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Construção da Ponte Maputo-KaTembe e a dinâmica de ocupação das Terras no Distrito Municipal de Katembe - Moçambique

Resumo

O presente estudo analisa a influência da ponte Maputo-KaTembe na alteração da dinâmica da ocupação das terras no distrito municipal de KaTembe. A ponte foi inaugurada a 10 de novembro de 2018, e a partir daí surgiu a expectativa de um novo cenário de desenvolvimento no distrito e novas dinâmicas de crescimento do tecido urbano. Com o uso da cartografia buscou-se mostrar a intensificação da urbanização no distrito e os padrões espaciais. Visou-se, portanto, compreender as dinâmicas antes e depois da construção da ponte, com o intuito de mostrar novas tendências com a entrada em funcionamento da ponte, o que já era espectável. Para tal, foram interpretadas visualmente imagens no Google Earth em diferentes momentos antes e depois da construção da ponte. O trabalho de campo foi realizado para verificar os padrões de crescimento da área ocupada e validação da classificação manual das imagens na plataforma Google Earth, uma metodologia que ofereceu melhor acurácia nos resultados obtidos. Os mapas produzidos evidenciaram uma intensificação da ocupação da terra no distrito a partir da entrada em funcionamento da ponte. A despeito da expansão do tecido urbano, medidas devem ser tomadas para prevenir problemas no futuro, sobretudo para o meio ambiente (inundações, pressão sobre recursos naturais, erosão costeira, etc.) e problemas sociais (segregação socio-espacial, mobilidade). Essas medidas passam pelo planejamento e gerenciamento do processo de uso e ocupação das terras.

Palavras-chave:
Ponte Maputo-KaTembe; Ocupação da Terra Dinâmicas

Abstract

The present study analyses the influence of the Maputo-KaTembe bridge in changing the dynamics of land occupation in the municipal district of KaTembe. The bridge was inaugurated on November 10, 2018, and from there came the expectation of a new development scenario in the district and new dynamics of urban growth. Spatial patterns and the intensification of urbanization were shown using cartography tools. The study aimed to understand the dynamics before and after the construction of the bridge, in order to show new trends with the start of operation of the bridge, which was already expected. Images were visually interpreted in Google Earth at different times before and after the construction of the bridge, verifying the patterns of growth of the occupied area and validating of the manual classification of the images in the Google Earth platform. The Results and the map produced showed an intensification of land occupation in the district from the start of the operation of the bridge. Despite the expansion of the urban fabric, measures must be taken to prevent problems in the future, especially for the environmental problems (floods, pressure on natural resources, coastal erosion, etc.) and social problems (socio-spatial segregation, mobility). These measures include planning and managing the process of land use and occupation.

Keywords:
Maputo-KaTembe Bridge; Land Occupation; Dynamics

INTRODUÇÃO

A procura das melhores condições de vida nas cidades por parte das populações rurais e as altas taxas de crescimento populacional são apontados como os principais fatores que impulsionam o crescimento do tecido urbano. Alsaaideh at al. (2011)ALSAAIDEH, B.; AL-HANBALI, A.; TATEISHI, R. Assessment of Land Use/Cover Change and Urban Expansion of the Central Part of Jordan Using Remote Sensing and GIS. Asian Journal of Geoinformatics, n. 11, p. 1-9, 2011. acrescentam a estes fatores o grande número de imigrantes de países vizinhos e outras mudanças socioeconômicas. No caso de Moçambique a guerra que se registou no país durante 16 anos constituiu outro fator que criou o êxodo rural e impulsionou o crescimento do tecido urbano. Nas palavras de Araújo (2003)ARAÚJO, Manuel G. Mendes. Os Espaços Urbanos Em Moçambique. GEOUSP, Espaço e Tempo, São Paulo, n. 14, p. 165-182, 2003. https://doi.org/10.11606/issn.2179-0892.geousp.2003.123846.
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Em Moçambique, as décadas de 70, 80 e 90 foram caracterizadas pela ocorrência de fatores conjunturais adversos (guerra colonial, guerra civil, calamidades naturais) que alteraram o desenvolvimento normal da distribuição territorial da população a partir dos centros urbanos. (ARAÚJO, 2003ARAÚJO, Manuel G. Mendes. Os Espaços Urbanos Em Moçambique. GEOUSP, Espaço e Tempo, São Paulo, n. 14, p. 165-182, 2003. https://doi.org/10.11606/issn.2179-0892.geousp.2003.123846.
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, p. 168).

