Este trabalho analisou as principais mudanças nos discursos judiciais sobre homossexualidades a partir de acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça do Brasil no período de 1989 a 2012, visando: a) compreender os padrões de complexificação nas formas de o Estado (através do Poder Judiciário) exercer o seu poder sobre as sexualidades e os corpos nas últimas décadas; b) identificar se haveria uma democratização das relações sociais e afetivas sendo operada por meio do Poder Judiciário. Para tal conjuguei a classificação dos discursos judiciais coletados segundo as modalidades discursivas propostas por Rios e Oliveira com uma análise genealógica dos textos. Identifiquei uma forte tendência democratizadora das relações sociais e afetivas por meio do Poder Judiciário brasileiro, que se tornou majoritária a partir de 2011. No entanto, a pesquisa encontrou ainda uma forte tendência a uma sorte de assimilacionismo familista e à normalização de sujeitos, afetos e sexualidades segundo padrões heteronormativos, revelando assim uma ambiguidade risco/potência presente no processo de reconhecimento, pelo Judiciário brasileiro, dos denominados direitos sexuais.
direitos sexuais; LGBT; acesso à Justiça; discursos judiciais; homossexualidades
Resumen
Este trabajo analizó las principales mudanzas en los discursos judiciales sobre homosexualidades a partir de fallos emitidos por el Supremo Tribunal Federal y el Superior Tribunal de Justicia del Brasil en el periodo de 1989 a 2012. Busqué: a) comprender los patrones de complejización de las formas en que el Estado (a través del Poder Judicial) ejerce su poder sobre las sexualidades y los cuerpos en las últimas décadas; b) identificar si fue operada una democratización de las relaciones sociales y afectivas por medio del Poder Judicial. Para tanto, conjugué la clasificación de los discursos judiciales recolectados, según las modalidades discursivas propuestas por Rios y Oliveira, con un análisis genealógico de los textos. Identifiqué una fuerte tendencia democratizadora de las relaciones sociales y afectivas por medio del Poder Judicial brasileño, que se tornó mayoritaria a partir de 2011. Sin embargo, la pesquisa encontró una fuerte tendencia a una suerte de asimilacionismo familista y a la normalización de sujetos, afectos y sexualidades según patrones heteronormativos, presentando así una ambigüedad riesgo/potencia presente en el proceso de reconocimiento por el Poder Judicial en el Brasil de los denominados derechos sexuales.
derechos sexuales; LGBT; acceso a la Justicia; discursos judiciales; homosexualidades
Abstract
This paper analyzes the main changes in judicial discourses on homosexualities based on decisions by the Brazilian Supreme Court and the High Court of Justice from 1989 to 2012. I tried to understand a) the standards of complexification in the forms of State (through the judiciary) exercise of power over bodies and sexualities in recent decades; and b) identify the operation of a process of democratization of social and affective relations by the judiciary. I combined the genealogical analysis of the texts with their classification in a typology for judicial discourses proposed by Rios and Oliveira. I identified a strong democratizing trend of social and affective relationships, processed by the Brazilian judiciary, which became majoritarian since 2011. However, the research also showed a strong tendency to a sort of familist assimilationism, and to the normalization of subjects, affections and sexualities according to heteronormative standards. This reveals an ambiguity risk/potency present in the process of recognition of sexual rights by the Brazilian judiciary.
sexual rights; LGBT; access to Justice; judicial discourses, homosexualities
Introdução1 1 O presente trabalho é uma tentativa de sintetizar algumas das discussões desenvolvidas em minha dissertação de mestrado. Uma versão prévia deste texto foi apresentada no GT 18 - Instituições Judiciais, agentes e repercussão pública do 38º Encontro Anual da Anpocs. Agradeço imensamente ao feedback dos presentes. Este trabalho não seria possível sem a bolsa Capes, recebida durante a realização do mestrado.
Um dos eixos centrais do debate contemporâneo sobre a democracia tem sido o que alguns chamam de "a questão da diferença", isto é, de como lidar com uma gama cada vez mais ampliada de demandas por reconhecimento e de inclusão efetiva de novos sujeitos. Sobre diversas rubricas, como "aprofundar" ou "radicalizar" a democracia, ou ainda no sentido de propor uma democracia plural ou da diferença, tradições variadas da teoria democrática têm buscado ir além de uma concepção mínima de democracia para criar condições para a incorporação efetiva de tais demandas e sujeitos.
Argumentarei ao longo do texto que as demandas por direitos sexuais para pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT2 2 Optei por adotar a sigla LGBT, em detrimento de várias outras, por ser aquela reivindicada pelos movimentos e oficialmente aceita a partir da I Conferência Nacional GLBT. Há quem reivindique o uso de outras siglas como LGBTI, para agregar a população de pessoas intersex; essa alteração não é consensual, nem mesmo entre o movimento de pessoas intersex. ) é um dos eixos necessários a serem incorporados para o aprofundamento da democracia. Acredito que uma preocupação com um real aprofundamento em relação aos direitos sexuais de pessoas LGBT deve se ocupar com a observação das respostas do Judiciário às demandas referentes a essas temáticas. Como o Judiciário brasileiro, em sua maioria, responde a demandas individuais e de casos concretos, acredito ser importante avaliar quais enquadramentos discursivos são utilizados nas decisões a fim de perceber quais são os limites e as possibilidades imbricadas na argumentação jurídico-política presente em tais decisões.
Sendo assim, este trabalho analisou as principais mudanças nos discursos judiciais sobre as homossexualidades a partir dos acórdãos3 3 Acórdãos são decisões colegiadas publicadas por um tribunal. O documento ao qual se tem acesso contém os votos de cada ministro e algumas vezes transcrições de discussões orais realizadas. Para uma compreensão mais detalhada do que é um acórdão e reflexões sobre as possibilidades e os limites metodológicos do uso de acórdãos como fontes de dados, ver Coacci (2013). proferidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no período de 1989 a 2012. Tentei compreender: a) quais têm sido os padrões de complexificação nas formas de o Estado (através do Poder Judiciário) exercer o seu poder sobre as sexualidades e os corpos nas últimas décadas; b) identificar se haveria uma democratização das relações sociais e afetivas sendo operada por meio do Poder Judiciário no Brasil.
Para tal, coletei e analisei os acórdãos do STF e do STJ julgados nesse período que continham a homossexualidade como um tema central. A coleta foi realizada nos repositórios on-line dos respectivos tribunais por meio da busca pelas seguintes palavras-chave: homossexual, homosexual, homossexuais, homosexuais, homossexualismo, homosexualismo, homossexualidade, homosexualidade, homoss$, homoafetivo, homoafetiva, homoaf$, homofobia, homof$, lesbofobia, gay, lésbica, bissexual, bisexual, bissexuais, bisexuais, sodomia.4 4 O uso de palavras grafadas de forma incorreta se deu para tentar encontrar o maior número possível de casos. O símbolo $ é um operador de sistemas de buscas que indica que o sistema deve procurar a parte digitada e suas variações. A busca e a coleta foram realizadas em quatro rodadas. Para o STJ, busquei e coletei nos dias 23 de novembro e 01 de dezembro de 2012, 10 e 11 de setembro de 2013. Para o STF, nos dias 27 de novembro e 12 de dezembro de 2012, 13 de abril e 11 de setembro de 2013. Em todas as ocasiões busquei por todas as palavras-chave.5 5 Uma descrição mais detalhada dos métodos e das técnicas utilizados na presente pesquisa se encontra em Coacci (2014).
O presente texto se subdivide em duas partes; na primeira, realizarei um breve percurso histórico dos direitos sexuais de pessoas LGBT para demonstrar: (i) a forma como o Estado brasileiro lidou com sujeitos homossexuais através da história; (ii) as razões históricas, políticas e sociais que levaram a luta por direitos sexuais para a arena do Judiciário. Na segunda parte, "entro em campo", descrevendo o material coletado e as análises ali realizadas. Como buscarei demonstrar, a escolha do enquadramento discursivo pode levar a um discurso que subordina o reconhecimento a padrões morais heteronormativos e que, por isso, são menos democráticos; ou possibilitar o reconhecimento de formas de afetividade independentemente de sua adequação aos padrões heteronormativos e, por isso, mais democráticos. Demonstrarei empiricamente que o Judiciário brasileiro é uma arena ambígua para os direitos sexuais: se, por um lado, de fato auxiliou na ampliação desses direitos, por outro, há uma tendência forte de crescimento de um tipo de discurso que pode restringir as possibilidades de uma maior democratização das relações sociais e sexuais em um futuro próximo.
1. Um (breve) histórico dos direitos sexuais de pessoas LGBT no Brasil
Para compreender por que o Judiciário foi o campo em que se deu o maior número de disputas e de conquistas para os direitos sexuais de pessoas LGBT é necessário fazer um breve percurso histórico através das formas como o Estado brasileiro, em específico o Legislativo e o Executivo federais, lidou com os sujeitos homossexuais, os movimentos LGBT e suas demandas por direitos sexuais.
Há algumas décadas, pesquisas têm demonstrado como a sexualidade é um elemento importante para a compreensão do estado moderno e das formas como o poder se articula na atualidade (Foucault, 2009FOUCAULT, M. 2009. História da sexualidade I a vontade de saber. 19ª ed. Rio de Janeiro: Graal.; Miskolci, 2012MISKOLCI, R. 2012. O desejo da nação: masculinidade e branquitude no Brasil de fins do XIX. São Paulo: Fapesp/ Annablume. ). De fato, o Brasil desde seu período colonial até a atualidade regulou, de alguma maneira, as sexualidades, seja punindo as práticas sexuais entre pessoas de mesmo sexo até o século XVII (Pretes & Vianna, 2008PRETES, E. & VIANNA, T. 2008. "História da criminalização da homossexualidade no Brasil: da sodomia ao homossexualismo". In: LOBATO, W.; SABINO, C. & ABREU, J. F. Iniciação Científica: destaques 2007. Vol. 1. Belo Horizonte: PUC Minas. p. 313-392. ), seja produzindo políticas de mestiçagem da sociedade durante a formação de nossa nação (Miskolci, 2012MISKOLCI, R. 2012. O desejo da nação: masculinidade e branquitude no Brasil de fins do XIX. São Paulo: Fapesp/ Annablume. ), ou realizando prisões ilegais e submetendo homossexuais a tratamentos terapêuticos no século XX (Green, 2000GREEN, J. N. 2000. Além do carnaval: a homossexualidade masculina no Brasil do século XX. São Paulo: Editora Unesp.) ou tantas outras.
Durante todo esse tempo, com certeza, estratégias de resistência e de subversão das regulações à sexualidade existiram. No entanto, foi só no período recente que surgiu um padrão mais coletivo, constante e organizado de demandas ao Estado para que não discriminasse em função da sexualidade, para que proibisse a discriminação e também para que regulasse determinados aspectos da vida que dizem respeito à sexualidade, ou seja, para que o Estado brasileiro garantisse os direitos sexuais de pessoas LGBT. É também recente o engajamento, mesmo que ainda precário, do Estado no sentido de dar alguma resposta a essas demandas, seja pela produção legislativa, seja através de políticas públicas ou de decisões judiciais.
