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A produção orgânica no Estado da Bahia, Brasil: uma análise espaço-temporal dos cadastros e das entidades certificadoras (2014-2020)

Resumo

A agricultura orgânica no Brasil tem crescido consideravelmente nos últimos vinte anos, principalmente após a criação de leis e regulamentações específicas. Este trabalho objetivou analisar a dinâmica espacial e temporal dos registros de produtores orgânicos e das entidades certificadoras na Bahia, no período de 2014-2020, considerando os dados relativos aos Territórios de Identidade - TIs e à natureza do processo de certificação. Foram realizadas consultas bibliográficas, coletas de dados do Cadastro Nacional de Produtores Orgânicos e elaboração de mapas comparativos sobre os dados coletados. Constatou-se que, entre 2015 e 2017, a média anual de crescimento de novos produtores cadastrados foi de 43%; entre 2018 e 2020, caiu para 4%, coincidindo com um novo cenário político, que trouxe como marco no âmbito da agropecuária nacional, o fim do Ministério do Desenvolvimento Agrário e a ampliação e flexibilização do mercado de agrotóxicos. Os TIs Litoral Sul e Baixo Sul, na região cacaueira, foram os que apresentaram mais produtores orgânicos cadastrados; e os TIs que apresentaram menos cadastros foram Bacia do Rio Grande, Velho Chico, Bacia do Rio Corrente e Bacia do Paramirim, no extremo oeste, região dominada por sojicultura e cotonicultura. Os produtores orgânicos certificados por Sistemas Participativos de Garantia e Controle Social na Venda Direta, chegaram a representar 68% do total de cadastros em 2018 e 2019. Concluiu-se que há a necessidade de fortalecimento, no Estado da Bahia, dos Sistemas de Participativos de Garantia em processos de planejamento ambiental e territorial, apontando também a necessidade aprimorar o diagnóstico e a disponibilidade de dados sobre as áreas de produção orgânica. Além disso, na maior parte dos TIs do Estado, há lacunas que geram uma demanda de ações de Assistência Técnica Rural e pesquisas científicas voltadas à produção orgânica.

Palavras-chave:
Certificação orgânica Planejamento ambiental; Sistema Participativo de Garantia; Territórios de Identidade da Bahia

Abstract

Organic agriculture in Brazil has grown considerably in the last twenty years, mainly due to the creation of specific laws and regulations. This work spatially and temporally analyzed the growth in registrations of certified organic producers in the state of Bahia, between 2014 and 2020, considering data related to the identity territories (ITs) and to the nature of the certification process. Bibliographic consultations, data collection from the national register of organic producers and the elaboration of comparative maps based on the collected data were carried out. It was found that between 2015 and 2017 the annual average growth of newly registered producers was 43%. From 2018 to 2020, it fell to 4%, coinciding with a new political scenario, which is seen as a landmark in the scope of national agriculture, the end of federal departments responsible for agrarian development and the expansion and flexibilization of the pesticide market. The Litoral Sul and Baixo Sul ITs, in the south region, had the highest number of registered organic producers, with cocoa production. The ITs with the fewest registrations were the Bacia do Rio Grande, Velho Chico, Bacia do Rio Corrente and Bacia do Paramirim, in the extreme west, which is a region dominated by soybean and cotton farming. Organic producers certified by participatory assurance systems and social control organizations in direct sales represented 68% of the total registrations in 2018 and 2019. There is a need to strengthen the participatory assurance systems in environmental and territorial planning processes, and to improve the diagnosis and the availability of data on the areas of organic production in the state of Bahia. In addition, in most ITs in the state, there are gaps that generate a demand for actions of rural technical assistance and scientific research aimed at organic production.

Keywords:
Organic certification Environmental planning; Participatory Guarantee System; Bahia Identity Territories

INTRODUÇÃO

Os movimentos sociais, defensores de agriculturas mais ecológicas e sustentáveis, começaram a se organizar no Brasil, na década de 1980 (MEIRELES, 2020), impulsionando a criação da Lei nº 10.831, de 2003, que dispõe sobre a agricultura orgânica, e a sua regulamentação, por meio do Decreto Nº 6.323 de 2007. Segundo Bacoccina (2018BACOCCINA, D. O dilema dos orgânicos. Plant Project, ed.05, jul./ago. p.28-35, 2018. Available: https://plantproject.com.br/2018/02/o-dilema-dos-organicos/. Accessed: Jul. 18, 2021.
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), a agricultura orgânica nacional alcançou média de crescimento 25% ao ano, entre 2009 e 2017. A partir de 2012, foram lançadas a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO) e o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PLANAPO), tornando o Brasil uma nação pioneira na implementação de políticas públicas voltadas ao enfoque agroecológico (VILELA et al., 2019).