Estas caraterísticas desempenharam seu papel na forma como ocorreu o processo de urbanização em Moçambique. A urbanização, segundo explica Ribeiro (2019)RIBEIRO, E. T. N. Processo de Urbanização em Moçambique - África. XVII ENANPUR. Disponível em: http://anpur.org.br/xviiienanpur/anaisadmin/capapdf.php?reqid=430. Acesso: Janeiro 18, 2020.
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, implica a transformação da terra através da provisão de infraestruturas, equipamentos e edificações que assegurem a fixação física das populações em condições de se beneficiarem de serviços de crescente nível e qualidade de vida. Na ocupação da terra, conforme exposto por Araújo (2003)ARAÚJO, Manuel G. Mendes. Os Espaços Urbanos Em Moçambique. GEOUSP, Espaço e Tempo, São Paulo, n. 14, p. 165-182, 2003. https://doi.org/10.11606/issn.2179-0892.geousp.2003.123846.
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, ocorre um processo específico de organização territorial da população que, na sua inter-relação com o meio, cria um conjunto de atividades sociais, econômicas e culturais que resultam na formação de um espaço com características próprias de concentração de população, de produção, de serviço e de organização espacial.

O uso da terra é descrito por Somantri e Nandi (2018)SOMANTRI, L.; NANDI, N. Land Use: One of Essential Geography Concept Based on Remote Sensing Technology. 1st UPI International Geography Seminar 2017. Earth and Environmental Science, n. 145, 2018. httpps://doi.org/10.1088/1755-1315/145/1/012039.
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como uma intervenção humana permanente para suprir as necessidades tanto materiais como espirituais, ou por outras palavras, uma interação entre humanos e seu meio ambiente onde o homem se esforça em utilizar seu ambiente natural para atender suas necessidades de vida com sucesso. Segundo os autores, entre os diversos usos pode-se destacar a agricultura, campos esportivos, habitação, restaurantes, hospitais e cemitérios. “A terra compreende a área na superfície da terra que possui certas características, para o clima (atmosfera), rochas e estruturas (litosfera), relevo e processos do solo (pedosfera), vegetação e animais (biosfera) e humanos (antroposfera)” (SOMANTRI; NANDI, 2018, p. 4).

Entretanto, é importante observar que a ocupação da terra afeta processos ecossistêmicos, hidrologia, biodiversidade, clima, ciclos biogeoquímicos, balanço energético, e atividades humanas como é colocado por Xiao et al. (2006)XIAO, J.; CHANG, C. G. J.; SHEN, Y. Evaluating urbanization and its impacts on local hydrological environment change in Shijiazhuang, China, using remote sensing. In: Remote Sensing for Environmental Monitoring and Change Detection (Proceedings of symposium HS3007 held during IUGG2007 at Perugia, July 2007). IAHS Publ. n. 316, 2007. Disponível em: https://iahs.info/uploads/dms/14127.38-261-268-29-XIAO.pdf. Acesso: Janeiro 28, 2022
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. É consequência do processo de urbanização que temporalmente leva à expansão do tecido urbano através da ocupação de novas áreas. Segundo Srighar et al. (2019)SRIGHAR, M. B.; SATHYANATHAN, R.; SHAJI, S. A. Spatio-Temporal Urban Sprawl Analysis and Evaluation Using Gis for Lucknow City. International Journal of Innovative Technology and Exploring Engineering (IJITEE), v. 8, n. 6, p. 894-899, 2019. a ideia básica da expansão urbana é o desenvolvimento gradual de uma área de baixa densidade para uma área de alta densidade ou um desenvolvimento disperso temporalmente, sofrendo alterações nos consumos da terra de várias maneiras.

Os estudos sobre processos de ocupação da terra atualmente passam pela aplicação dos sistemas de informação geográfica tendo como base as imagens fornecidas pelos sensores remotos, sobretudo a bordo de satélites. Trata-se de detecção da mudança digital da cobertura da terra que segundo Belal e Moghanm (2011)BELAL, A., A.; MOGHANM, F., S. Detecting Urban Growth Using Remote Sensing and GIS Techniques in Al Gharbiya Governorate, Egypt. The Egyptian Journal of Remote Sensing and Space Sciences, v. 14, p. 73-79, 2011. https://doi.org/10.1016/j.ejrs.2011.09.001.
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é um processo de determinação e/ou descrição das mudanças na cobertura e propriedades de uso da terra em dados de sensoriamento remoto multi-temporais a partir da identificação de mudanças entre duas ou mais datas. Barow et. al (2018)BAROW, I.; MEGENTA, M.; MEGENTO, T. Spatiotemporal Analysis of Urban Expansion Using GIS and Remote Sensing in Jigjiga Town of Ethiopia. Applied Geomatics, v. 11, p.121-127, 2018. https://doi.org/10.1007/s12518-018-0245-z.
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, chamam atenção que para a pesquisa da ocupação da terra pela expansão urbana é ideal usar o sistema de Informação geográfica (SIG), como ferramenta, devido a sua capacidade de lidar com diferentes categorias de dados, para além de visualização da expansão urbana na área de estudo e fornecendo os respetivos mapas. Esta ferramenta permite também uma análise aprofundada, fornecendo a capacidade de examinar todos os dados em um sistema, facilitando a medição da expansão urbana.

