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Insegurança Hídrica Domiciliar e Vulnerabilidade Social em Contexto Municipal do Semiárido Cearense

Resumo

Insegurança hídrica domiciliar refere-se à situação de dificuldades de acesso a água em qualidade e quantidade suficiente a manutenção do bem-estar humano. Embora seja uma premissa para a sobrevivência esse direito básico, por vezes não é assegurado. Este artigo tem como objetivo verificar se há correlação entre a insegurança hídrica domiciliar e a vulnerabilidade social no semiárido cearense. Para isso aplicou-se o protocolo “Household Water Insecurity Experiences - HWISE” nos agregados familiares visando investigar os diversos problemas relacionados a água e ao abastecimento hídrico domiciliar. Utilizou-se técnicas estatísticas da análise exploratória de dados por meio da análise fatorial, de agrupamentos e de correlação espacial para verificar a relação espacial entre insegurança hídrica e a vulnerabilidade social. Os principais resultados mostram que embora haja um quadro de insegurança hídrica domiciliar, a relação desta com a vulnerabilidade social é mais acentuada nas áreas urbanas. Nas áreas rurais, onde a vulnerabilidade é maior, a existência de múltiplas fontes de abastecimento como as cisternas e os carros pipa passam para a população uma sensação mais elevada de segurança hídrica, tanto no acesso como na disponibilidade de água para o consumo domiciliar. Mediante os resultados atingidos evidencia-se que a insegurança hídrica domiciliar pressupõe a consideração de ampla gama de fatores e sua avaliação não pode ser conseguida mediante somente a utilização de indicador sintético de vulnerabilidade social.

Palavras-chave:
Desenvolvimento humano; Segurança hídrica; Correlação espacial

Abstract

Household water insecurity refers to difficulties accessing water of sufficient quality and quantity to maintain human well-being. Although this fundamental right is a premise for survival, it is not always guaranteed. This article aims to verify whether there is a correlation between household water insecurity and social vulnerability in the semi-arid region of Ceará. For this purpose, the "Household Water Insecurity Experiences - HWISE" protocol was applied to households to investigate the various problems related to water and household water supply problems. Statistical exploratory data analysis techniques were used through factor analysis, clusters, and spatial correlation to verify the spatial relationship between water insecurity and social vulnerability. The main results show that although there is a situation of household water insecurity, its connection with social vulnerability is more pronounced in urban areas. In rural areas, where vulnerability is higher, the presence of multiple water supply sources such as cisterns and water tankers conveys a higher sense of water security to the population, both in terms of access and availability of water for household consumption. Based on the achieved results, it is evident that household water insecurity requires the consideration of a wide range of factors, and its assessment cannot be accomplished solely through the use of a synthetic indicator of social vulnerability.

Keywords:
Human development; Water security; Spatial correlation

INTRODUÇÃO

O acesso à água é um direito universal e bem essencial à vida, no entanto, estima-se que 663 milhões de pessoas no mundo enfrentam algum tipo de escassez de água (UNICEF; WHO, 2015UNICEF - United Nations International Children's Emergency Fund. WHO. World Health Organization. Progress on Sanitation and Drinking Water: 2015 Update and MDG Assessment. New York. 2015.). A dificuldade no acesso é decorrente de vários aspectos, sendo comumente associada às condições climáticas, ao nível de desenvolvimento tecnológico e as desigualdades sociais.

No Brasil, as dificuldades de acesso à água de qualidade se relacionam às condições sociais, ambientais e às infraestruturas hídricas existentes. Na região Norte do país apesar de possuir uma das maiores bacias hidrográficas do mundo, há um déficit no sistema de abastecimento de água em diversas localidades, além de problemas de qualidade da água. No Sudeste, além da demanda de acesso a água decorrente do contingente populacional urbano há de se destacar que em alguns casos, verificam-se grande problemas com a qualidade (RIBEIRO, 2017RIBEIRO, S. L. Considerações iniciais sobre a segurança hídrica do Brasil. Revista Brasileira de Estudos de Defesa. v. 4, nº 1, p. 155-180, 2017. https://doi.org/10.26792/rbed.v4n1.2017.70306
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). Por seu turno, o nordeste brasileiro é conhecido historicamente pela escassez hídrica anual e as constantes secas que geram impactos negativos nos aspectos sociais, econômicos e influenciam na insegurança hídrica, confirme tratam (GUTIÉRREZ et al., 2014GUTIÉRREZ, A. P. A.; ENGLE, N. L.; DE NYS, E.; MOLEJÓN, C.; MARTINS, E. S. Drought preparedness in Brazil. Weather and Climate Extremes. v.3, p. 95-106, 2014. https://doi.org/10.1016/j.wace.2013.12.001
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; MARENGO et al., 2017MARENGO, J. A.; TORRES, R. R.; ALVES, L. M. Drought in Northeast Brazil: past, present, future. Theoretical and Applied Climatology. v. 129, p. 1189-1200, 2017. https://doi.org/10.1007/s00704-016-1840-8
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; JEPSON et al., 2021JEPSON, W.; TOMAZ, P.; SANTOS, J. O.; BAEK, J. A comparative analysis of urban and rural household water insecurity experiences during the 2011-17 drought in Ceará, Brazil. Water International, v. 46, p. 1-26, 2021. https://doi.org/10.1080/02508060.2021.1944543
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).