Para a Lei 10.831/03 (BRASIL, 2003) são sistemas orgânicos os denominados ecológico, biodinâmico, natural, regenerativo, biológico, agroecológico, permacultural e demais denominações. Assim, os princípios da agricultura orgânica devem ser uma base comum entre essas outras denominações. Abreu et al. (2012ABREU, L. S. et al. Relações entre agricultura orgânica e agroecologia: desafios atuais em torno dos princípios da agroecologia. Desenvolvimento e Meio Ambiente, v.26, p.143-160, jul./dez.2012. Editora UFPR. http://dx.doi.org/10.5380/dma.v26i0.26865
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) apontam que a agricultura orgânica pode prever a substituição simples de insumos e vem sendo comumente praticada na lógica organizacional da agricultura convencional, sendo possível observar a ocorrência de extensas monoculturas orgânicas. Diferentemente, os sistemas agroecológicos, segundo Gliessman (2001GLIESSMAN, S. R. Agroecologia: processos ecológicos em agricultura sustentável. 2.ed. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2001. 653 p.) e Altieri (2002ALTIERI, M. A. Agroecologia: bases científicas para uma agricultura sustentável. Guaíba: Agropecuária, 2002. 592 p.), têm foco no redesenho dos agroecossistemas, com forte diversificação de espécies, otimização dos fluxos de energia e da produtividade, além da sua abordagem social, relacionada ao fortalecimento dos movimentos campesinos de luta pela terra da América Latina.

Conforme os relatórios “The World of Organic Agriculture Statistics and Emerging Trends”, de 2017 e 2019, houve crescimento na área de produção orgânica mundial, de 50,9 milhões de hectares em 2015, para 69,8 milhões de hectares em 2017. A América Latina manejou 8 milhões de hectares, 11% da área de produção orgânica mundial. O Brasil representa 0,4%, totalizando 1.136.857 hectares (FIBL; IFOAM, 2017; 2019).

Apesar dos dispositivos legais e das áreas destinadas à produção orgânica brasileira mencionadas no relatório da FIBL, não há indicativos mais detalhados disponíveis, configurando um dos desafios nos estudos em ciências agrárias e ambientais, que é a obtenção de dados acerca da abrangência das agriculturas orgânicas. Este cenário, de ausência de informações, se agrava na Bahia, que ainda não tem regulamentação específica, apesar de haver a proposta de Lei 21.916/2016 de criação da Política Estadual de Agroecologia e Produção Orgânica, além das demandas locais advindas principalmente de cadeias produtivas associadas à sociobiodiversidade baiana (BAHIA, 2017).

O único mecanismo que fornece informações sobre produção orgânica, em nível municipal, estadual e nacional, é o Cadastro Nacional de Produtores Orgânicos (CNPO), que, conforme Vilela et al. (2019), foi implementado, em 2011, pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). O CNPO é uma relação de todos os produtores orgânicos nacionais e internacionais certificados por uma entidade acreditada pelo MAPA - este cadastro é um procedimento obrigatório para comercialização de produtos orgânicos no Brasil.

O CNPO não disponibiliza dados como total de área produtiva, abordagem do sistema orgânico, tamanho da produção por cultura ou criação, colheita e escoamento. Não fica claro se estes dados não existem ou se apenas não são disponibilizados. Mas o CNPO fornece informações relevantes, como a natureza do processo de certificação, o município de origem, o escopo e as atividades produtivas. Nesse sentido, alguns trabalhos já foram desenvolvidos: Constanty e Darolt (2014CONSTANTY, H. F. P.; DAROLT, M. R. O Cadastro Nacional de Produtores Orgânicos: o caso do estado do Paraná. Resumos do I Congresso Paranaense de Agroecologia -Pinhais/PR -29 e 30/05/2014. Cadernos de Agroecologia - Vol.9, No.1, 2014. Disponível em http://revistas.aba-agroecologia.org.br/index.php/cad/article/view/15601/10085. Accessed: Jan. 28, 2021.
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), Vilela et al. (2019) e Siqueira et al. (2020), mas nenhum deles traz muitos delhates sobre o Estado da Bahia.