As lutas sociais dos movimentos LGBT no Brasil - chamado à época de seu surgimento de movimento homossexual - tem início, ao menos de forma mais organizada e institucionalizada, nos finais da década de 1970 (Facchini, 2003FACCHINI, R. 2003. "Movimento homossexual no Brasil: recompondo um histórico". Cadernos AEL, Campinas, vol. 10, n. 18/19, p. 81-125. ; Simões & Facchini, 2009SIMÕES, J. A. & FACCHINI, R. 2009. Na trilha do arco-íris: do movimento homossexual ao LGBT. 1ª ed. São Paulo: Fundação Perseu Abramo. ). Facchini (2003FACCHINI, R. 2003. "Movimento homossexual no Brasil: recompondo um histórico". Cadernos AEL, Campinas, vol. 10, n. 18/19, p. 81-125. ) separa em três ondas a história do movimento LGBT. A primeira onda teve sua duração entre final da década de 1970 e meados da década de 1980; a segunda onda, entre meados da década de 1980 e o início da década de 1990; e a terceira onda teve seu início na década de 1990. A literatura não fala de uma quarta onda para o movimento LGBT brasileiro,6 6 Não quero, com isso, argumentar no sentido da existência de uma quarta onda do movimento LGBT no Brasil. Não estou seguro de que as mudanças que ocorreram nos últimos anos provocaram uma ruptura com a lógica da onda anterior. Desejo apenas apontar a necessidade de estudos mais sistemáticos e de caráter nacional, assim como os realizados por Facchini, para entender o contexto atual do movimento. mas com certeza é preciso perceber que do início da terceira onda até o presente momento diversas modificações no contexto do movimento, do Estado, dos estudos sobre sexualidade e dos direitos sexuais ocorreram.
A segunda onda foi marcada pela crise do HIV/AIDS, que afetou enormemente a vida das pessoas homossexuais no mundo inteiro e fez com que o movimento brasileiro se reconfigurasse. Muitas organizações desapareceram nesse período, outras mudaram seu foco para criar campanhas de prevenção ao HIV/AIDS e dar apoio às pessoas soropositivas. É nesse cenário que surgem duas questões relevantes: (i) o diálogo entre movimentos sociais e o Estado para dar respostas concretas a uma doença que atingia um número cada vez maior de homens gays e travestis;7 7 A opção por utilizar exclusivamente o termo travesti se dá por coerência histórica. Como argumentam Carvalho e Carrara (2013) transexual emergirá no debate público como uma categoria identitária apenas no final dos anos 1990. (ii) as demandas para o reconhecimento jurídico das uniões entre pessoas de mesmo sexo.
As formas como os homossexuais se relacionavam foram reconfiguradas em função do HIV/AIDS, de um modelo mais fluido, que Perlongher (1991PERLONGHER, N. 1991. "O desaparecimento da homossexualidade". In: LANCETTI, A. Saudeloucura. São Paulo: Hucitec. ) chama de "a festa da orgia homossexual", tornam-se mais comuns modelos de casais estáveis e monogâmicos. Tal mudança, como aponta Grossi (2003GROSSI, M. P. 2003. "Gênero e parentesco: famílias gays e lésbicas no Brasil". Cadernos Pagu, Campinas. Jan. 2003. Nº 21, p. 261-280. ), seria uma forma de prevenção à contaminação. A autora afirma ainda que o HIV/AIDS e essa reconfiguração das formas de relacionamento foram fatores importantes para promover as demandas jurídicas pelo reconhecimento das uniões entre pessoas de mesmo sexo. Esse reconhecimento seria uma garantia patrimonial e de renda para os casais. A ausência das previsões expressas de proteção às conjugalidades homoeróticas poderia levar (e efetivamente levou) certas pessoas a serem desalojadas e a perder o patrimônio construído conjuntamente.
O primeiro acórdão mapeado pela pesquisa (BRASIL, 1998a) exemplifica bem essa situação. O acórdão foi julgado pela quarta turma do STJ no dia 10 de fevereiro de 1998. Tratava justamente de uma disputa entre Marco8 8 Mesmo os documentos analisados sendo públicos, por razões éticas, não parto do pressuposto de que haja consentimento na publicação dos nomes reais das partes diretamente envolvidas nos casos que constituem o material empírico desta pesquisa. Uma vez que não é possível entrar em contato com cada uma dessas pessoas solicitando tal autorização, para respeitar sua privacidade (já que muitos podem não desejar ter seus nomes divulgados no presente trabalho), optei por substituir os nomes ou abreviações dos nomes de todas as pessoas físicas por nomes fictícios. Mantive, todavia, sem modificações, apenas os nomes de pessoas jurídicas e das/os ministras/os julgadores. e a família de seu cônjuge falecido, Júnior. Este contaminou-se com o vírus e ao longo do desenvolvimento da doença foi cuidado exclusivamente por Marco, que arcou com as despesas do tratamento, sem auxílio da família de Júnior. Com o óbito, o pai de Júnior, representando o espólio, desejava que Marco saísse do apartamento comprado pelo casal e que se encontrava em nome de seu filho falecido. Marco, por sua vez, buscou que a Justiça reconhecesse a existência da sociedade de fato entre os dois homens, dividindo o patrimônio adquirido conjuntamente. Buscava ainda receber por danos morais causados pela família de Júnior, argumentando que em função da falta de auxílio prestada pela família sofreu uma exposição e acabou sendo excluído da sociedade.
O STJ acabou por reconhecer a sociedade de fato, por haver provas do esforço comum na constituição do patrimônio, mas negou o pedido de danos morais. Segundo o voto do ministro Ruy Rosado de Aguiar, os danos derivariam exclusivamente da "opção de vida" de Marco e não da família.
A terceira onda, período chamado por Facchini (2003FACCHINI, R. 2003. "Movimento homossexual no Brasil: recompondo um histórico". Cadernos AEL, Campinas, vol. 10, n. 18/19, p. 81-125. ) de reflorescimento do movimento LGBT, ampliou a visibilidade dos sujeitos LGBT e suas demandas, bem como aumentou o diálogo do movimento com o Estado e com o mercado. O número de associações que integram o movimento cresceu drasticamente a partir da década de 1990. Segundo Simões e Facchini (2009SIMÕES, J. A. & FACCHINI, R. 2009. Na trilha do arco-íris: do movimento homossexual ao LGBT. 1ª ed. São Paulo: Fundação Perseu Abramo. ), o III Encontro Brasileiro de Homossexuais, realizado em 1989, contou com a participação de seis grupos, enquanto em 1993, no VII encontro, esse número saltou para 21 grupos. Essas organizações começaram a se profissionalizar para competir pelo financiamento público. A verba pública surgiu em função da janela de oportunidade criada pelo que ficou conhecido como Projeto Aids I, uma tentativa estatal de lidar com o HIV/AIDS que incluiu a sociedade civil para a implementação das atividades.
Um reflexo do grande número de organizações é o surgimento e a ampliação das paradas do orgulho LGBT ocorridas nesse período. Esta forma de ação inicialmente apareceu em São Paulo, mas rapidamente se espalhou por cidades como Belo Horizonte e Rio de Janeiro (Machado, 2007MACHADO, F. V. 2007. Muito Além do Arco-íris. A constituição de identidades coletivas entre a sociedade civil e o Estado. Dissertação de Mestrado, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais. ). Não apenas o número de paradas aumentou, como também essa forma de ação angariou cada vez mais participantes: as primeiras paradas de São Paulo, realizadas em 1997 e 1998, atraíram alguns milhares de pessoas, enquanto a quinta parada, de 2001, reuniu o impressionante número de 250 mil pessoas, tornando-se um marco para a cidade (Simões & Facchini, 2009SIMÕES, J. A. & FACCHINI, R. 2009. Na trilha do arco-íris: do movimento homossexual ao LGBT. 1ª ed. São Paulo: Fundação Perseu Abramo. ). As paradas deram visibilidade às demandas por direitos sexuais de pessoas LGBT, o que nunca antes existiu. O movimento não apenas se aproximou do Estado, mas também dos partidos e iniciou trabalhos de pressão para a proposição de propostas legislativas. Durante os anos 1990 foram criados setoriais LGBT no PT e no PSTU; a partir dos anos 2000, em outros partidos, como o PSDB. Na atualidade existem 97 propostas de projetos de lei em tramitação na Câmara dos Deputados; apesar desse número expressivo, poucos projetos são efetivamente aprovados. Apenas nove leis federais tratam de direitos sexuais de pessoas LGBTI, sendo que todas essas legislações apenas tangenciam o tema, como é o caso da Lei Maria da Penha, ou criminalizam a homossexualidade, como é o exemplo do Código Penal Militar (Oliveira, 2013OLIVEIRA, R. M. R. de. 2013. Direitos sexuais de LGBT* no Brasil: jurisprudência, propostas legislativas e normatização federal. Brasília: Ministério da Justiça, Secretaria da Reforma do Judiciário.).
A partir dos anos 2000 houve ainda uma outra mudança que afeta as demandas por direitos sexuais, e é importante de ser mencionada. Com o governo Lula, surgem algumas das primeiras políticas públicas para a população LGBT, em nível federal, fora da chave do HIV/AIDS. Segundo Mello e outros (2012MELLO, L.; AVELAR, R. B. DE & MAROJA, D. 2012. "Por onde andam as políticas públicas para a população LGBT no Brasil". Sociedade e Estado, Brasília. Ago. 2012. Vol. 27, n. 2, p. 289-312. ), a institucionalização de políticas públicas para a população LGBTI se inicia apenas em 2004 com a publicação do Programa Brasil Sem Homofobia. Desde então, foi realizada a I Conferência Nacional GLBT, em 2008, que orientou a produção, em 2009, do Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais - PNDCDH-LGBT. Este plano, caso implementado, responderia a uma grande variedade de demandas do movimento LGBT brasileiro, prevendo ações no campo da saúde, da segurança pública, da educação, da cultura, e outras para a promoção do respeito à diversidade sexual e ao combate à homofobia, à lesbofobia e à transfobia. Entretanto, na prática, poucas ações foram levadas a cabo. Mello e outros analisam os entraves para a sua implementação, demonstrando os fatores que auxiliaram o enfraquecimento institucional de tais políticas:
as ações e os programas formulados pelo governo federal - e também pelos governos estaduais e municipais - com vistas ao combate à homofobia e à promoção da cidadania da população LGBT são marcados pela fragilidade institucional e por deficiências estruturais, tendo em vista: a) a ausência de respaldo jurídico que assegure sua existência como políticas de Estado, livres das incertezas decorrentes das mudanças na conjuntura política, da homofobia institucional e das pressões homofóbicas de grupos religiosos fundamentalistas; b) as dificuldades de implantação de modelo de gestão que viabilize a atuação conjunta, transversal e intersetorial de órgãos dos governos federal, estaduais e municipais, contando com a parceria de grupos organizados da sociedade civil; c) a carência de previsão orçamentária específica, materializada no Plano Plurianual (PPA), na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e na Lei Orçamentária Anual (LOA); e d) o reduzido número de servidores públicos especializados, integrantes do quadro permanente de técnicos dos governos, responsáveis por sua formulação, implementação, monitoramento e avaliação (Mello et al, 2012MELLO, L.; AVELAR, R. B. DE & MAROJA, D. 2012. "Por onde andam as políticas públicas para a população LGBT no Brasil". Sociedade e Estado, Brasília. Ago. 2012. Vol. 27, n. 2, p. 289-312. :155).
