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“Limpar o mundo” em tempos de Covid-19: trabalhadoras domésticas entre a reprodução e a expropriação social

“Cleaning the world” in times of Covid-19: domestic workers between social reproduction and expropriation

Resumo

O objetivo do artigo consiste em pensar o trabalho doméstico remunerado no Brasil em meio à crise pandêmica associada ao novo coronavírus, à luz de perspectivas teóricas que reposicionam, sobre novas bases epistêmicas, as intersecções das opressões de classe, gênero e raça enquanto elementos estruturantes do sistema capitalista. Dados estatísticos mostram o impacto da Covid-19 e da crise econômica subsequente no aprofundamento da desvalorização, precarização e no empobrecimento de trabalhadoras domésticas, em sua maioria mulheres negras, pouco escolarizadas e com baixo acesso a políticas sociais. A pandemia, em suas graves consequências tornou latentes as hierarquias raciais e de gênero, tributárias da experiência da colonialidade e da escravidão, prolongadas e mantidas em permanente reinvenção no contexto brasileiro. Por fim, o artigo, apoiando-se na proposição teórica inovadora de Nancy Fraser a respeito da categoria “expropriação”, propõe aplicá-la em combinação à noção de “reprodução social”, encetada pelo feminismo marxista há mais de quatro décadas, para situar o trabalho doméstico remunerado no encontro dessas duas “condições de possibilidade” do capitalismo contemporâneo.

Palavras-chave
trabalhadoras domésticas; feminismo marxista; racismo; capitalismo; divisão sexual do trabalho

Abstract

The aim of this article is to think about paid domestic work in Brazil in the midst of the pandemic crisis associated with the new coronavirus, in light of theoretical perspectives that reposition, on new epistemic bases, the intersections of class, gender and race oppressions as structural elements of the capitalist system. Statistical data show the impact of Covid-19 and the subsequent economic crisis in deepening the devaluation, precariousness, and impoverishment of domestic workers, mostly black women with poor schooling and limited access to social policies. The pandemic, in its serious consequences, made latent racial and gender hierarchies tributaries of the experience of coloniality and slavery, prolonged and maintained in permanent reinvention in the Brazilian context. Finally, the article draws on Nancy Fraser’s innovative theoretical proposition about the category “expropriation”, proposing that it could be applied in combination with the notion of “social reproduction”, as conceived by Marxist feminism four decades ago to situate paid domestic work at the convergence of these two “conditions of possibility” of contemporary capitalism.

Keywords
domestic workers; Marxist Feminism; racism; capitalism; sexual division of labor

Introdução1 1 O título do artigo faz uma alusão à expressão de Françoise Vergès em Um feminismo decolonial, quando se refere às trabalhadoras da limpeza que abrem as cidades todos os dias se ocupando “incansavelmente da tarefa de limpar o mundo” (Vergès, 2020, p. 24).

Em 2015, com a publicação da Lei complementar nº 150 que veio a regulamentar a Emenda Constitucional 72/2013 (difundida como “PEC das domésticas”), as trabalhadoras domésticas adquiriram enfim o estatuto de cidadãs plenas no país, através do reconhecimento jurídico de seus direitos trabalhistas e previdenciários, equiparando-se derradeiramente à condição dos/as demais trabalhadores/as que gozavam desses direitos desde a década de 1940. A expectativa de que essas trabalhadoras teriam enfim sua cidadania reconhecida, através da efetivação de seus direitos, chocou-se, contudo, com um cenário de crescente crise econômica, política e social nos anos subsequentes, o que, aliado à regressão gradativa de direitos e garantias no país, à qual se assistiria a partir da reforma trabalhista em 2017 (Lei 13.467/2017), pareceu adiar indefinidamente a efetiva equidade jurídica e social tão duramente conquistada por essas mulheres no plano legal.

