam índios urbanos, pois descaracterizados completamente do pertencimento identitário originário. Persiste a compreensão assentada no derrogado Estatuto do índio (1973). Borges (2006BORGES, Águeda Aparecida da Cruz. Constituição discursiva sobre o índio em Barra do Garças/MT: um paradoxo na praça. In: Revista Panorâmica Multidisciplinar, Cuiabá, n. 6, 2006.) assenta em análise de discurso o preconceito quanto ao índio citadino em Barra do Garças, Mato Grosso, evidenciando manter-se a identidade xavante mesmo no espaço urbano.

(p3) O voto-vista que acaba tornando-se referencial ao conceituar “fato indígena” possui muitos trechos em negrito, enfatizando a defesa do fato do índio, afirmando que a ocupação é “um fato a ser verificado” e assim as terras indígenas são as ocupadas pelos índios, ocupadas tradicionalmente (Brasil, STF, 2009, p. 378-379).

A pretensão não é investigada pelo orador, mas se caracteriza pela certeza a ser corroborada pelos demais interlocutores, um modo de persuadir para os detalhes que oferecem subsídios argumentativos para que os outros votos o repliquem. A erudição, as adjetivações e elogios ao voto, bem como a digressão para lecionar apontam essa “certeza” de que a melhor análise são as enfatizadas, podendo os outros interlocutores deter-se a aprofundar seus argumentos.

Na construção dos argumentos em negrito marca-se um roteiro auto-referenciado em que as proposições se manterão a partir daquele ponto enfático. Até desvelar o postulado a que todos os ministros poderiam deter suas análises, qual seja: “proponho, por isso, que se adote como critério constitucional não a teoria do indigenato, mas, sim, a do fato indígena” (Brasil, STF, 2009, p. 378-379).

É possível, porém, enquanto contradição estabelecida pelo orador, de modo a afirmar o postulado principal negando o secundário, que ocupadas tradicionalmente pode “significar a exigência de que a ocupação pelos índios se dê em conformidade com a cultura e o modus vivendi que se deseja preservar” (Brasil, STF, 2009, p. 379).

(p4) As transmissões ao vivo das sessões do STF abonam a interpretação dos ministros porque acreditam assim estar se respaldando pela opinião pública, um sentimento de pertencimento em que se forma uma identidade entre os ministros e os espectadores. Ao se tratar mais especificamente sobre a própria identidade do País (povos indígenas), mais ainda o espelho televisivo pode apontar o imaginário coletivo sobre o índio, os estigmas sociais e políticos forjados ao longo de séculos de preconceito e discriminação, ainda fielmente reverberados, inclusive por sentenças judiciais.

(p5) A própria expressão “fato indígena” cunhada por Nelson Jobim (1996) pode ser considerada um neologismo, atribuindo-lhe significados análogos ao conceito do indigenato, mas valendo-se de uma inversão lógica em relação àquilo antes considerado modos/formas de ocupação (tradicionalidade, permanência, ocupação originária) doravante caracteres condicionais de direito a terra (marco temporal e renitente esbulho).

Ocorre no Plenário a modificação de argumentos jurídicos traduzidos para as diversas decisões proferidas pelo STF. Trata-se da negação à tese do indigenato e a criação da tese do fato indígena. Por isso mesmo indaga-se se a decisão a ser proferida conferiria maior extensão ou ficaria apenas na improcedência do pedido inicial. Passados uma década da sentença do caso TIRSS ocorreu não apenas a ampliação do sentido para demarcação continuada, mas também um novo conceito a permitir a diminuição das demarcações existentes e o impedimento de outras posteriores ao marco temporal da Constituição Federal.

5 A APLICABILIDADE DO LOGOS NO CASO TIRSS

Abstrair o discurso de modo a torná-lo independente do orador legitima a validade dos enunciados, postulados e proposições, uma organização da narrativa propositada a caracterizar uma demonstração de verdade que aplicada a um caso concreto oferece uma objetivação. Na realidade desloca o sentido de verdade para certeza ou falsidade das proposições, pois sistematizadas (in)coerentemente, associadas aos argumentos Ethos e Phatos, por isso mesmo, generalizável abstratamente.

