Acessibilidade / Reportar erro

Masculinidades no voleibol: precarização, agência e resistência em narrativas de jovens atletas

Masculinidades en voleibol: precariedad, agencia y resistencia en narrativas de jóvenes atletas

Masculinities in volleyball: precariousness, agency and resistance in narratives of young athletes

Resumo:

Discutem-se neste artigo os processos de identificação e significação das masculinidades nas experiências narradas de jovens atletas de voleibol. Para isso, mobilizam-se as teorizações de Jacques Derrida, Judith Butler e Leonor Arfuch para produção e problematização de narrativas. Os relatos de dois sujeitos que se identificavam como homossexuais apontaram para a negação da orientação sexual e regulação de suas performatizações de masculinidade nos espaços de desenvolvimento do esporte. Ainda que apreendidos numa condição alta de precariedade, resistiam por agenciamentos diversos aos processos segregatórios que vivienciavam cotidianamente nos clubes.

Palavras-chave:
masculinidades; homossexualidade; narrativas; pós-estruturalismo; voleibol

Resumen:

Este artículo discute los procesos de identificación y significación de las masculinidades en las experiencias narradas de jóvenes atletas de voleibol. Para eso, se movilizan las teorías de Jacques Derrida, Judith Butler y Leonor Arfuch para la producción y problematización de narrativas. Los relatos de dos sujetos que se identificaron como homosexuales señalaron la negación de la orientación sexual y la regulación de sus performatizaciones de masculinidad en los espacios de desarrollo deportivo. Aunque aprehendidos en una alta condición de precariedad, resistieron por varias agencias a los procesos de segregación que vivían a diario en los clubes.

Palabras clave:
masculinidades; homosexualidad; narrativas; posestructuralismo; voleibol.

Abstract:

This article discusses the processes of identification and meaning of masculinities in the narrated experiences of young volleyball athletes. For this, the theories of Jacques Derrida, Judith Butler and Leonor Arfuch are mobilized for the production and problematization of narratives. The reports of two subjects who identified themselves as homosexuals pointed to the denial of sexual orientation and the regulation of their masculinity performances in the spaces of sport development. Although apprehended in a high condition of precariousness, they resisted through different agencies to the segregation processes that they experienced daily in the clubs.

Keywords:
masculinities; homosexuality; narratives; poststructuralism; volleyball.

O crucial é a posição, a tomada de posição, o posicionar-se, o plantar-se como sujeitos, fundar-se como sujeitos bixas. Posição de sujeitos bixas, de sujeitos lésbicos, de sujeitos trans. Posição de sujeitos de classe. Posição de sujeitos precários. Posição de sujeitos desprezíveis. Paco Vidarte VIDARTE, Paco. 2019. Ética bixa: proclamações libertárias para uma militância LGBTQ. São Paulo: n-1 edições. Pp. 184.

Sabe-se que o voleibol no Brasil é a principal modalidade em que jogadores/as profissionais que se identificam como LGBTI+1 1 Uso neste artigo o acrônimo LGBTI+ para me referir a pessoas que se identificam como lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e intersexuais, além de outras identificações que são significadas pelo “+”. Ainda que tais identificações apresentem demandas específicas, reconheço essa unificação como um movimento de coligação (Butler, 2018), que une em aliança minorias sexuais e de gênero no propósito de luta conjunta contra a precarização da vida. externalizam suas identificações2 2 A noção de identificação lida pelas teorizações derridianas e butlerianas está mais próxima de processo, abertura e movimento, afastando-se da fixidez do conceito de identidade (Derrida, 1991; Butler, 2009). publicamente, como também é a modalidade mais apreciada por essas pessoas para torcer e praticar (Coelho, 2009COELHO, Juliana Afonso Gomes. 2009. “Voleibol: um espaço híbrido de sociabilidade esportiva”. In: TOLEDO, Luiz Henrique; COSTA, Carlos Eduardo (Orgs.). Visão de jogo: antropologia das práticas esportivas. São Paulo: Editora Terceiro Nome, p. 75-93. Pp. 282.). Entre os homens, tal questão ganha certo destaque, pois é sabido que as regulações sociais impactam o coming out de atletas profissionais que, muitas vezes, têm suas vidas privadas invadidas pela opinião pública e pelos meios de comunicação, principalmente quando emerge alguma suspeita acerca da identificação não heterossexual (Camargo, 2018CAMARGO, Wagner Xavier de. 2018. “O armário da sexualidade no mundo esportivo”. Revista Estudos Feministas. Vol. 26, n. 1, p. 1-18. ).

Todavia, o voleibol participa com força das disputas por significações travadas nesse campo. Desde o final da década de 1990 vemos um movimento de homens jogadores profissionais de vôlei publicizarem a orientação homossexual, como o ex-atleta Lilico3 3 As marcas de Lilico. Disponível em: https://bit.ly/3fZMOX7. Acesso em: 12 ago. 2020. , falecido em 2007 e polêmico por afirmar que não era convocado para a seleção brasileira pela sua identificação como gay; e Michael Santos4 4 Eu tenho orgulho do que fiz. Disponível em: https://bit.ly/33Qpdpj. Acesso em: 12 ago. 2020. , que em 2010 vivenciou um episódio de homofobia na Superliga masculina e tornou-se um personagem emblemático na luta pelo reconhecimento da homossexualidade entre os homens no esporte.

Em alguma medida, mesmo reconhecendo a força do contexto conservador contemporâneo, não se pode deixar de destacar que caminhamos alguns passos nessa questão. Recentemente, dois jovens jogadores da atual seleção brasileira de vôlei, o ponteiro Douglas Souza5 5 Ainda não sabemos se gays são bem-aceitos no vôlei, diz destaque da seleção. Disponível em: https://bit.ly/2PL5S0f. Acesso em: 12 ago. 2020. e o líbero Maique Reis6 6 “Por ser gay e negro, tive que me dedicar mais”, diz líbero da seleção. Disponível em: https://bit.ly/3p4t5wO. Acesso em: 21 fev. 2022. , anunciaram publicamente se identificarem como gays, não mostrando qualquer receio em relação à retaliação de dirigentes esportivos ou o medo de possíveis danos às suas carreiras com a atitude. Douglas, inclusive, foi um dos protagonistas da campanha da marca esportiva Adidas chamada Impossible is nothing7 7 Eu vejo possibilidades no esporte, e você? Disponível em: https://bit.ly/3poaz2y. Acesso em: 27 fev. 2022. . No âmbito amador, equipes de voleibol para homens que não se identificam como heterossexuais são criadas em diversas partes do país e vários torneios vêm ocorrendo entre essas equipes, tais como o GayPrix de Vôlei, que teve sua segunda edição em 2019 na cidade do Rio de Janeiro8 8 Rio recebe 2ª edição do GayPrix, campeonato nacional de vôlei voltado para o público LGBT+. Disponível em: https://glo.bo/30OxEzk. Acesso em: 12 ago. 2020. , e a Liga Gay de Vôlei Amazonense, considerada pelo RankBrasil9 9 Liga gay de voleibol mais antiga. Disponível em: https://bit.ly/3fTFHPN. Acesso em: 20 ago. 2020. como a mais antiga liga esportiva do país direcionada a atletas homossexuais.

A discussão central deste artigo será sobre as masculinidades e o contexto do voleibol, dando prosseguimento a publicações que dizem respeito à minha tese de doutorado (Brito, 2018BRITO, Leandro Teofilo de. 2018. Enunciações de masculinidade em narrativas de jovens atletas de voleibol: leituras em horizonte queer. Tese de Doutorado. Programa de pós-graduação em Educação. Universidade do Estado do Rio de Janeiro.). Nesse sentido, mobilizo os estudos pós-estruturalistas, que, em acordo com Williams (2013WILLIAMS, James. 2013. Pós-estruturalismo. 2ª ed. Petrópolis: Editora Vozes. Pp. 256), podem ser significados como um movimento e/ou um esforço teórico de ir além do estruturalismo, pensando a produtividade da irregularidade das estruturas e sem um centro de necessidade que as conforme e estabilize. Tal movimento e/ou esforço teórico ocorre de maneira radical, pois coloca em questionamento uma noção única de verdade e o papel das formas tradicionais de conhecimento e definição para rastrear os efeitos da diferença: variações abertas que abarcam transformações, mudanças e reavaliações de sentidos. O autor destaca que o pós-estruturalismo “pode ajudar em lutas contra a discriminação em termos de sexo ou gênero, contra inclusões e exclusões com base em raça, experiências prévias, background, classe ou riqueza” (Williams, 2013: 17WILLIAMS, James. 2013. Pós-estruturalismo. 2ª ed. Petrópolis: Editora Vozes. Pp. 256).