Como unidade de planejamento, a Bahia tem sua regionalização por Territórios de Identidade (TIs) que, segundo Flores (2016FLORES, C. D. Territórios de Identidade na Bahia: Saúde, Educação, Cultura e Meio Ambiente frente à Dinâmica Territorial. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal da Bahia. Instituto de Geociências. Salvador, 2016. Available: http://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/19347. Accessed: Jul. 18, 2021.
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), nasceu a partir do conceito de “pertencimento” em fusão com a definição de “território”, difundida pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, que considera critérios multidimensionais, tais como o ambiente, a economia, a sociedade, a cultura, a política e as instituições, e uma população com grupos sociais relativamente distintos (MDA, 2003).

Considerando que a produção orgânica adota novos sistemas produtivos que podem contribuir amplamente com o planejamento ambiental de uma determinada região, objetivou-se analisar a dinâmica espacial e temporal dos registros de produtores orgânicos e das entidades certificadoras na Bahia, no período de 2014 a 2020, elegendo os TIs baianos como divisão espacial ao longo do estudo.

METODOLOGIA

A pesquisa foi realizada considerando os cadastros dos produtores orgânicos relativos ao Estado da Bahia, no período de 2014 a 2020. Para o desenvolvimento de geoprocessamento e elaboração de mapas, foram realizadas análises de dados obtidos em consultas bibliográficas e solicitações dos dados retroativos do CNPO ao MAPA.

A consulta bibliográfica, considerou legislações, websites de instituições, relatórios de órgãos públicos nacionais e internacionais, artigos científicos, livros e demais publicações disponíveis pertinentes ao tema da agricultura orgânica.

Os dados retroativos do CNPO foram solicitados via Sistema Eletrônico de Informações ao Cidadão (e-SIC) e o MAPA forneceu em resposta, via e-mail, planilhas anuais referentes ao período de 2014 até 2018. As planilhas referentes aos anos de 2019 e 2020 foram coletadas mês a mês, no decorrer do desenvolvimento da pesquisa. Ressalta-se que a relação do CNPO não acumula registros de produtores, pois o MAPA atualiza mensalmente; estarão listados somente agricultores com a certificação ativa.

Os dados coletados foram analisados, contabilizados e organizados no Microsoft Excel. O geoprocessamento foi feito no QGIS 3.4.11, no Sistema de Coordenadas Geográficas com o Datum SIRGAS 2000, usando vetores do continente, do Brasil, da Bahia, disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2017, e, dos Territórios de Identidade, fornecidos pela Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI-BA) de 2017, no qual foram inseridos os dados compilados do CNPO.

Foram elaboradas duas composições de mapas, através do recurso de “graduação”, estabelecendo classes de números inteiros com paleta de cores personalizada. A primeira apresenta a variação anual (2014 a 2020) do total dos registros e a segunda apresenta a variação anual (2014 a 2020) dos registros para cada mecanismo de certificação, que pode ser: por Certificadora contratada, Organismo Participativo de Avaliação da Conformidade Orgânica (OPAC) ou Organização de Controle Social (OCS).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Aspectos gerais sobre o Estado da Bahia

O Estado da Bahia localiza-se na região do nordeste brasileiro, abriga 417 municípios e sua formação populacional resulta do processo de miscigenação, com destaque aos povos indígenas originários e as populações das nações africanas que foram escravizadas no Brasil (IBGE Cidades, 2020).

A divisão por TIs foi instituída em 2007 (Lei Estadual nº 10.705/07), no lançamento do Plano Plurianual Participativo 2008-2011 (PPA), contemplando 26 TIs. Atualmente, existem 27 TIs (Figura 1). Conforme Flores (2016FLORES, C. D. Territórios de Identidade na Bahia: Saúde, Educação, Cultura e Meio Ambiente frente à Dinâmica Territorial. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal da Bahia. Instituto de Geociências. Salvador, 2016. Available: http://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/19347. Accessed: Jul. 18, 2021.
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), os TIs são um desdobramento do Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável (PRONAT), através do MDA e da Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT) em parceria com a Secretaria do Planejamento do Estado da Bahia (SEPLAN-BA) e a SEI-BA, objetivando ampliar o foco para os territórios e superar a dicotomia entre o rural e o urbano.