(l1) São inúmeros os argumentos de codificação coligidos na sentença do caso TIRSS, destacando-se o art. 231, art. 232, art. 20, §2º; art. 91, §1º, III; art. 225, §1º, III; Lei n. 4.717/1965, Convenção n. 169 da OIT, Decreto n. 534/2005. Sob um ângulo normativo os argumentos circularam derredor à defesa do território nacional e ao meio ambiente, enquanto estratégia argumentativa de, ao mesmo tempo, afirmar a diversidade cultural, mas impedir a secessão da soberania nacional. Argumento ad terrorem muito ampliado (massificado) no período de exceção brasileira à democracia, ainda a respaldar significativamente o imaginário dos membros do STF.

(l2) Argumentos sistematizados a partir dos clássicos métodos de interpretação estão dispostos em toda sentença. Acarretam no auditório a adequada observância das leis a serem aplicadas no caso TIRSS, com preponderância da interpretação sistemática e gramatical (tempo do verbo “ocupar” no art. 231 da CF), buscando conciliação/consenso na aplicação entre as leis infraconstitucionais aparentemente antinômicas (Lei 9.985/2000 - Unidade de Conservação do Monte Roraima como Parque Nacional) e afastando aquelas não recepcionadas pela Constituição Federal (parte do Estatuto do Índio - 1973) ao dispensarem aos povos indígenas tratamento de “incapazes” e/ou “integrados”.

A definição de proteção integral de Monte Roraima como Parque Nacional, segundo a lei do Sistema Nacional de Unidade de Conservação (SNUC) não caberia qualquer ocupação humana. Entretanto, o art. 231 da Constituição Federal assegura aos povos indígenas os seus direitos sobre as terras que tradicionalmente ocupem. Compreendido superficialmente pode acarretar existência de incompatibilidade entre a lei do SNUC e a Constituição, porém trata-se de entendimento a “ser superado por interpretação que prestigie o sistema e a unidade das normas constitucionais e leve em consideração os interesses envolvidos sem afastar qualquer deles de antemão” (Brasil, STF, 2009, p. 409).

Quando o argumento é apresentado com ênfase conciliatória e, ao mesmo tempo, apresentam-se alternativas para o aparente conflito aponta-se, indiretamente, para a perspectiva política de modificação da natureza de parque para outra modalidade. Assim, na própria sentença consta a observação que “outras categorias há que admitem a presença de populações tradicionais, como a Reserva Extrativista e a Reserva de Desenvolvimento Sustentável (art. 18 e 20, respectivamente, da lei 9985/2000)” (Brasil, STF, 2009, p. 410).

Simultaneamente aponta superação nas novas demarcações dos conflitos existentes (sobreposição de áreas) ou possibilidade de alterações de modalidades daquelas áreas em que ocorrem “aparente” conflito entre preservação do meio ambiente (art. 225, CF/1988) e ocupação por povos indígenas e tradicionais (art. 231, CF/1988). A ênfase conciliatória do argumento indica para uma “interpretação que compatibilize os parâmetros rigorosos implantados pelo legislador, utilizando-os com temperamento para atender à necessidade de conciliação dos interesses ambientais e indígenas” (Brasil, STF, 2009, p. 410).

Nesse mesmo sentido, argumento hermenêutico conciliatório que considera perverso o processo universalizado de incluir, como “trazer para o lado de quem se acha dono da verdade única os que a ela ainda não aderiram, significa não permitir o diferente, o que vive segundo sua forma de livremente pensar”, logo depois outro argumento que enuncia negação/contradição exposto mais casualmente sob um ponto de vista espontâneo, desnudando preconceito.