O sensoriamento remoto segundo Gadal (2009)GADAL, S. Remote Sensing Monitoring of Rural Urbanisation in Jaipur Region. Rural Development, v. 4, n. 2, p. 222-225, 2009., representa uma tecnologia que oferece uma via essencial para o monitoramento, modelagem e análise de processos de urbanização, particularmente nos países em desenvolvimento de onde compensa a escassez de recursos geográficos dados e mapas atualizados usando imagens de satélite para monitorar o desenvolvimento de urbanização continuamente sobre áreas geográficas de tamanhos diferentes. Sem dúvida, o uso de SIG’s e softwares de manipulação de imagens de satélite e dados vetoriais provaram ser extremamente importantes para a caracterização das áreas urbanas contínuas e não contínuas, trazendo resultados satisfatórios na área abordada.

Os dados de uso da terra, segundo Somantri e Nandi (2018)SOMANTRI, L.; NANDI, N. Land Use: One of Essential Geography Concept Based on Remote Sensing Technology. 1st UPI International Geography Seminar 2017. Earth and Environmental Science, n. 145, 2018. httpps://doi.org/10.1088/1755-1315/145/1/012039.
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, são indispensáveis para resolver problemas na superfície terrestre, como o fenômeno dos desastres naturais, pobreza, planejamento regional, exploração dos recursos naturais e políticas públicas. Nessa ótica, devem ser analisados como consideração para as recomendações de resolução de problemas.

Vale também destacar que a obtenção de imagem com alta resolução ainda é uma opção cara no mercado de imagens de satélite. No entanto, outras opções podem ser exploradas de modo a classificar o uso e/ou ocupação da terra, como é o caso das imagens gratuitas fornecidas na plataforma Google Earth.

Atendendo a extensão da área de estudo (relativamente pequena), considerou-se viável o uso da plataforma Google Earth como fonte direta de dados para mapeamento da ocupação da terra através de uma interpretação visual e manual e da vetorização destas imagens. Contudo, é importante referir-se à dificuldade que esta metodologia representa quendo se trabalha em áreas de maior extensão (a vetorização levaria muito tempo). A despeito do uso desta metodologia Jacobson et al. (2015)JACOBSON, A.; DHANOTA, J.; GOGFREY, J.; JACOBSON, H.; ROSSMAN, Z.; STANISH, A.; WALKER, H.; RIGGIO, J. A Novel Approach to Mapping Land Conversion Using Google Earth With an Application to East Africa. Environmental Modelling & Software, n. 72, p. 1-9, 2015. http://dx.doi.org/10.1016/j.envsoft.2015.06.011.
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consideram que com o método pode-se alcançar uma classificação de imagens satélite relativamente satisfatória, podendo fornecer algumas oportunidades para o mapeamento detalhado de ocupação da terra.

ÁREA DE ESTUDO

O distrito municipal de KaTembe pertence ao município de Maputo, localizado na província de Maputo no sul de Moçambique e situa-se entre 25o58’ e 26o5’ sul, e 32o26’ e 32o36’ este. Suas fronteiras limitam-se ao norte pela baía de Maputo que o separa da área central da cidade de Maputo, a oeste pelo rio Tembe, a leste pela baía de Maputo e sul pelo distrito de Matutuíne (figura 01). O distrito é administrativamente constituído por 5 bairros, a saber, Chali, Chamissava, Guachene, Incassane e Inguide. Trata-se de uma área em processo entre o rural e urbano com potencial para a urbanização.

Figura 01
Mapa de localização do distrito municipal de KaTembe.

O processo de ocupação da terra no distrito municipal de KaTembe foi realizado informalmente na maioria, embora na orla costeira notar-se configurações de alguma ocupação consolidada e ordenada. Segundo Mendonça e Monteiro (2017)MENDONçA, T.; MONTEIRO, M. KaTembe - Uma Nova Centralidade da Cidade de Maputo. In: 8º Congresso Luso-Moçambicano de Engenharia / V Congresso de Engenharia de Moçambique Maputo, 4-8 setembro, 2017, Maputo. ed: J.F. Silva Gomes et al.; Publ: INEGI/FEUP (2017). Disponível em: https://paginas.fe.up.pt/clme/2017/Proceedings/data/papers/6698.pdf. Acesso: Fevereiro 01, 2022.
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as zonas de ocupação desordenada situadas na retaguarda da malha ordenada, na orla costeira configuram zonas de risco de cheia onde reside a população de menores recursos, de menor densidade populacional e com maior dispersão de habitações.

A região era originalmente habitada por povos de origem bantu, ronga e mais a sul também por zulu e swazi. KaTembe foi criado inicialmente como um posto administrativo em 1915 como parte da circunscrição civil de Maputo, no quadro da estrutura orgânica da administração colonial portuguesa estando sempre ligado a cidade de Lourenço Marques (atual cidade de Maputo, capital de Moçambique), e sua povoação sede podia considerar-se um prolongamento de Lourenço Marques. Foi designado de distrito municipal no quadro da autarquização em curso no país. Entretanto, a maior dificuldade que as populações da KaTembe sempre viveram foi a sua ligação com a parte central da cidade devido à baía que separa o distrito municipal do restante da cidade apesar da sua proximidade geográfica (cerca de 600 metros). Essa travessia era realizada por embarcações tradicionais, vulgo canoas, numa primeira fase, e foram temporalmente utilizadas embarcações a remo e vela, e mais tarde com barcos a motor como é o caso das “ferryboats” (figura 02) que era o principal meio de travessia antes da construção da ponte. A capacidade do “ferryboat” era de 200 passageiros e 12 lugares para carros ligeiros por viagem. (TEMBE, 2017).