Conforme o último Censo Agropecuário 2017 (IBGE/SIDRA, 2019), a estrutura agrária baiana integra 762.848 estabelecimentos, distribuídos em 28 milhões de hectares (ha). A agricultura familiar possui cerca de 593 mil estabelecimentos e ocupa 9 milhões de ha, aproximadamente 33% do total de terras. A agricultura não familiar, com 169 mil estabelecimentos, é responsável pela concentração fundiária estadual e ocupa 19 milhões de ha, aproximadamente 67% do total de terras. Sobre a produção agrícola, destacam-se a cana-de-açúcar e a soja, nas lavouras temporárias; e o cacau e o café, nas lavouras permanentes. Com relação à pecuária, destacam-se galináceos, com 32 milhões de cabeças, e em seguida bovinos, com 8,2 milhões de cabeças.

Figura 1
Territórios de Identidade do Estado da Bahia, Brasil.

Existem 239 Unidades de Conservação (UCs) no Estado da Bahia, conforme os dados do Cadastro Nacional de Unidades de Conservação (CNUC), do Ministério do Meio Ambiente (MMA) (2021), tais UCs visam conservar remanescentes dos biomas Caatinga, Cerrado e Mata Atlântica, que ocorrem no Estado (Figura 2).

Figura 2
Biomas e Unidades de Conservação da Bahia, Brasil.

A diversidade de biomas confere características singulares ao território baiano, como uma grande diversidade de espécies de interesse para diferentes populações, como indígenas, quilombolas, pescadores, camponeses e outras, que inseridas nos contexto de áreas protegidas, atuam nas cadeias produtivas associadas ao manejo sustentável, gerando auto-sustento e uma demanda por ações territorializadas de planejamento ambiental que considerem tais relações e garantam a integridade dos recursos naturais diante das diferentes pressões externas (BAHIA, 2017).

Os Cadastros de Produtores Orgânicos do Estado da Bahia

Houve um aumento de 454 novos cadastros entre 2014 e 2020 (Figura 3-A), e uma média de crescimento de novos cadastros de 43% ao ano entre 2015 e 2017 (Figura 3-B). Nos anos posteriores, 2018 a 2020, os novos cadastros caíram para média de crescimento de 4% ao ano (Figura 3-B), denotando uma estagnação na inserção de novos cadastros de produtores orgânicos na Bahia.

Figura 3
A. Total de cadastros no CNPO no Estado da Bahia, por ano, 2014 a 2020; B. Crescimento anual de novos cadastros, em percentual, 2014 a 2020.

A referida estagnação de novos cadastros no CNPO, pode estar relacionada ao novo cenário político instaurado pós impeachment da Presidente Dilma (2016), e eleições de 2018, eventos que tiveram como marco a extinção do MDA e a adoção de estratégias muito distintas do que fora implementado antes no país. Na década de 2000 até meados da década 2010, foram criadas políticas e ampliados programas e ações territoriais que enfatizavam o conceito de território, como o já citado o PRONAT, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), e a própria PNAPO, que priorizam a participação e o acesso a direitos sociais, bem como a proteção dos recursos naturais brasileiros.

O crescimento de registros de novos produtos agrotóxicos no Brasil (Figura 4), também é preocupante. Entre 2016 e 2020, houve uma média anual de 365 novos registros; entre 2010 a 2015, essa média era 121 registros por ano. Isso indica que a política agrícola atual está mais voltada para a expansão das fronteiras agrícolas, retroalimentando o agronegócio por meio do mercado de insumos agrícolas.

Figura 4
Total de produtos agrotóxicos e total de produtos de baixo risco, registrados no Brasil, de 2010 a 2020.

Tal problemática persistiu em 2020, mesmo durante a pandemia de Covid-19, que também teve como marco no agronegócio, o favorecimento ao setor de exportações, em detrimento ao abastecimento nacional - fato observado na alta de preços de produtos básicos como arroz, feijão e óleo de soja, atingindo a população brasileira e agravando as problemáticas da fome e da insegurança alimentar, conforme Schappo (2021).