Desse modo, minha aposta é pensar os efeitos de realidade produzidos pela linguagem na constituição dos sentidos socialmente atribuídos à masculinidade, uma abordagem político-epistêmica que responda às complexidades das relações e demandas contemporâneas que emergem no contexto do esporte entre homens. As teorizações de Jacques Derrida e Judith Butler acerca dos processos de significação e identificação permitem-me construir princípios e operadores de pesquisa localizados numa perspectiva da diferença para a discussão proposta.

A leitura desconstrutora10 10 O pensamento da desconstrução, para Derrida (1991), busca contestar os binarismos por meio de um duplo gesto, que ocorre em dois movimentos da atividade desconstrutiva: a inversão e o deslocamento. No primeiro momento, a inversão vai buscar colocar em destaque o que foi reprimido, marginalizado, para no movimento de deslocamento; o segundo e importante momento, ir além das dicotomias, rompendo com qualquer nova hierarquização. Tal pensamento foi bastante apropriado por teóricas feministas pós-estruturalistas para contestar a fixidez da diferença sexual na oposição binária masculino/feminino. da teoria dos atos de fala do filósofo John Austin, realizada por Derrida (1991DERRIDA, Jacques. 1991. Limited inc. Campinas: Papirus. Pp. 212.), e a leitura de Austin e Derrida por Butler (2009BUTLER, Judith. 2009. Lenguaje, poder e identidad. Madrid: Editorial Síntesis. Pp. 272.; 2019aBUTLER, Judith. 2019a. Corpos que importam: os limites discursivos do “sexo”. São Paulo: N-1. Pp. 400.) definem a teorização da performatividade da linguagem, que diz respeito à capacidade das enunciações linguísticas de produzir efeitos de realidade e assim participar das construções de sentidos sociais em circulação na sociedade. Nas palavras de Butler (2019a: 372)BUTLER, Judith. 2019a. Corpos que importam: os limites discursivos do “sexo”. São Paulo: N-1. Pp. 400., “a maioria das falas performativas, por exemplo, consiste em enunciados que, ao serem proferidos, também realizam uma determinada ação e exercem um poder de conexão”. Todavia, cabe registrar que a linguagem performativa é configurada por meio da iteração de sentidos (Derrida, 1991DERRIDA, Jacques. 1991. Limited inc. Campinas: Papirus. Pp. 212.; Butler, 2009BUTLER, Judith. 2009. Lenguaje, poder e identidad. Madrid: Editorial Síntesis. Pp. 272.), isto é, da repetição que, contingencialmente, não se processa em plenitude. Ainda que haja esforço de estabilizar os sentidos proferidos pela linguagem, por meio dessa repetição, a alteridade, os jogos de poder e as contingências de nossas múltiplas experiências ressignificam os espaços-tempos dessa repetição: “a grafia da iterabilidade inscreve de modo irredutível a alteração na repetição (ou na identificação) (Derrida, 1991: 89DERRIDA, Jacques. 1991. Limited inc. Campinas: Papirus. Pp. 212.). Assim, a iterabilidade pode incluir deslocamentos de maior ou menor relevância política, a depender das disputas por significações e identificações presentes sobre os enunciados.

É por essa articulação epistemológica que Butler (2019bBUTLER, Judith. 2019b. “Atos performáticos e a formação dos gêneros: um ensaio sobre fenomenologia e teoria feminista”. In: HOLLANDA, Heloísa Buarque de (ed.). Pensamento feminista: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, pp. 213- 230. ) entende o gênero como performativo, ou seja, o gênero não é uma identidade estável que fixa sentidos do masculino e do feminino, mas uma identidade tenuamente constituída no tempo por meio da repetição estilizada de falas, atos e gestos, que, embora instituídos por uma matriz heterossexual e pela coerência sexo-gênero-desejo, mostra-se um processo contingente. Nesse sentido, a estilização do corpo é atravessada por gestos corporais, ações e movimentos variados que formam a ilusão de um eu generificado e estável, isto é, nada mais do que uma identidade construída por atos descontínuos em que os próprios sujeitos que a executam acreditam nesse modelo essencial como ilusão convincente e objeto de crença. Nas palavras de Butler (2019b: 214)BUTLER, Judith. 2019b. “Atos performáticos e a formação dos gêneros: um ensaio sobre fenomenologia e teoria feminista”. In: HOLLANDA, Heloísa Buarque de (ed.). Pensamento feminista: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, pp. 213- 230. , a “transformação dos gêneros está na relação arbitrária desses atos, na possibilidade de um padrão diferente de repetição, na quebra ou subversão da repetição do estilo mobilizado”.

Pensar a categoria masculinidade por essa perspectiva significa reconhecer os inumeráveis11 11 Jacques Derrida, em entrevista à feminista Christie V. McDonald, enuncia o sonho dos inumeráveis sexos como um desejo de desestabilizar a oposição binária masculino/feminino e sentidos que vão além da hetero/homo/bissexualidade (Grenha; Rodrigues, 2020). e disputados processos de identificação do masculino performatizados nos diversos contextos sociais - e que incluem o campo do esporte. Tal perspectiva contesta qualquer naturalização da identidade, pois os processos de repetição/deslocamento de sentidos participam das disputas por significações relativas às masculinidades, possibilitando assim uma leitura mais complexa desse fenômeno. Apostar em performatizações da masculinidade como interpretação dos sentidos do masculino no social, em particular no campo do esporte, significa assumir um movimento contínuo de adiamento de alguma estabilização definitiva dos processos de identificação das masculinidades na contemporaneidade.

Com base nessas teorizações, proponho dois operadores de pesquisa para leitura e interpretação das narrativas produzidas com jovens atletas de voleibol: masculinidade normalizadora e masculinidade cuir. Tais operadores de pesquisa não são conceitos - pelo menos no seu sentido mais tradicional da pesquisa acadêmica -, muito menos um formato de identidade masculina como possibilidade de enquadramento dos sujeitos no contexto de pesquisa, o que seria contraditório a todo conteúdo que defendi até aqui neste artigo. A fundamentação teórico-política dos dois operadores de pesquisa constitui-se por convites a problematizações, desejos e resistências e jamais por sentidos fixos e estáveis.

A masculinidade normalizadora nomeia as enunciações do “ser homem” que, em espaços-tempos diversos, afirmam, ainda que de forma precária e contingente, os parâmetros de normalidade dessa identificação, isto é, estabilizações provisórias do masculino que se significam como normalizadoras em dados contextos da ordem social. Assim, a masculinidade normalizadora não se define por características do masculino prévias à indagação contingente quanto às disputas travadas pelo estabelecimento do que é normalizado para a masculinidade em quadros específicos; significa-se pela perspectiva performativa do gênero, ressaltando - mas também relativizando - a força das enunciações cotidianas e locais do que é autorizado, do que é reprimido, do que é normal e anormal nas performatizações da masculinidade.