Juntamente com esse esforço, surgem algumas conquistas de instâncias institucionais específicas para as demandas da população LGBT dentro do Estado, como a criação da Coordenação Geral de Promoção dos Direitos de LGBT, vinculada ao Departamento de Promoção dos Direitos Humanos da Subsecretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, da Secretaria de Direitos Humanos em 2009 e também a criação em 2010 do Conselho Nacional de Combate à Discriminação - LGBT, vinculado à Secretaria de Direitos Humanos. Entretanto, a partir da realização da II Conferência Nacional LGBT foi possível constatar o pouco avanço e a falta de interesse do Estado em implementar de maneira consistente políticas públicas para a população LGBTI (Mello et al., 2012MELLO, L.; AVELAR, R. B. DE & MAROJA, D. 2012. "Por onde andam as políticas públicas para a população LGBT no Brasil". Sociedade e Estado, Brasília. Ago. 2012. Vol. 27, n. 2, p. 289-312. ). Um dos fatos que demonstram tal falta de interesse é que dos mais de 40 Centros de Referência LGBT, que foram abertos ao longo dos anos de 2005 e 2006 em quase todas as capitais e em algumas grandes cidades brasileiras, atualmente vários já se encontram fechados e outros estão fechando as portas (Mello, Avelar & Maroja, 2012MELLO, L.; AVELAR, R. B. DE & MAROJA, D. 2012. "Por onde andam as políticas públicas para a população LGBT no Brasil". Sociedade e Estado, Brasília. Ago. 2012. Vol. 27, n. 2, p. 289-312. ).
Tentei nesta primeira parte reconstruir brevemente o surgimento e a consolidação dos movimentos LGBT no Brasil, a relação destes com o Estado, e a forma como o Legislativo e o Executivo têm dado respostas às demandas de direitos sexuais para pessoas LGBT nas últimas décadas. Esses fatores foram o pano de fundo para a pesquisa que realizei e funcionaram, de alguma maneira, como uma das múltiplas causas para o fenômeno analisado. Com certeza, o Judiciário não teria recebido muitas das demandas que recebeu caso o Legislativo em 1995 tivesse aprovado o PL 1.115/95.
2. A judicialização dos direitos sexuais de pessoas LGBT no Brasil
Uma vez descrita a situação do Executivo e do Legislativo brasileiro e percebida a precariedade das respostas que eles deram às demandas por direitos sexuais de pessoas LGBT no Brasil, cabe perguntar: e o Judiciário, como respondeu às demandas que chegaram às suas portas?
A presente pesquisa focou em dois tribunais superiores, o STF e o STJ, no entanto, é importante notar que estes tribunais são apenas a ponta do iceberg do sistema jurídico brasileiro, funcionando normalmente como tribunais de superposição. Tais tribunais atuam principalmente julgando recursos de causas que já exauriram os graus das Justiças comuns e especiais, exercendo o papel de uniformizar a aplicação da Constituição e da Legislação Federal. A competência para julgar recursos ordinários existe, mas é excepcional (Cintra, Grinover & Dinamarco, 2008CINTRA, A. C. de A.; GRINOVER, A. P. & DINAMARCO, C. R. 2008. Teoria geral do processo. São Paulo: Malheiros.). Além disso, existem algumas competências originárias desses tribunais, mas como demonstrarei abaixo, esse tipo de ação foi minoritária. Os casos aqui analisados têm, então, uma história pregressa nos tribunais inferiores que não será analisada.
Outras pesquisas, como a de Rosa Oliveira (2009OLIVEIRA, R. M. R. de. 2009. Isto é contra a natureza? Decisões e discursos sobre conjugalidades homoeróticas em tribunais brasileiros. Tese de Doutorado, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina.), analisaram em âmbito estadual julgamentos similares, sendo que a de Oliveira mapeou, de janeiro de 1989 a junho de 2008, o total de 187 decisões sobre conjugalidades homoeróticas provenientes dos tribunais de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo. Esse fluxo de ações em nível estadual construiu o campo discursivo em que os tribunais superiores atuaram a partir do final da década de 1990. As decisões estaduais foram, e ainda são, importantíssimas por seu pioneirismo, mas as decisões provenientes dos tribunais superiores possuem uma força jurídico-simbólica diferenciada, influenciando a aplicação do Direito por todo o país.
Passarei agora a descrever e a analisar o conjunto dos casos coletados. Através da busca nos repositórios dos sites do STF e STJ, configurada para o período de 01 de janeiro de 1989 a 31 de dezembro de 2012, encontrei, coletei, selecionei e analisei 38 acórdãos9 9 É difícil vislumbrar o tamanho total do universo de acórdãos publicados ao longo do período analisado aqui, mas é verdade que, confrontando com a quantidade de acórdãos publicados, o número de casos de direitos sexuais se torna ínfimo. Para se ter noção, apenas no ano de 2011, ano em que encontrei 11 casos, o STJ sozinho publicou 79.993 acórdãos (Superior Tribunal de Justiça, 2011). Isto significa que o número de casos encontrados em 2011 representa apenas 0,014% dos casos publicados pelo STJ no mesmo ano, e porque inclui, nesses 11 casos, três ações que foram julgadas pelo STF. em que a homossexualidade aparecia como central à discussão do caso. Por esta razão, acórdãos que apenas continham uma das palavras-chave, mas em que esta não era efetivamente a temática central, foram excluídos da amostra. Dos casos selecionados, 32 foram julgados pelo STJ e apenas seis pelo STF; em relação à divisão por campo do direito, quatro tinham origem em ações penais, enquanto todos os outros pertenciam ao campo do direito civil. O tipo de recurso mais comum encontrado pela pesquisa foi o Recurso Especial, com 25 ocorrências. Foram ainda detectados sete Agravos Regimentais, dois Habeas Corpus, um Embargo de Declaração, um Recurso Ordinário, uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) e uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI).10 10 Infelizmente não é possível nesse curto espaço explicar o que são e como se processam esses recursos. Uma descrição breve, mas suficiente, pode ser encontrada em Coacci (2014: 35-39). Para uma discussão mais dedicada e competente, ver Didier e Cunha (2009) e Didier, Braga e Oliveira (2006).
2.1 A distribuição dos acórdãos no tempo
A distribuição dos acórdãos ao longo do tempo é desigual. No período compreendido entre os anos de 2004 e 2009, há uma média de duas ações por ano, com exceção de 2007, ano em que não foi encontrada nenhuma ação. A partir de 2010, todavia, podemos observar um aumento significativo de ações sendo julgadas, com o ápice desses julgamentos ocorrendo em 2011, ano em que 13 ações foram encontradas
Todos os fatores históricos, políticos e institucionais descritos anteriormente são linhas de força que atravessaram o campo pesquisado, influenciando no surgimento, na ampliação ou na redução do número de demandas e também nos próprios debates travados. As consequências da relação entre os três poderes, no caso analisado, é peculiar. Se, por um lado, a ausência completa de legislações que garantam expressamente a segurança jurídica para os casais de mesmo sexo foi uma razão que os levou ao Judiciário, como demonstrei a partir do primeiro caso coletado, por outro lado, foi possível perceber que no período em que houve a criação de políticas públicas e maior propositura de projetos de lei foi também o período com o maior número de julgamentos. A data que Mello e outros (2012MELLO, L. et al. 2012. "Questões LGBT em debate: sobre desafios e conquistas". Sociedade e Cultura, Goiânia. Jun. 2012. Vol. 15, n. 1, p. 151-161. ) apontam para o início das políticas públicas é igualmente a do início do período em que os julgamentos se tornam mais frequentes, com pico dos julgamentos ocorrendo nos três últimos anos do recorte. Os casos dos anos de 2010, 2011 e 2012, juntos, correspondem 63,1% do total de casos coletados, sendo que destes, quase a metade pertence exclusivamente ao ano de 2011
Resta saber o que levou à concentração de casos no período que coincide com o do governo PT no Brasil. Há uma série de hipóteses de explicação, a mais óbvia sendo a do tempo decorrido para que um caso, em não se tratando de um processo originário, chegue ao STJ ou ao STF. O caminho trilhado para que um processo chegue até esses tribunais, nos casos em que não é uma ação originária, pode ser longo e levar alguns anos. Por exemplo, a propositura, em primeira instância, do processo que originou o REsp 148.897 (Brasil, 1998a) se deu em 30 de agosto de 1994, e o julgamento pelo STJ ocorreu apenas em 1998. Essa hipótese, no entanto, não é suficiente para explicar a concentração dos casos no início da década de 2010, uma vez que os processos julgados nesse período não tiveram o seu início na década de 1990. Mesmo em nível estadual, a maior concentração de casos também se deu em período similar. A pesquisa de Oliveira (2009OLIVEIRA, R. M. R. de. 2009. Isto é contra a natureza? Decisões e discursos sobre conjugalidades homoeróticas em tribunais brasileiros. Tese de Doutorado, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina.) mostra uma concentração desproporcionalmente maior nos anos de 2006 a 2008
É possível se perguntar se haveria uma correlação entre o governo PT e a propositura de ações. Esta é uma hipótese que pode ser investigada futuramente, mas alguns aspectos podem ser apontados aqui. Primeiro, o governo federal pode influenciar a propositura de ações por meio da Procuradoria-Geral da República. Para seguir esta hipótese, seria interessante uma pesquisa sobre o caso da ADI 4.277 proposta pela então procuradora-geral interina Deborah Duprat, que resultou no julgamento histórico do STF que reconheceu a constitucionalidade das uniões estáveis entre pessoas de mesmo sexo, verificando em que medida a propositura desta ação foi influenciada pelo governo federal ou não. Teoricamente, esta hipótese se mostra possível, mas talvez empiricamente para o caso analisado ela não seja verídica.11 11 Considero esta uma forma de influência do governo federal, pois a Procuradoria-Geral da República se submete ao presidente da República, sendo que a nomeação do procurador-geral é uma prerrogativa do presidente da República (art. 128, §1 da Constituição). Todavia, na prática, essa influência pode ser apenas relativa e a hipótese pode ser falha, uma vez que existe uma certa independência do PGR. Dois fatos apontam para a força dessa independência e como ela - e não a influência do governo federal - talvez explique o caso concreto da ADI. Primeiro, existe a tradição de a Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR) realizar uma consulta à classe e produzir uma lista tríplice para subsidiar a decisão do presidente. A lista serve para indicar ao presidente quem, no quadro de profissionais da área, é a pessoa mais adequada para assumir o cargo. A lista tem sido tradicionalmente respeitada, conforme notícia no próprio site da ANPR. Segundo, Deborah Duprat ocupou o cargo por pouco mais de 20 dias, antes que Roberto Gurgel fosse indicado para ele. Nesses 20 dias deu sinais de independência e propôs ações polêmicas, algumas que inclusive iam contra o governo, como foi o caso do questionamento no STF da Lei 11.952/09, derivada da Medida Provisória 458/09. Para informações sobre a lista tríplice, ver: <http://www.anpr.org.br/index.php?option= com_noticias&view=destaque&id=2763> Para informações sobre a ação contra a Lei 11.952/09, ver: <http://www.prap.mpf.mp.br/ noticias/noticia.php?cdnoticia=692>
Sem a pretensão de uma comprovação empírica, trabalho com a hipótese de que ao longo das décadas de 1990 e 2000, devido à confluência de fatores explicados anteriormente, como a consolidação do movimento LGBT, sua maior visibilidade e articulação com o Estado e com a esquerda brasileira, bem como o início das políticas públicas para a população LGBT, houve um aprendizado social sobre os direitos sexuais de pessoas LGBT. Com isso, algumas pessoas homossexuais se empoderaram de forma a ingressar na Justiça buscando algo que consideravam um direito seu e que percebiam como factível de ser conseguido. Acredito que em décadas passadas, seja pelo contexto ditatorial do Brasil, seja pela inexistência do movimento LGBT consolidado, ou pela própria configuração das relações homossexuais no momento pré-aids e pela falta de uma visibilidade positiva da homossexualidade, não seria possível criar uma cultura de cidadania sexual que empoderasse uma grande parcela da população para ir à Justiça buscar o reconhecimento jurídico de uma união entre pessoas de mesmo sexo. Isto não seria visto por muitos homossexuais e menos ainda por juristas e pela população em geral como um direito, não seria desejável trazer visibilidade a casais e uniões que poderiam se querer invisíveis em função do próprio conservadorismo e da sociedade, ou ainda não seria desejável porque esta não era a forma pela qual essas pessoas desejariam configurar suas relações, buscando modelos mais fluidos e menos estáveis.