A partir de março de 2020, com o avanço da pandemia de Covid-19 e seu especial agravamento no país, levando a uma interminável crise sanitária e social, não apenas a expectativa de realização da cidadania plena a essas trabalhadoras se distanciou, como se tornou a cada dia mais anacrônica. De primeira vítima fatal do novo coronavírus no país – uma trabalhadora doméstica no município do Rio de Janeiro – à explosão de denúncias de cárcere privado e sujeição à condição análoga à escravidão, as trabalhadoras domésticas estão entre os grupos sobre os quais recaíram os maiores ônus econômicos e sociais advindos da pandemia, e sobre suas vidas (e de suas famílias) enormes flagelos, resultado de uma profunda divisão sexual e racial do trabalho nunca devidamente enfrentada e debelada em nossa sociedade.

A crise, nos seus aspectos econômico, político e sanitário, potencializa a vulnerabilidade sistêmica de grupos com menor capacidade de absorção dos impactos econômicos sobre as condições de reprodução da vida e com maior exposição à morte. Essa lógica se reflete na exploração do trabalho doméstico, tipicamente feminino, negro, com escolaridade concentrada no ensino fundamental incompleto, marcado por altos níveis de informalidade, baixo acesso à proteção sindical e à seguridade social e com os níveis de remuneração mais baixos no mundo.

Para este artigo, interessa-nos discutir como esse cenário de exclusão e vulnerabilidade a que trabalhadoras domésticas se veem expostas no Brasil não pode ser entendido como resultado de um fenômeno episódico, pontual, mas sim como um processo duradouro, sistêmico, edificado por bases materiais e à luz das dinâmicas próprias de marginalização da economia capitalista, no qual o entrelaçamento das opressões de gênero, raça e classe é um imperativo contínuo e indispensável ao capital. No caso brasileiro, compreender a caracterização do trabalho doméstico (sub)remunerado a partir de seu caráter de permanente reinvenção do legado escravista, numa sociedade atravessada pela colonialidade e pelo racismo estrutural, é pressuposto para que se reconheça sua localização estratégica no entrecruzamento dos processos de “reprodução social” e “expropriação”, entendidos como “condições de possibilidade de fundo” do capitalismo contemporâneo, nos termos propostos por Nancy Fraser (2015; Fraser; Jaeggi, 202013 FRASER, Nancy; JAEGGI, Rahel. Capitalismo em debate: uma conversa na teoria crítica. São Paulo: Boitempo, 2020.).

Para tanto, pretendemos recuperar o debate sociológico sobre o emprego doméstico, reconhecendo de antemão a secundarização teórica que esse fenômeno recebeu ao longo do tempo, tanto pelos estudos sobre trabalho – centrados, em regra, em análises marxistas não inclinadas a reconhecê-lo como produtivo – quanto pelos estudos de gênero (ou de mulheres), que privilegiaram, a partir de uma análise centrada na noção de divisão sexual do trabalho, o trabalho doméstico não remunerado exercido pela mulher na família. Importante exceção a esses dois campos é a pesquisa pioneira de Heleieth Saffioti (1978)26 SAFFIOTI, Heleieth. Emprego doméstico e capitalismo. Petrópolis: Vozes, 1978., “Emprego doméstico e capitalismo”, na qual a autora, em continuidade ao seu trabalho sobre a mulher na sociedade de classes (Saffioti, 197627 SAFFIOTI, Heleieth. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1976.), e sem perder seu alinhamento à tradição marxiana, investiga as conexões entre classe e gênero imbricadas nesse fenômeno, para constituí-lo, segundo seus dizeres, num caso de “superexploração econômica”.