(l3) A definição constitucional reconhecedora da pluralidade cultural não ganhou força argumentativa no discurso enunciado na sentença, momento oportuno para afirmar a diversidade cultural enquanto direito fundamental nuclear à democracia brasileira. O argumento ad terrorem de risco à segurança nacional (terra indígena situada em área de fronteira) levou à interpretação homogeneizante do sentido de “povo”. Afirma-se enfaticamente e espontaneamente que “índios ou não índios somos todos brasileiros. É isso que nos irmana e nos forma como um só povo, situado num único território, que é compromisso de todos e de cada um de nós” (Brasil, STF, 2009, p. 467).

Essa interpretação atribui sentindo homogêneo à diversidade indígena, também dissemina certo apagamento da diferença cultural, numa perspectiva de afirmação da política estatal homogênea sem considerar a diversidade de povos no território brasileiro, impossibilitando afirmar a pluralidade na unidade. Não se trata de risco à soberania, mas de impedimento de autonomia circunscrita e adequada aos limites formais e materiais dispostos na própria CRFB/1988. Impedimento de pluralizar as instituições democráticas.

O imaginário de uma miscigenação de raças afastada de um ambiente belicoso é efetivamente considerado na sentença como um discurso espontâneo, mas que no seu enfeixe com os demais argumentos não conseguem dissimular os estereótipos e estigmas sociais coloquiais também tão presentes na sociedade multicultural brasileira. “O convívio harmônico dos homens, mesmo ante raças diferentes, presente a natural miscigenação, tem sido, no Brasil, responsável pela inexistência de ambiente belicoso” (Brasil, STF, 2009, p. 604).

(l4) A sistematicidade dos argumentos é garantida por meio de uma subsunção que parte de princípios gerais abstratos a serem aplicados no caso em análise. Na ampliação do conceito de indigenato para fato indígena, por exemplo, a temporalidade da ocupação e não a sua originariedade é o princípio-mor de uma contemporaneidade em que, insistentemente, tempo efetivamente é recurso material. Forja-se a ideia de povo homogêneo, mesmo tratando-se de um caso específico que aborda povos diferenciados culturalmente. Assim se alcança uma harmonia inexistente, quando se tem violências cotidianas contra os povos indígenas.

A inaplicabilidade pelo STF do Decreto 5051/2004 em sua interpretação sistemática com o art. 231 da CF/1988 segue argumento principiológico de unidade nacional e indissolubilidade da federação. Por isso se afirma que o “reconhecimento e o fortalecimento dos direitos de povos que foram alcançados pelo processo de conquista e colonização do Novo Mundo não pode negar vigência às normas de hierarquia constitucional” (Brasil, STF, 2009, p. 399).

Neste mesmo sentido, a sentença aborda a sexta edição da obra “Teoria do Estado” de Paulo Bonavides - cuja primeira edição data de 1967 -, enfaticamente preocupado com o predomínio de agências internacionais em território brasileiro com a justificativa de salvaguardar os povos indígenas. Merece comparação do escrito de 1967 e o de 2007.

A partir desse argumento ad terrorem se enuncia novamente o risco de perda territorial, como se não ocorresse “concessão” de extração de vários recursos naturais atualmente.

Paulo Bonavides traça comparação analógica entre a situação do Brasil contemporâneo com a do México no século XIX, em que tal país perdeu grande parte do original território para os Estados Unidos. Reproduzo trecho de capítulo em que se aborda a questão indígena. (Brasil, STF, 2009, p. 604-605)

Compreensível a escrita em sua primeira edição, nos idos de 1967, em plena época de exceção à democracia, de ocupação das faixas de fronteira e ampliação de estradas nos extremos rincões do País, objetivando proteger o território contra as ameaças de um mundo em plena guerra fria e beligerância a qualquer instante.

É razoável esse temor, no século XXI, quando as fronteiras internacionais foram devidamente rompidas em relação ao mercado financeiro especulativo, à tecnologia, e à concessão, pelo estado, de extração de recursos naturais por interesses corporativos internacionais?

6 CONCLUSÃO

Há na sentença uma construção argumentativa afirmativa do instituto do indigenato pela relatoria, e outra após o voto do ministro Menezes Direito. Por aditamento a relatoria incluiu na sua decisão a nova conceituação, fato do índio (fato indígena), superando postulado do indigenato. Ocorre, portanto, um deslocamento da significância de estudo e profundidade dos votos da relatoria para o voto-vista de Menezes Direito que, posteriormente, fora legitimado pela análise dos demais ministros a partir do novo neologismo.