2.2 Os atores dos processos
O Estado e o Ministério Público participaram de outros processos e de outras formas além da proposição da ADI 4.277 e da ADPF 132. Classifiquei a composição dos polos da ação em relação aos tipos de partes: Estado, Ministério Público, Pessoa Física, Pessoa Jurídica ou Administração Indireta. As pessoas físicas foram aquelas que mais apareceram no polo ativo das respectivas demandas ao Judiciário, propondo o recurso ou a ação originária. Também apareceram, mais uma vez em primeiro lugar, no polo passivo das ações, sendo os recorridos ou réus mais frequentes das ações aqui analisadas.
Este dado, em específico, me permite concluir que são os próprios indivíduos que estão pressionando os tribunais e ampliando as fronteiras dos direitos sexuais. As conquistas de direitos sexuais, pela via do Poder Judiciário, têm tido pouca participação direta dos movimentos sociais. Essa ausência é justificada pela própria lógica individualizante do Direito brasileiro, o campo de atuação judiciária para os movimentos sociais sendo bastante restrito. Ademais, como será demonstrado mais à frente, grande parte dos casos encontrados tratava de direitos individuais, como o reconhecimento de uniões estáveis.
Todavia, os movimentos sociais não se encontram completamente ausentes e têm atuado, na medida do possível, de forma indireta, seja como amicus curiae, provocando o MP para a propositura de uma ação, seja realizando campanhas de conscientização sobre certa questão, ou possivelmente convocando a população para assistir a determinado julgamento. Apesar de os acórdãos não darem pistas do uso dessa estratégia em nenhum dos casos analisados, ela foi utilizada em outros casos, como no julgamento, no TJMG, do assassinato homofóbico do bailarino Igor Xavier.12 12 A Associação Cultural Igor Vive manteve ativa a memória de Igor Xavier e do brutal assassinato de que foi vítima. Por meio de seu blog e da realização periódica de ações em diversas cidades de Minas, a mãe de Igor, Marlene Xavier, articulou com diversos movimentos sociais para acompanhar o andamento do caso e pressionar pelo julgamento e a condenação dos assassinos. Mais informações no site da associação: http://igorvive.blogspot.com.br/
O Ministério Público aparece como o principal propositor de um grande número de ações. Ele tem revelado, contudo, uma atuação ambivalente em relação aos direitos sexuais no país. Dependendo de qual Ministério Público estejamos analisando, oriundo de qual estrutura estadual ou da federal, sua posição se revelou bastante diferente. No caso da propositura das ações, o Ministério Público atuou principalmente na contramão dos direitos sexuais, recorrendo das decisões dos tribunais que reconheciam como união estável aquelas formadas entre pessoas de mesmo sexo. Todavia, é verdade que o Ministério Público também atuou propondo ações e recursos favoráveis aos direitos sexuais, como no caso do REsp 502.995 (Brasil, 2005b). Por Administração Direta, abrangi a União, os estados e os municípios, bem como os seus tribunais. A Administração Direta, como parte da ação, também participou como uma força importante em prol da manutenção do status quo e do não reconhecimento dos direitos sexuais. Apenas no julgamento da ADPF 132 (Brasil, 2011b), a Administração Direta foi uma parte que buscava reconhecer abertamente tais direitos.
Por Administração Indireta abrangi outros órgãos públicos que não se encaixam propriamente na categoria de Administração Direta, como o INSS e a Caixa Econômica Federal. Estes também litigaram contra pessoas físicas, buscando o não reconhecimento dos direitos sexuais das pessoas LGBT, especificamente os direitos de pensão. Na categoria Pessoa Jurídica, incluí empresas privadas, como um jornal, mas também associações de previdência complementar, como a Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil. N.S.A. foi utilizada naquelas ações em que não havia um polo passivo; por exemplo, as ações de controle de constitucionalidade.
2.3 Os direitos em discussão
Em relação às razões que levaram à propositura da ação, o Reconhecimento da União Estável foi a mais preponderante, aparecendo em 18 dos casos aqui analisados. Os outros pedidos frequentes foram o de partilha de bens, em oito casos, pensão por morte, em sete casos, e de indenização por danos morais, em cinco casos. Encontrei ainda diversos outros pedidos que apareceram de forma única, ou alguns por duas vezes. Vejamos:
Frise-se que o número de pedidos e direitos em discussão extrapola o número de casos. Isto ocorre, pois em um mesmo caso é possível discutir mais de uma questão. Na análise dos acórdãos, os pedidos de reconhecimento de união estável e sociedade de fato se mostraram como a "porta de entrada" para acessar outros direitos, tais como a pensão por morte, a partilha de bens e a inclusão no plano de saúde. Assim, o reconhecimento vinha, geralmente, acompanhado desses outros pedidos. No STF, o pedido de reconhecimento de união estável apareceu sem outro tipo de pedido em função da discussão da temática em tese, e não em um caso concreto nas ações de controle de constitucionalidade. No STJ, foram encontradas poucas ações em que o pedido de reconhecimento da união foi exclusivo, como é o caso do REsp 827.962 (Brasil, 2011g) e do REsp 820.475 (Brasil, 2008c). Ambas as ações visavam apenas à declaração da existência da união estável; no segundo caso mencionado, essa declaração judicial serviria posteriormente como prova em processo de aquisição de visto permanente para residir no Brasil.
Se deixarmos a homossexualidade de lado por um momento e trouxermos para o primeiro plano de análise as outras questões debatidas nos acórdãos aqui analisados, perceberemos que elas se organizam principalmente a partir de quatro eixos: propriedade (patrimônio), saúde, nacionalidade e honra.
Como Foucault já apontava, a homossexualidade se revelou como um dispositivo (Foucault, 2009FACCHINI, R. 2003. "Movimento homossexual no Brasil: recompondo um histórico". Cadernos AEL, Campinas, vol. 10, n. 18/19, p. 81-125. ; Faria, 2013FARIA, P. 2013. "A noção foucaultiana de dispositivo sob a ótica de Deleuze". ConTextura (UFMG), Belo Horizonte, vol. 5, p. 29-34.), isto é, como algo que permite fazer a conexão entre os discursos geradores de saber e as maneiras de atuação do poder, entre os indivíduos e a população. A homossexualidade é o meio/instrumento através do qual esses "eixos", propriedade (patrimônio), saúde, nação foram acionados pelos acórdãos. Para acessar o direito à saúde, uma pessoa busca o reconhecimento da sua relação com o parceiro homossexual para ser inserido no Plano de Saúde deste parceiro. Para acessar o direito à nacionalidade, ou mais criteriosamente à residência permanente no Brasil, busca-se reconhecer a união estável havida entre dois homens. Para conseguir estabilidade financeira, ou impedir depreciação em seu patrimônio, busca-se reconhecer a união estável havida entre os(as) parceiros(as) e, talvez, sua dissolução pela separação ou morte.
As formas jurídicas de se regularem as uniões entre pessoas no sistema jurídico brasileiro proporcionam mais do que um reconhecimento estatal da existência dessas uniões. Esse reconhecimento é fonte de uma série de outros direitos, e regular quem pode ou não acessá-lo é uma forma de excluir determinados grupos de uma parcela significante de direitos e criar tipos diferentes de cidadanias dentro do Brasil. Esse entendimento da sexualidade como um dispositivo que permite ao Estado o controle dos indivíduos e da população torna ainda mais relevante a compreensão das formas com as quais o Estado tem lidado com a sexualidade.
A honra tem emergência um pouco diferente nos acórdãos. Esta categoria surge principalmente nas ações em que há o pedido de indenização por danos morais, em conjunto com outros pedidos ou não, motivados por distintas razões. No primeiro acórdão encontrado (Brasil, 1998a), além do pedido de reconhecimento jurídico da união para fins de separação de bens, havia também o de indenização. Marco solicita indenização por diversas razões, o dano material é uma delas; outra razão é o dano moral causado pela publicidade da relação homossexual. Pelo trecho abaixo fica claro que a falha da família de Junior em auxiliá-lo em sua doença leva à publicidade da relação que ele tinha com Marcos, e é essa publicidade que fere a honra, que o afasta da sociedade e dá causa ao dano moral. Veja:
Já o inconformismo de [Marcos] com a r. Sentença apelada reside no não deferimento de seu pedido de dano moral, ao argumento de que ensejou tal pedido o fato de ter ele sido isolado na sociedade em face da notícia de que a pessoa com a qual morava ter falecido por AIDS; que, por ter tido que cuidar de [Junior], em razão de a família tê-lo abandonado, tornou-se pública a relação que ele e [Junior] sempre procuraram disfarçar; que por isto, o pai de [Junior] falhou e por isto há que arcar com a indenização por dano moral (Brasil, 1998a: 5).
Em pelo menos outros três casos (Brasil, 2005c, 2008a, 2012b e de uma forma um pouco diferente em Brasil, 2012d), a honra entrou em debate em casos em que a mídia tornou pública a homossexualidade ou divulgou notícia, informação ou foto que pudesse dar a entender que determinada pessoa era homossexual. Nesses casos, os indivíduos buscavam uma indenização de empresas de comunicação, tentando resgatar sua honra maculada pela divulgação, considerada indevida pelos sujeitos, ou de determinada informação e/ou foto que revelava ou levava a crer que determinada pessoa fosse homossexual.
O caso do REsp 613.374 ilustra bem esse debate. O jornal Folha da Manhã teria utilizado a seguinte chamada para uma notícia: "[Henrique] Bicha é preso a 550 km de Passos (Brasil, 2005c, p. 2). A ação de Henrique questionava justamente o limite da liberdade de expressão e de informação, argumentando que esses direitos não poderiam ultrapassar os direitos à liberdade individual e à honra, e a divulgação da alcunha bicha da forma como foi feita, na opinião de Henrique, configuraria essa violação. O jornal, em seu recurso, chega a acusar Henrique de oportunista por se revoltar ao ser chamado publicamente de bicha, como pode ser visto no seguinte trecho: "dizendo-se ofendido em sua honra com a divulgação do apelido pelo qual é conhecido por todos, não se incomodando com a divulgação de sua prisão sob a acusação de traficante de drogas (...), revela oportunismo" (Brasil, 2005c: 3). O STJ acabou por decidir que os danos morais não eram devidos, pois o apelido Henrique Bicha constava no inquérito policial e na denúncia do MP, sendo considerado, então, mera reprodução desses documentos.