No Estado do Ceará em específico, a seca de 2012-2016 foi considerada a pior seca dos últimos 100 anos (CEARÁ, 2016CEARÁ. Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos. Hídricos Ceará passa pela pior seca prolongada desde 1910. Fortaleza, 2016. Disponível em: http://www.funceme.br/index.php/comunicacao/noticias/740cear%C3%A1passapelapiorsecaprolongadadesde1910? tmpl=component&print=1&page=. Acesso em: 11 jan. 2017.
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), desencadeando um quadro generalizado de insegurança hídrica em todo o estado. Mesmo atingindo todo o território, a situação mais grave se deu nos pequenos núcleos urbanos do semiárido, onde a insegurança hídrica se associou aos demais problemas sociais existentes.

Os problemas resultantes trazem à tona reflexão sobre os planos e ações desenvolvidos desde o século XIX para o Nordeste do Brasil pelas diferentes esferas governamentais visando mitigar os impactos das secas e garantir a segurança hídrica. A principal marca dessas intervenções foi a construção de reservatórios e mais recentemente a incorporação de canais e adutoras. Perspectiva ratificada com o Plano Nacional de Segurança Hídrica (BRASIL, 2019BRASIL. Agência Nacional de Águas (ANA). Plano Nacional de Segurança Hídrica. Brasília: ANA, 2019. ), que em sua essência aborda a realização de obras de infraestrutura e negligencia aspectos inerentes ao desenvolvimento humano, especialmente nos grupos mais vulneráveis.

Mediante o direcionamento das abordagens centrado na infraestrutura e nas condições climáticas surgiram iniciativas de entender a segurança hídrica embasadas na perspectiva do desenvolvimento humano (JEPSON, 2014JEPSON, W. Measuring ‘no-win’ waterscapes: Experience-based scales and classification approaches to assess household water security in colonias on the US-Mexico border. Geoforum. v, 51, p. 107-120, 2014. https://doi.org/10.1016/j.geoforum.2013.10.002
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; DAPAAH; HARRIS, 2017DAPAAH, E. K.; HARRIS, L. M. Framing community entitlements to water in Accra, Ghana: A complex reality. Geoforum 82, p. 26-39. 2017. https://doi.org/10.1016/j.geoforum.2017.03.011
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; JEPSON et al., 2017JEPSON, W.; BUDDS, J.; EICHELBERGER, L.; HARRIS, L.; NORMAN, E.; O’REILLY, K.; PEARSON, A.; SHAH, S.; SHIINN, J.; STADDON, C.; STOLER, J.; WUTICH, A.; YOUNG, S. Advancing human capabilities for water security: A relational approach. Water Security. n. 1, p. 46-52, 2017. https://doi.org/10.1016/j.wasec.2017.07.001
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; MEHTA, 2014MEHTA, L. Water and Human Development. World Development. v. 59, p. 59-69, 2014. ), indo além das abordagens centradas na disponibilidade e oferta de infraestruturas. Buscam em essência trazer as questões culturais e sociais tomando como referência a contexto das famílias em seus domicílios.

Essa nova perspectiva analítica amplia o entendimento da temática ao trazer as questões hidrossociais para o centro das preocupações, o que revela diferentes contextos de insegurança hídrica. Referidas abordagens possibilitam, como destaca Subbaraman et al. (2015 SUBBARAMAN, R.; NOLAN, L.; SAWANT, K.; SHITOLE, S.; SHITOLE, T.; NANARKAR, M.; PATIL-DESHMUKH, A.; BLOOM, D. E. Multidimensional Measurement of Household Water Poverty in a Mumbai Slum: Looking Beyond Water Quality. PLOS ONE. v. 21, p. 1-19, 2015. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0133241
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), compreender a insegurança hídrica como as deficiências na qualidade, quantidade, acesso, confiabilidade, acessibilidade e equidade da água na prestação de serviços.