Figura 02
“Ferryboat” usado na travessia Maputo-KaTembe.

Com a construção da ponte (figura 03) e sua inauguração a 10 de novembro de 2018, o cenário mudou, criando várias possibilidades para o desenvolvimento do distrito municipal da KaTembe. Um dos principais constrangimentos para o distrito era a acessibilidade que serviu durante muito tempo como fraqueza para o seu desenvolvimento que não acompanhava o da cidade de Maputo. A entrada em funcionamento da ponte, segundo Uamusse (2021)UAMUSSE, Inalcídio. Ferryboats que faziam trajecto Maputo-KaTembe ainda sem destino. O País. Maputo, 29 Mai. 2021. Disponível em: https://www.opais.co.mz/ferryboats-que-faziam-trajecto-maputo-katembe-ainda-sem-destino. Acesso: Fevereiro 05, 2022.
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afetou significativamente o funcionamento do transporte marítimo de passageiros na baía de Maputo. Segundo o autor a empresa que gere o “Ferryboat” registrou uma queda de 2.705 passageiros diários para apenas 192, uma situação que precipitou a interrupção da circulação das embarcações.

Figura 03
Ponte de travessia Maputo-KaTembe.

A acessibilidade representa um elemento chave para o desenvolvimento de determinada região. Segundo Villaça (1996)VILLAÇA, F. Espaço Intra-urbano no Brasil. 1ª ed. Studio Nobel, São Paulo, 1996. 376p.:

“A acessibilidade é o valor de uso mais importante para à terra urbana, embora toda e qualquer terra tenha o em maior ou menor grau” […] e “as vias de transporte têm enorme influência não só no arranjo interno das cidades, mas também sobre os diferenciais de expansão urbana” […], deste modo, “o sistema intraurbano de transporte, quando apresenta a possibilidade de oferecer transporte urbano de passageiros, atrai a ocupação urbana nos pontos acessíveis ou potencialmente acessíveis, visto que altera o valor de uso da terra, gerando uma oferta de novas localizações ocupadas por uma parte da população e atividades geradas a partir da cidade central em expansão”. (VILLAÇA, 1996VILLAÇA, F. Espaço Intra-urbano no Brasil. 1ª ed. Studio Nobel, São Paulo, 1996. 376p., p. 74).

A descentralização da cidade de Maputo é uma realidade. Nota-se o surgimento de novas centralidades representadas por “estações de abastecimento de combustível, cercadas de lojas de conveniência, estabelecimentos de prestação de serviços e comerciais” (CHICOMBO, 2020CHICOMBO, T. F. Proposta de Identificação de Subcentros Urbanos com Base na Distribuição Espacial das Funções: caso da Cidade de Maputo - Moçambique. Sociedade e Natureza, v.33, p. 1-11, 2020. https://doi.org/10.14393/SN-v33-2021-57722.
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). Estes pontos influenciam o processo de expansão da mancha urbana. A ocupação da terra vai se intensificando nas periferias, influenciada pelo surgimento de tais subcentralidades urbanas na cidade de Maputo. A descentralização “está associada ao crescimento da cidade, tanto em termos demográficos como espaciais” (CORRÊA, 1995CORRÊA, R. L. O Espaço Urbano. Resumo do livro O Espaço Urbano, de Roberto Lobato Corrêa. Editora Ática, Série Princípios, 3a. edição, n. 174, p.1-16, 1995.). Entretanto, a expansão da parte central da cidade estava condicionada a um ângulo 90º dada sua localização (oceano Índico a leste e baía de Maputo a sul). Nesta lógica, processos fundamentais são recorrentes nesse contexto, como a intensificação da urbanização na mancha urbana com ocupação de áreas de risco, processos de conurbação urbana com o município de Matola a oeste e com o distrito de Marracuene a norte. Uma vez entrado em vigor o funcionamento da ponte Maputo-KaTembe surge uma possibilidade da expansão da cidade em 180º.

Essa possibilidade coloca KaTembe sujeita a crescente pressão para o desenvolvimento urbano. Coutinho (2018)COUTINHO, P. B. Sustainable Planning of a New City in Mozambique. Brazilian Journal of Operations & Production Management, n. 15, p. 270-284. 2018. https://doi.org/10.14488/BJOPM.2018.v15.n2.a9.
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explica que este desenvolvimento é devido ao crescimento da população da cidade de Maputo, capital de Moçambique. Expandir Maputo para norte deixou de ser uma opção adequada com as áreas urbanas já muito restritas, e o caos da urbanização não planejada é uma realidade.