Santarelli e colaboradores (2017; 2019) e Schappo (2021), afirmam que as ações praticadas, desde 2016, com a extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA) e reduções de recursos do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), comprometem o lugar que o Brasil ocupava como referência internacional em políticas voltadas à agricultura familiar e à erradicação da fome. Esse cenário acaba reverberando em todos estados da federação e explica, em parte, a estagnação na inserção de novos cadastros de produtores orgânicos no estado baiano nos últimos três anos. No entanto, o crescimento de novos cadastros de produtores ainda deve ser observado de forma mais minuciosa. Sendo assim, considerando os TIs da Bahia, foram criados mapas que indicam a variação no total de cadastros do CNPO no período de 2014 até 2020 (Figura 5).

Figura 5
Composição espaço-temporal sobre o Cadastro Nacional de Produtores Orgânicos, por Territórios de Identidade do Estado da Bahia (2014-2020).

Destacaram-se os TI-5-Litoral Sul e 6-Baixo Sul, ao sul, e o TI-10-Sertão do São Francisco, ao norte, pois mantiveram mais de 50 novos cadastros em quase todos os anos da análise. Os dois primeiros, inseridos no bioma Mata Atlântica, são referências na produção de cacau orgânico (MAPA, 2014-2020). O terceiro, inserido no bioma Caatinga, vem promovendo a agricultura orgânica através da fruticultura (MAPA, 2014-2020). Nessa última região, ressaltam-se UCs como o Parque Nacional (PARNA) e a Área de Proteção Ambiental (APA) do Boqueirão da Onça e o Refúgio de Vida Silvestre (RVS) da Ararinha-azul (MMA, 2021).

Na porção central mais ao norte do estado, os TI-1-Irecê, 3-Chapada Diamantina, 16-Piemonte da Diamantina e 25-Piemonte Norte do Itapicuru, inseridos na macrorregião do semiárido, apresentaram acima de 20 novos produtores certificados em quase todos os anos da análise. Tais TIs estão inseridos no contexto da proposta de criação do Geoparque Morro do Chapéu (CBPM, 2012), devido aos aspectos geológicos de interesse para educação patrimonial e geoconservação, embora o Brasil ainda não tenha avançado nesse conceito, tendo como único Geoparque o de Araripe, no Ceará (ONARY-ALVES, 2015).

Os TIs-7-Extremo Sul, 8-Médio Sudoeste da Bahia, 13-Sertão Produtivo, 20-Sudoeste Baiano e 27-Costa do Descobrimento apresentaram, na maior parte dos anos da análise, de 1 a 10 registros. Para os TI-7-Extremo Sul e 27-Costa do Descobrimento, ressalta-se a silvicultura de eucalipto como uma das principais atividades econômicas, embora sejam TIs relevantes para conservação por conta dos seus remanescentes de Mata Atlântica (SEPLAN-BA, 2016). O TI-8-Médio Sudoeste da Bahia insere-se na transição de bioma Cerrado/Mata Atlântica, e os TIs-13-Sertão Produtivo e 20-Sudoeste Baiano no Cerrado, conforme observado nas Figuras 1 e 2.

Na região oeste, zona de expansão da sojicultura e cotonicultura conforme a Secretaria de Agricultura, Pecuária, Irrigação, Pesca e Aquicultura da Bahia (SEAGRI-BA) (2018), estão os TIs que menos apresentaram registros de produtores orgânicos certificados: TI-2-Velho Chico, 11-Bacia do Rio Grande, 23-Bacia do Rio Corrente e 12-Bacia do Paramirim. O TI-11-Bacia do Rio Grande, manteve até dois registros nos municípios de Formosa do Rio Preto e Gameleira (MAPA, 2014-2020).

Natureza da Certificação Orgânica e Sistemas Participativos de Garantia

Existem três mecanismos de controle da qualidade orgânica: i) certificação por empresa Certificadora contratada, que realiza auditorias na propriedade; ii) Sistemas Participativos de Garantia da Qualidade Orgânica (SPG), que são Organismos Participativos de Avaliação da Conformidade Orgânica (OPAC); iii) Controle Social, por uma Organização de Controle Social (OCS) (BRASIL, 2007). A Associação de Agricultores Biológicos do Rio de Janeiro (ABIO, 2016), aponta algumas diferenças entre esses mecanismos (Quadro 1).