Referido estudo seminal de Saffioti (1978)26 SAFFIOTI, Heleieth. Emprego doméstico e capitalismo. Petrópolis: Vozes, 1978. será colocado em conversação com as teorias feministas marxistas que o sucedem, que emergiram no contexto estadunidense e europeu a partir dos anos 1980, notadamente a teoria da reprodução social (Vogel, 198330 VOGEL, Lise. Marxism and the oppression of women: toward a unitary theory. Nova Brunswick: Rutgers University Press, 2013.; Arruzza, 20181 ARRUZZA, Cinzia. Feminismos interseccional e da reprodução social: rumo a uma ontologia integrativa. Cadernos Cemarx, n. 10, 2018, p. 13-38.; Bhattacharya; 20194 BHATTACHARYA, Tithi. O que é a teoria da reprodução social? Revista Outubro, n. 32, p. 101-113, 2019.). O esforço de tais empreendimentos teóricos em compreender o trabalho doméstico a partir de uma teoria da totalidade social (Vergès, 202029 VERGÈS, Françoise. Um feminismo decolonial. São Paulo: Ubu Editora, 2020.), é aclamado neste artigo por sua vantagem em fornecer uma grade de inteligibilidade para processos de expropriação e subordinação social que ultrapassem analíticas das desigualdades, que têm apresentado, em regra, dificuldade em demonstrar como as categorias gênero, classe e raça atuam de forma unificada sob o capitalismo. É certo que tanto as teorias dualistas ou triplas – que veem a subordinação das mulheres (patriarcado), o racismo e o capitalismo como sistemas interdependentes interagindo continuamente – quanto as teorias interseccionais – que se caracterizam pelo caráter descritivo das experiências de subordinação em seus entrecruzamentos – pouco esclarecem sobre os processos que levam à produção desses eixos de dominação no capitalismo (Fraser; Jaeggi, 202013 FRASER, Nancy; JAEGGI, Rahel. Capitalismo em debate: uma conversa na teoria crítica. São Paulo: Boitempo, 2020.).

Contudo, embora teorias feministas de inspiração marxista (e socialista) tenham o grande mérito de buscar referida articulação entre os diferentes eixos de subordinação, assim como de investigar os mecanismos constitutivos que os precedem, elas são deficitárias no que se refere a conferir à categoria raça e aos dispositivos de racialização o mesmo estatuto que atribuem aos marcadores de classe e de gênero. Reconhecendo as insuficiências dessas teorias na interpretação dos efeitos do colonialismo e da escravidão moderna nas dinâmicas de exploração das mulheres racializadas2 2 Optamos pela categoria “racialização” ao invés de “raça”, na esteira das proposições de estudos decoloniais, por ela conferir melhor inteligibilidade aos processos de hierarquização e subordinação de sujeitos no contexto da colonialidade moderna, evidenciando a funcionalidade que a categoria “raça” desempenhou como operador desses processos de classificação e de sujeição. que desempenham o trabalho doméstico e de cuidado, aquelas “que limpam os espaços de que o patriarcado neoliberal precisa para funcionar” (Vergès, 202029 VERGÈS, Françoise. Um feminismo decolonial. São Paulo: Ubu Editora, 2020., p. 18), buscamos trazer a discussão sobre os efeitos perenizadores da escravidão moderna que incidem sobre tais mulheres, sem perder de vista uma interpretação sobre o capitalismo. Também encontramos aqui uma autora pioneira, Lélia Gonzalez, cujos ensaios podem ser considerados uma espécie de vanguarda do pensamento decolonial latino-americano e do feminismo decolonial, destacando-se sua contribuição para a compreensão de processos históricos que produzem figurações específicas sobre os papéis atribuídos a mulheres negras presentes no imaginário social no Brasil, fortemente atravessado pelo racismo e sexismo (Gonzalez, 198415 GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Revista Ciências Sociais Hoje, p. 223-244, 1984.).