É nesse sentido que nos é permitido refletir sobre a dinâmica de ocupação da terra no distrito municipal de KaTembe, apresentando o presente estudo que propõe fazer uma análise desta dinâmica, assumindo que a ponte veio resolver o problema de acessibilidade, tornando o distrito facilmente acessível, na medida que as formas de travessia diversificaram-se passando a serem mais rápidas e menos onerosas. Neste caso o novo acesso rodoviário, segundo Mendonça e Monteiro (2018) permite estabelecer na KaTembe além de um núcleo habitacional, um centro de negócios, de logística, de comércio, de indústria e, ainda, um polo de turismo.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Os mapas de uso de terras no distrito municipal de Katembe foram elaborados através da interpretação visual de imagens no Google Earth e criação de polígonos representando áreas ocupadas. A interpretação implicou a análise do conteúdo das imagens, percebendo os objetos de acordo com seus atributos e significados. A figura 04 ilustra o fluxograma de atividades da metodologia utilizada no presente estudo.

Figura 04
Os principais passos metodológicos.

O processo de elaboração do mapa de uso das terras foi realizado através dos programas ArcGis na versão 10.4.1 e Google Earth versão cliente. A delimitação da área de estudo consistiu na conversão do arquivo Shapefile com limites da área de estudo para formato Keyhole Markup Language (KML), de modo a possibilitar a delimitação da imagem visualizada no Google Earth e posterior digitalização. Na criação dos polígonos representando terra ocupada (figura 05) foram consideradas todas as parcelas ocupadas, ou seja, não se recorreu a amostras. Cada local foi examinado usando a ferramenta de navegação no Google Earh, consoante a interpretação real do seu significado, ou seja, presença de infraestrutura construída. O exame de cada local foi preciso tendo em conta a possibilidade da ampliação até a imagem real que a ferramenta usada oferece.

Figura 05
Vetorização da imagem no Google Earth.

A escolha das imagens obedeceu ao período em análise (2015 - 2021), considerando tês anos antes da entrada em funcionamento da ponte, o ano da entrada em funcionamento e três anos depois. Procurou-se uma data após a inauguração da ponte, e a partir desta, fez-se um recuo de três anos e um avanço de três anos procurando manter um intervalo temporal quase igual entre as imagens analisadas, pelo que coube a escolha do mês de dezembro, que apresentou imagens disponíveis no arquivo de histórico de imagens para os sete anos analisados.

Em seguida foi criado um arquivo kml contendo os polígonos representando áreas ocupadas no distrito municipal. O arquivo foi posteriormente convertido para Layer no ArcGis, que permitiu a elaboração do mapa de ocupação de terra na área de estudo.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A partir do mapa de padrões de ocupação da terra no distrito de KaTembe e sua dinâmica temporal (figura 06) é possível constatar a intensificação da ocupação da terra a partir de 2018, o que nos leva a concluir que a ponte alterou a dinâmica na ocupação da terra, ou seja, com o funcionamento da ponte o distrito vem registrando novas dinâmicas nos processos extensificação de áreas ocupadas (pela conversão de áreas de uso rural em áreas de uso urbano) e a intensificação de ocupação de áreas vazias dentro na área parcelada.

Figura 06
Painel de mapas das áreas ocupadas no distrito municipal de Katembe.

No primeiro ano analisado (2015), a terra ocupada correspondia a 17,76 km2, representando cerca 15% de toda a área do distrito municipal (figura 6). Conforme os dados apresentados na figura 07 ao longo dos três anos (2015, 2016, 2017) antes da implementação da ponte de travessia, a área de terra ocupada registrou um crescimento médio de 1,58 km2 por ano.

Figura 07
Evolução da terra ocupada no distrito municipal de KaTembe.

Ao observarmos a figura 07 podemos depreender a ocorrência de um pulso no crescimento da terra ocupada. Emerge daí a constatação do papel que o funcionamento da ponte vem desempenhando na dinâmica de ocupação da terra, caraterizada pelo aumento significativo de áreas ocupadas incentivado pela ponte. Os três anos analisados após a entrada em funcionamento da ponte (2019, 2020 e 2021) o aumento da área ocupada passou a ser em média de 2,14 km2 por ano.

A visita realizada no campo permitiu constatar que a ocupação da terra desordenada e não planejada é uma realidade no distrito. Neste ponto, merece ser destacada a conclusão de Mendonça e Monteiro (2017)MENDONçA, T.; MONTEIRO, M. KaTembe - Uma Nova Centralidade da Cidade de Maputo. In: 8º Congresso Luso-Moçambicano de Engenharia / V Congresso de Engenharia de Moçambique Maputo, 4-8 setembro, 2017, Maputo. ed: J.F. Silva Gomes et al.; Publ: INEGI/FEUP (2017). Disponível em: https://paginas.fe.up.pt/clme/2017/Proceedings/data/papers/6698.pdf. Acesso: Fevereiro 01, 2022.
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, quando afirmam que:

As vias existentes na KaTembe não apresentam geometrias bem definidas, quer em traçado em planta, quer em perfil longitudinal, quer em secção transversal. Não existem estruturas de pavimento pelo que a plataforma foi realizada diretamente no terreno. Não há drenagem pluvial nem passeios e, como tal, peões e veículos ocupam a via e originam-se situações de risco quanto à sua integridade e segurança. (MENDONÇA E MONTEIRO, 2017MENDONçA, T.; MONTEIRO, M. KaTembe - Uma Nova Centralidade da Cidade de Maputo. In: 8º Congresso Luso-Moçambicano de Engenharia / V Congresso de Engenharia de Moçambique Maputo, 4-8 setembro, 2017, Maputo. ed: J.F. Silva Gomes et al.; Publ: INEGI/FEUP (2017). Disponível em: https://paginas.fe.up.pt/clme/2017/Proceedings/data/papers/6698.pdf. Acesso: Fevereiro 01, 2022.
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, p. 4).

A expansão das áreas urbanizadas resulta de fatores socioeconômicas e culturais. Entretanto, no caso do distrito municipal de Katembe há que considerar especificamente o impulso que a ponte traz no processo de ocupação das terras. Este fato é importante tendo em consideração a redução de custos de transporte produzidos por esta infraestrutura.

Considerando o estado lento que caraterizava a expansão da ocupação das terras no distrito municipal, apresentando vários espaços desocupados ao longo da área delineada como urbanizável, a operacionalização da ponte criou outra dinâmica. Conforme pode se observar no mapa da figura 08, intensificou-se a expansão da urbanização no período após a entrada em funcionamento da ponte, onde foram registradas três formas de expansão, a saber, o preenchimento, extensão e saltos (Leapfrog).

Figura 08
Tipo de expansão urbana no distrito municipal de Katembe.

Segundo os dados processados no mapa a expansão por preenchimento foi a mais representativa, após a construção da ponte até 2021. Nela novas ocupações foram ocorrendo em espaços vazios no perímetro da área urbanizável. Com isso registrou-se um aumento da contiguidade da área construída. A expansão em saltos (Leapfrog) foi a segunda mais representativa. Essa forma de expansão consistiu em novas ocupações que não intersectam o perímetro da área urbanizável e não se verifica contiguidades com a ocupação prévia contribuindo para a fragmentação da pegada urbana. Trata-se de uma expansão que também se verifica de forma geral, nas megacidades latino-americanas que segundo Camargo et al. (2020)CAMARGO, K. M; CARMO, R. L. E ANAZAWA, T. M. Breves considerações sobre expansão urbana nas megacidades da América Latina: o caso de São Paulo. Revista Espinhaço, v. 0, n. 2, p. 15-27, Jan. 2020. https://doi.org/10.5281/zenodo.4434452.
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difere da que se identifica nos países anglo-saxões. Lições tiradas por Akhter e Noon (2016)AKHTER, S. T. e NOON, M. H. Modeling spillover effects of leapfrog development and urban sprawls upon institutional delinquencies: A case for Pakistan. Procedia - Social and Behavioral Sciences, Jan. 2016. https://doi.org/10.1016/j.sbspro.2015.12.039.
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com base em dados dos últimos anos do avanço do desenvolvimento no Paquistão dizem respeito à ineficácia institucional para controlar tal forma de expansão urbana, independentemente de existência de recursos e ferramentas de gerenciamento, na medida que “é custosa para a gerenciamento público, pois obriga que os serviços relacionados à urbanidade, como asfalto e saneamento básico, tenham que ser lavados a áreas cada vez mais distantes” (BURCHELL; SHAD, 1998 apud CAMARGO et al. 2020CAMARGO, K. M; CARMO, R. L. E ANAZAWA, T. M. Breves considerações sobre expansão urbana nas megacidades da América Latina: o caso de São Paulo. Revista Espinhaço, v. 0, n. 2, p. 15-27, Jan. 2020. https://doi.org/10.5281/zenodo.4434452.
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).

Registrou-se também uma expansão extensiva, que se caraterizou por novas construções intersectando a área urbanizável estendendo-se para fora das ocupações prévias. Em alguns casos nessa forma de expansão, registra-se a ocupação de zonas de risco de inundações que segundo o plano que delimitou as áreas urbanizáveis não foram recomendadas para ocupação.

Entretanto, ainda que a ocupação seja desordenada ela ainda se circunscreve na área de maiores cotas altimétricas (figura 09), mostrando alguma preocupação das populações em evitar zonas baixas, embora se constata o surgimento de algumas ocupações pontuais em zonas propensas às enchentes.

Figura 09
Mapa hipsométrico e ocupação da terra do distrito municipal de KaTembe.