As OPACs são formadas por produtores, consumidores, técnicos e pesquisadores que realizam um processo de autocertificação, estabelecendo procedimentos de verificação das normas de produção orgânica para produtores que compõe a OPAC. Precisam ser credenciados no MAPA, que fiscaliza seu trabalho. Os produtos recebem o selo único brasileiro, emitido pelo Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade Orgânica (SISOrg). As OCSs se assemelham às SPGs, mas sua estrutura organizativa é composta pelo próprio grupo de agricultores e a venda é direta, não podendo haver intermediários entre o produtor e o consumidor. Os produtos não recebem selo SISOrg, a garantia orgânica é o próprio controle social, promovido através do direito de visita do consumidor na unidade produtiva, bem como o livre acesso de órgãos fiscalizadores (ABIO, 2016).

Quadro 1
Comparação entre os mecanismos de controle.

Meirelles (2020) afirma que a certificação participativa começou a ser discutida no âmbito do Núcleo Técnico Agropecuário (NTA) da Cooperativa Ecológica Coolméia, no sul do Brasil, em 1992. A certificação por Certificadoras contratadas, era questionada pelas famílias agricultoras, que achavam incoerente pagar para uma empresa garantir que seus produtos eram ecológicos. Assim, segundo o autor, a criação dos SPG, respaldados na regulamentação do Decreto 6.323/07, é fruto da luta de organizações defensoras de uma agricultura mais ecológica, promovendo a participação e inclusão da agricultura familiar no setor de orgânicos.

Foi analisada a influência dessas organizações, nas variações dos CNPO baianos, conforme a natureza do processo de certificação orgânica, de 2014 até 2020 (Figura 6).

Figura 6
Variação anual da natureza da certificação orgânica dos cadastros do CNPO relativos ao Estado da Bahia (2014-2020).

Nota-se que em 2014, a modalidade de Certificadoras contratadas já ocorria no estado, com um total de 220 cadastros. Desses, 133 advinham da produção de cacau, realizada nos TIs-5-Litoral Sul, 6-Baixo Sul e 27-Costa do Descobrimento. Cabe ressaltar, conforme aponta Collaço (2006COLLAÇO, J. Cacau orgânico, baiano e internacional. Revista A Lavoura. Ano 109 - Nº 659. p. 54. ISSN 0023-9135. 2006. Available: http://www.zebu.org.br/Scripts/pdfviewer/web/viewer.html?file=/PortalUploads/Revistas/A_Lavoura/2006_Dezembro/revista.pdf. Accessed: Jul. 18, 2021.
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), que o projeto Cacau Orgânico, iniciado em 2001, ganhou mais adesão em 2006: “71 fazendas do sul da Bahia, totalizando mais de 3700 ha, estão sendo gradativamente certificadas pelo Instituto Biodinâmico (IBD) ” (COLLAÇO, 2006COLLAÇO, J. Cacau orgânico, baiano e internacional. Revista A Lavoura. Ano 109 - Nº 659. p. 54. ISSN 0023-9135. 2006. Available: http://www.zebu.org.br/Scripts/pdfviewer/web/viewer.html?file=/PortalUploads/Revistas/A_Lavoura/2006_Dezembro/revista.pdf. Accessed: Jul. 18, 2021.
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, p. 54).

Os registros de OCSs surgiram em 2015, e os de OPACs em 2017 (Figura 6). Ambos demonstraram destaque viabilizando crescimento no número de registros baianos, representando juntos mais de 50% dos cadastros do CNPO, de 2018 até 2020, e 68% nos anos de 2018 e 2019 (MAPA, 2018-2020). Isso se deu por meio da atuação de quinze grupos de controle da qualidade orgânica, sendo doze OCSs e três OPACs (Tabela 1).

O surgimento das OCSs e OPACs baianas é recente em comparação com os estados do Sul e Sudeste do Brasil. Segundo Hirata (2020HIRATA, A. R. Sistemas participativos de garantia do Brasil: Histórias e Experiências / Pouso Alegre: IFSULDEMINAS, 2020. 226p. ISBN 978-85-67952-18-5.), as OPACs precursoras no Brasil organizaram-se nas décadas de 1980 e 1990, foram credenciadas após a normatização e regulamentação da legislação orgânica, entre 2007 e 2010, tendo destaque a atuação da Associação de Agricultura Natural de Campinas e Região (ANC/SP); da Associação Ecovida de Certificação Participativa (Ecovida/RS, PR, SC), e; da ABIO/RJ.