A interpretação do STF segue argumento da relatoria em prestigiar o sentido de demarcação de terras indígenas e o reconhecimento da pluralidade cultural (diluída no sentido de povo) dispostos na Constituição Federal, excluindo a importância da Convenção n. 169 da OIT que, sistematizada com os fundamentos constitucionais do art. 231 prestigia uma leitura autonômica dos povos indígenas sem, contudo, obviamente, ferir princípios alicerces do estado democrático.

O desprestígio da Convenção, positivada na ordem jurídica brasileira pelo Decreto n. 5051, de 19 de abril de 2004, conferindo natureza normativa de constitucionalidade material (bloco de constitucionalidade) em razão do art. 5, §2º, segue os argumentos de vários ministros em relação ao risco de rompimento com a soberania nacional, por se tratar de áreas em região de fronteira e acessíveis a muitas entidades internacionais poderiam ser afetadas pelo interesse internacional. São vários os argumentos ad terrorem coligidos pelos julgadores para afirmarem a necessidade de, simultaneamente, garantir a demarcação e manter a soberania.

Esvaziar de importância o Decreto n. 5051/2004 possibilitou excluir de análise a possibilidade de aprofundar sobre o sentido de autodeterminação conjunto com o art. 231 da CF/1988, descortinando/desvelando outro sentido para o fundamento do direito à demarcação a partir do próprio texto constitucional.

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  • 1
    “Proponho, por isso, que se adote como critério constitucional não a teoria do indigenato, mas, sim, a do fato indígena. A aferição do fato indígena em 5 de outubro de 1988 envolve uma escolha que prestigia a segurança jurídica e se esquiva das dificuldades práticas de uma investigação imemorial da ocupação indígena. Mas a habitação permanente não é o único parâmetro a ser utilizado na identificação das terras indígenas. Em verdade, é o parâmetro para identificar a base ou núcleo da ocupação das terras indígenas, a partir do qual as demais expressões dessa ocupação devem se manifestar. Para além desse fator temporal, exigem-se na caracterização das terras indígenas, como expõe Luiz Armando Badin, os seguintes fatores: ‘(...) b) fator econômico - as terras devem ser utilizadas para suas atividades produtivas; são os locais necessários à subsistência e produção econômica (como campos de caça, pesca, coleta e cultivo, por exemplo); c) fator ecológico - as terras devem ser imprescindíveis à preservação dos recursos naturais necessários a seu bem estar; d) fator cultural e demográfico - as terras devem ser necessárias a sua reprodução física e cultural (manifestações culturais da comunidade, cemitérios, locais religiosos e destinados a práticas rituais), bem como a outras atividades próprias a sua organização social e econômica’.”
  • 2
    “Aceito, porque me parece absolutamente correta a única explicação jurídica para o critério de delimitação das áreas indígenas, que é o que o eminente Ministro Menezes Direito chamou de fato indígena. Na verdade, o fato da posse jurídica na data de início de vigência da Constituição, em 5 de outubro de 1988, corresponde praticamente ao conceito jurídico-civil de posse, enquanto possibilidade fática de aproveitamento econômico da coisa.” “Ao examinar as disposições constitucionais sobre as terras indígenas, afirma o Ministro Carlos Britto que o marco temporal da ocupação ali referida é o dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição, de modo que é nessa data que deve ser verificada a ocupação pelos índios, para fins de definição das terras que tradicionalmente ocupam e do usufruto a eles concedido (...)”. (BRASIL, STF, 2009, p. 367)
  • 3
    Dados categorizados podem ser disponibilizados por meio de solicitação ao autor pelo endereço eletrônico lagoalbuquerque@hotmail.com.
  • 4
    § 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
  • 5
    § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    27 Jul 2019
  • Aceito
    07 Abr 2022
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