Cabe destacar, nessa discussão, as distâncias epistemológicas do operador de pesquisa masculinidade normalizadora para a teorização da masculinidade hegemônica. Como já anunciado, a opção deste artigo é pelo diálogo com as perspectivas pós-estruturalistas, reconhecendo sua potencialidade para pensar a infinitude de sentidos para as masculinidades, afastando-se de proposições estruturalistas que marcam a teorização da masculinidade hegemônica (Brito; Leite, 2017LEITE, Miriam Soares. 2017. “Ativismo político e juventude: catracas na escola e na cidade para os jovens mais jovens”. Revista da FAEEBA. Vol. 26, n. 49, pp. 169-185.; Brito, 2021aBRITO, Leandro Teofilo de. 2021a. “Da masculinidade hegemônica à masculinidade queer/cuir/kuir: disputas no esporte”. Revista Estudos Feministas. Vol. 29, n. 2, e79307. ; Brito, 2021bBRITO, Leandro Teofilo de. 2021b. “Por uma perspectiva pós-fundacional para os estudos sobre homens e masculinidades na Educação Física”. In: DEVIDE, Fabiano Pries; BRITO, Leandro Teofilo de. (eds.). Estudos das masculinidades na Educação Física e no Esporte. São Paulo: Nversos. Pp. 256.).

A masculinidade cuir12 12 Cuir é a tradução do termo queer na produção acadêmica da América Latina, que busca abarcar na crítica à cisheteronormatividade suas demandas locais e específicas, sobretudo relacionadas às intersecções de classe, raça, etnia e nacionalidade (Brito, 2021a). diz respeito a um horizonte político radicalmente favorável à afirmação da diferença para os sentidos do masculino. Entende-se como perspectiva queer/cuir um movimento político-epistêmico amplo - que abarca o ativismo, os estudos acadêmicos, as artes, entre outras instâncias - que radicaliza suas críticas às normas do sexo, do gênero e do desejo (Butler, 2009BUTLER, Judith. 2009. Lenguaje, poder e identidad. Madrid: Editorial Síntesis. Pp. 272.; Butler, 2019aBUTLER, Judith. 2019a. Corpos que importam: os limites discursivos do “sexo”. São Paulo: N-1. Pp. 400.). Sua crítica central se direciona à cisheteronormatividade, um dispositivo regulatório que busca enquadrar os sujeitos na vivência única da heterossexualidade como orientação sexual e na imposição do enquadramento ao binarismo de gênero, que é arbitrado socialmente desde o momento do nascimento. Como campo de estudos acadêmicos, faz-se valer de proposições das perspectivas pós-estruturalistas, sobretudo por autores/as como Jacques Derrida e Judith Butler, conforme as teorizações apresentadas neste artigo. Minha aposta para traduzir a categoria masculinidade pelas perspectivas pós-estruturalistas

É pensar numa perspectiva que reconheça significações do masculino para além do essencialismo binário, heterossexual, cisgênero, racializado e classista, materializando essa performatização em corpos de sujeitos que se identificam como homens cis, trans, não binários, pretos, pardos, deficientes, de diferentes classes sociais, regionalidades, entre outras incalculáveis identificações. É reconhecer as contingências, a precariedade, a imprevisibilidade e a instabilidade com que a masculinidade é significada e materializada na contemporaneidade (Brito, 2021aBRITO, Leandro Teofilo de. 2021a. “Da masculinidade hegemônica à masculinidade queer/cuir/kuir: disputas no esporte”. Revista Estudos Feministas. Vol. 29, n. 2, e79307. : e79307).

Nesse sentido, a masculinidade cuir é um horizonte, um devir, um desejo que se direciona para o reconhecimento infinito dos sentidos das masculinidades ao mirar na sua desestabilização radical, contínua e permanente. É a busca constante e interminável por um horizonte alteritário que, sem previsão de chegada, aposta na ruptura radical das tentativas de sedimentação da identidade masculina na ordem social. Esse movimento contínuo de adiamento das estabilizações definitivas dos sentidos da masculinidade é assumido em torno da noção de différance, neologismo intraduzível proposto por Jacques Derrida para apontar um deslocamento permanente das significações e identificações em geral: “a différance não é uma distinção, uma essência ou uma oposição, mas um movimento de espaçamento, [...] uma referência à alteridade, a uma heterogeneidade que não é primordialmente oposicional” (Derrida; Roudinesco, 2004: 34DERRIDA, Jacques; ROUDINESCO, Elisabeth. 2004. De que amanhã... diálogo. Rio de Janeiro: Zahar. Pp. 240.). Como bem destaca Rodrigues (2018RODRIGUES, Carla. 2018. “Para pensar a différance como um operador não metodológico na filosofia de Jacques Derrida”. In: SIQUEIRA, Isabel Rocha de; MAGALHÃES, Bruno; CASTELO-BRANCO, Tatiana; GRANDA, Sebastián (Orgs.). Metodologias e relações internacionais: debates contemporâneos. Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio, pp. 53-67. Pp. 134., p. 54), “foi com a différance que teorias feministas empreenderam o questionamento à identidade; as teorias queers operaram a crítica ao conceito de gênero”.

Com os operadores de pesquisa propostos, operacionalizei a produção de narrativas com jovens atletas de voleibol para discutir os processos de identificação e significação das masculinidades performatizados no contexto desse esporte. A produção de narrativas e os caminhos para a problematização de seus registros serão apresentados na sequência.

Produzindo narrativas

Para a produção de narrativas, busquei interlocução com autores/as localizados/as nos estudos pós-estruturalistas para operacionalizar entrevistas numa perspectiva de não hierarquização entre pesquisador/a e sujeitos, de não essencialização da experiência, além da produtividade do diálogo na geração dos relatos.

Considerando as narrativas como uma das múltiplas formas que integram o espaço biográfico, a cientista social argentina Leonor Arfuch concebe a entrevista como uma forma de produção do narrar que ocupa uma posição predominante nas pesquisas em ciências humanas e sociais. Em sua perspectiva, a autora defende a produtividade na geração de narrativas por “uma teoria do sujeito que considere seu caráter não essencial, seu posicionamento contingente e móvel nas diversas tramas em que sua voz se torna significante” (Arfuch, 2010: 31-32ARFUCH, Leonor. 2010. O espaço biográfico: dilemas da subjetividade contemporânea. Rio de Janeiro: Ed. UERJ. Pp. 370.). Por esse sentido, Arfuch (2010)ARFUCH, Leonor. 2010. O espaço biográfico: dilemas da subjetividade contemporânea. Rio de Janeiro: Ed. UERJ. Pp. 370. se baseia na tradição antirrepresentacionista de Wittgenstein, Austin e Benveniste ao enfatizar o caráter criador, transformador e as implicações da linguagem; “assim, nesse entrecruzamento de perspectivas, a narração de uma vida, longe de vir a ‘representar’ algo já existente, impõe sua forma (e seu sentido) à vida mesma” (Arfuch, 2010: 33ARFUCH, Leonor. 2010. O espaço biográfico: dilemas da subjetividade contemporânea. Rio de Janeiro: Ed. UERJ. Pp. 370.).

Nessa perspectiva, uma fonte imediata de verdade advinda das vozes autorizadas dos sujeitos e o caráter naturalizado da experiência nas narrativas biográficas e autobiográficas são colocados em discussão. Conforme a teórica feminista Joan Scott, quando a experiência é tomada como origem do conhecimento, a visão dos sujeitos - seja da pessoa que viveu a experiência, seja a da que narra - torna-se verdade apriorística, remetendo a um entendimento essencialista da identidade que opera invisibilizando formas de como a diferença é estabelecida, como e de que maneira esta informa e constitui os sujeitos em suas posições assumidas no mundo (Scott, 1998SCOTT, Joan. 1998. “A invisibilidade da experiência”. Projeto História. Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados de História. Vol. 16, pp. 297-325.).

Desse modo, Scott (1998SCOTT, Joan. 1998. “A invisibilidade da experiência”. Projeto História. Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados de História. Vol. 16, pp. 297-325.: 304) propõe que, ao tornar visível a experiência de um grupo, por meio de seus relatos vivenciais, coloque-se em evidência os processos históricos que, constituídos pelo discurso, posicionam sujeitos na construção crítica de sua experiência, já que: “Não são indivíduos que têm experiência, mas sim sujeitos que são constituídos pela experiência”. A autora tensiona o caráter incontestável da experiência descrita em textos históricos de narrativas, permitindo reflexões sobre a desconstrução de posições essencializadas e predeterminadas pela identidade, recorrentemente assumidas pelos sujeitos nas pesquisas. Dialogando com Arfuch (2010ARFUCH, Leonor. 2010. O espaço biográfico: dilemas da subjetividade contemporânea. Rio de Janeiro: Ed. UERJ. Pp. 370.: 274), reconhece-se que, na produção de narrativas, o pesquisador deve considerar “a particularidade da experiência e a impressão do coletivo, entre marcas de uma tradição e posições cambiantes de sujeito”, princípio central e que considerei para a produção dos relatos dos jovens atletas de voleibol.