Pesquisas recentes como as de Jepson e Brown (2014JEPSON, W.; BROWN, H. L. If no gasoline, no water’: privatizing drinking water quality in South Texas colônias. Environment and Planning. v. 46, p. 1032 - 1048, 2014. https://doi.org/10.1068/a46170
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), Jepson (2014)JEPSON, W. Measuring ‘no-win’ waterscapes: Experience-based scales and classification approaches to assess household water security in colonias on the US-Mexico border. Geoforum. v, 51, p. 107-120, 2014. https://doi.org/10.1016/j.geoforum.2013.10.002
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, Mehta (2014MEHTA, L. Water and Human Development. World Development. v. 59, p. 59-69, 2014. ) e Schur (2017SCHUR, E. L. Potable or Affordable?: A Comparative Study of Household Water Security Within a Transboundary Aquifer Along the U.S.-Mexico Border. Journal of Latin American Geography, v. 16, n. 3. p. 29-58, 2017. https://doi.org/10.1353/lag.2017.0051
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) mostram que a insegurança hídrica não é exclusividade dos países em desenvolvimento. Contudo, os problemas apresentam maior intensidade no sul global onde populações enfrentam escassez aguda de água (WORKMAN; UREKSOY, 2017WORKMAN, C. L.; UREKSOY, H. Water insecurity in a syndemic context: Understanding the psychoemotional stress of water insecurity in Lesotho, Africa. Social Science & Medicine, v. 179, p. 52-60, 2017. https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2017.02.026
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; MEHTA, 2014MEHTA, L. Water and Human Development. World Development. v. 59, p. 59-69, 2014. ), como foi verificado na Bolívia (WUTICH, 2009WUTICH, A. Intrahousehold Disparities in Women and Men’s Experiences of Water Insecurity and Emotional Distress in Urban Bolivia. Medical Anthropology Quarterly, v. 23, Issue 4, p. 436-454, 2009. https://doi.org/10.1111/j.1548-1387.2009.01072.x
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; HADLEY; WUTICH, 2009HADLEY, C.; WUTICH, A. Experience-based Measures of Food and Water Security: Biocultural Approaches to Grounded Measures of Insecurity. Human Organization. v. 68, n. 4, p. 451-460, 2009. https://doi.org/10.17730/humo.68.4.932w421317680w5x
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) e no Brasil (COÊLHO et al., 2004COÊLHO, A. E. L.; ADAIR, J. G.; MOCELLINANE, S. P. Psychological Responses to Drought in Northeastern Brazil. Interamerican Journal of Psychology. v. 38, n. 1, p. 95-103, 2004.; JEPSON et al., 2021JEPSON, W.; TOMAZ, P.; SANTOS, J. O.; BAEK, J. A comparative analysis of urban and rural household water insecurity experiences during the 2011-17 drought in Ceará, Brazil. Water International, v. 46, p. 1-26, 2021. https://doi.org/10.1080/02508060.2021.1944543
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), onde as condições de vulnerabilidade social tendem a ser mais acentuadas, magnificando a insegurança hídrica.

Mediante os pressupostos indicados, o presente artigo tem como objetivo verificar se há relação entre a insegurança hídrica domiciliar e a vulnerabilidade social, buscando evidenciar se é possível estabelecer um padrão de distribuição espacial entre esses dois indicadores. Para validação dos resultados é utilizado como estudo de caso o município de Forquilha, estado do Ceará, Brasil.

METODOLOGIA

Área de Estudo

A área de estudo abrange o município de Forquilha, localizado no Estado do Ceará, região nordeste do Brasil (Figura 1). O município possui uma extensão territorial de 516,99 km2 e uma população de 21.786 habitantes, dos quais 71,02% residem na área urbana (CEARÁ, 2017CEARÁ, Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do. (IPECE). Perfil básico municipal Forquilha. Governo do estado do Ceará. Secretária do Planejamento e Coordenação. 2017.).

Caracteriza-se pelas condições geoambientais do semiárido, que se caracterizam por altas temperaturas e taxas de evapotranspiração, juntamente com índices pluviométricos relativamente baixos, concentrados tanto no tempo quanto no espaço (CEARÁ, 2017CEARÁ, Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do. (IPECE). Perfil básico municipal Forquilha. Governo do estado do Ceará. Secretária do Planejamento e Coordenação. 2017.). A região está inserida no domínio da Depressão Sertaneja, apresentando solos rasos e pedregosos com baixa capacidade de armazenamento de água no subsolo, devido à sua composição cristalina (CEARÁ, 2016CEARÁ. Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos. Hídricos Ceará passa pela pior seca prolongada desde 1910. Fortaleza, 2016. Disponível em: http://www.funceme.br/index.php/comunicacao/noticias/740cear%C3%A1passapelapiorsecaprolongadadesde1910? tmpl=component&print=1&page=. Acesso em: 11 jan. 2017.
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; CEARÁ, 2017CEARÁ, Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do. (IPECE). Perfil básico municipal Forquilha. Governo do estado do Ceará. Secretária do Planejamento e Coordenação. 2017.; TOMAZ, 2020TOMAZ, P.; JEPSON, W.; SANTOS, J. O. Urban Household Water Insecurity from the Margins: Perspectives from Northeast Brazil. The Professional Geographer. 2020. https://doi.org/10.1080/00330124.2020.1750439
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).

Figura 1
Localização geográfica da área de estudo

Em relação ao fornecimento de água, o município de Forquilha apresenta uma taxa de cobertura de 98,86% na área urbana e 74,16% na área rural, conforme dados do IBGE (2010)IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico. 2010. . No entanto, as famílias que não possuem acesso a esse sistema de abastecimento, geralmente obtêm água de poços e pequenos reservatórios.

O município enfrentou severas consequências da seca ocorrida entre 2012 e 2016. A partir de 2015, durante o auge da crise hídrica no estado do Ceará, foram implementadas diversas soluções alternativas de abastecimento para atender à população, uma vez que o sistema de abastecimento público não conseguia fornecer água de forma contínua e com qualidade adequada para o consumo. Paralelamente, os residentes empreenderam esforços para buscar outras fontes complementares de água, como a aquisição de água engarrafada de empresas privadas.

