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Gênero, família e Estado: cuidado de crianças, pandemia e a gestão da (não) reabertura escolar

Gender, family and state: childcare, pandemic and the management of (non) schools reopening

Género, familia y estado: cuidado de los niños, pandemia y gestión de la (no) reapertura escolar

Resumo

O artigo explora as articulações entre gênero, família e Estado a partir do tema do cuidado de crianças durante a pandemia de covid-19 e tendo como recorte empírico um estudo de caso das controvérsias em torno da gestão da (não) reabertura escolar no município do Rio de Janeiro. O objetivo é analisar a construção desse problema social para tomar os termos de sua constituição na esfera pública e as formas de gestão adotadas como objeto de uma análise crítica feminista ancorada em uma ética do cuidado.

Palavras-chave:
crianças; gênero; cuidado; covid-19; reabertura escolar

Abstract

The article explores the articulations between gender, family and State from the issue of childcare during the covid-19 pandemic and based on a case study of the controversial around the management of the (non) school reopening at Rio de Janeiro. The aim is to analyze the construction of this social problem to take the terms of its constitution in the public sphere and the forms of state management adopted as the object of a critical feminist analysis anchored in an ethnic of care.

Keywords:
children; gender; care; covid-19; schools reopening

Resumen

El artículo explora las articulaciones entre género, familia y Estado a partir de la temática del cuidado de los niños durante la pandemia del covid-19 y tiene como corte empírico un estudio de caso de controversias en torno de la gestión de la (no) reapertura escolar en el municipio de Rio de Janeiro. El objetivo es analizar la construcción de este problema social para tomar los términos de su constitución en la esfera pública y las formas de gestión adoptadas como objeto de un análisis crítico feminista anclado en una ética del cuidado.

Palabras-clave:
niños; género; cuidado; covid-19; reapertura de escuelas

Este artigo explora as articulações entre gênero, família e Estado a partir do tema do cuidado de crianças durante a pandemia de covid-19 e tendo como recorte empírico um estudo de caso das controvérsias em torno da gestão da (não) reabertura escolar no município do Rio de Janeiro. O objetivo é menos defender uma das posições dentro desse campo de disputas políticas, do que analisar a construção desse problema social para tomar os termos de sua constituição na esfera pública, bem como as formas de gestão adotadas como objeto de uma análise crítica feminista ancorada em uma ética do cuidado.

A partir de pesquisa documental (incluindo matérias jornalísticas, publicações de entidades científicas e sindicais, decisões judiciais, normativas e postagens em redes sociais), reconstruo a trajetória de gestão do fechamento e da (não) reabertura escolar ao longo de 2020 e 2021, mapeando os principais argumentos e grupos envolvidos nas controvérsias públicas sobre o tema. Com base em revisão bibliográfica, serão discutidas as condições de possibilidade, do ponto de vista da organização social e política do cuidado de crianças no Brasil, de o país se destacar entre os que mantiveram por mais tempo essas instituições fechadas, embora tenha sido um dos que menos adotaram o “lockdown” para controlar a pandemia (Brasil, 2021)1 2 Segundo a Fiocruz (Brasil, 2021), no país, nunca foi atingindo o índice de isolamento recomendável (de no mínimo 70%) pelo tempo necessário para reduzir o impacto da pandemia por meio de medidas não farmacológicas. “Tivemos nosso pico de isolamento social em 22/03/2020, com índice de 62,2%, e ficamos a maior parte do tempo abaixo de 50%, na média, o que significa funcionamento de atividades consideradas não essenciais contribuindo para aumento de casos e óbitos” (Brasil, 2021: 9). .

À luz dessas discussões e das críticas feministas sobre a invisibilização e a desvalorização do trabalho de cuidado nas economias capitalistas, o artigo propõe um exercício de estranhamento socioantropológico e de problematização feminista do contraste entre uma precipitada “reabertura econômica” e um prolongado fechamento de creches e escolas. Neste exercício, esses espaços serão concebidos não apenas enquanto instituições de educação formal, mas também como instituições provedoras de cuidado a partir das quais o “Estado” ou o “mercado” compartilha com as famílias a gestão de pessoas profundamente dependentes. São instituições, portanto, que desenvolvem, em parte, atividades tradicionalmente feminilizadas que foram na história desvalorizadas e invisibilizadas enquanto privilegiadamente privadas e familiares.

Ao tomar o problema social da (não) reabertura escolar no contexto da pandemia de covid-19 como ponto de partida de uma reflexão crítica, o argumento do artigo é o de que as controvérsias políticas em torno dessa gestão, ao aceitarem acriticamente os termos de um improdutivo debate focado nas tensões entre os igualmente nefastos efeitos do prologando fechamento e da despreparada reabertura dessas instituições, falharam em considerar o lugar das relações de cuidado com dependentes para questões de justiça social (Kitay, 2020KITAY, Eva Feder. 2020. Lover´s labor: Essays on Women, Equality and Dependency. 2º ed. New York: Routledge.) e de saúde pública. Este texto é escrito por uma mulher acadêmica que tem refletido sobre a pandemia a partir do duplo lugar de antropóloga feminista e de “mãe-cientista” (Lowenkron; Aurealiano, 2020LOWENKRON, L; AUREALIANO, Waleska. 2020. “Maternidade, trabalho acadêmico e pandemia: mães cientistas da UERJ propõem medidas para atenuar desigualdades de gênero na ciência”. Advir. Nº 40, p. 17-23, dez. ).

Do fechamento ao eterno (não) retorno escolar

O fechamento das escolas foi adotado como uma das primeiras medidas restritivas relacionadas ao enfrentamento à pandemia da covid-19 na maior parte do mundo, tendo como base evidências científicas de que o ambiente escolar costuma ser um dos espaços privilegiados de transmissão de doenças respiratórias (Bittencourt et al., 2021BITTENCOURT, Marcio Sommer et al. 2021. “COVID e a reabertura das escolas: uma revisão sistemática dos riscos de saúde e uma análise dos custos educacionais e econômicos”. Textos para Debate. Nº IDB-DP-00842. Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), fevereiro.). Seguindo essa lógica, no Brasil houve um fechamento coordenado das escolas a partir de março de 2020, com poucos dias de diferença entre os estados, podendo ser esta considerada a “primeira e mais homogênea medida de contenção do coronavírus em todo o território nacional” (Cortez, 2022CORTEZ, Marina. 2022. “A administração pública da pandemia, o longo fechamento das escolas e a socialização dos cuidados: notas sobre um debate que não pôde acontecer”. In: SANCHÍS, Norma (Compiladora). Debates feministas para la recuperación en la postpandemia. Políticas económicas y su impacto en la vida cotidiana de las mujeres. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Red de Género y Comercio, 2022. p. 108-118.: 108). No Rio de Janeiro, um dos primeiros decretos estaduais (no 46.970 de 13/03/2020), que regulamentou medidas temporárias de enfrentamento à covid-19, suspendeu as aulas presenciais por 15 dias, a partir de 16 de março de 2020.

Diante do recrudescimento da pandemia, a suspensão das atividades escolares presenciais e o fechamento de outros estabelecimentos comerciais foram prorrogados diversas vezes por outros decretos do governo executivo municipal e estadual. Até que no final de maio de 2020, com a queda na ocupação de leitos hospitalares, embora com patamar ainda elevado de casos e óbitos, o então prefeito do Rio de Janeiro, o bispo da Igreja Universal Marcelo Crivella, anunciou o plano de reabertura gradual da cidade a partir de 1º de junho. O processo de flexibilização do isolamento no município foi dividido em seis fases. Segundo o prefeito, a primeira fase previa liberações de serviços considerados de “maior relevância econômica” (O Globo, 30/05/2020O GLOBO. 2020. “Em meio à pandemia Crivella vai iniciar ´abertura’ do Rio a partir de segunda; atividades nas praias serão liberadas”. O Globo , Ancelmo.com, Rio de Janeiro, 30/05/2020. Disponível em: Disponível em: https://blogs.oglobo.globo.com/ancelmo/post/crivella-vai-iniciar-abertura-do-rio-partir-de-segunda-atividades-nas-praias-serao-liberadas.html . [Acessado em 20.09.2021].
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), nos quais foram incluídos comércio, lanchonete, bar, restaurante, serviços, turismo, igrejas e templos religiosos. Creches e escolas não estavam na lista de serviços de “maior relevância econômica” reabertos na primeira fase.

Conforme as medidas de flexibilização do isolamento social foram avançando, ocorreu um consequente aumento do risco de contágio da covid-19 no Rio de Janeiro. Com isso, a retomada das atividades escolares presenciais, prevista originalmente para a fase 3 do plano municipal, que começaria no início de julho, foi adiada para a última etapa de reabertura da cidade, a fase 6, estimada para agosto. A partir de então a gestão da retomada das atividades escolares presenciais no segundo semestre de 2020 tornou-se objeto de intensas disputas políticas mediadas pelo Poder Judiciário.