O artigo apresenta, ainda, detalhado levantamento de dados referente ao quadro socioeconômico, sanitário e ocupacional, especialmente relativo ao trabalho de cuidado e doméstico, a partir da eclosão da crise causada pela Covid-19. Foram pesquisadas informações decorrentes de debates e conferências sobre a temática como webinários, seminários etc., e matérias veiculadas na imprensa em geral, além de diversos relatórios de organismos internacionais e nacionais, levantamentos estatísticos produzidos por órgãos e agências oficiais, institutos de pesquisa e organismos da sociedade civil. São eles: “Trabalhadoras remuneradas do lar na América Latina e no Caribe frente à crise do Covid-19” (CEPAL; ONU Mulheres; OMT, 20208 COMISSÃO ECONÔMICA PARA A AMÉRICA LATINA E O CARIBE – CEPAL; ONU MULHERES; ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO – OIT. Trabalhadoras remuneradas do lar na América Latina e no Caribe frente à crise do COVID-19. Santiago: CEPAL, 2020. Disponível em: https://www.cepal.org/pt-br/publicaciones/45725-trabalhadoras-remuneradas-lar-america-latina-caribe-crise-covid-19
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), “Quem cuida das cuidadoras: trabalho doméstico remunerado em tempos de coronavírus” (DIEESE, 202011 DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS – DIEESE. Quem cuida das cuidadoras: trabalho doméstico remunerado em tempos de coronavírus. Estudos e Pesquisas, n. 96. São Pulo: DIEESE, 2020. Disponível em: https://www.dieese.org.br/estudosepesquisas/2020/estPesq96covidTrabalhoDomestico.html
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), “Disasters and inequality in a protracted crisis: towards universal, comprehensive, resilient and sustainable social protection systems in Latin America and the Caribbean” (CEPAL, 20217 COMISSÃO ECONÔMICA PARA A AMÉRICA LATINA E O CARIBE – CEPAL. Disasters and inequality in a protracted crisis: towards universal, comprehensive, resilient and sustainable social protection systems in Latin America and the Caribbean (LC/CDS.4/3). Santiago: CEPAL, 2021. Disponível em: https://repositorio.cepal.org/bitstream/handle/11362/47376/3/S2100467_en.pdf
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), “Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua” (IBGE, 2021), “Os Desafios do Passado no Trabalho Doméstico do Século XXI: reflexões para o caso brasileiro a partir dos dados da PNAD Contínua” (IPEA, 201918 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA – IPEA. Os desafios do passado no trabalho doméstico do século XXI: reflexões para o caso brasileiro a partir dos dados da PNAD Contínua. Texto para discussão 2528. Brasília: IPEA, 2019. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=35231&Itemid=444
https://www.ipea.gov.br/portal/index.php...
), “Vulnerabilidades das trabalhadoras domésticas no contexto da pandemia de Covid-19 no Brasil” (IPEA, 202019 IPEA. Vulnerabilidades das trabalhadoras domésticas no contexto da pandemia de Covid-19 no Brasil. Nota Técnica n. 75 (Disoc). Brasília: IPEA, 2020. Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/10077
http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11...
), “Hacer del trabajo doméstico un trabajo decente” (OIT, 202125 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO – OIT. Hacer del trabajo doméstico un trabajo decente. Avances y perspectivas una década después de la adopción del Convenio sobre las trabajadoras y los trabajadores domésticos, 2011, n. 189. OIT, 2021. Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_protect/---protrav/---travail/documents/publication/wcms_802556.pdf
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), “World Inequality Report 2022” (Chancel et al., 20219 CHANCEL, Lucas; PIKETTY, Thomas; SAEZ, Emmanuel; ZUCMAN, Gabriel. World Inequality Report 2022. [S. l.]: World Inequality Database, 2021. Disponível em https://wir2022.wid.world/
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) e “Global Economic Prospects” (The World Bank, 2021). Iniciamos a exposição com a apresentação e a análise de referidos dados.

Quem continua a limpar o mundo pandêmico: a sobrexploração do trabalho doméstico (sub)remunerado e a Covid-19

As pessoas dizem que o trabalho doméstico não aufere lucro àquele que emprega [...]. Mas aí eu fico imaginando o que seria das mulheres, principalmente né, que estão no mercado de trabalho sem uma trabalhadora doméstica em casa. Mesmo que ela não tenha aquela trabalhadora mensalista né, aquela trabalhadora que vai um ou dois dias na sua casa para limpar, pra organizar, pra cozinhar, ou seja, tarefas que geralmente as pessoas, as trabalhadoras que são mensalistas, que são distribuídas em uma semana, as que fazem dois dias fazem a tarefa de duas semanas [...]. E nesse momento de pandemia se agravou muito [...]. Muitas perderam os seus postos de trabalho, se agravou porque as que ficaram, ficaram mas na condição de não estar indo pra casa, ou seja, de ter que permanecer no local de trabalho sob o argumento de que é pra proteger a saúde delas e da família pra qual ela trabalha, mas parece que a gente não tem família. Porque quando o empregador faz uma pergunta dessas ele não está pensando no bem-estar do trabalhador, ele está pensando no bem-estar deles [...].