Outro ponto importante destacado por Arfuch (2010ARFUCH, Leonor. 2010. O espaço biográfico: dilemas da subjetividade contemporânea. Rio de Janeiro: Ed. UERJ. Pp. 370.: 239) diz respeito ao processo dialógico desenvolvido entre pesquisador e sujeitos nas entrevistas como forma de desestabilização da relação hierárquica entre eles nas pesquisas: “a forma dialógica é essencial, tanto para o contato e a configuração mesma do ‘campo’ [...] quanto para a produção interlocutiva desses relatos, segundo objetivos particulares”. A entrevista, para a autora, dá-se na interação com o outro, em relação dialógica e alteritária, que permite reconhecer o encontro entre pesquisador e sujeitos entrevistados como um processo no qual o diálogo é uma forma criativa e produtiva do eu se aproximar com suas palavras às palavras do outro.

Foram produzidas narrativas com 20 jovens atletas das categorias de base de clubes localizados na cidade do Rio de Janeiro entre os meses de outubro e dezembro de 201613 13 A pesquisa foi autorizada pelo CEP/CONEP da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) pelo número 1.774.702. . O contato com esses sujeitos foi feito por meio de indicação de pessoas ligadas ao voleibol que direcionaram jovens atletas que se identificavam como homens homossexuais e bissexuais - interesse central da pesquisa. Esse contato foi fundamentado pelo que se nomeia como convergência rizomática (Stehlik, 2004STEHLIK, Daniela. 2004. “From ‘Snowball’ to ‘Rhizome’: a rethinking of method”. Rural Society. Vol. 14, n. 1, pp. 36-45.), isto é, uma proposta de localização de sujeitos para as pesquisas por meio de contatos que toma como base a teorização do rizoma, desenvolvida pelos filósofos franceses Gilles Deleuze e Félix Guattari. Certas características aproximadas do rizoma foram acopladas aos princípios dessa abordagem de pesquisa, “que também utilizaram como metáfora para enquadrar visões alternativas de poder e ideologia. Estes incluem: conexão, heterogeneidade, multiplicidade, ruptura e cartografia” (Stehlik, 2004: 40BUTLER, Judith. 2009. Lenguaje, poder e identidad. Madrid: Editorial Síntesis. Pp. 272.). Tal abordagem permite conexões em rizomas de qualquer um dos pontos em que estejam localizados, possibilitando “multiplicidades, conexões, heterogeneidade e construção de alianças” (Stehlik, 2004: 42BUTLER, Judith. 2009. Lenguaje, poder e identidad. Madrid: Editorial Síntesis. Pp. 272.). As indicações na abordagem da convergência rizomática assinalaram um processo de pesquisa compartilhado, vivo e dinâmico. Neste artigo, dados os limites de ampliação das discussões, problematizo narrativas de dois jovens atletas.

Para organizar e interpretar os textos produzidos pela geração das narrativas, baseio-me na proposta de contextos de iteração (Leite, 2017LEITE, Miriam Soares. 2017. “Ativismo político e juventude: catracas na escola e na cidade para os jovens mais jovens”. Revista da FAEEBA. Vol. 26, n. 49, pp. 169-185.). Retomo a noção de iterabilidade, conforme discussão desenvolvida por Derrida (1991DERRIDA, Jacques. 1991. Limited inc. Campinas: Papirus. Pp. 212.) e Butler (2009BUTLER, Judith. 2009. Lenguaje, poder e identidad. Madrid: Editorial Síntesis. Pp. 272.) que nomeia a repetição/deslocamento de sentidos na ausência de um referente, de um significado determinado ou da intenção da significação, além da abertura e da instabilidade dos contextos em geral, pois, concordando com Derrida (1991: 13)BRITO, Leandro Teofilo de; LEITE, Miriam Soares. 2017. “Sobre masculinidades na Educação Física escolar: questões teóricas, horizontes políticos”. Praxis Educativa. Vol. 12, n. 2, pp. 481-500., “um contexto nunca é absolutamente determinável ou, antes, em que sua determinação nunca está assegurada ou saturada”.

Assim, o diálogo entre pesquisador e sujeitos para a produção das narrativas constitui um contexto de dialogia que não se esgota no espaço-tempo desse encontro, trazendo notícias da ordem social mais ampla em que se insere. Em acordo com Leite (2017LEITE, Miriam Soares. 2017. “Ativismo político e juventude: catracas na escola e na cidade para os jovens mais jovens”. Revista da FAEEBA. Vol. 26, n. 49, pp. 169-185.), subdividi tal contexto em focalizações parciais, definidas conforme se identificaram iterações de interesse para a pesquisa. Na produção das narrativas com os jovens atletas, registraram-se iterações de sentidos que repetiram/deslocaram significações que - provisoriamente - estabilizaram-se na narrativa, pois, como afirma Derrida (1991DERRIDA, Jacques. 1991. Limited inc. Campinas: Papirus. Pp. 212.: 198), “essa estabilização é relativa, mesmo que às vezes tão grande, que pareça imutável ou permanente”.

Tais iterações foram lidas na unidade de cada narrativa, buscando dessa forma identificar o contexto - aberto e instável - mais imediato das enunciações, ou seja, o conteúdo dialogado que se desenvolvia nas entrevistas. Assim, arbitrei o agrupamento desses contextos baseando-me no que propõe Leite (2017LEITE, Miriam Soares. 2017. “Ativismo político e juventude: catracas na escola e na cidade para os jovens mais jovens”. Revista da FAEEBA. Vol. 26, n. 49, pp. 169-185.: 175) ao considerar “a dupla determinação que deriva das indagações colocadas pela pesquisa e da abertura aos descaminhos da enunciação contingente”. Nesse sentido, para definir os contextos de iteração a serem problematizados, consideram-se os objetivos propostos para a pesquisa, o processo de repetições/deslocamentos presentes no diálogo relativo às identificações e significações dos jovens atletas com o contexto do voleibol e a problematização dos potenciais efeitos performativos que se supõem presentes nesses enunciados. Neste artigo, o contexto de iteração que será discutido na sequência foi nomeado como precarização, agência e resistência.

Precarização, agência e resistência

O primeiro relato é de um jovem atleta que se nomeia como Goncha; entre suas identificações, ele se reconhecia como homossexual, branco, tinha 18 anos de idade e jogava voleibol por um clube amador e por um colégio, onde também cursava o terceiro ano do ensino médio. Segue o trecho:

Leandro: Eu soube pelo XXXXX14 14 Nome dos treinadores e dos locais onde os jovens atuam como jogadores foram suprimidos nos excertos das narrativas, por questões éticas. (técnico da equipe) que você é um dos jogadores daqui mais talentosos daqui do clube. Você pretende seguir em frente no esporte?

Goncha: Então, eu já te falei da outra vez que você veio... pra gente seguir em frente no esporte tem que se prender, ficar durinho em quadra... se desafeminar.

Leandro: Tipo... você diz manter uma postura masculinizada?

Goncha: Isso... isso mesmo

Leandro: Você saiu do XXXXXXX (nome do clube) por isso? Não foi por lesão?

Leandro: Também lesão, mas eu vou te falar a verdade... sofri muitos preconceitos lá... começou na categoria infantil, que eu era muito novo. Mas meu técnico do infanto não falava que ele não me aceitava... ele não me botava pros jogos, pra jogar, e sendo que eu era um dos melhores jogadores da categoria, todos falavam, os técnicos dos outros clubes, os técnicos das outras categorias... eu fui premiado como melhor líbero do infantil no Carioca, pra você ter uma ideia... daí logo em seguida eu me lesionei, então foi aí que eu resolvi parar de vez com a Federação, ai foi quando eu saí. Mas eu não fui cortado nem nada, saí mesmo por causa das lesões e não tive mais vontade e força de voltar... eu não quis voltar.