Esses casos são interessantes para se analisarem as dinâmicas do público/privado e a lógica do armário (Sedgwick, 2007SEDGWICK, E. K. 2007. "Epistemologia do Armário". Cadernos Pagu, Campinas. Jun. 2007. Nº 28, p. 19-54. ) que atravessam a construção da homossexualidade na contemporaneidade, bem como os limites da liberdade de expressão da imprensa. No entanto, para não perder o foco, tais discussões não serão aprofundadas aqui. Passarei então a analisar os resultados dos acórdãos coletados.
2.4 Resultados e enquadramentos discursivos
Para entender para que lado a balança da justiça pesaria, os acórdãos coletados foram devidamente classificados segundo seu efetivo "resultado" ou "desfecho" no que tange à parte homossexual da disputa e segundo o tipo de discurso ali identificado. Em relação ao resultado, os respectivos acórdãos foram classificados como: Favorável, Desfavorável e Favorável em Partes. Esta última categoria foi utilizada quando, no caso em questão, havia mais de um pedido feito à Corte, sendo que um deles foi julgado favoravelmente e o outro não. Esta classificação não leva em conta se a decisão estaria "correta juridicamente" ou não, apenas se a decisão final do acórdão (ou seja, a somatória dos votos dos/as magistrados/as) concedeu ou não o pedido em favor da parte homossexual. Nos casos em que havia duas pessoas homossexuais litigando - casos, por exemplo, de separação e partilha de bens - optei por classificar como favorável ou não em relação à parte que fazia uso de um enquadramento mais benéfico aos direitos sexuais. Por exemplo, quando numa situação de separação uma das partes pedia o reconhecimento da união estável e a outra pedia que fosse reconhecida apenas a sociedade de fato, optei por classificar favorável ou não à parte que reivindicava a união estável.
Do total de casos analisados, 25 obtiveram resultado "favorável", sete, "desfavorável", e outros seis, "favorável em partes". Apenas a identificação desses resultados já revela, por si só, que os tribunais superiores brasileiros têm sido atores importantes para assegurar os direitos sexuais das pessoas homossexuais em nosso país. É possível perceber ainda, a partir da análise cruzada do resultado em relação ao ano de julgamento, que as decisões desfavoráveis se concentram em período anterior a 2006. Apenas uma das seis decisões desfavoráveis foi encontrada no período pós-2006, indicando uma tendência bastante recente de reconhecimento de demandas de direitos sexuais pelo STF e STJ. Independentemente da tendência recente, não é possível ignorar que desde 1998 já havia também decisões favoráveis nesses tribunais
Quantifiquei também a presença de divergências nos acórdãos. Mesmo em se tratando de temáticas polêmicas, a discordância não foi muito comum nos acórdãos aqui analisados. Apenas oito casos apresentaram posicionamentos distintos. É importante marcar que essas divergências contabilizadas são divergências em relação ao resultado e não em relação ao fundamento.13 13 A divergência em relação ao fundamento foi mapeada e apresentada ao longo da descrição e da análise dos votos, todavia é de difícil quantificação. A descrição completa das divergências de fundamento se encontra em Coacci (2014). No julgamento da ADI 4.277 e ADPF 132 (Brasil, 2011b), por exemplo, houve unanimidade no resultado, mas não houve no seu fundamento.
A esmagadora unanimidade quanto aos resultados, por sua vez, não pode nem deve ser interpretada como ausência de debates. Especificamente nos casos que analisei, foi comum que os ministros apresentassem suas razões de votar, até para concordar com o/a relator(a). A exposição de motivos para a concordância se mostra mais presente naqueles casos em que os ministros percebem ser paradigmáticos ou de relevância acentuada. É possível interpretar essa forma de agir dos/as ministros/as como uma questão de consciência em relação à sua própria forma de contribuir para a história jurídica do país. Os ministros chegaram a anunciar, por diversas vezes, estarem "fazendo história" nesses leading cases.
Acredito, no entanto, que a análise do resultado pura e simples não basta para os propósitos da pesquisa. Para analisar se há um processo de democratização das relações sexuais e afetivas ocorrendo por meio do direito, é preciso compreender o enquadramento discursivo utilizado nesses julgamentos. Somente assim será possível entender as principais características de cada discurso, quais as barreiras para o acesso ao direito e quais as possibilidades de conquistas futuras que são abertas ou fechadas em função de cada julgamento. Para realizar tal análise, foi replicada a tipologia proposta por Rios e Oliveira (2012OLIVEIRA, R. M. R. de. 2013. Direitos sexuais de LGBT* no Brasil: jurisprudência, propostas legislativas e normatização federal. Brasília: Ministério da Justiça, Secretaria da Reforma do Judiciário.), que também se preocuparam em classificar os discursos judiciais sobre as homossexualidades. Os autores dividiram, então, os discursos judiciais em quatro tipos. São eles:
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a) Conservadorismo judicial e heterossexismo explícito: "Trata-se de modalidade de raciocínio judicial informada por uma classificação hierárquica das diversas manifestações da sexualidade, que subordina à matriz heterossexual todas as demais expressões" (Rios & Oliveira, 2012OLIVEIRA, R. M. R. de. 2013. Direitos sexuais de LGBT* no Brasil: jurisprudência, propostas legislativas e normatização federal. Brasília: Ministério da Justiça, Secretaria da Reforma do Judiciário.: 262).
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b) Liberalismo abstencionista e heterossexismo implícito: "É a modalidade de discurso judicial que se propõe a aplicar as regras jurídicas sem emitir juízo de valor, positivo ou negativo, diante da esfera de decisão individual protegida da intervenção estatal, no caso, o exercício da sexualidade e a realidade da diversidade sexual" (Rios & Oliveira, 2012: 262).
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c) Assimilacionismo familista e homoafetividade: É a modalidade de discurso judicial que subordina o reconhecimento dos direitos sexuais a um enquadramento familiar e conjugal institucionalizado pela heterossexualidade.
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d) Diversidade sexual e afirmação dos direitos sexuais: "Destaca-se das demais por reconhecer dignidade e valor para orientações sexuais e identidades de gênero diversas da heterossexualidade compulsória" (Rios & Oliveira, 2012OLIVEIRA, R. M. R. de. 2013. Direitos sexuais de LGBT* no Brasil: jurisprudência, propostas legislativas e normatização federal. Brasília: Ministério da Justiça, Secretaria da Reforma do Judiciário.: 268).
Foi necessária a criação de uma quinta categoria, "Outros", para catalogar os possíveis discursos que não se encaixassem de forma alguma na tipologia proposta pelos autores. Em função da pluralidade de discursos presentes dentro de um mesmo acórdão, optei também por realizar essa classificação exclusivamente a partir do "voto vencedor". O "voto vencedor" no acórdão é aquele que rege os efeitos jurídicos que serão produzidos pelo documento; sendo assim, é possível dizer que ele pode ser considerado como o "discurso oficial" gerado a partir da discussão daquele caso. É possível também que no mesmo voto a/o ministra/o faça uso de mais de um tipo desses discursos. Como em toda classificação de fenômenos sociais (inerentemente complexos), os tipos puros não existem, mas são meras abstrações do nosso pensamento e esforço de categorização empírica. Na realidade, quase todo acórdão possui características e elementos oriundos de e pertinentes a diversos tipos de discursos. Nesses casos, busquei encontrar padrões de predominância de uma modalidade discursiva sobre a outra, seja na argumentação, seja na tomada de decisão.
Se levarmos em conta os tipos de discurso de forma separada, o tipo Diversidade Sexual e Afirmação dos Direitos Sexuais foi o que enquadrou o maior número de casos nesta pesquisa. Este resultado corrobora os dados anteriormente mencionados sobre as decisões serem em sua maioria favoráveis ao reconhecimento das demandas, e o aprofunda ainda mais, demonstrando que o resultado é favorável, e que o enquadramento utilizado por diversos acórdãos realmente reconhece e valoriza a diversidade sexual.
Todavia, não é possível ignorar o fato de que, se agregadas as modalidades discursivas que não valorizam a afirmação e o reconhecimento da diversidade sexual, o total de casos enquadrados nessas modalidades supera o número daqueles enquadrados na única modalidade que valoriza positivamente a diversidade sexual. Estes somam 50% dos casos nas três primeiras modalidades discursivas, contra 42,1% dos que estão na modalidade discursiva Diversidade Sexual e Afirmação dos Direitos Sexuais. Isto implica dizer que, apesar de esta última modalidade ser a mais recorrente dentre todas, não seria totalmente verdadeiro afirmar que esta tem sido a posição efetivamente majoritária de nossos tribunais, ou seja, a posição que defende e valoriza a diversidade sexual, ainda que uma tendência, não está completamente consolidada na argumentação dos nossos tribunais superiores.
A análise deve ainda ser complementada pela respectiva distribuição no tempo dessas modalidades discursivas, o que pode ser considerado quando levamos em conta o período em que cada acórdão foi proferido. Vejamos esse resultado:
Deve-se lembrar apenas que essa análise leva em conta que os casos concretos não se encaixam total ou perfeitamente nesses tipos discursivos. Afirmar aqui essa tendência democratizadora (que de fato existe e foi mapeada nesta pesquisa) não significa dizer que as outras modalidades discursivas deixaram ou deixarão de existir e de produzir efeitos. Isto não seria correto, principalmente porque os discursos do assimilacionismo familista e homoafetividade estão cada vez mais presentes e fortes. Mesmo o leading case do STF é permeado por forte tendência assimilacionista, o que se refletirá em praticamente todos os casos que sofrerem sua influência. Este fato me leva a afirmar que haveria, por um lado, uma democratização das relações sexuais e sociais, mas, por outro, uma tendência à normalização das vivências da sexualidade (elemento analítico este que também está presente no conteúdo dos acórdãos aqui analisados).
Aqui se encontra um dos riscos identificados pela pesquisa: de fato, foi observado que paulatinamente os tribunais passaram a reconhecer mais e mais direitos para as pessoas homossexuais. Essa ampliação da proteção jurídica foi acompanhada pelo reconhecimento de que as uniões entre pessoas de mesmo sexo, chamadas agora de uniões homoafetivas, têm como característica principal o afeto. Dessa maneira, tornou-se possível aplicar os institutos tradicionais de Direito de Família (a união estável e o casamento), mesmo que por analogia. Apesar das várias posições e teorizações, inclusive sobre a própria "natureza" da família, poucos processos foram vistos capazes de vir a transformar o casamento e a união estável. A única grande mudança observada foi a do rompimento com o requisito da dualidade de gêneros, nenhuma outra.