De um lado dessas disputas, estavam o sindicato dos professores, bem como a Procuradoria da Infância e Juventude e a Defensoria Pública, defendendo que não haveria ainda segurança para as crianças, os professores, a família e a comunidade para o retorno. De outro, estavam a Procuradoria do município e representares dos setores empresariais da educação, como o sindicato das escolas particulares e dos estabelecimentos de educação infantil, reivindicando a reabertura das instituições privadas que fossem consideradas aptas a cumprir os protocolos sanitários elaborados pela prefeitura.

Uma recomendação conjunta (no 1/2020) do Ministério Público e da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, de 27 de julho de 2020, sugeriu a suspensão do retorno presencial das atividades escolares previsto para agosto. Nos argumentos, cita uma manifestação da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), instituição de notória respeitabilidade e autoridade científica, segundo a qual seria prematura a abertura de escolas diante da possibilidade de recrudescimento de casos e óbitos no município do Rio de Janeiro.

Ainda assim, no início de agosto de 2020, um decreto da Prefeitura do Rio permitiu a abertura de parte da rede privada na cidade, com apoio do Sindicato dos estabelecimentos de educação básica do Rio de Janeiro, que argumentava que as instituições de ensino empregaram os seus melhores esforços para implementar os mais rigorosos protocolos de segurança para receber presencialmente a comunidade escolar. Entretanto, a reabertura foi suspensa por uma liminar resultante de uma ação do Ministério Público e da Defensoria Pública contra o Poder Executivo Municipal, exigindo estudo técnico que comprovasse a segurança do retorno presencial.

O prefeito Marcello Crivella continuou a defender a retomada das aulas presenciais no Rio de Janeiro (G1, 18/08/2021G1. 2021. “Crivella volta a defender a retomada das aulas presenciais no Rio”. G1, Rio de Janeiro, 18/08/2020. Disponível em: Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/08/18/crivella-volta-a-defender-a-retomada-das-aulas-presenciais-no-rio.ghtml . [Acessado em 30.09.2021].
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). Ele argumentou que outros estabelecimentos voltaram às atividades sem novos surtos de covid-19. E acusou o sindicato dos professores de não pensar nas crianças, mas nos seus interesses políticos, sugerindo haver um suposto conflito entre os interesses dos professores e os das crianças e famílias na gestão da reabertura escolar que frequentemente polarizava o debate público.

Duas semanas depois, um decreto estadual previa a retomada das atividades para a primeira quinzena de setembro, mas a medida foi suspensa mais uma vez por decisão judicial, que reproduzia parte dos argumentos do Sindicato dos Professores do Estado do Rio de Janeiro em nota de repúdio ao decreto estadual que autorizava o retorno das aulas presenciais (Sinpro-Rio, 14/09/2020SINPRO-RIO. 2020. “Abaixo-assinado: ainda não é hora de retorno às aulas presenciais nas escolas”. SINPRO-RIO, Rio de Janeiro, 14/09/2020. Disponível em: Disponível em: https://site.sinpro-rio.org.br/abaixo-assinado-ainda-nao-e-hora-de-retorno-as-aulas-presenciais-nas-escolas . [Acessado em 20.09.2021].
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). O desembargador afirmou que “o retorno das aulas da rede privada em momento anterior ao da rede pública contribuirá para aumentar a desigualdade entre os estudantes que podem pagar pelo ensino e aqueles que dependem da escola pública, fato que violaria o princípio da isonomia” (Veja Rio, 15/09/2020VEJA RIO. 2021. “Justiça do Rio reforça suspensão de aulas na rede privada da capital. No estado, Justiça do Trabalho autorizou retorno das escolas particulares”. Veja Rio, Cidade coronavírus, Rio de Janeiro, 15/09/2020. Disponível em: Disponível em: https://vejario.abril.com.br/cidade/justica-reforca-suspensao-aulas-escola-privada/ . [Acessado em 20.09.2021].
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). E acrescentou que “a segurança e a preservação da vida e saúde dos alunos são prioridades máximas e devem se sobrepor aos demais interesses”.

No dia 30/09, por unanimidade, os desembargadores da 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) derrubaram a liminar que impedia a reabertura das escolas particulares no estado. De acordo com a decisão, cabe ao “chefe do Poder Executivo Municipal, sob sua inteira responsabilidade, e se assim entender, com a adoção de todos os cuidados necessários, a autorização do retorno às aulas presenciais na rede privada a partir do dia 1 de outubro de 2020”.

Outra disputa judicial sobre o tema foi travada na Justiça do Trabalho ainda em setembro. Uma decisão judicial suspendeu a volta às aulas na rede particular no Rio até haver vacinação de professores e alunos ou após estudo técnico que comprovasse a segurança da retomada. A ação civil pública foi movida pelo Sindicato dos Professores do Município do Rio de Janeiro. O diretor do departamento jurídico do Sinpro-Rio, Edson Paiva, comemorou:

A decisão vai ao encontro do que os professores pedem, que é mais responsabilidade na reabertura das escolas, com segurança em saúde para os trabalhadores e para as crianças, jovens e adolescentes em atividade escolar. Não há como retornar as atividades sem testagem, sem garantia dos protocolos, sem os índices terem baixado e as práticas estarem bem definidas e seguras (O Globo, 10/09/2020O GLOBO. 2020. “Justiça suspende volta às aulas na rede particular no Rio até haver vacinação ou segurança para retorno”. O Globo , Editoria Rio, Rio de Janeiro, 10/09/2020. Disponível em: Disponível em: https://oglobo.globo.com/rio/justica-suspende-volta-as-aulas-na-rede-particular-no-rio-ate-haver-vacinacao-ou-seguranca-para-retorno-24633995 [Acessado em 20.09.2021].
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).

Entretanto, poucos dias depois, o tribunal chegou à conclusão de que não caberia ao Judiciário imiscuir-se nas decisões do Executivo de ordem sanitárias e de saúde, uma vez que o ato da autoridade local é amparado na legislação, certamente elaborada com a oitiva de técnicos, cientistas, instituições de pesquisa, enfim, daqueles que têm o controle e o conhecimento técnico sobre a matéria.

Assim, no início de outubro de 2020, as escolas e as creches particulares, que haviam sido fechadas desde março, começaram a retomar suas atividades presenciais, com base no decreto estadual e na decisão judicial que derrubou a liminar que impedia o retorno. As escolas públicas deveriam abrir pouco depois, em 5 de outubro, somente para alunos sem internet e computadores em casa, o que foi mais uma vez adiado mediante o anúncio de greve dos profissionais de educação. Com o lema “escolas fechadas, vidas preservadas”, o Sindicato dos Professores considerava não haver condições sanitárias para o retorno escolar presencial, especialmente nas instituições públicas, que sempre foram marcadas por uma precariedade generalizada (falta de itens de higiene e de ventilação adequada, por exemplo) e não tiveram investimento, como reformas de infraestrutura, nesse período.

No mesmo período, isto é, final de 2020, surgiu uma nova movimentação social em torno da reabertura das escolas públicas, como o movimento “escolas abertas”, liderado por mães das escolas de elite de São Paulo (Carta Capital, 20/01/2021CARTA CAPITAL. 2021 “Escolas abertas: o movimento ´social´ que quer reabrir escolas públicas”. Carta Capital, São Paulo, Opinião, 20/01/2021, Disponível em: Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/opiniao/escolas-abertas-o-movimento-social-que-quer-reabrir-escolas-publicas . [Acessado em 20.09.2021].
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), e a campanha nas redes sociais “Lugar de criança é na escola”, organizada por pediatras do Rio de Janeiro2 3 Como compreender que os principais agentes que se mobilizaram pela reabertura escolar durante a pandemia tenham sido setores do setor empresarial da educação e das elites econômicas? Estaríamos diante de uma cidadania mercantil? Como se mantém a entrega dos serviços básicos para o mercado segundo uma linguagem da educação como direito? Estas são perguntas possíveis diante do material exposto que, embora não possam ser aprofundadas neste texto, expõem os limites da efetivação de direitos de acordo com uma lógica neoliberal de precarização dos serviços públicos. . Os argumentos eram respaldados em evidências científicas sobre o retorno das aulas presenciais em outras regiões do mundo, especialmente países desenvolvidos, que sugeriam que, com bons protocolos de segurança, as escolas não são espaços privilegiados de contaminação, especialmente em locais com baixa transmissão comunitária, sendo este, portanto, um bom indicador para o retorno seguro (WHO, 2020WHO. 2020. Coronavirus update 39. What we know about covid-19 transmission in schools, WORLD HEALTH ORGANIZATION, 21 october 2020.; Brasil, 2020BRASIL. 2020. “Contribuições para o retorno das atividades escolares presenciais no contexto da pandemia covid-19”. Brasília: Ministério da Saúde/ Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).). Além disso, notavam que crianças pequenas não só adoecem menos e têm quadros geralmente mais leves ou assintomáticos, mas também parecem ter um papel menos importante na cadeia de transmissão do Sar-Cov-2 (Portal Fiocruz, 10/05/2021PORTAL FIOCRUZ. 2021. “Covid-19: adultos são fonte de infecção mais comum que crianças”. Portal Fiocruz, Rio de Janeiro, 10/05/2021, Disponível em: Disponível em: https://portal.fiocruz.br/noticia/covid-19-adultos-sao-fonte-de-infeccao-mais-comum-que-criancas . [Acessado em 20.09.2021].
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).