Leandro: Você jogou por lá as categorias mirim, infantil e infanto?

Goncha: Eu cheguei a pegar lá o pré-mirim também.

Leandro: Mas por que você não quis voltar?

Goncha: Então... todo mundo falava, ele (o técnico) falava mal de mim pra outros atletas, que eu era afeminado, que não podia me expor nos jogos porque todo mundo ia rir de mim, que eu era a vergonha do clube... disse que eu era um jogador com futuro, mas fui crescendo, crescendo e me tornando mais afeminado... o que diminuía minhas chances lá dentro. As pessoas falam “deixa a pinta pra fora da quadra” (risos). Realmente... hoje eu pinto cabelo de loiro e minhas fotos no Facebook são com maquiagem, tipo meio lá e meio cá, assim... mas o importante seria eu jogar e não como me comporto... concorda comigo?

Leandro: Concordo, claro. Hoje você joga aqui só?

Goncha: Jogo aqui e no Colégio XXXXXXX (nome do colégio), que é lá na Tijuca.

Pressionado a normalizar sua masculinidade desde a categoria infantil, passando pela infanto-juvenil, quando, devido a uma lesão, precisou interromper os treinos e participações nas competições, Goncha não aceitou permanecer no ambiente segregador do clube da federação carioca onde jogou anteriormente. Segundo seu relato, mesmo sendo premiado como melhor jogador da posição de líbero no Campeonato Carioca Infantil, seu ex-treinador da categoria posterior, a infanto-juvenil, parece ter fomentado um boicote, colocando-o no banco de reservas e não lhe dando oportunidade de jogar durante a temporada. A narrativa mostrou como seu ex-treinador o apreendia15 15 O termo apreensão tem o seu sentido de forma menos precisa que reconhecimento, “já que pode implicar marcar, registrar ou reconhecer sem pleno conhecimento” (Butler, 2015: 18). Apreender uma vida precária, para Judith Butler, implica marcar tanto a potencialização da violência como a vulnerabilidade dos corpos em condições precárias maximizadas. como um corpo precário, dada a performatização de sua masculinidade ser dissidente16 16 A palavra dissidência dialoga com as reflexões de San Martin (2011) e Colling (2015), que a aproximam de uma perspectiva da diferença em contraponto à diversidade pela crítica ao seu sentido de tolerância. Desse modo, os autores defendem a articulação do que entendem como “dissidência” a uma perspectiva pós-identitária, pois mobilizam um posicionamento crítico à normalização, indo ao encontro de uma política da diferença. à norma. Butler (2015BUTLER, Judith. 2015. Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. Pp. 288.; 2018BUTLER, Judith. 2018. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa de assembleia. Civilização Brasileira: Rio de Janeiro. Pp. 266.; 2019cBUTLER, Judith. 2019c. Vidas precárias: os poderes do luto e da violência. Belo Horizonte: Autêntica editora . Pp. 192.) nomeou como vidas precárias uma certa condição humana - universal, pois todas as vidas são precárias - em que há formas de distribuição da vulnerabilidade nas quais algumas pessoas se encontram mais expostas que outras, estando assim enquadradas em maior ou menor condição de precariedade. Para a teórica feminista, vidas são precárias por definição; essa é uma característica de todas as vidas, o que implica que a condição precária é universal e insuperável, marca de todo corpo vivente exposto à morte. A precariedade tem como sentido formas de vida mais ou menos precárias conforme o acesso a bens, serviços, recursos e políticas públicas, segundo marcadores corporais que promovem maior ou menor precariedade em vidas vivíveis (Butler, 2015BUTLER, Judith. 2015. Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. Pp. 288.). A precariedade, segundo essas reflexões, pode vir a ser superada, diferentemente da condição precária. Nesse sentido, as formas diferenciais de distribuição da vulnerabilidade implicam a violência arbitrária, direcionada a certos corpos que são socialmente regulados e sujeitos a condições sociais e políticas normativas, fato que afeta a maximização da condição precária.

Desse modo, conforme Butler (2015)BUTLER, Judith. 2015. Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. Pp. 288., a condição de precariedade de uma vida perpassa o que nomeia “uma nova ontologia corporal”. Para a teórica feminista, o termo ontologia, em seu sentido filosófico mais clássico, não pode ser destituído de qualquer instância social e política, pois, ao pensar em uma ontologia do corpo, deve-se repensar o ser pela precariedade, vulnerabilidade, dor e desejo, entre outras possibilidades imbricadas ao pertencimento social. O corpo, lido por essa ontologia, está exposto às normas que estão postas com o propósito de maximizar a condição de precariedade para algumas pessoas e minimizar para outras.

Não é possível definir primeiro a ontologia do corpo e depois as significações sociais que o corpo assume. Antes, ser um corpo é estar exposto a uma modelagem e uma forma social, e isso é o que faz da ontologia do corpo uma ontologia social. Em outras palavras, o corpo está exposto a forças articuladas social e politicamente (Butler, 2015: 15-16BUTLER, Judith. 2015. Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. Pp. 288.).

Ao trazer o corpo para o debate, Butler (2018)BUTLER, Judith. 2018. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa de assembleia. Civilização Brasileira: Rio de Janeiro. Pp. 266. defende a articulação das noções de precariedade e performatividade de gênero. Para a teórica feminista, a construção epistemológica da performatividade também buscou assegurar que as vidas de minorias sexuais pudessem se tornar mais vivíveis e possíveis, para que corpos não conformes às normas, assim como os corpos que a elas se conformam - dentro de um alto custo - pudessem respirar e se mover em espaços públicos e privados mais livres das pressões regulatórias. A autora ressalta que a teoria da performatividade nunca prescreveu quais performances de gênero seriam as corretas ou quais seriam as dissidentes, apenas buscou denunciar a arbitrariedade das normas, com o propósito de os sujeitos, sobretudo dissidentes, viverem uma vida mais vivível: “sabemos que aqueles que não vivem seu gênero de modos inteligíveis estão expostos a um risco mais elevado de assédio, patologização e violência” (Butler, 2018: 41BUTLER, Judith. 2018. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa de assembleia. Civilização Brasileira: Rio de Janeiro. Pp. 266.).

Corpos passíveis a situações de violência e vulnerabilidade são, além de precários, apreendidos como corpos abjetos. A abjeção, discutida por Judith Butler em sua leitura de Julia Kristeva, é entendida como aquilo que foi expelido do corpo, descartado como excremento ou elemento estranho, algo que é considerado, de fato, o outro (Butler, 2019aBUTLER, Judith. 2019a. Corpos que importam: os limites discursivos do “sexo”. São Paulo: N-1. Pp. 400.). A noção de abjeção destaca o caráter de exclusão e repulsa; nesse contexto, identificações de gênero e sexualidade tidas como ininteligíveis e dissidentes facilmente estão relacionadas à abjeção, conforme Goncha é enquadrado em sua narrativa.

O abjeto designa aqui precisamente aquelas zonas “não vivíveis” e “inabitáveis” da vida social que, não obstante, são densamente povoadas por aqueles que não alcançam o estatuto de sujeito, mas cujo viver sob o signo do “inabitável” é necessário para circunscrever o domínio do sujeito (Butler, 2019a: 18BUTLER, Judith. 2019a. Corpos que importam: os limites discursivos do “sexo”. São Paulo: N-1. Pp. 400.).