Classificação da Insegurança Hídrica Domiciliar

A avaliação da insegurança hídrica é baseada na construção do Índice de Insegurança Hídrica Domiciliar - HWISI (TOMAZ et al., 2020TOMAZ, P.; JEPSON, W.; SANTOS, J. O. Urban Household Water Insecurity from the Margins: Perspectives from Northeast Brazil. The Professional Geographer. 2020. https://doi.org/10.1080/00330124.2020.1750439
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). Para obter os dados primários utilizados nesse índice, foi aplicado um instrumento de pesquisa (protocolo) desenvolvido pelo grupo de pesquisadores da rede de colaboração “Household Water Insecurity Experiences” - HWISE (https://hwise-rcn.org/) publicado em Young et al. (2019YOUNG, S. L.; COLLINS, S. M.; BOATENG, G. O.; NEILANDS, T. B.; JAMALUDDINE, Z.; MILLER, J. D. BREWIS, A. A.; FRONGILLO, E. A.; JEPSON, W. E.; MELGAR-QUIÑONEZ, Hugo.; SCHUSTER, R. C. STOLER, J. B.; WUTICH, A.; on behalf of the HWISE Research Coordination Network. Development and validation protocol for an instrument to measure household water insecurity across cultures and ecologies: the Household Water InSecurity Experiences (HWISE) Scale. BMJ Open. 2019. https://doi.org/10.1136/bmjopen-2018-023558
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). Esse protocolo foi criado com o objetivo de facilitar a coleta e análise colaborativa e multinacional de dados relacionados aos problemas com a água (YOUNG et al., 2019YOUNG, S. L.; COLLINS, S. M.; BOATENG, G. O.; NEILANDS, T. B.; JAMALUDDINE, Z.; MILLER, J. D. BREWIS, A. A.; FRONGILLO, E. A.; JEPSON, W. E.; MELGAR-QUIÑONEZ, Hugo.; SCHUSTER, R. C. STOLER, J. B.; WUTICH, A.; on behalf of the HWISE Research Coordination Network. Development and validation protocol for an instrument to measure household water insecurity across cultures and ecologies: the Household Water InSecurity Experiences (HWISE) Scale. BMJ Open. 2019. https://doi.org/10.1136/bmjopen-2018-023558
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).

As variáveis contidas no protocolo HWISE foram organizadas por dimensões que possibilitam a avaliação da insegurança hídrica (disponibilidade, qualidade, acessibilidade, estresse) além de abranger questões sociodemográficas e econômicas. Há no total cerca de 110 itens (variáveis) no protocolo com questões subjetivas e objetivas.

Para a definição do tamanho da amostra foi aplicado o cálculo amostral para populações finitas, com nível de confiança de 90% e erro amostral de 0,5 resultando em uma amostra de 258 (n). No total, aplicou-se 321 (n) protocolos, a fim de se obter maior margem de confiança.

Indicador de Vulnerabilidade Social

A utilização de um índice de vulnerabilidade social (IVS) é uma importante ferramenta que permite identificar territórios que, por vezes, abrigam grandes segmentos populacionais apresentando condições socioeconômicas desfavoráveis. Isto se torna possível porque o IVS possibilita compreende a agregação de um conjunto de variáveis que fornecem uma representação aproximada das condições de vida de determinados agrupamentos sociais. Justamente por isso a construção do IVS requer uma escolha cuidadosa das variáveis que serão utilizadas, considerando inclusive a disponibilidade de dados.

A vulnerabilidade social foi estabelecida por um índice sintético de vulnerabilidade - IVS construído mediante técnicas estatísticas de análise fatorial e agrupamentos tentando abranger e relacionar indicadores de infraestrutura e saneamento básico, de educação, situação social e renda. O Cálculo do IVS seguiu os preceitos estabelecidos por Kaztman (2001KAZTMAN, R. Seducidos y abandonados: el aislamiento social de los pobres urbanos. Revista de la CEPAL. Santiago do Chile, n.75, p.171-189. 2001. https://doi.org/10.18356/16a0b21c-es
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), Medeiros et al. (2014MEDEIROS, C. N.; SOUZA, M. J. N.; SANTOS, J. O. Análise das condições de vulnerabilidade social do município de Caucaia (CE). GEOGRAFIA (RIO CLARO. IMPRESSO), v. 39, p. 383-401, 2014.) e Tomaz (2019TOMAZ, P. A. Insegurança hídrica domiciliar no município de Forquilha, Ceará, Brasil. 2019. 225f. Tese (Doutorado em Geografia) - Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2019.).

As variáveis utilizadas para formar o banco de dados da vulnerabilidade social são referentes aos dados censitários. O Quadro 1 apresenta uma síntese de autores que estudaram a vulnerabilidade social e indicaram variáveis e dimensões em que as variáveis podem estar agrupadas. Os indicadores utilizados neste estudo para compor o IVS-Forquilha foram principalmente a partir da apreensão do Quadro 1.