Seria importante tentar compreender quais as consequências do uso desses institutos jurídicos embrenhados no regime heteronormativo para o reconhecimento das uniões entre pessoas de mesmo sexo. Quais são as consequências da ênfase no afeto, que se deu a partir da influência de Maria Berenice Dias?14 14 Para evitar interpretações equivocadas, é importante deixar claro que não é intenção da argumentação que aqui se desenvolve fazer uma demonização de Maria Berenice Dias ou mesmo apresentá-la como vilã de uma história. Todavia, é impossível desassociar a corrente do Direito Homoafetivo de sua criadora. Fatores pessoais importaram para que essa corrente "pegasse". O que se faz é a crítica a uma corrente teórica, tentando analisar os efeitos políticos da sua adoção pelo Direito. Apesar de ir contra alguns aspectos da corrente teórica desenvolvida pela ex-desembargadora, reconheço que Maria Berenice Dias auxiliou grandemente na ampliação dos Direitos Sexuais de pessoas LGBT no Brasil, bem como na maior inserção dos debates sobre orientação sexual e identidade de gênero dentro do campo jurídico. E para perguntar ainda, como fez Roger Raupp Rios (2007RIOS, R. R. 2007. "Uniões Homossexuais: Adaptar-se ao Direito de Família ou Transformá-lo? Por uma nova modalidade de comunidade familiar". In: GROSSI, M. P.; UZIEL, A. P. &.MELLO, L (eds.). Conjugalidades, parentalidades e identidades lésbicas, gays e travestis. Rio de Janeiro: Editora Garamond. p. 109-130. , 2011RIOS, R. R. 2011. "Direitos sexuais, uniões homossexuais e a decisão do Supremo Tribunal Federal (ADPF 132-Rj e ADI 4277)". In: RIOS, R. R.; GOLIN, C. & LEIVAS, P. G. C. (eds.). Homossexualidade e direitos sexuais: reflexões a partir da decisão do STF. Porto Alegre: Editora Sulina. p. 69-113. ), se não seria o reconhecimento das uniões entre pessoas de mesmo sexo o momento para se repensar o Direito de Família, introduzindo novos e radicais elementos? E não, simplesmente, repetindo os mesmos modelos tradicionais de se pensar em família, casamento e união estável?
A cada vez que o afeto aparecia nos discursos, a força da sexualidade ia desaparecendo um pouco. O discurso da homoafetividade, mesmo que não tenha sido o mais frequente ou o predominante nos votos, mostrou-se extremamente corrente entre aquelas pessoas que decidiram por deferir as demandas de direitos sexuais de pessoas homossexuais. O objetivo da criação do termo homoafetivo, por melhores que sejam as intenções, está imbricado necessariamente ao pânico moral-social (Miskolci, 2007MISKOLCI, R. 2007. "Pânicos morais e controle social - reflexões sobre o casamento gay". Cadernos Pagu, Campinas. Jun. 2007. Nº 28, p. 101-128. ) do casamento entre pessoas de mesmo sexo. A criação do termo se deu para, de certa forma, "purificar", "higienizar", normalizar a homossexualidade, afastando-a do sexo e trazendo-a para mais perto do afeto:
[...] o enorme preconceito de que sempre foram alvo os homossexuais e o repúdio aos seus vínculos de convivência impuseram a necessidade da criação de um novo vocábulo que retire das uniões de pessoas do mesmo sexo características exclusivamente da ordem da sexualidade. Daí homoafetividade, para marcar que os relacionamentos estão calcados muito mais no elo da afetividade que une o par, não se limitando a mero propósito de natureza sexual (Dias, 2011DIAS, M. B. 2011. União Homoafetiva: o preconceito & a justiça. 5ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. : 108-109).
A homoafetividade permite a entrada das relações homossexuais numa categoria mais próxima do "bom" sexo. Ela, por sua vez, dá lugar a um reconhecimento bastante seletivo de determinadas uniões, deixando as uniões entre mais de duas pessoas, ou as não monogâmicas, por exemplo, fora do escopo da sua proteção. Nas palavras de Rios (2011DIAS, M. B. 2011. União Homoafetiva: o preconceito & a justiça. 5ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. : 111):
Como acima dito, a formulação de expressões ainda que bem-intencionadas, como "homoafetividade", revela uma tentativa de adequação à norma que pode revelar uma subordinação dos princípios de liberdade, igualdade e não discriminação, centrais para o desenvolvimento dos direitos sexuais (2007RIOS, R. R. 2007. "Uniões Homossexuais: Adaptar-se ao Direito de Família ou Transformá-lo? Por uma nova modalidade de comunidade familiar". In: GROSSI, M. P.; UZIEL, A. P. &.MELLO, L (eds.). Conjugalidades, parentalidades e identidades lésbicas, gays e travestis. Rio de Janeiro: Editora Garamond. p. 109-130. ) para uma lógica assimilacionista, o que produziria um efeito contrário, revelando-se também discriminatória, pois, na prática, distingue uma condição sexual "normal", palatável e "natural" de outra assimilável e tolerável, desde que bem comportada e "higienizada". A sexualidade heterossexual não só é tomada como referência para nomear o indivíduo "naturalmente" detentor de direitos (o heterossexual, que nunca necessitou ser heteroafetivo para ter direitos reconhecidos), enquanto a sexualidade do homossexual é expurgada pela "afetividade", numa espécie de efeito mata-borrão.
Há traços inegáveis, como a psicanalista Maria Rita Kehl (2003KEHL, M. R. 2003. "Em defesa da família tentacular." In: GROENINGA, G. C. & PEREIRA, R. C. Direito de família e psicanálise: rumo a uma nova epistemologia. Rio de Janeiro: Imago. p. 163-173. ) já apontou, de uma revalorização de princípios bem tradicionais da família burguesa nos argumentos em prol das uniões homoafetivas. Há também uma estratégia de "purificação" das práticas sexuais historicamente consideradas como "desviantes" ou "más" sexualmente (Rubin, 2011RUBIN, G. 2011. "Thinking sex: notes for a radical theory of the politics of sexuality". In: RUBIN, G. Deviations: a Gayle Rubin reader. Durham: Duke University Press. p. 137-181. ). Por mais bem-intencionada que a categoria seja e por mais importante que tenha sido para a conquista de determinados direitos como foi, a homoafetividade opera segundo uma lógica paradoxal e até mesmo arriscada: a conquista de novos direitos atrelados a uma franca tentativa de normalização da vida.
O dispositivo da sexualidade (Foucault, 2009FACCHINI, R. 2003. "Movimento homossexual no Brasil: recompondo um histórico". Cadernos AEL, Campinas, vol. 10, n. 18/19, p. 81-125. ) opera aqui o reconhecimento de determinadas formas de união entre pessoas de mesmo sexo, e elas aparecem com um incentivo seletivo do Estado, que atua, mais uma vez, na mesma direção: a de estimular e controlar as uniões sexuais, o exercício dos afetos e das práticas sexuais "não desejadas". As uniões que estão sendo reconhecidas são aquelas que são capazes de serem assimiladas; aliás, as uniões chamadas homoafetivas estão sendo reconhecidas, muitas vezes, pela simples razão de se parecerem com as uniões heterossexuais, como o próprio ministro Cezar Peluso deixou explícito em seu voto na ADPF 132 e ADI 4.277:
Por quê? Porque vários elementos de ordem afetiva, no sentido genérico, e de ordem material da união de pessoas do mesmo sexo guardam relação de comunidade com certos elementos da união estável entre o homem e a mulher. Esta a razão da admissibilidade da consideração da união de duas pessoas do mesmo sexo - não mais que isso - na hipótese de que estamos cogitando, como entidades familiares para efeitos constitucionais e legais (Brasil, 2011b: 267).
Não se trata aqui de defender uma posição de recusa em relação às conquistas que observamos em relação aos direitos sexuais, ou ainda de dizer que tais conquistas, como o casamento e a união estável, seriam "ruins" por si sós por serem institutos jurídicos previstos inicialmente segundo modelos heterossexuais de conjugalidade e de família. Já que esses direitos existem para uma parcela da população e que outra parcela estava, até bem pouco tempo, alijada da possibilidade jurídica desse acesso, é importante continuar a lutar para que tal impossibilidade deixe de existir.
Essa luta não deve, no entanto, excluir o que Halberstam (2012HALBERSTAM, J. 2012. Gaga feminism: sex, gender, and the end of normal. Boston: Beacon Press.) chama de o direito de recusar os direitos que nos foram recusados,15 15 Uma corrente do movimento e da teoria queer é radicalmente contrária ao casamento entre pessoas de mesmo sexo. Butler (2003) se posiciona favorável ao casamento, mas concorda que sua defesa deva sempre ser feita de forma cuidadosa para se tentar evitar o assimilacionismo puro e simples à norma heterossexual. Halberstam (2012), por sua vez, defende o fim do casamento como pauta política para a emancipação feminista e queer. Sua argumentação se centra em 5 eixos: i) a demanda pelo casamento seria uma forma de política reativa derivada de uma polarização "nós" vs. "eles"; esse tipo de política, segundo a autora, seria fraca; ii) a inclusão pelo casamento mantém o status quo sem estar ligada a uma pauta política revolucionária de outros projetos de justiça social; iii) direitos como o acesso ao compartilhamento de seguro de saúde não deveriam depender do casamento; iv) modelos alternativos de intimidade não são promovidos pelo modelo do casamento; v) argumenta ainda, a partir de Mary Wollstonecraft, Beauvoir e outras, que o casamento seria uma ideologia opressiva. isto é, deve-se levar em conta que uma série de sujeitos não desejará afirmar e reconhecer o casamento e a união estável como aqueles modelos institucionais que abarcam, de fato, as suas formas de expressão e valorização do afeto, da sexualidade, da intimidade e da conjugalidade. Aquelas vivências que optam por outras arquiteturas afetivas e sexuais, que se afastam radicalmente das arquiteturas da heterossexualidade, também devem ser levadas em conta e consideradas, e que venham num futuro próximo a buscar o reconhecimento jurídico, participando da luta para que se concretizem, caso assim o desejem. O reconhecimento amplo e justo dos direitos sexuais não pode inviabilizar outros projetos de vida.
Outras modalidades discursivas provavelmente apareceriam com mais frequência se os casos em discussão se afastassem dos modelos conjugais e familiares heterossexuais. De certa forma, é fácil valorizar a diversidade sexual quando ela não é "tão diversa assim" e se assemelha, em muito, com os modelos que nós já temos e que estão ainda fortemente pautados nos padrões normativos da heterossexualidade.
Por último, é interessante observar quem está proferindo cada modalidade discursiva; dos 16 casos aqui classificados como Diversidade Sexual e Afirmação dos Direitos Sexuais, seis foram relatados pela ministra Nancy Andrighi, dois por Ari Pargendler e dois por Ayres Britto. Nenhum outro ministro dos tribunais aqui analisados relatou mais de um caso classificado na referida modalidade discursiva. Tal fato aponta para uma evidente posição militante de Nancy Andrighi no STJ em prol dos direitos sexuais. Além disso, dos nove casos em que foi relatora, apenas três foram classificados em modalidades discursivas que não a da Diversidade Sexual e Afirmação dos Direitos Sexuais. Parece-me correto afirmar então que, quando um caso não "cai nas mãos" de Andrighi, as chances de que se tenha a prevalência de outra modalidade discursiva se ampliam bastante. Principalmente no período de 2003 a 2010 - período anterior à decisão da ADPF 132 e da ADI 4.277 (Brasil, 2011b) - a ministra atuou, com certeza, como uma das principais forças proativas para o reconhecimento jurídico dos direitos sexuais de pessoas LGBT no STJ. Seu papel neste Tribunal foi fundamental para o estado atual dos direitos sexuais no Brasil, e esta pesquisa apresenta dados empíricos que comprovam esse protagonismo.