Embora aprendido como um corpo abjeto e em condição precária maximizada no espaço do ex-clube, Goncha não abandonou o esporte e optou por continuar jogando voleibol pela escola e pelo clube amador, mantendo posição de resistência ao performatizar seu gênero de modo não normalizador no que diz respeito à masculinidade: “hoje eu pinto cabelo de loiro e minhas fotos no Facebook são com maquiagem, tipo meio lá e meio cá, assim... mas o importante seria eu jogar e não como me comporto... concorda comigo?”. A afirmação do jovem atleta negocia a desidentificação em suas performatizações de gênero como forma de resistência ao ambiente de exclusão do esporte. Assim, Goncha enuncia significações muito próximas dos princípios da masculinidade cuir, pois não se sujeita ao enquadramento arbitrário numa masculinidade normalizadora e estabiliza no contexto narrado seu gênero numa instabilidade radical de sentidos entre masculino e feminino. Cabe registrar, conforme as teorizações de Jacques Derrida e Judith Butler, que essa estabilização da identificação é sempre significada como provisória e jamais permanente.

A narrativa de Goncha também sugere a seguinte leitura: a articulação dos marcadores de gênero e orientação sexual, mais precisamente da identificação da homossexualidade, é afetada pela performatização da masculinidade dissidente. Ou seja, o que de fato parecia incomodar o treinador do jovem atleta e o apreendia como um sujeito precário e abjeto era o feminino presente na corporalidade de Goncha. Questiono: se Goncha performatizasse sua masculinidade próxima à norma, seria tão marginalizado e a sua identificação como homossexual seria do mesmo modo estigmatizada naquele espaço? Outro ponto importante de análise é reconhecer que a resistência do jovem atleta aos processos segregatórios que viveu no clube enuncia possibilidades de agência ao reafirmar sua performatização de masculinidade dissidente e o desejo de continuar se desenvolvendo como atleta de voleibol.

A noção de agência para Judith Butler centra-se na linguagem, entendida como capacidade de ação que, por repetições/deslocamentos de sentidos, encontra na sujeição e na subordinação formas de ressignificação que reiteram as dinâmicas das relações de poder, produzindo assim novos efeitos de realidade (Butler, 2009). Desse modo, a resistência à precarização perpassa possibilidades de agência na busca por inteligibilidade e reconhecimento, o que faz do poder da agência uma resistência política potente em relação às experiências vividas pelo jovem atleta no esporte.

A próxima narrativa é do jovem atleta nomeado como Patch: ele se reconhecia como homossexual, auto identificado na cor parda, tinha 18 anos de idade e era atleta de um clube da Federação Carioca. As enunciações de Patch são bem próximas das de Goncha:

Leandro: Como é a questão da sua orientação sexual no espaço do vôlei?

Patch: Então... depende. Porque tem uns clubes que são mais liberados, ou seja, os atletas são e pronto... em outros rola um certo controle, entende?

Leandro: Controle sobre a orientação sexual?

Patch: Não é nem sobre a orientação sexual... com quem você vai pra cama é problema seu, o problema é na “pinta”, ser uma “poc”, entendeu? (risos)

Leandro: (risos) Hum... entendi. Quando você fala “poc” é sobre ser afeminado, é isso?

Patch: Isso... (risos), você entendeu! Eu senti isso na pele quando eu me federei... já tinham me avisado pra tomar cuidado, já tinham falado tipo “Não pode desmunhecar”, “Você tem que se mostrar homem até o último instante”, mas só vivendo na pele que você tem a noção de como é a coisa. O que eu fazia na escolinha, no projeto social era uma coisa... eu me sentia em casa. Agora, no clube de federação, era uma coisa muito mais brusca. Você tem que ser totalmente duro, tipo másculo, tá ligado?

Leandro: Sim, entendi... me dá um exemplo de alguma coisa que você vivenciou sobre isso?

Patch: Pô... tenho muitas histórias. Se deixar fico falando aqui contigo até amanhã...

Leandro: É mesmo?

Patch: Pedido de tempo, a gente perdendo, o técnico vira pra mim e pra outros dois colegas que também eram gays e fala que quer ver homem em quadra e não duas gazelas. A diferença de bronca, de esporro pra quem era gay e pra quem era hétero é muito diferente... uma outra vez ele disse que não queria namoro e pegação dentro do time e olhava pra gente... ele na verdade achava que rolava alguma coisa entre os meninos que eram gays, tipo que tinha algum casal de namorados... mas não tinha, a gente era só amigo mesmo. Não é porque tem um grupo de homossexuais que sempre um vai querer pegar o outro, não é porque somos gays que somos promíscuos... isso é preconceito, tá ligado? A gente está lá pra jogar e não pra pegação...

Leandro: Rolava homofobia meio silenciada... o que você acha?

Patch: Homofobia descarada, né... só que a gente joga... se tirar da equipe os quatro atletas gays que tem, eles não ganham mais nada...

O jovem atleta de nome Patch, assim como ocorreu nas enunciações de Goncha, aponta a potencialização das opressões a sujeitos que não se identificam como heterossexuais no contexto do voleibol de base, destacando também a articulação do gênero à orientação sexual nesse processo segregatório. Conforme seu relato, as regulações impostas pelo clube tinham como objetivo normalizar sua performatização de masculinidade, também tida como precária e abjeta pela aproximação com um suposto feminino e, assim, invisibilizar a identificação do jovem atleta como homossexual no contexto do voleibol.

O termo “afeminofobia”, discutido pela teórica feminista Eve Sedgwick, mostrou-se produtivo para a leitura dos relatos de Pacht e de Goncha, pois levanta a questão do distanciamento e da repulsa do feminino entre homens (Sedgwick, 1991SEDGWICK, Eve. 1991. “How to bring your kids up gay”. Social Text, n. 29, pp. 18-27.). A autora afirmou que a patologização da homossexualidade definiu, durante anos, a imagem do menino e do jovem afeminado como uma posição marginal e desonrosa, o que não foi desmistificado por parte de importantes parcelas do movimento gay estadunidense. Sedgwick (1991)SEDGWICK, Eve. 1991. “How to bring your kids up gay”. Social Text, n. 29, pp. 18-27. afirmou também que havia na focalização da homossexualidade como doença a aproximação muito forte com a transgeneridade, o que levou à luta pela dissociação dessa identificação como forma de favorecer sua exclusão da lista de transtornos mentais. Nonato (2020NONATO, Murillo. 2020. Vivências afeminadas: pensando corpos, gêneros e sexualidades dissidentes. Salvador: Editora Devires. Pp. 152.) também destacou que formas de afeminação, somática e cosmética, foram utilizadas como critérios de profissionais de saúde mental para o diagnóstico da disforia de gênero, tais como características que são consideradas femininas e/ou não masculinas. Os meninos tidos como afeminados, para esses profissionais, seriam aqueles classificados como sujeitos patológicos, pois seus corpos “de acordo com a visão desses profissionais, são como falhas na identificação de gênero do sujeito que precisam ser normalizadas” (Nonato, 2020: 55NONATO, Murillo. 2020. Vivências afeminadas: pensando corpos, gêneros e sexualidades dissidentes. Salvador: Editora Devires. Pp. 152.), tal como relatado nas narrativas dos dois jovens atletas em seus clubes de voleibol.

Em outro trecho da narrativa, Patch relata que ouviu do treinador de sua equipe, estando na presença de outros três atletas homossexuais, que ele não queria namoro e pegação dentro da equipe de voleibol e categoricamente se colocou contrário a tal posição na conversa: “Não é porque tem um grupo de homossexuais que sempre vai rolar namoro, pegação... isso é preconceito, tá ligado? A gente está lá pra jogar e não pra pegação”. Posições conservadoras costumam associar a orientação homossexual à promiscuidade, o que faz com que o treinador de Patch, em uma postura discriminatória e até mesmo autoritária com o jovem atleta e seus companheiros de equipe também gays, acredite na ocorrência de um relacionamento amoroso e sexual entre eles. Será que se fosse um espaço esportivo em que homens e mulheres interagissem a proibição de namoro seria exigida pelo treinador? A enunciação “pegação”, dita pelo treinador com objetivo de reprimir o presumido relacionamento entre os jovens gays se aplicaria também a casais heterossexuais? Tais posições enquadram sujeitos não heterossexuais numa estigmatização associada à vivência da sexualidade como algo devasso, depravado e vergonhoso.