As campanhas chamavam a atenção também para o fato de que, se os impactos mais diretos da pandemia sobre a população infanto-juvenil, que dizem respeito às manifestações clínicas da doença, não se revelaram especialmente graves, os efeitos indiretos são alarmantes, especialmente para crianças e adolescentes em maior vulnerabilidade social. A Organização Mundial de Saúde (OMS) e agências da ONU, como a Unicef e a Unesco, passaram a manifestar preocupação com a crise humanitária e o aprofundamento das desigualdades sociais associados ao prolongado fechamento das escolas nos países da América Latina e Caribe.

As organizações internacionais começaram a defender que “o fechamento dos estabelecimentos de ensino só deve ser considerado quando não houver outra alternativa”, tendo em vista que “o fechamento das escolas claramente tem impactos negativos na saúde, educação e desenvolvimento das crianças, na renda das famílias e na economia em geral” (Opas, 2020: 2OPAS. 2020. Considerações para medidas de saúde pública relacionadas a escolas no contexto da COVID-19. Anexo às Considerações para o ajuste de medidas sociais e de saúde pública no contexto da COVID-19. Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), 14 de setembro de 2020.). Entidades científicas nacionais, como a Fiocruz, cujas manifestações até então haviam ancorado sobretudo os movimentos contrários ao retorno presencial escolar em meio à pandemia, também passaram a subsidiar as posições daqueles que defendiam a urgência de discutir o planejamento para a reabertura das escolas para o ano letivo de 2021, a partir da publicação do documento “ Contribuições para o retorno às atividades escolares presenciais no contexto da pandemia de Covid-19”, em setembro de 2020 (Brasil, 2020).

Entre os efeitos indiretos da pandemia da covid-19 para a população infanto-juvenil elencados pela publicação da Fiocruz, destacam-se os prejuízos no ensino, na socialização e no desenvolvimento de crianças e adolescentes, o afastamento do convívio familiar ampliado, com amigos e com toda a rede de apoio, a saúde mental de crianças e adolescentes, com aumento de sintomas de depressão e ansiedade, o aumento da violência intrafamiliar e a diminuição da procura pelo atendimento aos serviços de proteção, quedas nas coberturas vacinais, aumento do sedentarismo e obesidade, exagero no uso de mídias/telas, o impacto socioeconômico nas famílias com o aumento do desemprego e/ou perdas nas receitas familiares, o aumento da fome e do risco alimentar, além de crescimento na evasão escolar (Brasil, 2020).

Um dos problemas apontados pelas entidades científicas é “a prioridade invertida das autoridades governamentais ao abrirem outras atividades como academias, shoppings e restaurantes, o que pode levar ao aumento do contágio na cidade e atrasar ainda mais a reabertura das escolas de forma segura” (Brasil, 2020: 14). Segundo o documento da Fiocruz, a escola deveria ser vista como “serviço essencial”, para que a sua abertura precedesse à de outros serviços.

Foi neste contexto que o novo prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, iniciou o seu governo em janeiro de 2021 anunciando que, na sua gestão, as escolas seriam “as últimas a fechar e as primeiras a reabrir”. A primeira fase de retorno ao presencial do Plano de Volta às Aulas (Prefeitura do Rio, 27/01/2021PREFEITURA DO RIO. 2021. “Prefeitura lança plano de volta às aulas. Rio prefeitura”. Prefeitura do Rio, Cidade educação notícias. 27/01/2021. Disponível em: Disponível em: https://prefeitura.rio/educacao/prefeitura-lanca-plano-de-volta-as-aulas/ . [Acessado em 20.09.2021].
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), com início previsto para 24 de fevereiro, era voltada a alunos da pré-escola e primeiros anos do ensino fundamental, por serem consideradas as idades nas quais as crianças mais precisam do ensino presencial. O retorno era voluntário, com a manutenção do ensino híbrido. Os protocolos sanitários incluíam medidas como higienização frequente das mãos, rodízio de turmas e alunos para garantir o distanciamento, refeições feitas dentro das salas para evitar aglomeração em refeitórios, uso de máscaras obrigatório a partir de 3 anos e escalonamento dos horários de entrada e saída. Além disso, foi anunciada a priorização dos profissionais da educação no calendário de vacinação da cidade.

A reabertura lenta e gradual das escolas públicas municipais foi interrompida por um novo surto de covid-19, que levou a prefeitura e o governo estadual a decretarem um lockdown de 10 dias, entre 26 de março e 4 de abril de 2021 (G1, 21/03/2021G1 . 2021. “RJ terá ‘superferiado’ de 10 dias para conter avanço da Covid”. G1 , Rio de Janeiro, 21/03/21. Disponível em: Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2021/03/21/estado-do-rio-tera-superferiado-de-10-dias.ghtml . [Acessado em 30.09.2021].
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). Nesse período, escolas públicas e privadas, comércio e outros serviços não essenciais foram fechados. Para cumprir a promessa de que as escolas seriam as primeiras a reabrir, a prefeitura prorrogou as medidas de restrição por mais uma semana, mas liberou a retomada das atividades escolares presenciais a partir de 4 de abril (O Globo, 01/04/2021O GLOBO. 2021. “Covid-19: Rio vai reabrir escolas na segunda-feira”. O Globo, Laura Jardim, Rio de Janeiro, 01/04/2021. Disponível em: Disponível em: https://blogs.oglobo.globo.com/lauro-jardim/post/covid-19-rio-vai-reabrir-escolas-na-segunda-feira.html . [Acessado em 26.09.2021].
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), em um dos piores momentos da pandemia no país. Assim, a bandeira das escolas como um “serviço essencial” ganhou força quando quase todos os setores da economia estavam há meses reabertos, intercalado com breves períodos de restrições, e a pandemia no Brasil atingia o seu pico mais letal, chegando a uma média de mais de 3 mil mortes diárias em abril de 2021.

Em resposta a uma ação popular protocolada por políticos de partidos de esquerda, uma liminar suspendeu o retorno escolar no Rio de Janeiro. Mas a prefeitura recorreu e dois dias depois o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro derrubou a liminar e determinou a volta às aulas presenciais no município no dia 6 de abril (G1, 06/04/2021G1 . 2021. “Justiça derruba liminar e determina volta às aulas no Rio; escolas podem abrir imediatamente, diz secretaria”. G1 , Rio de Janeiro, 06/04/2021. Disponível em: Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2021/04/06/justica-derruba-liminar-e-determina-volta-as-aulas-no-rio.ghtml . [Acessado em 20.09.2021].
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). No dia seguinte, a Fiocruz divulgou um comunicado no qual elencava dados alarmantes da pandemia de covid-19 na cidade e recomendava o não retorno às atividades presenciais até que houvesse melhoria nos indicadores (Rede Brasil Atual, 09/04/2021REDE BRASIL ATUAL. 2021. “Volta às aulas no Rio: ‘Não recomendamos’, alerta Fiocruz, após decisão do TJ”. Rede Brasil atual, 09/04/2021. Disponível em: Disponível em: https://www.redebrasilatual.com.br/educacao/2021/04/volta-as-aulas-no-rio-nao-recomendamos-alerta-fiocruz/ . [Acessado em 20.09.2021].
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).

Ainda assim, o retorno gradual das aulas presenciais nas escolas públicas municipais continuou progredindo desde então. Os profissionais de educação foram imunizados com a primeira dose da vacina de covid-19 entre maio e junho e, no final do primeiro semestre de 2021, o ensino presencial foi retomado, com esquema de rodízio, em quase todas as unidades da rede municipal de educação do Rio de Janeiro até o chamado “retorno pleno” em outubro. Mesmo diante de uma nova explosão de casos de covid-19 no início do segundo semestre de 2021, nenhuma nova medida restritiva foi imposta na cidade e, assim, as creches e as escolas públicas, tardiamente reconhecidas como “essenciais”, continuaram sendo um dos estabelecimentos que por mais tempo permaneceram fechados e tiveram um dos menores investimentos ao longo da gestão da pandemia de covid-19 não apenas no Rio de Janeiro, mas em todo o Brasil3 4 Segundo o Censo Escolar de julho de 2021, “a média no país foi de 279 dias letivos de suspensão das atividades presenciais ao longo do ano de 2020. A título de comparação, Chile e Argentina somaram 199 dias de interrupção de aulas presenciais entre março de 2020 e fevereiro de 2021” (Cortez, 2022: 113)). O episódio sobre retorno escolar do programa Greg News (canal HBO Brasil) apresenta dados sobre os cortes orçamentários na educação que evidenciam que o governo brasileiro foi na contramão dos países desenvolvidos, que priorizaram escolas durante a pandemia: “2020 foi o ano com menor investimento do Ministério da Educação (MEC) no ensino básico da década” (Correio Braziliense, 21/02/2021 citado em GregNews, 7/5/2021). .