Quadro 1
Exemplo de Indicadores utilizados para formar índice

Estabelecimento da Correlação entre Insegurança Hídrica e a Vulnerabilidade Social

Utilizou-se a Análise Fatorial (AF) a fim de abranger o maior número de variáveis possíveis, mas de forma agrupada para melhor análise dos dados. A AF foi aplicada em um amplo banco de dados relacionado a insegurança hídrica, mas com a avaliação dos resultados, apenas 22 itens foram retidos pelo modelo, representando as dimensões correlacionáveis da insegurança hídrica. As variáveis secionadas neste estudo seguiram metodologia apresentada por Tomaz et al. (2020TOMAZ, P.; JEPSON, W.; SANTOS, J. O. Urban Household Water Insecurity from the Margins: Perspectives from Northeast Brazil. The Professional Geographer. 2020. https://doi.org/10.1080/00330124.2020.1750439
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). Com os resultados da AF, tanto os dados de vulnerabilidade quanto o de insegurança hídrica foram classificados em clusters para o conhecimento dos níveis dos fenômenos analisados. Para a formação dos clusters aplicou-se o método não hierárquico K-Média, que usa medidas de distância euclidiana (distância geométrica entre dois pontos no espaço), processos em que são definidos centros de aglomeração a partir dos quais são alocadas as observações pela proximidade entre eles (FÁVERO, 2017FÁVERO, L. P.; BELFIORE, P. Manual de Análise de Dados: estatística e modelagem multivariada com excel, SPSS e Stata. Rio de Janeiro: Elsevier, 2017.).

Os resultados possibilitaram o estabelecimento de quatro classes de insegurança hídrica: muito baixa, baixa, média e alta, o que se alinha com as categorias normalmente utilizada para as avaliações de vulnerabilidade, como apresentadas em Souza e Zanella (2010SOUZA, L.B.; ZANELLA, M. E. Percepção de riscos ambientais: teoria e aplicações. 2. ed. Fortaleza: EDUFC, 2010. v. 1. 237p. ), Santos (2015SANTOS, J. O. Relações entre fragilidade ambiental e vulnerabilidade social na susceptibilidade aos riscos. Mercator, Fortaleza, v. 14, n. 2, p. 75 - 90, 2015. https://doi.org/10.4215/RM2015.1402.0005
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), Dantas et al. (2016DANTAS, E. W. C.; COSTA, M. C. L.; ZANELLA, M. E. Vulnerabilidade socioambiental e qualidade de vida em Fortaleza. 1. ed. Fortaleza: Imprensa Universitária, 2016. v. 1. 116p.). Para o banco de dados de vulnerabilidade foram utilizadas 8 variáveis em decorrência da regra de proporção da análise fatorial, o número de variáveis e o número de observações deve ser no mínimo 1:5 (HAIR JR, et al., 2009HAIR JR., J. F.; BLACK, W. C.; BABIN B. J. ; ANDERSON, R. E.; TATHAM, R. L. Análise multivariada de dados. Tradução Adonai Schlup Sant’Anna. 6. ed. Dados eletrônicos. Porto Alegre: Bookman, 2009.), no caso dessa análise, as observações referem-se aos 38 setores censitários de Forquilha.

Os testes que verificam se os dados suportam uma análise fatorial foram satisfatórios. O teste de Bartlett foi significativo (p-valor = 0,000), para os dois bancos de dados. No teste Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) se obteve 0,668 para vulnerabilidade e 0,707 para a insegurança hídrica, valores acima do ponto crítico (HAIR JR, et al., 2009HAIR JR., J. F.; BLACK, W. C.; BABIN B. J. ; ANDERSON, R. E.; TATHAM, R. L. Análise multivariada de dados. Tradução Adonai Schlup Sant’Anna. 6. ed. Dados eletrônicos. Porto Alegre: Bookman, 2009.). Na matriz anti-imagem, o MSA excedeu o valor de 0,50 que sinaliza o quão adequado é a aplicação da análise fatorial. O valor de Comunalidade dos dados foram > 0,50.

Os fatores foram extraídos pela “Análise dos Componentes Principais” (ACP) considerando-se apenas fatores com autovalores maiores que 1. Obtivemos 8 fatores para a insegurança hídrica que explicaram no total 71% da variância. O modelo da AF para a vulnerabilidade considerou 3 fatores explicando 85,68% da variância total. O Quadro 02 apresenta os fatores extraídos para os bancos de dados referente a vulnerabilidade social, que conforme as características das variáveis agrupadas em cada fator, foi possível nomeá-las representando dimensões de vulnerabilidade social.

Quadro 2
Fatores extraídos e as dimensões que compõem o IVS-Forquilha

Construiu-se o Índice de Insegurança Hídrica Domiciliar e Índice de Vulnerabilidade Social de Forquilha através da agregação dos indicadores (fatores) em um modelo matemático descrito em Kubrusly (2001KUBRUSLY, L. S. Um procedimento para calcular índices a partir de uma base de dados multivariados. Pesquisa Operacional. v. 21, n. 1, p. 107-117, 2001. https://doi.org/10.1590/S0101-74382001000100007
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). A fórmula utilizada para o cálculo do índice consiste em,

I A j = i = 1 n w i f i j

onde IAj = Índice Agregado da j-ésima observação; wi = peso atribuído ao i-ésimo fator (wi = percentual da variância explicada pelo componente i / percentual da variância explicada por todos os fatores); fij = escore fatorial do i-ésimo componente para a j-ésima observação; i= 1; p (componentes principais) e j = 1; n (observações)

O índice foi padronizado (Min-Max) sendo que o melhor desempenho adquiriu o valor 0 e o pior recebeu valor 1. Posteriormente, os valores foram agrupados através da distância euclidiana e o método de aglomeração não-hierárquico K-média para identificar agregados com padrões de comportamento semelhantes.