Conclusões
Tentei ao longo do texto descrever a judicialização dos direitos sexuais de pessoas LGBT no Brasil nos anos de 1989 a 2012, a partir dos julgados no STF e no STJ. Tal fenômeno, para os tribunais superiores, teve início na década de 1990, ampliou-se em princípios dos anos 2000 e atingiu o seu ápice no período 2010 a 2012.
A pesquisa tentou mapear o maior número de demandas e temáticas existentes. Descobri que as demandas que giram em torno dos direitos de conjugalidade e parentalidade superaram em número outras discussões, como a de indenização por danos morais em decorrência de discriminação. No entanto, foi possível perceber que na maioria dos casos as demandas pelo reconhecimento das uniões entre pessoas de mesmo sexo eram, na realidade, uma porta de entrada para a conquista de outros direitos, como o acesso a benefícios previdenciários, à herança, ou ainda a um visto permanente para residir no país - tríade que chamei de propriedade (patrimônio), saúde e nação.
Identifiquei que nos tribunais superiores, assim como nos tribunais estaduais mapeados por Oliveira (2009OLIVEIRA, R. M. R. de. 2009. Isto é contra a natureza? Decisões e discursos sobre conjugalidades homoeróticas em tribunais brasileiros. Tese de Doutorado, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina.), a balança da Justiça tem pendido para o reconhecimento das demandas por direitos sexuais de pessoas LGBT. Na análise dos enquadramentos jurídicos, percebi ainda um crescimento recente de tendências mais democráticas, que reconhecem as uniões entre pessoas de mesmo sexo sem subordiná-las a padrões heteronormativos, isto é, o do enquadramento da diversidade sexual e afirmação dos direitos sexuais. Ao mesmo tempo, vi crescer a influência de uma corrente perigosa, a do reconhecimento da homoafetividade. Argumentei que o reconhecimento dessa tendência discursiva, mesmo ele não sendo majoritário na atualidade, vem ganhando muito espaço, inclusive em alguns votos em que o discurso da Diversidade Sexual e Afirmação dos Direitos Sexuais predominou. Apesar de os dois discursos se assemelharem em alguns aspectos e em certos momentos, pois ambos são caminhos para o reconhecimento jurídico das demandas, os efeitos são diversos. O discurso da homoafetividade tem um ranço conservador e higienista que limpa a sexualidade de elementos subversivos e submete-a a uma lógica heteronormativa. Tal descoberta revela uma ambiguidade risco/potência presente no processo de reconhecimento dos Direitos Sexuais pelo Judiciário brasileiro.
Por último, a pesquisa realizada não esgota o campo; na realidade, abre novas janelas de pesquisa. Pode-se perguntar: quais variáveis explicam a concentração de julgamentos no período do governo PT? Será que houve uma influência efetiva do governo, mesmo que indireta, na propositura de novas ações nesse período? Uma vez reconhecida, em 2011, a constitucionalidade das uniões entre pessoas de mesmo sexo, posteriormente com o óbice ao casamento removido pela resolução 175 do Conselho Nacional de Justiça, será que esse fenômeno da judicialização de demandas de direitos sexuais LGBT desaparecerá? Ou será que novas demandas aparecerão? Outro campo que me parece interessante de se investigar é aquele das formas como os movimentos sociais LGBT têm se articulado com o direito.
Demonstrei aqui que, em função de limitações jurídicas, os movimentos sociais não são os principais atores da mobilização do Judiciário, mas cabe investigar se e como eles estão atuando como sujeitos dessa mobilização ou para que ela aconteça. Maciel e Prata (2011MACIEL, D. A. & PRATA, A. P. S. B. 2011. "Movilización por nuevos derechos y cambio legal: La Campaña por la Ley Maria da Penha". PolíticaSantiago. Vol. 49, nº 1 p. 139-170.) têm utilizado, em outro campo de pesquisa, o conceito de mobilização legal justamente para apontar as várias dimensões dessa articulação entre movimentos sociais e ativismo jurídico. A investigação da multiplicidade dessas articulações para os direitos sexuais de pessoas LGBT me parece algo promissor, ampliando o espectro da análise aqui realizada. Estas e tantas outras perguntas deverão ser respondidas por pesquisas futuras.16 16 BRASIL. 1998a. Recurso Especial 148.897, Quarta Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator: Ruy Rosado de Aguiar, Julgado em 10 de fevereiro de 1998. [Acesso em: 23.11.2012]. BRASIL. 1998b. Recurso Especial 154.857, Sexta Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator: Luiz Vicente Cernicchiaro, Julgado em 10 de maio de 1998. [Acesso em: 10.09.2013]. BRASIL. 1998c. Recurso Ordinário em Habeas Corpus 7.475, Sexta Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator: Vicente Leal, Julgado em 01 de julho de 1998. [Acesso em: 23.11.2012]. BRASIL. 2004. Recurso Especial 323.370, Quarta Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator: Barros Monteiro, Julgado em 14 de dezembro de 2004. [Acesso em: 23.11.2012]. BRASIL. 2005a. Habeas Corpus 853.595, Segunda Turma, Supremo Tribunal Federal, Relator: Joaquim Barbosa, Julgado em 14 de abril de 2005. [Acesso em: 27.11.2012]. BRASIL. 2005b. Recurso Especial 502.995, Quarta Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator: Fernando Gonçalves, Julgado em 26 de abril de 2005. 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Embargos de Declaração no Agravo de Instrumento 1.367.577, Quarta Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relatora: Maria Isabel Galloti, Julgado em 06 de dezembro de 2012. [Acesso em: 11.09.2013]. BRASIL. 2012h. Recurso Especial 1.281.093, Terceira Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relatora: Nancy Andrighi, Julgado em 18 de dezembro de 2012. [Acesso em: 11.09.2013].
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O presente trabalho é uma tentativa de sintetizar algumas das discussões desenvolvidas em minha dissertação de mestrado. Uma versão prévia deste texto foi apresentada no GT 18 - Instituições Judiciais, agentes e repercussão pública do 38º Encontro Anual da Anpocs. Agradeço imensamente ao feedback dos presentes. Este trabalho não seria possível sem a bolsa Capes, recebida durante a realização do mestrado.
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Optei por adotar a sigla LGBT, em detrimento de várias outras, por ser aquela reivindicada pelos movimentos e oficialmente aceita a partir da I Conferência Nacional GLBT. Há quem reivindique o uso de outras siglas como LGBTI, para agregar a população de pessoas intersex; essa alteração não é consensual, nem mesmo entre o movimento de pessoas intersex.
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Acórdãos são decisões colegiadas publicadas por um tribunal. O documento ao qual se tem acesso contém os votos de cada ministro e algumas vezes transcrições de discussões orais realizadas. Para uma compreensão mais detalhada do que é um acórdão e reflexões sobre as possibilidades e os limites metodológicos do uso de acórdãos como fontes de dados, ver Coacci (2013COACCI, T. A. 2013. "A Pesquisa com Acórdãos nas Ciências Sociais: Algumas Reflexões Metodológicas". Mediações - Revista de Ciências Sociais. Dez. 2013. Vol. 18, n. 2, p. 86. ).
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O uso de palavras grafadas de forma incorreta se deu para tentar encontrar o maior número possível de casos. O símbolo $ é um operador de sistemas de buscas que indica que o sistema deve procurar a parte digitada e suas variações.
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Uma descrição mais detalhada dos métodos e das técnicas utilizados na presente pesquisa se encontra em Coacci (2014COACCI, T. 2014. Do homossexualismo à homoafetividade: discursos judiciais sobre as homossexualidades no STJ e STF de 1989 a 2012. Dissertação de Mestrado, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais.).
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Não quero, com isso, argumentar no sentido da existência de uma quarta onda do movimento LGBT no Brasil. Não estou seguro de que as mudanças que ocorreram nos últimos anos provocaram uma ruptura com a lógica da onda anterior. Desejo apenas apontar a necessidade de estudos mais sistemáticos e de caráter nacional, assim como os realizados por Facchini, para entender o contexto atual do movimento.
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A opção por utilizar exclusivamente o termo travesti se dá por coerência histórica. Como argumentam Carvalho e Carrara (2013CARVALHO, M. & CARRARA, S. 2013. "Em direção a um futuro trans? Contribuição para a história do movimento de travestis e transexuais no Brasil". Sexualidad, Salud y Sociedad, Rio de Janeiro. Ago. 2013. Nº. 14, pp. 319-351. ) transexual emergirá no debate público como uma categoria identitária apenas no final dos anos 1990.
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Mesmo os documentos analisados sendo públicos, por razões éticas, não parto do pressuposto de que haja consentimento na publicação dos nomes reais das partes diretamente envolvidas nos casos que constituem o material empírico desta pesquisa. Uma vez que não é possível entrar em contato com cada uma dessas pessoas solicitando tal autorização, para respeitar sua privacidade (já que muitos podem não desejar ter seus nomes divulgados no presente trabalho), optei por substituir os nomes ou abreviações dos nomes de todas as pessoas físicas por nomes fictícios. Mantive, todavia, sem modificações, apenas os nomes de pessoas jurídicas e das/os ministras/os julgadores.
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É difícil vislumbrar o tamanho total do universo de acórdãos publicados ao longo do período analisado aqui, mas é verdade que, confrontando com a quantidade de acórdãos publicados, o número de casos de direitos sexuais se torna ínfimo. Para se ter noção, apenas no ano de 2011, ano em que encontrei 11 casos, o STJ sozinho publicou 79.993 acórdãos (Superior Tribunal de Justiça, 2011). Isto significa que o número de casos encontrados em 2011 representa apenas 0,014% dos casos publicados pelo STJ no mesmo ano, e porque inclui, nesses 11 casos, três ações que foram julgadas pelo STF.
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Infelizmente não é possível nesse curto espaço explicar o que são e como se processam esses recursos. Uma descrição breve, mas suficiente, pode ser encontrada em Coacci (2014COACCI, T. 2014. Do homossexualismo à homoafetividade: discursos judiciais sobre as homossexualidades no STJ e STF de 1989 a 2012. Dissertação de Mestrado, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais.: 35-39). Para uma discussão mais dedicada e competente, ver Didier e Cunha (2009DIDIER JR., F. & CUNHA, L. J. C. 2009. Curso de Direito Processual Civil. Meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. Salvador: JusPODIVM.) e Didier, Braga e Oliveira (2006DIDIER JR., F.; BRAGA, P. S. & OLIVEIRA, R. 2006. "Aspectos processuais da ADIn (ação direta de inconstitucionalidade) e da ADC (ação declaratória de constitucionalidade)". In: DIDIER JR., F. (ed.). Ações constitucionais. Salvador: Edições JusPODIVM. p. 339-428.).