A (não) reabertura escolar e o cuidado de crianças

A seção anterior recuperou o histórico do fechamento e da (não) reabertura escolar e as principais controvérsias, grupos de interesse e fundamentos que orientaram a gestão desse problema social na esfera pública ao longo dos anos de 2020 e 2021 no município do Rio de Janeiro. Nesta parte do texto, o intuito é compreender as condições de possibilidade dessa forma de gestão do ponto de vista da organização social e política do cuidado de crianças pré-pandemia, explorando as articulações históricas entre gênero, família e Estado. Para isso, o cuidado será entendido não apenas como trabalho técnico, material, afetivo e emocional (Hirata; Guimarães, 2012HIRATA, Helena; GUIMARÃES, Nadya Araujo (orgs.). 2012. Cuidado e cuidadoras: as várias faces do trabalho do care. São Paulo: Atlas. ), mas também como uma forma de gestão de pessoas dependentes e de poder feminilizado (Vianna, 2002VIANNA, Adriana de Resende Barreto. 2002. Limites da menoridade: tutela, família e autoridade em julgamento. Tese de Doutorado em Antropologia Social, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).; Lugones, 2017LUGONES, María Gabriela. 2017. “¿Matronato? Gestiones maternales de protección estatal”. Cadernos Pagu [on-line], Campinas. Nº 51, e175102. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/cpa/a/pPgvCpCNGPjh8vXHDfvSC9p/abstract/?lang=es . [Acessado em 20.05.2021].
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; Fernandes, 2017FERNANDES, Camila. 2017. Figuras da causação: sexualidade feminina, reprodução e acusações no discurso popular e nas políticas de Estado. 2017. Tese de Doutorado em Antropologia Social, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).; Lowenkron, 2018LOWENKRON, Laura. 2018. “As várias faces do cuidado da cruzada antipedofilia”. Anuário Antropológico, Brasília, UnB. Vol. 41, n. 1, p. 81-98, jan. ) exercido ora pelo mercado, ora pelas famílias, ora pela comunidade, ora pelo Estado (Moreno, 2019MORENO, Renata Faleiros. 2019. Entre família, Estado e mercado: mudanças e continuidades na dinâmica, distribuição e composição do trabalho doméstico e cuidado. Tese de Doutorado em Sociologia, FFLCH, Universidade de São Paulo (USP).).

Desde meados de março e ao longo de todo o ano de 2020, as angústias em torno da educação e do cuidado cotidiano das crianças fora do espaço escolar movimentaram as discussões nos grupos de mães e pais no WhatsApp de creches e escolas particulares, que acompanhei e participei enquanto mãe de duas crianças pequenas. A sobrecarga materna diante das dificuldades de conciliar o trabalho remunerado com as necessidades e as demandas de cuidado dos filhos pequenos, a saúde mental das crianças, o excesso de uso de telas, além das renegociações de preços das mensalidades escolares eram o foco das preocupações e dos debates. Para muitas mulheres de camadas médias, as dificuldades relativas à gestão das crianças aprofundadas pela pandemia foram significativamente atenuadas com a tão esperada e inúmeras vezes adiada reabertura escolar na rede privada de ensino, com os devidos protocolos sanitários, a partir de outubro de 2020.

Já no Movimento de Mães, Pais e Responsáveis pela Escola Pública municipal carioca (Movem-Rio), cujas manifestações acompanhei a partir de postagens em sua página no Facebook e de seu canal de comunicação via WhatsApp, outros temas foram privilegiados. A principal preocupação girava em torno da segurança alimentar4 5 “O Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), indica que nos últimos meses do ano passado [2020] 19 milhões de brasileiros passaram fome e mais da metade dos domicílios no país enfrentou algum grau de insegurança alimentar” (Agência Brasil, 06/04/2021). Em pesquisa da Rede Penssan divulgada em 2022, esse número subiu para 33 milhões, equivalente ao patamar de trinta anos atrás (G1, 08/06/2022). das crianças, materializada na luta pelo cartão alimentação, em substituição e/ou complemento à merenda escolar, durante toda a pandemia. Esse problema não foi solucionado com o retorno ao ensino semipresencial e, pelos relatos, até se agravou, com a suspensão dos cartões alimentação pela prefeitura.

Denúncias sobre a oferta insuficiente de alimentos nas refeições escolares5 6 Relatos de famílias publicados em 11 de agosto de 2021 na página do Facebook do MOVEM-RIO: “De manhã no café da manhã não tem nada pra beber, e no almoço é pouca comida.”; “A escola dos meus filhos está sem leite. (...) Estão comendo pão ou biscoito seco sem nada pra beber.”; “Na escola do meu filho só estão dando ovo todos os dias. Ele nem come.”; “Tá muito complicado, e tiraram os cartões das crianças, que ódio! Tem crianças que nem café tomam em casa...”. , a falta de pessoal (especialmente nas equipes de cozinha e limpeza) e de infraestrutura (janelas chumbadas, salas pequenas, ventilação inadequada) chamavam a atenção para diferentes dimensões da precarização histórica da escola pública, que naquele momento dificultava também o cumprimento dos protocolos sanitários. A solução foi implementar um esquema de rodízio de alunos na maioria das unidades, de modo que o retorno parcial ao ensino presencial não atendeu às necessidades de muitas famílias de apoio para o cuidado de crianças pequenas, o que também não era exatamente uma novidade6 7 “Em condições demarcadas pela ausência (ou fragilidade) de assistência social e a impossibilidade (ou dificuldade) de recorrer ao mercado de serviços de cuidados, nem o Estado (mediado por políticas de assistência), nem o mercado (ao qual se acessa por meio de poder de compra) se constituem alternativas para prover o cuidado de pessoas. Entre os mais pobres, as redes de reciprocidade asseguram essa provisão, sustentadas pelo apoio comunitário ou a família estendida. Essa forma (...) constitui a modalidade predominante em amplas franjas pobres e vulneráveis da população brasileira.” (Guimarães et al., 2020: 108). .

Assim, observa-se que a gestão estatal do fechamento e da (não) reabertura escolar afetou as famílias com crianças de maneiras diferenciadas, aprofundando desigualdades sociais preexistentes de gênero, raça e classe. Além disso, é possível notar que a preocupação de muitas famílias, seja de escolas públicas ou privadas, sobre o tema da (não) reabertura das creches e escolas reverberava uma representação comum desses estabelecimentos não apenas como instituições de educação, mas também de cuidado, quando, por exemplo, famílias se queixavam da falta de um espaço para educar e socializar os seus filhos e também para tomar conta e alimentar as crianças.

Vale dizer que trazer o gênero, articulado com outros marcadores sociais de diferença, para o centro do debate da reabertura escolar não é o que tem sido feito na maior parte das vezes nos debates públicos, como foi possível perceber na seção anterior, apesar de este ser um evento que afetou de maneira considerável, ainda que de formas bem diferenciadas, a vida de muitas mulheres por serem as principais responsáveis pelos cuidados infantis e pela reorganização do cotidiano em tempos de crise (Das, 2020DAS, Veena. 2020. Vidas e palavras: a violência e a sua descida ao ordinário. São Paulo: Editora Unifesp. ; Blanc et al., 2020BLANC, Nathalie; LAUGIER, Sandra; MOLINIER, Pascale. 2020. “O preço do invisível: as mulheres na pandemia”. DILEMAS: revista de estudos de conflito e controle social, Rio de Janeiro, Reflexões na pandemia. P. 1-13.).

Nesta seção, recupero as discussões acadêmicas feministas sobre a organização social e política do cuidado de crianças pequenas no Brasil pré-pandemia para compreender as condições de possibilidade que uma precipitada reabertura econômica tenha conseguido conviver com a manutenção de creches e escolas fechadas por tempo prolongado tanto no setor privado, voltado para famílias de camadas médias e altas, quanto, principalmente, na rede pública, frequentado predominantemente por filhos de famílias pobres. Como sugere Cortez (2022CORTEZ, Marina. 2022. “A administração pública da pandemia, o longo fechamento das escolas e a socialização dos cuidados: notas sobre um debate que não pôde acontecer”. In: SANCHÍS, Norma (Compiladora). Debates feministas para la recuperación en la postpandemia. Políticas económicas y su impacto en la vida cotidiana de las mujeres. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Red de Género y Comercio, 2022. p. 108-118.: 15), “o longo fechamento só foi possível porque havia a assunção tácita de que alguém se encarregaria das crianças e adolescentes em casa: as mulheres, majoritariamente”. Nesse sentido, procuro demonstrar o quanto há de ordinário na experiência desse evento extraordinário do ponto de vista das mulheres (Carneiro; Muller, 2020CARNEIRO, Rosamaria; MÜLLER, Elaine. 2020. “Afinal, quanto de extraordinário a pandemia de covid-19 soma na vida das mulheres mães?”. Áltera, João Pessoa. Vol. 1, n. 10, p. 441-450, jan./jul. ; Das, 2020DAS, Veena. 2020. Vidas e palavras: a violência e a sua descida ao ordinário. São Paulo: Editora Unifesp. ), inclusive no que diz respeito às desigualdades estruturais entre as próprias mulheres.