Para estabelecer correlações espaciais entre índice de insegurança hídrica e de vulnerabilidade, foram utilizadas técnicas da “Análise Exploratória de Dados Espaciais” (AEDE). A hipótese verificada por meio da análise exploratória de dados espaciais é de aleatoriedade espacial, significa dizer que uma variável numa região não depende dos valores dessa variável nas regiões vizinhas (ALMEIDA, 2012ALMEIDA, E. Econometria Espacial Aplicada. Alínea: Campinas: SP, 2012.).

Para inserir o efeito espacial testou-se as matrizes de contiguidade do tipo “Queen” e “Rook” (ALMEIDA, 2012ALMEIDA, E. Econometria Espacial Aplicada. Alínea: Campinas: SP, 2012.). Posteriormente aplicou-se o coeficiente I de Moran Global que usa a medida de autocovariância na forma de produto cruzado e testa a hipótese nula de aleatoriedade espacial (ALMEIDA, 2012ALMEIDA, E. Econometria Espacial Aplicada. Alínea: Campinas: SP, 2012.). Confirmado a correlação espacial, prosseguiu-se com a verificação de formação de padrões espaciais dos índices analisados e se a insegurança hídrica está sendo influenciada pela vulnerabilidade social. Para tanto se utilizou o índice de I Moran Local Bivariado que tem como hipótese nula (H0), a não associação espacial local (ANSELIN, 1995ANSELIN, L. Local Indicator of Spacial Association-LISA. Geographical Analysis. v. 27, n. 2, p. 93-115. 1995. https://doi.org/10.1111/j.1538-4632.1995.tb00338.x
https://doi.org/10.1111/j.1538-4632.1995...
).

RESULTADOS

Insegurança Hídrica Domiciliar no Município de Forquilha

A avaliação da segurança hídrica é expressa pelo índice de insegurança hídrica domiciliar para o município de Forquilha. Resultado do agrupamento de 4 clusters classificados quanto: Insegurança Hídrica Muito Baixa; Insegurança Hídrica Baixa; Insegurança Hídrica Média; e Insegurança Hídrica Alta. A Tabela 1 apresenta os grupos formados com os valores limiares do índice.

Tabela 1
Classes do Índice de Insegurança Hídrica Domiciliar - HWISI

Parte significativa da população de Forquilha possui problemas de abastecimento hídrico domiciliar. Entre Insegurança Hídrica Média à Alta a proporção de agregados é maior na área urbana com 24,89% contra 11,88% na área rural. Famílias nesta situação apresentam problemas de disponibilidade e acesso, incluindo as dificuldades econômicas para se obter água de qualidade aceitável.

O teste T de Student para comparação de média apresentou evidencia de diferença de áreas (urbana e rural) estatisticamente significativa (p-valor = 0,001) mostrando que a área urbana apresenta maiores problemas na aquisição de água (média = 0,27) para consumo doméstico se comparado a área rural (média = 0,20).

As principais diferenças foram encontradas nas variáveis que abordam o estresse devido aos problemas com a água, sendo os mais citados sentimentos como medo, incomodo e preocupação. A Figura 2 mostra a média dos valores obtidos pela análise dos escores fatoriais distribuídos conforme as dimensões de insegurança hídrica, evidenciando a diferença entre as áreas rurais e urbana e no município de Forquilha.

Figura 2
Diferença da insegurança hídrica nas dimensões de avaliação

A dimensão “qualidade” também obteve evidência de diferença de média entre áreas (p-valor= 0,014). Residentes descreviam características desagradáveis na água, como cor amarelada, escura e mau cheiro, sendo mais frequente na área rural.

Problemas com a disponibilidade e acesso a água são semelhantes em ambas as áreas. Com os constantes interrompimentos no abastecimento de água, famílias precisam adquirir fontes alternativas, muitas vezes não confiáveis e de difícil acesso. Algumas situações foram mais críticas na área urbana, como o tempo despendido para obter água. Os resultados apontam que os residentes destinavam em média 30 minutos para aquisição de água. Esse tempo era decorrente da fila para ter acesso à água em chafariz público e carros pipa. Em outras situações, moradores expressaram preocupação com a segurança pessoal ou do responsável por buscar água devido a ocorrência de roubos e brigas nas filas dos chafarizes. Mulheres evitam pegar água a noite porque se sentem mais vulneráveis.

Vulnerabilidade Social Forquilha

Os resultados obtidos revelam que a vulnerabilidade social em Forquilha é uma característica marcante na realidade municipal, já que pouco menos de 27% da população pode ser considerada com em situação de baixa vulnerabilidade.