Apesar do crescimento da área ocupada não seguir um padrão geométrico, especificamente nas novas áreas sendo ocupadas, a geomorfologia é vista como o elemento que está direcionando a ocupação da terra. Ela é muitas vezes, segundo Daoudi e Niang (2021)DAOUDI, M.; NIANG, A. J. Effects of Geomorphological Characteristics on Urban Expansion of Jeddah City-Western Saudi Arabia: a GIS and Remote Sensing Data-Based Study (1965-2020). Journal of Taibah University For Science, v. 15. N. 1, p. 1217-1231, 2021. https://doi.org/10.1080/16583655.2022.2026616.
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pontuam, a primeira base da escolha do local de ocupação. Constitui um condicionante na direção que a ocupação da terra vai tomando. Entretanto, os autores chamam atenção que a interação entre a rápida expansão urbana e processos geomorfológicos pode resultar no aumento da exposição aos perigos naturais. Por exemplo, Fitzpatrik et al. (2005)FITZPATRICK, F. A.; DIEBEL, M. W.; HARRIS, M. A.; ARNOLD, T. L.; LUTZ, M. A.; RICHARDS, K. D. Effects of Urbanization on the Geomorphology, Habitat, Hydrology, and Fish Index of Biotic Integrity of Streams in the Chicago Area, Illinois and Wisconsin. American Fisheries Society Symposium, v. 47, p. 87-115, 2005. https://doi.org/10.47886/9781888569735.ch7
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consideram que no desenvolvimento urbano, a área de superfície impermeável (estradas, calçadas, áreas de estacionamento, telhados) aumenta, o que diminui a infiltração e aumenta a taxa e volume de escoamento superficial.

A despeito disso, é importante que a ocupação da terra seja feita com base em estudos de impacto ambiental de modo a evitar futuros problemas ao meio ambiente. Os diferentes intervenientes no processo de ocupação da terra devem estar cientes dos possíveis problemas da ocupação desordenada da terra, num momento em que:

As intervenções no espaço peri-urbano envolvem agora um maior leque de atores, sob a forma de diferentes tipos de parcerias, com interesses e racionalidades distintos, beneficiando uma população alvo que também se diversifica, com a chegada de estrangeiros e a emergência de uma franja de população com maior poder aquisitivo. Embora se continue pontualmente a demarcar e disponibilizar talhões, com ou sem infra-estruturas básicas e/ou habitação, a atual dinâmica do mercado imobiliário e a construção de novas infra-estruturas, promovidas pelo recente crescimento econômico, são insuficientes ou incapazes de responder aos interesses e necessidades da maioria da população, que continua a recorrer à autoprodução. (JORGE E MELO, 2014JORGE, S.; MELO, V. Processos e Dinâmicas de Intervenção no Espaço Peri-urbano: O Caso de Maputo. Cadernos de Estudos Africanos, v. 27, n. 27, p. 55-77, 2014. https://doi.org/10.4000/cea.1488.
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, p. 61).

Entretanto, é importante que estas áreas sejam ocupadas no contexto de um planejamento. O não planejamento constitui um problema social caraterizado pela falta de infra-estruturas pré-existentes necessárias para condições de vida adequadas agravada pela distribuição espacial desordenada da habitação, incluindo áreas baixas propensas às inundações. (COUTINHO, 2018COUTINHO, P. B. Sustainable Planning of a New City in Mozambique. Brazilian Journal of Operations & Production Management, n. 15, p. 270-284. 2018. https://doi.org/10.14488/BJOPM.2018.v15.n2.a9.
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).

É nesse sentido que a pressão atual exercida sobre o distrito de KaTembe deve ser antecipada com planos de ocupação de modo a prevenir futuros problemas tanto de mobilidade urbana como ambientais. O planejamento deve permitir que o distrito apresente uma estrutura que inclui a localização e composição das infraestruturas urbanas como áreas residenciais, comerciais, turísticas, áreas de lazer, recreativas, reservas, áreas de proteção ambiental, sistemas de drenagem e sistema rodoviário.

No entanto, é preciso considerar que Moçambique possui uma estrutura de governação que permite o planejamento e gerenciamento territorial. O sistema nacional de planejamento e gerenciamento territorial em Moçambique possui desdobramentos ao nível provincial, distrital e autárquico, e sua execução é garantida por vários atores como os governadores provinciais, o ministro da agricultura e desenvolvimento rural, conselho de ministros e presidentes dos conselhos autárquicos.

Quanto aos instrumentos legais de planejamento e gerenciamento, e no caso da autarquia de Maputo pode-se referir ao plano de estrutura urbana do município de Maputo-2008 que definiu entre suas prioridades i) reordenar os bairros informais; ii) recuperar terreno para todas as atividades de intercâmbio, serviços e equipamentos públicos; iii) densificar a ocupação do tecido urbano para evitar a continuação da ocupação desregrada do solo urbano; iv) reservar áreas para repor o equilíbrio e assegurar a manutenção e o melhoramento da qualidade ambiental; e v) promover a diversificação das atividades e funções urbanas, evitando a suburbanização e a segregação espacial e ambiental das camadas sociais mais desfavorecidas. Estes instrumentos, quanto devidamente implementados podem reduzir a problemática de ocupação de terra de que já se referiu.