Vale notar que a maior parte das polêmicas em torno da reabertura escolar não se apresentou a partir da temática do cuidado, atividade historicamente invisibilizada e desvalorizada, embora central para a manutenção da vida (Tronto, 1993TRONTO, Joan. 1993. Moral boundaries: a political argument for an ethic of care. New York, London: Routledge .), mas sim da educação e da saúde, enfatizando os efeitos do fechamento ou da reabertura principalmente para as crianças e os profissionais de educação, ou, ainda, os possíveis efeitos epidemiológicos para as famílias e a comunidade. Sem pretender desvalorizar a importância dessas várias dimensões do debate, sugiro que não se pode compreender a complexidade da questão sem considerar a correlação entre a familiarização e a feminização do cuidado (que não foi criada, mas foi drasticamente aprofundada no período da pandemia) e a masculinização não só do Estado, mas também da economia, e do espaço público e político de modo geral.

Argumento que as imaginações do cuidado como uma atividade familiar e feminina não “existem ´fora do Estado´, mas nele e por ele se tornam viáveis e compreensíveis” (Vianna; Lowenkron, 2017VIANNA, Adriana; LOWENKRON, Laura. 2017. “O duplo fazer do gênero e do Estado: interconexões, materialidades e linguagens”. Cadernos Pagu [on-line], Campinas. Nº 51, e175101 Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/cpa/a/pWRzSNMsG4zD8LRqXhBVksk/?format=pdf⟨=pt ISSN 1809-4449. [Acessado em 20.05.2021].
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: 3). Não à toa, “responsabilidades, representações e práticas sociais de cuidado têm sido foco de disputas no contexto brasileiro de ofensiva conservadora. (...) Assim, periodicamente as políticas voltadas para a externalização dos cuidados são ameaçadas por propostas de modelos familistas e reprivatizadores” (Moreno, 2019MORENO, Renata Faleiros. 2019. Entre família, Estado e mercado: mudanças e continuidades na dinâmica, distribuição e composição do trabalho doméstico e cuidado. Tese de Doutorado em Sociologia, FFLCH, Universidade de São Paulo (USP).: 57). A autora lembra que a luta por creches foi uma das bases fundantes do movimento feminista no Brasil. Ainda assim, as políticas de apoio ao cuidado de crianças, embora tenham sido significativamente ampliadas nas últimas décadas, permanecem muito aquém das reivindicações feministas e, principalmente, da demanda por esses serviços.

As ofensivas políticas que se opõem ao movimento relativamente recente de externalização dos cuidados e reforçam a tradição de familiarização da gestão da infância foram reiteradas quando quase todos os lugares foram reabertos durante a pandemia antes das creches e das escolas. Como fica evidente na seção anterior, em 2020, as instituições de ensino foram um dos primeiros estabelecimentos a fechar e dos últimos a reabrir. O histórico da gestão da (não) reabertura escolar acima exposto revela também que, mesmo em 2021, creches e escolas nunca foram efetivamente “as últimas a fechar” e, mesmo quando foram “as primeiras a reabrir”, essa reabertura foi seguida, poucos dias depois, de uma reabertura generalizada da economia no momento mais letal da pandemia, não garantindo uma efetiva priorização da reabertura escolar como se estivesse necessariamente vinculada a uma política de controle da transmissão comunitária, conforme preconizado por entidades científicas e reivindicado por profissionais da educação que se engajaram no debate público anteriormente apresentado.

Entretanto, as práticas de gestão, moralidades e imaginações culturais que reiteram a associação do cuidado de crianças às famílias e/ou ao espaço doméstico não são exclusivas do momento atual, mas sim têm se reproduzido em diferentes contextos históricos e a partir de distintas correntes políticas. Guedes (2016GUEDES, Moema de Castro. 2017. “Percepções sobre o papel do Estado, trabalho produtivo e trabalho reprodutivo: uma análise do Rio de Janeiro”. Cadernos Pagu [on-line], Campinas. Nº 47, e164720. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/cpa/a/WzfbQKxf3MKq8Q5Bg4K7vNt/?format=pdf⟨=pt . [Acessado em 25.05.2021].
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) lembra que a própria Constituição de 1988BRASIL. 1988. Constituição da República Federativa do Brasil (CF). 1ª ed. Brasília: Senado Federal. , ao mesmo tempo em que instituiu o direito à creche como universal, apresenta a família como principal instituição responsável por seus membros. Mas a responsabilidade do trabalho reprodutivo do cuidado quase nunca é distribuída pelos membros da família da mesma maneira.

Como sugere Guedes (2016GUEDES, Moema de Castro. 2017. “Percepções sobre o papel do Estado, trabalho produtivo e trabalho reprodutivo: uma análise do Rio de Janeiro”. Cadernos Pagu [on-line], Campinas. Nº 47, e164720. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/cpa/a/WzfbQKxf3MKq8Q5Bg4K7vNt/?format=pdf⟨=pt . [Acessado em 25.05.2021].
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), a partir de survey realizada no estado do Rio de Janeiro, a tarefa de cuidar de crianças, idosos, enfermos e deficientes continua sendo entendida como um dever familiar que recai principalmente sobre as mulheres. E esses valores e práticas, segundo a autora, permanecem profundamente enraizados em todos os estratos sociais e educacionais, ainda que de maneira diferenciada, o que se expressa pela percepção cultural amplamente compartilhada de que a família e, particularmente, a mãe seriam as melhores pessoas para cuidar das crianças pequenas. De acordo com indicadores recentes, 74,5% das pessoas responsáveis por crianças pequenas consideravam que a família apresenta as melhores condições para seu cuidado (Guimarães et al., 2020: 103GUIMARÃES, Nadya Araujo et al. 2020. “El cuidado: sus formas, relaciones y actores. Reflexiones a partir del caso de Brasil”. In: HIRATA, Helena; GUIMARÃES, Nadya Araujo (Comps). El cuidado en América Latina: mirando los casos de Argentina, Brasil, Chile, Colombia y Uruguay. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Fundación Medifé Edita. p. 75-117.).

A familiarização dos cuidados de crianças pequenas, idosos e outras pessoas dependentes, historicamente reiterada e culturalmente valorizada em nossa sociedade, em diversos estratos sociais, representa uma “enorme concentração de trabalho reprodutivo na figura da mãe ou de outras mulheres” (Guedes, 2016: 20GUEDES, Moema de Castro. 2017. “Percepções sobre o papel do Estado, trabalho produtivo e trabalho reprodutivo: uma análise do Rio de Janeiro”. Cadernos Pagu [on-line], Campinas. Nº 47, e164720. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/cpa/a/WzfbQKxf3MKq8Q5Bg4K7vNt/?format=pdf⟨=pt . [Acessado em 25.05.2021].
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), especialmente negras, pobres e menos escolarizadas. Isto revela quais sujeitos são desejáveis e inteligíveis no espaço público e político, inclusive no mercado, e quais não são. Não se trata apenas de homens e mulheres, mas de uma histórica feminilização do privado e masculinização do público - mesmo quando este é ocupado por mulheres opera a partir de lógicas masculinas que ignoram a interdependência do trabalho produtivo e reprodutivo para a manutenção da vida.

Isto se reflete claramente na divisão sexual do trabalho. Dados do IBGE revelam que mulheres, mesmo em termos normais, dedicam em média quase o dobro do tempo do que os homens com tarefas domésticas. E mesmo trabalhando fora, a mulher cumpre em média 8,2 horas a mais em obrigações domésticas que o homem também ocupado. Como mudanças estruturais nas relações de gênero não foram efetivamente produzidas com o aumento da participação das mulheres no mercado do trabalho, aquelas que têm filhos pequenos e em idade escolar foram atingidas em cheio quando o Estado decretou o fechamento e, depois, a não reabertura de creches e escolas7 8 Reportagem da Uol noticia que “a pandemia causou um strike nos empregos femininos, derrubando a participação de mulheres no mercado de trabalho a 45,8% no terceiro trimestre de 2020, o nível mais baixo desde 1990, segundo dados mais recentes divulgados pelo Ipea” (UOL, 11/03/2021). O resultado de uma pesquisa realizada pela SOF - Sempreviva Organização Feminista em parceria com a Gênero e Número indica que 50% das mulheres brasileiras passaram a cuidar de alguém na pandemia e que 72% afirmam que aumentou a necessidade de monitoramento e companhia (http://mulheresnapandemia.sof.org.br/). . Mas isto não significa dizer que afetou todas as mulheres da mesma maneira.