Ao contrário da insegurança hídrica, a vulnerabilidade social em Forquilha foi mais intensa na área rural. A Tabela 2 apresenta os dados relativos ao indicador de vulnerabilidade social - IVS.

Tabela 2
Classes do índice de vulnerabilidade social no município de Forquilha

A vulnerabilidade média atingiu o maior número de residentes (8.271), seguida da vulnerabilidade alta (7.373). A maior parte da população vive em condições de precariedade, 76,32% dos residentes estão entre vulnerabilidade média a muito alta.

Na área rural, os indicadores de infraestrutura e saneamento básico, educação e renda apresentaram os piores resultados. A vulnerabilidade para esta área variou de alta a muito alta, a maior parte da área rural possui vulnerabilidade alta atingindo 6.374 residentes.

A vulnerabilidade alta nos setores rurais confirma as baixas estruturas de oportunidades para esta população. A maior parte dos moradores da área rural de Forquilha vive da agricultura de subsistência, atividade dependente dos aspectos geoambientais que por outro lado, apresentam limitações à produção de alimentos, logo, os produtores rurais são pegos em ciclos intratáveis de baixa produtividade, desemprego sazonal e baixos salários e são particularmente vulneráveis (UN, 2014UN - United Nations. UNDP. United Nations Development Programme. Sustaining Human Progress: Reducing Vulnerabilities and Building Resilience. Human Development Report. USA. 2014.).

Interações Espaciais entre Insegurança Hídrica Evulnerabilidade Social

A aplicação do I de Moran Global para verificação das correlações espaciais da vulnerabilidade social e insegurança hídrica resultou em valores positivos com significância de 5%, mostrando indícios de autocorrelação espacial de cada índice separadamente (Figura 3).

Figura 3
Diagrama de dispersão da medida I de Moran Global (univariada) para o HWISI e o IVS, conforme as convenções Queen

Os dois índices apresentaram correlação espacial do tipo Alto-Alto e Baixo-Baixo, o que implica dizer que setores que apresentam altos valores são vizinhos de setores que possuem as mesmas características. Da mesma forma indica que setores com baixos valores possuem vizinhos que em média também possuem baixos índices.

Comprovando-se a existência de correlação espacial foi utilizado o I Moran Local Bivariado para identificar padrões de correlação espacial entre vulnerabilidade social e insegurança hídrica, visando explicitar as relações entre os fenômenos e sua compreensão espacial. O resultado identificou valores estatisticamente significativos (ao nível de 5%). A Figura 4 apresenta os resultados da correlação espacial entre os fenômenos que foram classificadas como estatisticamente significativas.

Figura 4
Mapa de significância e de Cluster - I Moran Local Bivariado para o Índice de Insegurança Hídrica Domiciliar e o Índice de Vulnerabilidade Social, com destaque para a área urbana no canto superior direito.

O índice de insegurança hídrica tem associação positiva do tipo Alto-Alto com o índice de vulnerabilidade social na área urbana. As evidências apontam que os bairros periféricos possuem problemas com o abastecimento de água devido a insuficiência do sistema de abastecimento do município.

O agrupamento do tipo Baixo-Alto demostrou correlação negativa entre os fenômenos. Nesses casos a insegurança hídrica não pode ser explicada pela vulnerabilidade. A correlação negativa aponta que o nível de vulnerabilidade social não é causa para altos índices de insegurança hídrica desses setores. Nesse caso os problemas podem estar relacionados ao subdimensionamento ou necessidade de ampliação da rede pública de abastecimento de água.

No último quadrante significativo do tipo Alto-Baixo, formado por setores da área rural, foi apresentada correlação negativa onde regiões com alta vulnerabilidade social são vizinhos de regiões que em média, apresentam baixa insegurança hídrica. Estas localidades apresentam maior proporção de agregados no nível de insegurança hídrica muito baixa. Nestes locais as adversidades parecem não influenciar na percepção dos moradores quanto a sua insegurança hídrica. Nesses casos os resultados indicam que os índices de vulnerabilidade, usados largamente para explicar diversos problemas sociais e de exclusão a serviços básicos, não conseguem abranger todas as dimensões e situações sociais estabelecidas. Neste cenário, a insegurança hídrica parece ter sido influenciada por aspectos que não puderam ser dimensionados na construção do indicador da vulnerabilidade.

Neste interim, faz-se premente conjecturar sobre os fatores que explicam ou influenciam uma maior segurança hídrica na área rural em detrimento da área urbana. É importante elencar algumas observações que vão além de métodos quantitativos e perpassa pela subjetividade de um grupo vulnerável, como pode ser o caso da população rural de Forquilha.

A população rural mostrou-se mais adaptada e capaz de manter o acesso a água em épocas de crise, sobretudo devido a coexistência de políticas de convivência com a escassez hídrica. Nesse contexto assume destaque a construção de cisternas de placas e implementação dos sistemas de abastecimento rural. A conjunção dessas ações pode ter contribuído para ampliação da percepção das comunidades sobre o grau de segurança hídrica, se comparada ao cenário anterior à instalação dessas estruturas. Explicar a (in)segurança hídrica domiciliar nessas situações se mostra mais complexo que a descrição das infraestruturas instaladas ou a coleta de dados quantitativos.

