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Editorial

Com seus artigos e resenhas, este novo número de Sexualidade, Saúde e Sociedade Revista Latino-americana aborda principalmente as lutas pelos sentidos de termos que, por seu potencial ético e político, são cruciais para o campo dos estudos de gênero e sexualidade: família, vida, sexo, transexualidade, direitos humanos, homoparentalidade.

O texto de Lynn Morgan analisa a torção estratégica realizada na aparentemente paradoxal outorga do prêmio de direitos humanos Rosa Parks a uma senadora argentina abertamente antiaborto e contrária às reformas legais dos últimos anos, cristalizadas, por exemplo, nas leis nacionais de Educação Sexual, Matrimônio Igualitário, Identidade de Gênero e Fecundação Assistida. A contribuição deste artigo é chamar a atenção a respeito de deslocamentos simbólicos realizados por grupos ligados a setores conservadores da Igreja Católica, em que se aciona estrategicamente uma suposta especificidade latino-americana dos direitos humanos. Direitos humanos que, até o presente, estiveram marcados em nossa região por sua histórica vinculação com movimentos sociais e políticos progressistas.

Em contraponto ao analisado por Morgan - e em diálogo com a resenha de Fortuna Pontes - o artigo de Guido Vespucci oferece importantes chaves interpretativas para outra distorção, produzida também na Argentina, através da instrumentação do discurso "somos famílias", tradicionalmente vinculado a projetos políticos conservadores, nas reivindicações pela igualdade jurídico-cidadã das organizações LGBT. Novamente emerge, neste trabalho, a complexidade da luta pelos sentidos atribuídos à "família" e daqueles de que não se poderia dar conta rotulando-os apenas em termos de um "giro normalizador".

A polissemia das lutas pela despatologização da homossexualidade no texto de Rodrigo Borba - com interessantíssimos ecos na resenha de Jurandir Freire Costa - apresenta-se em termos de microrresistências, ao menos potenciais, de sujeitos que, para atravessarem processos de transexualização, devem confrontar-se com o discurso biomédico e com as regulamentações institucionais, e que nas interações hospitalares homogeneizariam as narrativas sobre suas infâncias para estabelecer a persistência de uma identidade de gênero. Em busca também de apreender resistências a enquadramentos (não só médicos), Robin Cavagnoud focaliza uma zona de prostituição travesti no sul de Lima, e expõe formas de violência exercidas por policiais e clientes sobre jovens e adolescentes travestis em situação de prostituição, assim como suas estratégias de contestação para continuar no comércio sexual e assegurar sua sobrevivência.

A partir de entrevistas com estudantes de uma universidade brasileira que se autoidentificam como homossexuais, o artigo do Thiago Soliva e João Da Silva Jr. explora outras experiências vividas por jovens, neste caso, no processo de assumir orientações sexuais "dissidentes". À diferença do trabalho do Cavagnoud, o foco é posto em interações familiares, que permitem conhecer modos concretos de exercício de violência sobre esses jovens e como eles lidam com os sofrimentos infligidos, resistindo às coerções que encontrariam em suas casas para se adequarem à norma sexual hegemônica.

Outro aporte central para as discussões que vêm se consolidando nas últimas décadas na América Latina a respeito dos direitos sexuais e reprodutivos é perceber, em sua dimensão epistêmica, a potência política das categorias classificatórias construídas cientificamente, seja da teoria social, da psicoanalítica, da sexologia ou da medicina sexual.

Nessa direção, o instigante artigo de Fabíola Rohden, Jane Russo e Alain Giami busca corrigir o desinteresse pelo campo da sexologia e da medicina sexual que caracterizaria os estudos críticos sobre as sexualidades na América Latina. Este trabalho traz uma contribuição fundamental ao argumentar que considerar a medicalização da sexualidade só em termos de despolitização impede o reconhecimento das arestas de tal processo, em particular aquelas relativas à produção de novos sujeitos na esfera do consumo. Deste modo, os autores sublinham o caráter político tanto das concepções subjacentes quanto do crescente consumo de biotecnologias no âmbito da sexualidade.

Finalmente, o artigo de David de Jesus-Reyes e Esmeralda González revisa as hipóteses teóricas das investigações sobre gravidez adolescente que contribuíram para a sua constituição como problema socioeconômico e/ou demográfico. Sem desprezar tais hipóteses, os autores destacam a literatura mexicana e latino-americana com a finalidade de ampliar os marcos analíticos de tratamento deste fenômeno.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2014
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