O movimento recente de normalização de pessoas não heterossexuais, segundo Miskolci (2007MISKOLCI, Richard. 2007. “Pânicos morais e controle social: reflexões sobre o casamento gay”. Cadernos Pagu. Vol. 28, pp. 101-128.), pautou-se na luta por dissolver discursos enraizados na sociedade, como o da promiscuidade e da pedofilia, recorrentemente associados à homossexualidade; é uma espécie de pânico moral que trouxe estigmas fortes, em especial aos gays, instituído reiteradamente por grupos conservadores até os dias de hoje. Como ressalta o autor: “Infelizmente, faz parte do imaginário da sociedade a crença de que esses indivíduos são pura sexualidade, o que os levaria, de uma forma ou de outra, à promiscuidade ou a desenvolver práticas ilícitas como a pedofilia” (Miskolci, 2007: 118BUTLER, Judith. 2018. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa de assembleia. Civilização Brasileira: Rio de Janeiro. Pp. 266.). Nessa mesma direção, Sáez e Carrascosa (2016SÁEZ, Javier; CARRASCOSA, Sejo. 2016. Pelo cu: políticas anais. Belo Horizonte: Letramento. Pp. 192.) destacaram que o regime cultural heterocentrado é um regime performativo, disseminado por repetição e reiteração contínuas em expressões cotidianas que participam da construção de realidades sociais ao atribuir valor negativo a sujeitos e práticas tidas como dissidentes. Como pontuam os autores: é “um regime que respira, cresce dia a dia, partindo dos púlpitos das igrejas, das mesquitas, das escolas, dos tribunais, das famílias, das rádios, das televisões e da imprensa” (Sáez; Carrascosa, 2016: 75BRITO, Leandro Teofilo de. 2018. Enunciações de masculinidade em narrativas de jovens atletas de voleibol: leituras em horizonte queer. Tese de Doutorado. Programa de pós-graduação em Educação. Universidade do Estado do Rio de Janeiro.) e, complementando-os, também no contexto do esporte narrado.

Entretanto, assim como Goncha, o jovem atleta Patch também resistia ao enquadramento de sua masculinidade na abjeção e à precarização de sua existência no contexto do voleibol, ao enunciar em sua narrativa: “só que a gente joga... se tirar da equipe os quatro atletas gays que tem, eles não ganham mais nada...”. A posição afirmada de ser um bom jogador de voleibol, junto com seus outros companheiros de equipe também gays, reitera sua constituição como sujeito abjeto, vulnerável e precário, mas que se constitui nessa resistência à norma. O sujeito, na teorização butleriana, é produzido por meio da força da exclusão e da abjeção, e nessa sujeição, atravessada por relações de poder, cria as condições de resistência e agência, que, pelo próprio poder, ressignifica sua existência e o desejo de reconhecimento, pois “o poder assumido permanece ligado a essas condições, mas de forma ambivalente; com efeito, o poder assumido deve conservar essa subordinação e ao mesmo tempo se opor a ela” (Butler, 2017BUTLER, Judith. 2017. A vida psíquica do poder: teorias da sujeição. Belo Horizonte: Autêntica editora. Pp. 208.: 21).

Em busca de um horizonte alteritário para as masculinidades no esporte

Ainda que a identificação não heterossexual entre homens atletas venha emergindo nos contextos esportivos, as disputas por significações trabalham para os deslocamentos, mas também pela tentativa de normalização de performatizações outras do masculino, invisibilizando ou mesmo eliminando as dissidências nesses espaços. O contexto do voleibol, embora pioneiro e protagonista no esporte brasileiro no que diz respeito à presença de homens atletas que não se identificam como heterossexuais, é também atravessado por esse processo regulatório de tentativa de estabilização do masculino em seus espaços.

Como exemplo específico e que contribui com elementos para essa afirmação, as experiências narradas de dois jovens atletas de voleibol que se identificavam como homossexuais apontaram para a negação da orientação sexual e regulação de suas performatizações de masculinidade nos espaços em que se desenvolviam como jogadores. Em seus relatos, Goncha e Patch, ainda que apreendidos numa condição alta de precariedade, resistiam por agenciamentos diversos aos processos segregatórios que vivienciavam cotidianamente nos clubes.

Assim, o desejo de um espaço mais alteritário para a diferença no esporte é o que almejo como reflexão para a finalização deste texto. Tal espaço é significado como um horizonte que nomeei como masculinidade cuir. O construto se traduz na busca permanente por um caminho que, sem previsão de ser alcançado, nega as estabilizações sedimentadas e forçosamente impostas para o masculino na ordem social. Um desejo, um devir, um jogo contínuo que enuncia performatizações do masculino que jamais se cristalizam, valendo-se dessa instabilidade radical para potencializar inumeráveis corpos que almejam a desidentificação como estratégia política potencializadora para afirmar a diferença sobre as significações das masculinidades. O voleibol, apesar de se localizar no centro das disputas no campo do esporte, no que diz respeito a estratégias regulatórias de normalização de masculinidades alternativas, parece se mostrar um espaço potente de deslocamento das identificações normalizadoras de homens atletas.