Na prática, desigualdades sociais marcam historicamente diferentes regimes de cuidado de crianças pequenas no Brasil (Sorj; Fontes, 2012SORJ, Bila; FONTES, Adriana. 2012. “O care como regime estratificado: implicações de gênero e classe social”. In: HIRATA, Helena; GUIMARÃES, Nadya Araujo (orgs.). Cuidado e cuidadoras: as várias faces do trabalho do care. São Paulo: Atlas . p. 103-116. ). Apesar de ser constitucionalmente definido como um direito tanto das crianças como das mães trabalhadoras, as diferenças de classe, raça e território no acesso à creche são evidentes desde muito antes da pandemia. Segundo Guimarães et al. (2020GUIMARÃES, Nadya Araujo et al. 2020. “El cuidado: sus formas, relaciones y actores. Reflexiones a partir del caso de Brasil”. In: HIRATA, Helena; GUIMARÃES, Nadya Araujo (Comps). El cuidado en América Latina: mirando los casos de Argentina, Brasil, Chile, Colombia y Uruguay. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Fundación Medifé Edita. p. 75-117.), dados recentes mostram que, enquanto entre as famílias mais pobres a frequência era de apenas 23,7%, nas famílias mais ricas o acesso chegava a 52,8%. Além disso, segundo as autoras, “dada a ausência de vagas em creches e dada a incompatibilidade entre a jornada de trabalho das mães e dos pais e o horário de permanência das crianças nas creches, há uma variedade de estratégias mobilizadas pelas famílias (especialmente pelas mulheres)” (Guimarães et al., 2020: 104GUIMARÃES, Nadya Araujo et al. 2020. “El cuidado: sus formas, relaciones y actores. Reflexiones a partir del caso de Brasil”. In: HIRATA, Helena; GUIMARÃES, Nadya Araujo (Comps). El cuidado en América Latina: mirando los casos de Argentina, Brasil, Chile, Colombia y Uruguay. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Fundación Medifé Edita. p. 75-117.).

A transferência do cuidado das crianças pequenas das famílias para as instituições de educação é, portanto, um direito relativamente recente e está longe de ser uma prática universal no Brasil. E mesmo entre crianças que frequentam as creches e pré-escolas durante parte do dia, em geral a externalização do cuidado não se reduz a essas instituições nos diferentes estratos sociais. Diversas autoras têm demonstrado que distintos arranjos e estabelecimentos informais participam da gestão cotidiana do cuidado de crianças no Brasil (Fonseca, 2006FONSECA, Claudia. 2006. “Da circulação de crianças à adoção internacional: questões de pertencimento e posse”. Cadernos Pagu, Campinas. Nº. 26, p. 11-43. ; Sorj; Fontes, 2012SORJ, Bila; FONTES, Adriana. 2012. “O care como regime estratificado: implicações de gênero e classe social”. In: HIRATA, Helena; GUIMARÃES, Nadya Araujo (orgs.). Cuidado e cuidadoras: as várias faces do trabalho do care. São Paulo: Atlas . p. 103-116. ; Fernandes, 2017FERNANDES, Camila. 2017. Figuras da causação: sexualidade feminina, reprodução e acusações no discurso popular e nas políticas de Estado. 2017. Tese de Doutorado em Antropologia Social, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).; Moreno, 2019MORENO, Renata Faleiros. 2019. Entre família, Estado e mercado: mudanças e continuidades na dinâmica, distribuição e composição do trabalho doméstico e cuidado. Tese de Doutorado em Sociologia, FFLCH, Universidade de São Paulo (USP).; Guimarães et al., 2020GUIMARÃES, Nadya Araujo et al. 2020. “El cuidado: sus formas, relaciones y actores. Reflexiones a partir del caso de Brasil”. In: HIRATA, Helena; GUIMARÃES, Nadya Araujo (Comps). El cuidado en América Latina: mirando los casos de Argentina, Brasil, Chile, Colombia y Uruguay. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Fundación Medifé Edita. p. 75-117.).

Nas camadas populares e, especialmente, nos bairros com maior déficit de vagas em creches, destacam-se as redes de ajuda (com ou sem remuneração) de vizinhança ou familiares, bem como as “casas de tomar conta” (Fernandes, 2017FERNANDES, Camila. 2017. Figuras da causação: sexualidade feminina, reprodução e acusações no discurso popular e nas políticas de Estado. 2017. Tese de Doutorado em Antropologia Social, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).), que se mantiveram como alternativas às instituições educativas ao longo do período pandêmico. Já as famílias de maior renda frequentemente combinam a contratação de serviços educacionais com o apoio do cuidado remunerado de trabalhadoras domésticas ou babás (Sorj; Fontes, 2012SORJ, Bila; FONTES, Adriana. 2012. “O care como regime estratificado: implicações de gênero e classe social”. In: HIRATA, Helena; GUIMARÃES, Nadya Araujo (orgs.). Cuidado e cuidadoras: as várias faces do trabalho do care. São Paulo: Atlas . p. 103-116. ) que nem sempre foram suspensos, como revela a trágica morte de Cleonice Gonçalves8 9 “Mulher, negra, empregada doméstica que estava trabalhando na casa dos patrões no Alto Leblon (Zona Sul do Rio de Janeiro) e contraiu o vírus da patroa que acabara de chegar de uma viagem à Europa” (Souza, 2020: 2). Esta foi a primeira morte por covid-19 notificada no estado do Rio de Janeiro. , e de modo geral, puderam ser retomados antes das atividades presenciais escolares. Assim, a gestão diferenciada da reabertura de creches e escolas públicas e privadas durante a pandemia não só acentuou, mas foi fortemente ancorada e sustentada pelo “regime estratificado” do cuidado que expressa e reforça as desigualdades existentes em nossa sociedade (Sorj; Fontes, 2012).

A gestão da (não) reabertura escolar a partir da ética do cuidado

O enfrentamento à pandemia da covid-19, desde março de 2020, demandou medidas de isolamento social que intensificaram o trabalho reprodutivo feminino não remunerado no contexto doméstico. Por causa disso, segundo algumas análises, a pandemia teria atuado como dispositivo de visibilidade para as práticas de cuidado, promovendo uma conscientização sobre a importância das “mãozinhas invisíveis” da vida cotidiana que garantem a continuidade da vida social (Blanc et al., 2020BLANC, Nathalie; LAUGIER, Sandra; MOLINIER, Pascale. 2020. “O preço do invisível: as mulheres na pandemia”. DILEMAS: revista de estudos de conflito e controle social, Rio de Janeiro, Reflexões na pandemia. P. 1-13.). Mas do ponto de vista político, como procurei demonstrar neste artigo, a centralidade do cuidado permaneceu obscurecida na gestão da pandemia.

Com o passar do tempo e as flexibilizações das medidas restritivas em quase todos os outros setores da economia, a preocupação com a gestão da (não) reabertura escolar vai se deslocando das famílias e das redes de WhatsApp de grupos de mães e pais de crianças em idade escolar para o debate público. Como vimos, o tema tornou-se alvo de disputas políticas e jurídicas, bem como objeto de preocupação de organizações e entidades científicas nacionais e internacionais. As controvérsias em torno do tema vão configurando um problema social na esfera pública.

Na seção anterior, sustentei a importância de considerar um dos aspectos mais invisibilizados na construção desse problema social, ao analisá-lo à luz dos debates acadêmicos feministas sobre a organização social e política do cuidado de crianças pequenas. O objetivo foi deslocar para o centro do debate um aspecto absolutamente fundamental da vida humana, mas que tende a ser tratado como parte marginal da existência (Tronto, 1993TRONTO, Joan. 1993. Moral boundaries: a political argument for an ethic of care. New York, London: Routledge .), curiosamente, mesmo na gestão de uma pandemia. A partir disso, assim como Federic (2017FEDERIC, Silvia. 2017. Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva. São Paulo: Editora Elefante. ) aponta que o trabalho reprodutivo foi um dos pilares mais silenciosos da produção capitalista, é possível sugerir que a intensificação do trabalho reprodutivo feminino no espaço doméstico durante a pandemia foi um processo politicamente induzido pelas formas de gestão estatal adotadas e operou como um elemento central, embora invisibilizado, de “sustentabilidade” em uma situação de crise (Lima, 2017LIMA, Antonia Pedroso de. 2016. “O cuidado como elemento de sustentabilidade em situações de crise. Portugal entre o Estado providência e as relações interpessoais”. Cadernos Pagu , Campinas. Nº 46, p.79-105, jan.-abr. ).