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Considero esta uma forma de influência do governo federal, pois a Procuradoria-Geral da República se submete ao presidente da República, sendo que a nomeação do procurador-geral é uma prerrogativa do presidente da República (art. 128, §1 da Constituição). Todavia, na prática, essa influência pode ser apenas relativa e a hipótese pode ser falha, uma vez que existe uma certa independência do PGR. Dois fatos apontam para a força dessa independência e como ela - e não a influência do governo federal - talvez explique o caso concreto da ADI. Primeiro, existe a tradição de a Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR) realizar uma consulta à classe e produzir uma lista tríplice para subsidiar a decisão do presidente. A lista serve para indicar ao presidente quem, no quadro de profissionais da área, é a pessoa mais adequada para assumir o cargo. A lista tem sido tradicionalmente respeitada, conforme notícia no próprio site da ANPR. Segundo, Deborah Duprat ocupou o cargo por pouco mais de 20 dias, antes que Roberto Gurgel fosse indicado para ele. Nesses 20 dias deu sinais de independência e propôs ações polêmicas, algumas que inclusive iam contra o governo, como foi o caso do questionamento no STF da Lei 11.952/09, derivada da Medida Provisória 458/09. Para informações sobre a lista tríplice, ver: <http://www.anpr.org.br/index.php?option= com_noticias&view=destaque&id=2763> Para informações sobre a ação contra a Lei 11.952/09, ver: <http://www.prap.mpf.mp.br/ noticias/noticia.php?cdnoticia=692>
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A Associação Cultural Igor Vive manteve ativa a memória de Igor Xavier e do brutal assassinato de que foi vítima. Por meio de seu blog e da realização periódica de ações em diversas cidades de Minas, a mãe de Igor, Marlene Xavier, articulou com diversos movimentos sociais para acompanhar o andamento do caso e pressionar pelo julgamento e a condenação dos assassinos. Mais informações no site da associação: http://igorvive.blogspot.com.br/
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A divergência em relação ao fundamento foi mapeada e apresentada ao longo da descrição e da análise dos votos, todavia é de difícil quantificação. A descrição completa das divergências de fundamento se encontra em Coacci (2014COACCI, T. 2014. Do homossexualismo à homoafetividade: discursos judiciais sobre as homossexualidades no STJ e STF de 1989 a 2012. Dissertação de Mestrado, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais.).
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Para evitar interpretações equivocadas, é importante deixar claro que não é intenção da argumentação que aqui se desenvolve fazer uma demonização de Maria Berenice Dias ou mesmo apresentá-la como vilã de uma história. Todavia, é impossível desassociar a corrente do Direito Homoafetivo de sua criadora. Fatores pessoais importaram para que essa corrente "pegasse". O que se faz é a crítica a uma corrente teórica, tentando analisar os efeitos políticos da sua adoção pelo Direito. Apesar de ir contra alguns aspectos da corrente teórica desenvolvida pela ex-desembargadora, reconheço que Maria Berenice Dias auxiliou grandemente na ampliação dos Direitos Sexuais de pessoas LGBT no Brasil, bem como na maior inserção dos debates sobre orientação sexual e identidade de gênero dentro do campo jurídico.
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Uma corrente do movimento e da teoria queer é radicalmente contrária ao casamento entre pessoas de mesmo sexo. Butler (2003BUTLER, J. 2003. "O parentesco é sempre tido como heterossexual?". Cadernos Pagu, Campinas, n. 21, p. 219-260. ) se posiciona favorável ao casamento, mas concorda que sua defesa deva sempre ser feita de forma cuidadosa para se tentar evitar o assimilacionismo puro e simples à norma heterossexual. Halberstam (2012HALBERSTAM, J. 2012. Gaga feminism: sex, gender, and the end of normal. Boston: Beacon Press.), por sua vez, defende o fim do casamento como pauta política para a emancipação feminista e queer. Sua argumentação se centra em 5 eixos: i) a demanda pelo casamento seria uma forma de política reativa derivada de uma polarização "nós" vs. "eles"; esse tipo de política, segundo a autora, seria fraca; ii) a inclusão pelo casamento mantém o status quo sem estar ligada a uma pauta política revolucionária de outros projetos de justiça social; iii) direitos como o acesso ao compartilhamento de seguro de saúde não deveriam depender do casamento; iv) modelos alternativos de intimidade não são promovidos pelo modelo do casamento; v) argumenta ainda, a partir de Mary Wollstonecraft, Beauvoir e outras, que o casamento seria uma ideologia opressiva.
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BRASIL. 1998a. Recurso Especial 148.897, Quarta Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator: Ruy Rosado de Aguiar, Julgado em 10 de fevereiro de 1998. [Acesso em: 23.11.2012]. BRASIL. 1998b. Recurso Especial 154.857, Sexta Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator: Luiz Vicente Cernicchiaro, Julgado em 10 de maio de 1998. [Acesso em: 10.09.2013]. BRASIL. 1998c. Recurso Ordinário em Habeas Corpus 7.475, Sexta Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator: Vicente Leal, Julgado em 01 de julho de 1998. [Acesso em: 23.11.2012]. BRASIL. 2004. Recurso Especial 323.370, Quarta Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator: Barros Monteiro, Julgado em 14 de dezembro de 2004. [Acesso em: 23.11.2012]. BRASIL. 2005a. Habeas Corpus 853.595, Segunda Turma, Supremo Tribunal Federal, Relator: Joaquim Barbosa, Julgado em 14 de abril de 2005. [Acesso em: 27.11.2012]. BRASIL. 2005b. Recurso Especial 502.995, Quarta Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator: Fernando Gonçalves, Julgado em 26 de abril de 2005. [Acesso em: 23.11.2012]. BRASIL. 2005c. Recurso Especial 613.374, Terceira Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relatora: Nancy Andrighi, Julgado em 17 de maio de 2005. [Acesso em: 11.09.2013]. BRASIL. 2005d. Recurso Especial 395.904, Sexta Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator: Hélio Quaglia Barbosa, Julgado em 13 de dezembro de 2005d. Acesso em 23 de Novembro de 2012. BRASIL. 2006a. Recurso Especial 238.715, Terceira Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator: Humberto Gomes de Barros, Julgado em 07 de março de 2006. [Acesso em: 23.11.2012]. BRASIL. 2006b. Recurso Especial 773.136, Terceira Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relatora: Nancy Andrighi, Julgado em 10 de outubro de 2006. [Acesso em: 23.11.2012]. BRASIL. 2006c. Recurso Especial 648.763, Quarta Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator: Cesar Asfor Rocha, Julgado em 07 de dezembro de 2006. [Acesso em: 23.11.2012]. BRASIL. 2008a. Recurso Especial 1.063.304, Terceira Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator: Ari Pargendler, Julgado em 26 de agosto de 2008. [Acesso em: 23.11.2012]. BRASIL. 2008b. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 971.466, Terceira Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator: Ari Pargendler, Julgado em 02 de setembro de 2008. [Acesso em: 23.11.2012]. BRASIL. 2008c. Recurso Especial 820.475, Quarta Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator: Antônio de Pádua Ribeiro, Julgado em 02 de setembro de 2008. [Acesso em: 23.11.2012]. BRASIL. 2010a. Recurso Especial 1.026.981, Terceira Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relatora: Nancy Andrighi, Julgado em 04 de fevereiro de 2010. [Acesso em: 11.09.2013[. BRASIL. 2010b. Recurso Especial 889.852, Quarta Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator: Luis Felipe Salomão, Julgado em 27 de abril de 2010. [Acesso em: 11.09.2013]. BRASIL. 2010c. Agravo Regimental no Recurso Especial 1.120.226, Segunda Turma, Superior Tribunal de Justiça, Julgado em 04 de maio de 2010. [Acesso em: 23.11.2012]. BRASIL. 2010d. Recurso Especial 633.713, Terceira Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator: Vasco della Giustina, Julgado em 16 de junho de 2010. [Acesso em: 11.09.2012]. BRASIL. 2010e. Embargos de Declaração no Recurso Especial 1.026.981, Terceira Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relatora: Nancy Andrighi, Julgado em 22 de junho de 2010. [Acesso em: 23.11.2012]. BRASIL. 2010f. Recurso Especial 704.803, Terceira Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator: Vasco della Giustina, Julgado em 16 de junho de 2010. [Acesso em: 11.09.2013]. BRASIL. 2011a. Recurso Especial 1.244.395, Segunda Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator: Mauro Campbell Marques, Julgado em 26 de abril de 2011. [Acesso em: 11.09.2013]. BRASIL. 2011b. Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 132 e Ação Direta e Inconstitucionalidade 4277, Tribunal Pleno, Supremo Tribunal Federal, Relator: Ayres Britto, Julgado em 05 de maio de 2011. [Acesso em: 27.11.2012]. BRASIL. 2011c. Recurso Especial 1.085.646, Segunda Seção, Superior Tribunal de Justiça, Relatora: Nancy Andrighi, Julgado em 11 de maio de 2011. [Acesso em: 23.11.2012]. BRASIL. 2011d. Recurso Especial 930.460, Terceira Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relatora: Nancy Andrighi, Julgado em 19 de maio de 2011. [Acesso em: 23.11.2012]. BRASIL. 2011e. Recurso Especial 1.199.667, Terceira Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relatora: Nancy Andrighi, Julgado em 19 de maio de 2011. [Acesso em: 23.11.2012]. BRASIL. 2011f. Agravo Regimental no Recurso Especial 805.582, Quarta Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relatora; Maria Isabel Gallotti, Julgado em 21 de junho de 2011. [Acesso em: 11.09.2013]. BRASIL. 2011g. Recurso Especial 827.962, Quarta Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator: João Otávio de Noronha, Julgado em 21 de junho de 2011. [Acesso em: 23.11.2012]. BRASIL. 2011h. Recurso Especial 932.653, Sexta Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator: Celso Limongi, Julgado em 16 de agosto de 2011. [Acesso em: 23.11.2012]. BRASIL. 2011i. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 477.554, Segunda Turma, Supremo Tribunal Federal, Relator: Celso de Mello, Julgado em 16 de agosto de 2011. [Acesso em: 27.11.2012]. BRASIL. 2011j. Recurso Especial 1.183.378, Quarta Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator: Luis Felipe Salomão, Julgado em 25 de outubro de 2011. [Acesso em: 11.09.2013]. BRASIL. 2012a. Agravo Regimental no Recurso Especial 1.266.559, Terceira Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator: Sidnei Beneti, Julgado em 07 de fevereiro de 2012. [Acesso em: 11.09.2013]. BRASIL. 2012b. Recurso Especial 1.235.926, Terceira Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator: Sidnei Beneti, Julgado em 15 de março de 2012. [Acesso em: 11.09.2013]. BRASIL. 2012c. Habeas Corpus 219.101, Quinta Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator: Jorge Mussi, Julgado em 10 de abril de 2012. [Acesso em: 23.11.2012]. BRASIL. 2012d. Recurso Especial 1.135.543, Terceira Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relatora: Nancy Andrighi, Julgado em 22 de maio de 2012. [Acesso em: 11.09.2013]. BRASIL. 2012e. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 607.562, Primeira Turma, Supremo Tribunal Federal, Relator: Luiz Fux, Julgado em 18 de setembro de 2012. [Acesso em: 27.11.2012]. BRASIL. 2012f. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 687.432, Primeira Turma, Supremo Tribunal Federal, Relator: Luiz Fux, Julgado em 18 de setembro de 2012. [Acesso em: 27.11.2012]. BRASIL. 2012g. Embargos de Declaração no Agravo de Instrumento 1.367.577, Quarta Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relatora: Maria Isabel Galloti, Julgado em 06 de dezembro de 2012. [Acesso em: 11.09.2013]. BRASIL. 2012h. Recurso Especial 1.281.093, Terceira Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relatora: Nancy Andrighi, Julgado em 18 de dezembro de 2012. [Acesso em: 11.09.2013].
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Dez 2015
Histórico
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Recebido
28 Fev 2015 -
Aceito
09 Nov 2015