Referências bibliográficas

  • ARFUCH, Leonor. 2010. O espaço biográfico: dilemas da subjetividade contemporânea Rio de Janeiro: Ed. UERJ. Pp. 370.
  • BRITO, Leandro Teofilo de. 2018. Enunciações de masculinidade em narrativas de jovens atletas de voleibol: leituras em horizonte queer Tese de Doutorado. Programa de pós-graduação em Educação. Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
  • BRITO, Leandro Teofilo de. 2021a. “Da masculinidade hegemônica à masculinidade queer/cuir/kuir: disputas no esporte”. Revista Estudos Feministas Vol. 29, n. 2, e79307.
  • BRITO, Leandro Teofilo de. 2021b. “Por uma perspectiva pós-fundacional para os estudos sobre homens e masculinidades na Educação Física”. In: DEVIDE, Fabiano Pries; BRITO, Leandro Teofilo de. (eds.). Estudos das masculinidades na Educação Física e no Esporte São Paulo: Nversos. Pp. 256.
  • BRITO, Leandro Teofilo de; LEITE, Miriam Soares. 2017. “Sobre masculinidades na Educação Física escolar: questões teóricas, horizontes políticos”. Praxis Educativa Vol. 12, n. 2, pp. 481-500.
  • BUTLER, Judith. 2009. Lenguaje, poder e identidad Madrid: Editorial Síntesis. Pp. 272.
  • BUTLER, Judith. 2015. Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. Pp. 288.
  • BUTLER, Judith. 2017. A vida psíquica do poder: teorias da sujeição Belo Horizonte: Autêntica editora. Pp. 208.
  • BUTLER, Judith. 2018. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa de assembleia Civilização Brasileira: Rio de Janeiro. Pp. 266.
  • BUTLER, Judith. 2019a. Corpos que importam: os limites discursivos do “sexo” São Paulo: N-1. Pp. 400.
  • BUTLER, Judith. 2019b. “Atos performáticos e a formação dos gêneros: um ensaio sobre fenomenologia e teoria feminista”. In: HOLLANDA, Heloísa Buarque de (ed.). Pensamento feminista: conceitos fundamentais Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, pp. 213- 230.
  • BUTLER, Judith. 2019c. Vidas precárias: os poderes do luto e da violência Belo Horizonte: Autêntica editora . Pp. 192.
  • CAMARGO, Wagner Xavier de. 2018. “O armário da sexualidade no mundo esportivo”. Revista Estudos Feministas Vol. 26, n. 1, p. 1-18.
  • COELHO, Juliana Afonso Gomes. 2009. “Voleibol: um espaço híbrido de sociabilidade esportiva”. In: TOLEDO, Luiz Henrique; COSTA, Carlos Eduardo (Orgs.). Visão de jogo: antropologia das práticas esportivas São Paulo: Editora Terceiro Nome, p. 75-93. Pp. 282.
  • DERRIDA, Jacques. 1991. Limited inc Campinas: Papirus. Pp. 212.
  • DERRIDA, Jacques; ROUDINESCO, Elisabeth. 2004. De que amanhã... diálogo Rio de Janeiro: Zahar. Pp. 240.
  • GRENHA, Tatiana; RODRIGUES, Carla. 2020. “’Coreografias’: entrevista com Jacques Derrida”. Revista Estudos Feministas Vol. 27, n. 1, e50638.
  • LEITE, Miriam Soares. 2017. “Ativismo político e juventude: catracas na escola e na cidade para os jovens mais jovens”. Revista da FAEEBA Vol. 26, n. 49, pp. 169-185.
  • MISKOLCI, Richard. 2007. “Pânicos morais e controle social: reflexões sobre o casamento gay”. Cadernos Pagu Vol. 28, pp. 101-128.
  • NONATO, Murillo. 2020. Vivências afeminadas: pensando corpos, gêneros e sexualidades dissidentes Salvador: Editora Devires. Pp. 152.
  • RODRIGUES, Carla. 2018. “Para pensar a différance como um operador não metodológico na filosofia de Jacques Derrida”. In: SIQUEIRA, Isabel Rocha de; MAGALHÃES, Bruno; CASTELO-BRANCO, Tatiana; GRANDA, Sebastián (Orgs.). Metodologias e relações internacionais: debates contemporâneos Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio, pp. 53-67. Pp. 134.
  • SÁEZ, Javier; CARRASCOSA, Sejo. 2016. Pelo cu: políticas anais Belo Horizonte: Letramento. Pp. 192.
  • SAN MARTIN, Felipe Rivas. 2011. “Diga ‘queer’ con la lengua afuera: sobre las confusiones del debate latinoamericano”. In: SAN MARTIN, Felipe Rivas (ed.). Por un feminismo sin mujeres Santiago de Chile: CUDS. Pp. 189.
  • SCOTT, Joan. 1998. “A invisibilidade da experiência”. Projeto História. Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados de História Vol. 16, pp. 297-325.
  • SEDGWICK, Eve. 1991. “How to bring your kids up gay”. Social Text, n. 29, pp. 18-27.
  • STEHLIK, Daniela. 2004. “From ‘Snowball’ to ‘Rhizome’: a rethinking of method”. Rural Society Vol. 14, n. 1, pp. 36-45.
  • VIDARTE, Paco. 2019. Ética bixa: proclamações libertárias para uma militância LGBTQ. São Paulo: n-1 edições. Pp. 184.
  • WILLIAMS, James. 2013. Pós-estruturalismo 2ª ed. Petrópolis: Editora Vozes. Pp. 256
  • 1
    Uso neste artigo o acrônimo LGBTI+ para me referir a pessoas que se identificam como lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e intersexuais, além de outras identificações que são significadas pelo “+”. Ainda que tais identificações apresentem demandas específicas, reconheço essa unificação como um movimento de coligação (Butler, 2018BUTLER, Judith. 2018. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa de assembleia. Civilização Brasileira: Rio de Janeiro. Pp. 266.), que une em aliança minorias sexuais e de gênero no propósito de luta conjunta contra a precarização da vida.
  • 2
    A noção de identificação lida pelas teorizações derridianas e butlerianas está mais próxima de processo, abertura e movimento, afastando-se da fixidez do conceito de identidade (Derrida, 1991DERRIDA, Jacques. 1991. Limited inc. Campinas: Papirus. Pp. 212.; Butler, 2009BUTLER, Judith. 2009. Lenguaje, poder e identidad. Madrid: Editorial Síntesis. Pp. 272.).
  • 3
    As marcas de Lilico. Disponível em: https://bit.ly/3fZMOX7. Acesso em: 12 ago. 2020.
  • 4
    Eu tenho orgulho do que fiz. Disponível em: https://bit.ly/33Qpdpj. Acesso em: 12 ago. 2020.
  • 5
    Ainda não sabemos se gays são bem-aceitos no vôlei, diz destaque da seleção. Disponível em: https://bit.ly/2PL5S0f. Acesso em: 12 ago. 2020.
  • 6
    “Por ser gay e negro, tive que me dedicar mais”, diz líbero da seleção. Disponível em: https://bit.ly/3p4t5wO. Acesso em: 21 fev. 2022.
  • 7
    Eu vejo possibilidades no esporte, e você? Disponível em: https://bit.ly/3poaz2y. Acesso em: 27 fev. 2022.
  • 8
    Rio recebe 2ª edição do GayPrix, campeonato nacional de vôlei voltado para o público LGBT+. Disponível em: https://glo.bo/30OxEzk. Acesso em: 12 ago. 2020.
  • 9
    Liga gay de voleibol mais antiga. Disponível em: https://bit.ly/3fTFHPN. Acesso em: 20 ago. 2020.
  • 10
    O pensamento da desconstrução, para Derrida (1991)DERRIDA, Jacques. 1991. Limited inc. Campinas: Papirus. Pp. 212., busca contestar os binarismos por meio de um duplo gesto, que ocorre em dois movimentos da atividade desconstrutiva: a inversão e o deslocamento. No primeiro momento, a inversão vai buscar colocar em destaque o que foi reprimido, marginalizado, para no movimento de deslocamento; o segundo e importante momento, ir além das dicotomias, rompendo com qualquer nova hierarquização. Tal pensamento foi bastante apropriado por teóricas feministas pós-estruturalistas para contestar a fixidez da diferença sexual na oposição binária masculino/feminino.
  • 11
    Jacques Derrida, em entrevista à feminista Christie V. McDonald, enuncia o sonho dos inumeráveis sexos como um desejo de desestabilizar a oposição binária masculino/feminino e sentidos que vão além da hetero/homo/bissexualidade (Grenha; Rodrigues, 2020GRENHA, Tatiana; RODRIGUES, Carla. 2020. “’Coreografias’: entrevista com Jacques Derrida”. Revista Estudos Feministas. Vol. 27, n. 1, e50638.).
  • 12
    Cuir é a tradução do termo queer na produção acadêmica da América Latina, que busca abarcar na crítica à cisheteronormatividade suas demandas locais e específicas, sobretudo relacionadas às intersecções de classe, raça, etnia e nacionalidade (Brito, 2021aBRITO, Leandro Teofilo de. 2021a. “Da masculinidade hegemônica à masculinidade queer/cuir/kuir: disputas no esporte”. Revista Estudos Feministas. Vol. 29, n. 2, e79307. ).
  • 13
    A pesquisa foi autorizada pelo CEP/CONEP da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) pelo número 1.774.702.
  • 14
    Nome dos treinadores e dos locais onde os jovens atuam como jogadores foram suprimidos nos excertos das narrativas, por questões éticas.
  • 15
    O termo apreensão tem o seu sentido de forma menos precisa que reconhecimento, “já que pode implicar marcar, registrar ou reconhecer sem pleno conhecimento” (Butler, 2015: 18BUTLER, Judith. 2015. Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. Pp. 288.). Apreender uma vida precária, para Judith Butler, implica marcar tanto a potencialização da violência como a vulnerabilidade dos corpos em condições precárias maximizadas.
  • 16
    A palavra dissidência dialoga com as reflexões de San Martin (2011)SAN MARTIN, Felipe Rivas. 2011. “Diga ‘queer’ con la lengua afuera: sobre las confusiones del debate latinoamericano”. In: SAN MARTIN, Felipe Rivas (ed.). Por un feminismo sin mujeres. Santiago de Chile: CUDS. Pp. 189. e Colling (2015), que a aproximam de uma perspectiva da diferença em contraponto à diversidade pela crítica ao seu sentido de tolerância. Desse modo, os autores defendem a articulação do que entendem como “dissidência” a uma perspectiva pós-identitária, pois mobilizam um posicionamento crítico à normalização, indo ao encontro de uma política da diferença.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    10 Ago 2020
  • Aceito
    11 Fev 2022
Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (CLAM/IMS/UERJ) R. São Francisco Xavier, 524, 6º andar, Bloco E 20550-013 Rio de Janeiro/RJ Brasil, Tel./Fax: (21) 2568-0599 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: sexualidadsaludysociedad@gmail.com