A concentração do trabalho de cuidado de dependentes exclusivamente no âmbito familiar aprofundou desigualdades de gênero, raça e classe e significou excluir uma parte significativa das mulheres do mercado de trabalho remunerado. E, mesmo as mulheres, principalmente de camadas médias e altas, que mantêm seus empregos (seja por trabalharem nos chamados “serviços essenciais”, ou porque podem tele-trabalhar de suas casas), se vêm desafiadas a conciliar o trabalho remunerado com o aumento da carga de trabalho doméstico e de cuidado, com consequências não apenas sobre sua produtividade9 10 Os efeitos da pandemia articulada à parentalidade na carreira de mulheres acadêmicas, que fazem parte do grupo de trabalhadoras que permaneceram empregadas em home office, foi amplamente documentado e pode ser conferido na pesquisa do Parent in Science (2020). , mas também sobre seu bem-estar (ONU MulheresONU MULHERES; CEPAL. 2020. “Cuidados en América Latina y Caribe en tempos de COVID-19. Hacia sistemas integrales para fortalecer la respuesta y la recuperación”. BRIEF. Vol. 11, ago. ; Cepal, 2020: 11).

A pandemia de covid-19 reafirmou a centralidade dos cuidados para a sustentabilidade tanto da economia quanto da vida, ao mesmo tempo em que colocou em evidência a insustentabilidade de sua atual organização (ONU MulheresONU MULHERES; CEPAL. 2020. “Cuidados en América Latina y Caribe en tempos de COVID-19. Hacia sistemas integrales para fortalecer la respuesta y la recuperación”. BRIEF. Vol. 11, ago. & Cepal, 2020). Nesta última seção, proponho tomar os termos do que entendo como um falso dilema entre os igualmente nefastos efeitos do fechamento prolongado e de uma reabertura despreparada das instituições educacionais que oferecem também suporte ao cuidado de crianças como objeto de uma análise crítica feminista ancorada em uma ética do cuidado. Essa abordagem busca chamar a atenção para a importância de levar em conta a dependência da infância, entre outras, para questões de justiça social (Kitay, 2020KITAY, Eva Feder. 2020. Lover´s labor: Essays on Women, Equality and Dependency. 2º ed. New York: Routledge.) e de saúde pública.

Ao formular o que denomina de crítica da dependência à igualdade, Eva Kitay (2020KITAY, Eva Feder. 2020. Lover´s labor: Essays on Women, Equality and Dependency. 2º ed. New York: Routledge.) sugere que a concepção de justiça baseada na concepção de sociedade vista como associação entre iguais mascara não apenas desigualdades histórica e politicamente produzidas, mas também dependências inevitáveis que nenhuma teoria política pode abolir ao declarar todos os seres humanos como iguais, a saber: a da infância, da idade avançada, da doença e da deficiência. A partir das formulações da autora, observa-se ainda que outras desigualdades, como as de gênero, raça e classe, são produzidas, articuladas ou aprofundadas em torno e a partir dessas relações de dependência em função da falta de suporte social e político adequado para aquelas que tradicionalmente cuidam dos dependentes, isto é, as mulheres e, especialmente, as negras, pobres e menos escolarizadas.

Na gestão da pandemia, esse suporte foi traduzido em auxílio emergencial e cartão alimentação para algumas, suspensão temporária ou redução de jornada em caráter remunerado para outras, e home office para as social e economicamente privilegiadas. Do ponto de vista de uma ética e de uma política do cuidado, todas essas medidas emergenciais se mostraram insuficientes ao longo do tempo. A reabertura econômica enquanto solução para a retomada da empregabilidade e renda da população, por sua vez, ao priorizar serviços considerados “economicamente mais relevantes”, entre os quais templos religiosos foram incluídos, mas creches e escolas não, também falhou em levar em conta a dependência da infância e em oferecer suporte adequado para o cuidado.

Por outro lado, a crescente pressão política e econômica pela reabertura escolar não considerou a incompatibilidade, do ponto de vista da sustentabilidade da vida, de uma retomada segura das atividades nesses estabelecimentos, especialmente nas instituições historicamente mais precarizadas da rede pública, e as altas taxas de transmissão comunitária resultantes da precipitada reabertura de todos os outros serviços menos essenciais que a precedeu.

Nesse sentido, do ponto de vista de uma crítica feminista ancorada em uma ética do cuidado, a polarização entre a reabertura ou não das creches e escolas é um falso dilema, pois todas essas formas de gestão foram inadequadas. Diante disso e da evidente insegurança sanitária em muitos momentos do prolongado processo de (não) reabertura das instituições educacionais e de cuidado, a solução administrativa estatal foi tornar o retorno escolar “voluntário” para as famílias, de modo que aquilo que deveria ser gerido a partir da “lógica do cuidado” (em oposição à negligência) passa a ser gerido com base em uma “lógica da escolha” (em oposição à coerção) (Mol, 2008MOL, Annemarie. 2008. The Logic of Care: Health and the Problem of Patient Choice. London: Routledge. ).

Pensar a gestão da reabertura escolar a partir de uma ética do cuidado implica, ainda, analisá-la segundo uma gramática da vulnerabilidade e da interdependência (Tronto, 1993TRONTO, Joan. 1993. Moral boundaries: a political argument for an ethic of care. New York, London: Routledge .), que tem como pressuposto a ideia de que não existem sujeitos inteiramente autônomos e autossuficientes, inclusive para a tomada de decisões. Segundo Tronto (1993, p. 134), tendo em vista que todos precisamos ser cuidados e muitas pessoas precisam cuidar de alguém ao longo do curso da vida, uma ordem política que presume apenas a independência, a autonomia e a igualdade ignora uma parcela importante da experiência humana.

Invertendo a imagem idealizada do homem genérico dos direitos humanos (masculino, racional, adulto e autônomo), Judith Butler (2010BUTLER, Judith. 2010. Marcos de Guerra: las vidas lloradas. Barcelona, Buenos Aires eCiudad de México: Paidós.) propõe que a vulnerabilidade é o que define a própria condição humana. Uma vez que os indivíduos dependem do apoio de instituições e de um mundo social para exercer a sua autodeterminação (Butler, 2006BUTLER, Judith. 2006. Deshacer el género. Barcelona, Buenos Aires e Ciudad de México: Paidós.), alguns corpos podem se tornar mais vulnerabilizados e precarizados do que outros quando são submetidos a uma condição politicamente induzida em que certas populações sofrem de falta de redes de apoio sociais e econômicas e estão diferencialmente mais expostas a danos, violência e morte (Butler, 2010: 46BUTLER, Judith. 2010. Marcos de Guerra: las vidas lloradas. Barcelona, Buenos Aires eCiudad de México: Paidós., tradução minha).

Nesse sentido, a vulnerabilidade da/dos provedora/es de cuidado nas casas e nas instituições educacionais não entra em contradição, mas se equivale, ao contrário do que algumas formas de compreensão das polarizações do debate público sobre a reabertura escolar podem sugerir. Joan Tronto reconhece que o cuidado é carregado de conflitos e que muitas vezes os provedores de cuidado acharão que suas necessidades de cuidar de si mesmos entra em conflito com o cuidado que eles devem oferecer a outros (Tronto, 1993: 109). Este conflito de interesses fica evidente na nota pública da comissão de educação infantil do Sinpro-Rio, quando questiona: “o(a) professor(a) cuida das crianças, da escola e das famílias. E quem cuida dos(as) professores(as)”? (Sinpro-Rio, 15/08/2020SINPRO-RIO. 2020. “Nota pública: Comissão da educação infantil fala sobre importância da manutenção da greve”. SINPRO-RIO, Rio de Janeiro, 15/08/2020, Disponível em: Disponível em: https://site.sinpro-rio.org.br/comissao-de-educacao-infantil-fala-sobre-importancia-da-manutencao-da-greve/ . [Acessado em 21.09.2021].
https://site.sinpro-rio.org.br/comissao-...
).

Entretanto, ao se deslocar da lógica do conflito de interesses para a do cuidado, é possível sugerir que aquelas/es que realizam o trabalho de cuidado nas famílias e em espaços institucionais de educação da rede pública ou privada são não apenas interdependentes, mas também igualmente vulneráveis porque precisam de suporte social, econômico, afetivo, material e político para prover o cuidado de maneira adequada às pessoas dependentes e, ao mesmo tempo, de maneira compatível com a necessidade de cuidar de si.