Convém sublinhar que em Moçambique a terra é propriedade do estado. Ela não pode ser vendida, hipotecada, penhorada ou alienada segundo o artigo 3 da Lei de Terras de 1997. O uso e ocupação da terra é realizado por concessão de títulos de Direito de Uso e Aproveitamento de Terra (DUAT). Tal uso pode ser realizado em forma de i) Ocupação segundo as normas e práticas costumeiras; ii) ocupação por boa-fé; e iii) Autorização formal. Entretanto, Andersen et al. (2015)ANDERSEN, J. E.; JEKINS, P.; NIELSEN, M. Who Plans the African City? A Case Study of Maputo: Part 1 - The Structural Context. International Development Planning Review, v. 37, n. 3, 2015. https://doi.org/10.3828/idpr.2015.20.
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, baseado em quatro décadas de experiência de trabalho de pesquisa empírica em Maputo explicam que o planejamento do uso da terra baseado no controle estatal tem impacto prático limitado. A terra urbana é fisicamente estruturada e planejada por moradores urbanos. Segundo os autores os lugares onde as práticas de uso da terra “ordenadas” não são implementadas (seja por atores estatais ou não estatais), formas coletivas de organização sociocultural ainda orientam e reorientam as práticas de uso da terra em muitas áreas “não planejadas”, e esta continua sendo a forma dominante de desenvolvimento da terra.

Contudo, é importante insistir no fato de que a ocupação da terra no distrito municipal de KaTembe tenha em consideração os impactos ambientais provocados principalmente a instabilização das falésias e dunas através da retirada da vegetação costeira para construção de infraestruturas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Fatores como a saída da população rural a busca de melhores condições de vida na cidade e o crescimento populacional resultam na pressão sobre o uso de terras nas zonas urbanas, demandando a ocupação de novas áreas. No entanto, é importante que os governantes, as comunidades e os indivíduos tenham informações sobre as formas de ocupação das terras temporalmente, ou seja, devem estar cientes sobre as caraterísticas de ocupação das terras no passado, presente e no futuro. É preciso, entretanto, que haja um constante monitoramento da ocupação das terras de modo a garantir o seu uso sustentável.

O sensoriamento remoto surge como uma ferramenta importante para o monitoramento do uso e ocupação das terras, em que imagens de satélite são usadas para a produção dos respetivos mapas.

O presente estudo procurou a partir de imagens de boa resolução disponibilizadas na plataforma Google Earth, mostrar como uma infraestrutura (ponte) mudou a dinâmica de ocupação das terras no distrito municipal de Katembe, em Moçambique. O uso do Google Earth mostrou-se eficaz na produção dos mapas considerando o seu desempenho ao fornecer imagens do passado de alta resolução e acesso livre com a possibilidade de ver até o nível de edifício, estrada entre outros alvos na superfície a da terra com maior detalhe, o que facilitou o processo de reconhecimento de áreas ocupadas.

As informações obtidas da cartografia permitiram apontar para a alteração na dinâmica da ocupação das terras no distrito municipal de Katembe com a entrada em funcionamento da ponte de travessia Maputo-Katembe. A nova dinâmica caraterizou-se pela intensificação da ocupação. Fica, portanto, claro, que a ponte tornou o distrito mais acessível, e a partir daí desencadeia-se a nova dinâmica de ocupação por parte das populações que outrora não consideravam o distrito municipal como uma opção para habitar. A partir dessa perspetiva espera-se observar a expansão da cidade de Maputo cada vez mais para o sul.

Outra análise consistiu em mostrar as formas de expansão registradas no distrito municipal de Katembe, pelo que se constatou que a forma dominante de expansão é o preenchimento, ou seja, a ocupação ocorreu em espaços vazios da área urbanizável. Em segundo lugar a expansão está correndo em forma de saltos (Leapfrog) e em terceiro lugar em forma de extensão na borda da área urbanizável.

Com a ponte, o deslocamento de pessoas e mercadorias tornou-se fácil. Passa a se usar o transporte terrestre, um meio de transporte rápido e barato o que poderá acelerar o desenvolvimento do distrito municipal. Essa realidade provocará um crescimento rápido da população e consequentemente aumento de tráfego, merecendo atenção especial na melhoria do sistema de vias de acesso e transporte por parte dos poderes públicos.

Na consulta bibliográfica foi possível constatar a existência de planos e projetos, que colocam KaTembe como uma possibilidade de surgimento de uma nova centralidade urbana na região. Entretanto, a sua implementação deve antecipar o processo de ocupação desordenada em curso. Caso contrário, a construção de infra-estruturas urbanas previstas nestes planos e projetos será muito onerosa enquanto implicará demolições e apropriações de áreas já resididas, o que provocará tensões com os residentes destas áreas.

Portanto, espera-se com o presente estudo ter contribuído sobre o processo de ocupação das terras através da interpretação visual de imagens no Google Earth e posterior criação de polígonos representando terras ocupadas, um método que tem como limitação o consumo de muito tempo quando se tratar de grandes áreas a serem analisadas.

AGRADECIMENTOS

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Instituto Superior Politécnico de Gaza (ISPG) e à Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    06 Fev 2022
  • Aceito
    23 Mar 2022
  • Publicado
    23 Maio 2022
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