Observa-se uma redução de novos cadastros por SPGs no ano de 2020 (Figura 6 e Tabela 1), que pode ter ocorrido em função do processo de reavaliação da certificação, quando agricultores certificados que não corrigiram não conformidades identificadas pelo seu grupo, acabam saindo da relação, só retornando se houver adequação e aprovação em um novo processo. Nesse sentido, é relevante o monitoramento contínuo e mais aprofundado dos dados do CNPO.

As OCSs corresponderam a 80% das entidades, no entanto, as OPACs têm mais destaque na quantidade de cadastros, principalmente a Associação Povos da Mata, que atuou em seis TIs com uma grande quantidade de cadastros, e a Assoc. Abc Orgânicos, que atua principalmente no TI-25-Piemonte Norte do Itapicuru (Tabela 1).

Tabela 1
Relação de OCS e OPACs que atuaram nos Territórios de Identidade (TIs) do Estado da Bahia e o número de registros (NR) no CNPO de 2014-2020.

Foi realizada uma espacialização do número de cadastros no CNPO, com base na natureza do processo de certificação e nos TIs do Estado da Bahia, para o período de 2014-2020 (Figura 7).

Figura 7
Composição espaço-temporal do Cadastro Nacional de Produtores Orgânicos, por entidades certificadoras e por Territórios de Identidade do Estado da Bahia, de 2014-2020.

O TI-5-Litoral Sul destaca-se pelo mercado de cacau orgânico próspero na região, sobretudo nos municípios de Ilhéus e Itacaré. Nos primeiros dois anos da análise, tais produções eram certificadas somente pela certificadora contratada IBD Certificações. A partir de 2017, com a criação OPAC Associação Povos da Mata, houve incremento de cadastros de produtores de cacau na modalidade participativa. Os municípios de Arataca, Una e Uruçuca apresentaram muitos cadastros com escopo produtivo vegetal mais variado (MAPA, 2014-2020).

No TI-6-Baixo Sul destaca-se o município de Taperoá, com a produção vegetal e processamento do guaraná e, em menor proporção, a produção vegetal de cacau, piaçaba, mandioca, cravo-da-índia, entre outros vegetais, por meio da certificação do IBD Certificações. Mais recentemente, no município de Ibirapitanga, a certificação participativa da Associação Povos da Mata chegou com a expressiva produção de feijão fradinho, mandioca, hortaliças e uma grande variedade de outras espécies vegetais (MAPA, 2014-2020).

No TI-10-Sertão do São Francisco os municípios Curaçá, Uauá e Canudos destacam-se com a produção de Umbu, consolidada há quase 20 anos, conforme apontado no site da Cooperativa Agropecuária Familiar de Canudos (COOPERCUC), que concentra a certificação de seus produtores pela Certificadora contratada Ecocert. O município de Sobradinho apresenta uma quantidade significativa de produtores, principalmente com o cultivo de acerola, certificados pelo IBD ao longo dos anos da análise (MAPA, 2014-2020).

O TI-25-Piemonte Norte do Itapicuru destaca-se pela presença da OCS Associação dos Moradores e Plantadores de F. e HF. da Fazenda Barroca de Cima e adjacências - Abc Orgânicos, com cadastros no CNPO desde 2015, principalmente nos municípios de Antônio Gonçalves, Campo Formoso, Jaguarari e Senhor do Bonfim, com cultivos diversificados de vegetais. Na cidade de Caldeirão Grande, através de auditorias da Certificadora contratada Ecocert, tem-se o extrativismo sustentável orgânico da Palmeira de Licuri (MAPA, 2014-2020). Segundo a SEAGRI-BA (2019), em 2019 houve incentivo estadual da Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDR), por meio da Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional (CAR), que empenhou assinatura de convênios e a entrega de kits apícolas, somando R$ 1,4 milhão destinados a agricultores familiares de Campo Formoso, além de aproximadamente R$ 354 mil destinados a organização de agricultores para a certificação participativa.