No contexto das respostas políticas à pandemia, a ONU Mulheres e Cepal recomendaram aos governos da América Latina e Caribe colocarem os cuidados no centro de suas respostas à covid-19. As organizações chamam a atenção para o fato de que, ao mesmo tempo em que agudizou a injusta distribuição das responsabilidades sobre os cuidados, que seguiram recaindo fundamentalmente sobre as mulheres, “a pandemia de covid-19 permitiu evidenciar a importância fundamental que os cuidados têm para a sustentabilidade da vida, o funcionamento das sociedades e do sistema econômico” (ONU MulheresONU MULHERES; CEPAL. 2020. “Cuidados en América Latina y Caribe en tempos de COVID-19. Hacia sistemas integrales para fortalecer la respuesta y la recuperación”. BRIEF. Vol. 11, ago. ; Cepal, 2020: 14). De maneira otimista, sugere que a crise deve se transformar em uma oportunidade de fortalecer as políticas de cuidado na região.

Ao longo do texto, procurei mostrar como na estratégia de retomada econômica, dentro da qual podem ser compreendidas e situadas as tensões em torno da gestão da (não) reabertura escolar durante a pandemia, ecoa, entretanto, de diferentes maneiras, a histórica invisibilização e desvalorização do trabalho de cuidado nas economias capitalistas, ao não se reconhecer a importância de oferecer o suporte adequado para todas as “mãozinhas invisíveis” que têm garantido ao longo da crise a manutenção e a sustentabilidade da vida.

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  • WHO. 2020. Coronavirus update 39. What we know about covid-19 transmission in schools, WORLD HEALTH ORGANIZATION, 21 october 2020.
  • 1
    A primeira versão deste artigo foi apresentada publicamente no GT “Cuidado na agenda política”, coordenado por Eugenia Brage (USP/Cebrap) e Marcia Reis Longhi (UFPB), no 45º Encontro Anual da Anpocs, e no IV Encontro da Redegen, ambos em 2021. Agradeço pelos ricos debates em ambas as ocasiões.
  • 2
    Segundo a Fiocruz (Brasil, 2021BRASIL. 2021. “Recomendações para o planejamento de retorno às atividades escolares presenciais no contexto da pandemia de covid-19”. Brasília: Ministério da Saúde / Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), fevereiro.), no país, nunca foi atingindo o índice de isolamento recomendável (de no mínimo 70%) pelo tempo necessário para reduzir o impacto da pandemia por meio de medidas não farmacológicas. “Tivemos nosso pico de isolamento social em 22/03/2020, com índice de 62,2%, e ficamos a maior parte do tempo abaixo de 50%, na média, o que significa funcionamento de atividades consideradas não essenciais contribuindo para aumento de casos e óbitos” (Brasil, 2021: 9BRASIL. 2021. “Recomendações para o planejamento de retorno às atividades escolares presenciais no contexto da pandemia de covid-19”. Brasília: Ministério da Saúde / Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), fevereiro.).
  • 3
    Como compreender que os principais agentes que se mobilizaram pela reabertura escolar durante a pandemia tenham sido setores do setor empresarial da educação e das elites econômicas? Estaríamos diante de uma cidadania mercantil? Como se mantém a entrega dos serviços básicos para o mercado segundo uma linguagem da educação como direito? Estas são perguntas possíveis diante do material exposto que, embora não possam ser aprofundadas neste texto, expõem os limites da efetivação de direitos de acordo com uma lógica neoliberal de precarização dos serviços públicos.
  • 4
    Segundo o Censo Escolar de julho de 2021, “a média no país foi de 279 dias letivos de suspensão das atividades presenciais ao longo do ano de 2020. A título de comparação, Chile e Argentina somaram 199 dias de interrupção de aulas presenciais entre março de 2020 e fevereiro de 2021” (Cortez, 2022: 113)). O episódio sobre retorno escolar do programa Greg News (canal HBO Brasil) apresenta dados sobre os cortes orçamentários na educação que evidenciam que o governo brasileiro foi na contramão dos países desenvolvidos, que priorizaram escolas durante a pandemia: “2020 foi o ano com menor investimento do Ministério da Educação (MEC) no ensino básico da década” (Correio Braziliense, 21/02/2021 citado em GregNews, 7/5/2021GREGNEWS. 2021. “Abertura de escolas”. Gregnews, 7/5/2021. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=c0IyQxhBXH4 . [Acessado em 20.09.2021].
    https://www.youtube.com/watch?v=c0IyQxhB...
    ).
  • 5
    “O Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), indica que nos últimos meses do ano passado [2020] 19 milhões de brasileiros passaram fome e mais da metade dos domicílios no país enfrentou algum grau de insegurança alimentar” (Agência Brasil, 06/04/2021AGÊNCIA BRASIL. 2021. “Pesquisa revela que 19 milhões passaram fome no Brasil no fim de 2020”. Agência Brasil, 06/04/2021. Disponível em: Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2021-04/pesquisa-revela-que-19-milhoes-passaram-fome-no-brasil-no-fim-de-2020 . [Acessado em: 20.10.2022].
    https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/n...
    ). Em pesquisa da Rede Penssan divulgada em 2022, esse número subiu para 33 milhões, equivalente ao patamar de trinta anos atrás (G1, 08/06/2022G1 . 2022. “Mais de 33 milhões de brasileiros passam fome todo dia, revela pesquisa”. Jornal Nacional, G1 , 08/06/2022. Disponível em: Disponível em: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2022/06/08/mais-de-33-milhoes-de-brasileiros-passam-fome-todo-dia-revela-pesquisa.ghtml . [Acessado em 21.10.2022].
    https://g1.globo.com/jornal-nacional/not...
    ).
  • 6
    Relatos de famílias publicados em 11 de agosto de 2021 na página do Facebook do MOVEM-RIO: “De manhã no café da manhã não tem nada pra beber, e no almoço é pouca comida.”; “A escola dos meus filhos está sem leite. (...) Estão comendo pão ou biscoito seco sem nada pra beber.”; “Na escola do meu filho só estão dando ovo todos os dias. Ele nem come.”; “Tá muito complicado, e tiraram os cartões das crianças, que ódio! Tem crianças que nem café tomam em casa...”.
  • 7
    “Em condições demarcadas pela ausência (ou fragilidade) de assistência social e a impossibilidade (ou dificuldade) de recorrer ao mercado de serviços de cuidados, nem o Estado (mediado por políticas de assistência), nem o mercado (ao qual se acessa por meio de poder de compra) se constituem alternativas para prover o cuidado de pessoas. Entre os mais pobres, as redes de reciprocidade asseguram essa provisão, sustentadas pelo apoio comunitário ou a família estendida. Essa forma (...) constitui a modalidade predominante em amplas franjas pobres e vulneráveis da população brasileira.” (Guimarães et al., 2020: 108).
  • 8
    Reportagem da Uol noticia que “a pandemia causou um strike nos empregos femininos, derrubando a participação de mulheres no mercado de trabalho a 45,8% no terceiro trimestre de 2020, o nível mais baixo desde 1990, segundo dados mais recentes divulgados pelo Ipea” (UOL, 11/03/2021UOL. 2021. “Pandemia agrava desemprego entre mulheres e aumenta desigualdade de gênero”. UOL, Universa. São Paulo, 11/03/2021. Disponível em: Disponível em: https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2021/03/11/desemprego-na-pandemia.htm#:~:text=A%20pandemia%20causou%20um%20strike,Instituto%20de%20Pesquisa%20Econ%C3%B4mica%20Aplicada . [Acesso em 20.09.2021].
    https://www.uol.com.br/universa/noticias...
    ). O resultado de uma pesquisa realizada pela SOF - Sempreviva Organização Feminista em parceria com a Gênero e Número indica que 50% das mulheres brasileiras passaram a cuidar de alguém na pandemia e que 72% afirmam que aumentou a necessidade de monitoramento e companhia (http://mulheresnapandemia.sof.org.br/).
  • 9
    “Mulher, negra, empregada doméstica que estava trabalhando na casa dos patrões no Alto Leblon (Zona Sul do Rio de Janeiro) e contraiu o vírus da patroa que acabara de chegar de uma viagem à Europa” (Souza, 2020: 2SOUZA, Flavia. 2020. “O dia em que a vida parou. Expressões da colonialidade em tempos de pandemia”. Physis: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro. Vol. 30 (2), e300210. Disponível em: Disponível em: https://scielosp.org/pdf/physis/2020.v30n2/e300210/pt . [Acesso em 20.10.2022].
    https://scielosp.org/pdf/physis/2020.v30...
    ). Esta foi a primeira morte por covid-19 notificada no estado do Rio de Janeiro.
  • 10
    Os efeitos da pandemia articulada à parentalidade na carreira de mulheres acadêmicas, que fazem parte do grupo de trabalhadoras que permaneceram empregadas em home office, foi amplamente documentado e pode ser conferido na pesquisa do Parent in Science (2020PARENT IN SCIENCE. 2021. Produtividade acadêmica durante a pandemia: efeitos de gênero, raça e parentalidade. Disponível em: Disponível em: https://www.parentinscience.com/ . [Acessado em 21.09.2021].
    https://www.parentinscience.com/...
    ).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    10 Ago 2022
  • Aceito
    05 Out 2022
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