Mesmo apresentando baixo nível de insegurança hídrica domiciliar a área rural de Forquilha apresenta o maior quantitativo de pessoas vulneráveis, concentrando baixos indicadores de renda, educação e saneamento ambiental.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A insegurança hídrica em Forquilha foi analisada de modo a obter a identificação de quão inseguros são os agregados familiares. Os resultados evidenciam uma realidade em que a maior parte dos residentes possui baixa renda e apresenta dificuldades de acesso a serviços básicos de saneamento e educação. A infraestrutura hídrica de abastecimento de água, por outro lado, apresenta falhas quanto a disponibilidade e qualidade da água.

Os resultados apresentados reforçam a concepção que populações mais vulneráveis socialmente têm apresentado maiores dificuldades em lidar com as adversidades, como no caso das secas que acometem o semiárido cearense, fazendo com que os mais vulneráveis apresentem maior insegurança hídrica (SCHUR, 2017SCHUR, E. L. Potable or Affordable?: A Comparative Study of Household Water Security Within a Transboundary Aquifer Along the U.S.-Mexico Border. Journal of Latin American Geography, v. 16, n. 3. p. 29-58, 2017. https://doi.org/10.1353/lag.2017.0051
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; HADLEY; WUTICH, 2009HADLEY, C.; WUTICH, A. Experience-based Measures of Food and Water Security: Biocultural Approaches to Grounded Measures of Insecurity. Human Organization. v. 68, n. 4, p. 451-460, 2009. https://doi.org/10.17730/humo.68.4.932w421317680w5x
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).

Por meio da análise exploratória de dados espaciais foram identificados padrões de correlação entre a insegurança hídrica e a vulnerabilidade social em alguns setores. O índice de insegurança hídrica tem associação positiva com o IVS na área urbana, justamente em bairros que apresentam elevada vulnerabilidade social.

Mesmo com a relação estabelecida para bairros carentes da área urbana, o conjunto de dados (amostra) e os resultados obtidos não permitem afirmar estaticamente que há relação direta entre a insegurança hídrica e a vulnerabilidade social, posto que em setores da área rural essa relação foi inversa. Em situações onde a precariedade é a regra, como no caso das comunidades rurais, o abastecimento por carro pipa ou a necessidade de deslocamentos curtos para a obtenção de água (como as cisternas de placas) pode não ser vista como uma dificuldade. Nesse contexto são reforçadas perspectivas historicamente construídas sobre o acesso à água, onde muitas vezes ter que sair para buscar água não é um transtorno, desde que o deslocamento não seja longo.

Em tais situações a percepção dos grupos sociais quanto à sua própria vulnerabilidade é mascarada, reforçando sua condição de vulnerabilidade. Esse fato demonstra a principal limitação do estudo que consiste em captar a percepção dos entrevistados quanto a sua insegurança hídrica. Aspecto que deve ser mitigado com o desenvolvimento de pesquisas em novas áreas e com a incorporação de variáveis analíticas que possam associar estatisticamente essas duas dimensões. Lacunas que estão sendo tratadas no âmbito das investigações desenvolvidas pela rede HWISE Brasil - “House Household Water Insecurity”.

A insegurança hídrica domiciliar é um desafio a ser enfrentado no semiárido nordestino, principalmente nos períodos de seca, como ficou explicito em uma das mais extensas secas que acometeu o nordeste brasileiro de 2012 a 2016. No município de Forquilha foram identificados diversos problemas relacionados ao abastecimento de água. Tal situação tem resultados negativos nas famílias, refletidos em grandes esforços para obtenção de água, impactando nas relações hidrossociais, afetando o pleno desenvolvimento das capacidades humanas.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao CNPq pelo financiamento da pesquisa, através concessão de bolsa de produtividade e pesquisa processo n. processo n. 312000/2020-0 e projeto de pesquisa processo n. 423927/2021-3 chamada universal.

Ao Programa CAPES PRINT Proc. 88887.312019/2018-00: Integrated socio-environmental technologies and methods for territorial sustainability: alternatives for local communities in the context of climate change. À “National Sciense Found” - NSF pela concessão de auxílio financeiro à pesquisa, projeto “Urban Water Provisioning and Household Water Security in Northeast Brazil e à Household Water Insecurity Experiences” (HWISE) - “Research Coordination Network” (RCN) no desenvolvimento da rede de pesquisa.

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  • FINANCIAMENTO

    CNPq concebeu uma bolsa de produtividade e pesquisa, processo n. 312000/2020-0 e o projeto de pesquisa n. 423927/2021-3 da chamada universal. CAPES PRINT Proc. 88887.312019/2018-00: Integrated socio-environmental technologies and methods for territorial sustainability: alternatives for local communities in the context of climate change. National Sciense Found - NSF, projeto Urban Water Provisioning and Household Water Security in Northeast Brazil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Out 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    11 Jul 2023
  • Aceito
    16 Ago 2023
  • Aceito
    25 Ago 2023
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