No TI-3-Chapada Diamantina, com as certificações em maior quantidade pela IBD Certificações, houve o crescimento do café e também, com maior destaque no ano de 2017 no município de Palmeiras, a produção de mel e cera de abelha. A certificação participativa existe na região por meio da OPAC Associação Povos da Mata, no município Morro do Chapéu, com quatro produtores orgânicos que produzem amendoim, abóbora, pimentão, tomates, berinjela, chuchu e outras espécies (MAPA, 2014-2020).

O TI-1-Irecê, a partir de 2017, ganhou destaque na certificação participativa da Associação Povos da Mata, por meio do Núcleo Raízes do Sertão. Com produção variada de espécies vegetais, como milho, mandioca, abóbora, coentro, acerola e feijão fradinho, a certificação participativa segue consolidada nos municípios de Barra do Mendes, Barro Alto, Canarana, Central, Ibipeba, Ibititá, Irecê, João Dourado, Lapão e Presidente Dutra (MAPA, 2014-2020).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os dados sobre produção a orgânica baiana evidenciaram um grande potencial e uma resposta positiva, sendo pertinente a instituição da Política Estadual de Agroecologia e Produção Orgânica no Estado da Bahia, assim como a criação de leis municipais da mesma natureza.

Apesar do crescimento considerável de novos produtores orgânicos na Bahia, principalmente com a atuação das OCSs e OPACs, há uma ausência de dados sistematizados sobre a abrangência das áreas produtivas, o que deixa uma lacuna na dinâmica do uso e ocupação da terra. Isso demanda ações articuladas entre governo, instituições de pesquisa e demais atores sociais envolvidos na gestão e planejamento territorial, visando o desenvolvimento de estudos e monitoramento desse setor.

Recomenda-se que o MAPA, por meio do CNPO ou outros mecanismos, dê publicidade a informações detalhadas e padronizadas da área de produção orgânica declarada e certificada, e que a SEAGRI-BA realize um acompanhamento mensal dos dados do CNPO - ação que pode ser reproduzida pelas secretarias municipais baianas, com vistas à criação de um banco de dados sobre a produção orgânica baiana.

De modo geral, considerando a produção orgânica nos 27 TIs do Estado da Bahia, há uma discrepância nos cadastros, revelada pelo número/distribuição dos mesmos e também na atuação das OCSs e OPACs. Apontando-se TIs que caminham para um processo de consolidação na produção orgânica como os TIs-5-Litoral Sul, 6-Baixo Sul e 10-Sertão do São Francisco, que apresentaram potencial para difusão aos TIs adjacentes. Por outro lado, nos territórios ao oeste do estado há baixo número de registro da produção orgânica.

Com relação à atuação das OCSs e OPACs baianas, o Governo Estadual deve promover incentivo por meio da SDR e da CAR, como o caso de Campo Formoso. Tais entidades podem aprimorar o desenvolvimento de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) de base agroecológica, fortalecendo práticas cada vez mais sustentáveis na agricultura familiar, principalmente junto às populações inseridas no contexto de UCs, impulsionando o processo de certificação. Nesse sentido, surge também uma demanda de pesquisa sobre as entidades de certificação atuantes no Estado da Bahia.

Cabe frisar que é preciso fomentar amplo conhecimento sobre a produção orgânica baiana para fundamentar as tomadas de decisões relacionadas ao planejamento ambiental e zoneamento econômico ecológico dos Territórios de Identidade da Bahia.

AGRADECIMENTOS

Ao Programa de Pós-graduação em Ciências e Tecnologias Ambientais do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia da Bahia e da Universidade Federal do Sul da Bahia.

Ao Núcleo de Estudos em Agroecologia e Produção Orgânica Pau-Brasil (NEA-PB), da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB).

À Câmara Setorial da Cadeia Produtiva da Agricultura Orgânica pelo apoio à solicitação realizada via Sistema de Informação ao Cidadão (e-Sic) e ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento pelo fornecimento dos dados retroativos do Cadastro Nacional de Produtores Orgânicos empregados nesta pesquisa.

Ao Edital 19/2020 PRPGI IFBA.

REFERENCES

  • FINANCIAMENTO

    Projeto Desenvolvimento Socioambiental para a Agricultura Familiar, cooperação técnica entre NEA Pau Brasil (UFSB) e Veracel Celulose S. A.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    12 Abr 2021
  • Aceito
    04 Ago 2021
  • Publicado
    30 Ago 2021
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