(Luiza Batista Pereira – Coordenadora Geral da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas [FENATRAD], agosto de 2020).3 3 Debate promovido pelo Núcleo de Assessoria Jurídica Popular (NAJUP) acerca da Situação das Trabalhadoras Domésticas no contexto da Covid-19, em agosto de 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=6ybW1ucA1pU. Acesso em 30 mar. 2021.

Dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) estimam cerca de 67 milhões de trabalhadoras domésticas adultas no mundo em 2021.4 4 Ver: https://www.ilo.org/brasilia/temas/trabalho-domestico/lang--pt/index.htm. Acesso em 20 dez. 2021. O Brasil ocupa o posto de país com o maior contingente da categoria na comparação com os demais países. São aproximadamente 6,2 milhões de trabalhadoras domésticas, das quais 92% são mulheres, razão pela qual nos referimos à categoria pelo gênero feminino. Desse universo, mais de 65% se autodeclaram negras, 72% trabalham sem carteira assinada, 40% contribuem para a previdência social e 52% são chefes de família (DIEESE, 202110 DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS – DIEESE. Brasil: a inserção das mulheres no mercado de trabalho. São Paulo: DIEESE, 2021. Disponível em: https://www.dieese.org.br/outraspublicacoes/2021/graficosMulheresBrasilRegioes2021.pdf
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).

Com a propagação do novo coronavírus, o exercício da profissão veio acompanhado do alto risco de exposição ao vírus no deslocamento para o trabalho e no interior das residências onde trabalham, via de regra, inacessíveis à fiscalização quanto ao uso de equipamentos de proteção individual e, sobretudo no modelo informal, de jornadas exaustivas e abusos morais e sexuais agravados pela companhia em tempo integral de moradores em quarentena. Situações nas quais as trabalhadoras são “convidadas” a morar no local de trabalho sob o pretexto de diminuição dos riscos de contágio e redução dos custos do empregador com vale-transporte, explicitam a vulnerabilidade de mulheres que, temendo perder o emprego, submetem-se a acordos que levantam a questão de se os direitos trabalhistas recém-conquistados foram suspensos com a pandemia.

De antemão, queremos chamar a atenção para os riscos de uma associação automática da vulnerabilidade sistêmica de grupos com menor capacidade de absorção dos impactos econômicos aos efeitos econômicos desproporcionais da crise sanitária, uma vez que, quando tomados de forma isolada e unívoca, podem embasar a tese de que a retomada de postos de empregos domésticos nos níveis anteriores à Covid-19 virá como consequência da recuperação da saúde financeira dos segmentos dos empregadores. Isso porque o recorte restrito à oscilação da renda do empregador mascara as condições que estruturam as relações de trabalho, reduzindo o potencial explicativo do lugar ocupado pelo trabalho doméstico remunerado no centro da acumulação capitalista. Os dados são taxativos. Das 1,6 milhões de trabalhadoras domésticas que perderam seus trabalhos, 400 mil tinham carteira assinada e 1,2 milhões não tinham vínculo formal de trabalho (DIEESE, 202110 DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS – DIEESE. Brasil: a inserção das mulheres no mercado de trabalho. São Paulo: DIEESE, 2021. Disponível em: https://www.dieese.org.br/outraspublicacoes/2021/graficosMulheresBrasilRegioes2021.pdf
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).

Junto ao aumento de contratos encerrados, episódios de resgate de trabalhadoras domésticas em situação análoga à escravidão em bairros de classe média cresceram significativamente (Matos, 202123 MATOS, Myllena C. de. Luta jurídica contra a violação de direitos. In: PINTO, C. P. et al. Os sindicatos das trabalhadoras domésticas em tempo de pandemia: memórias da resistência. Santa Maria: FACOS-UFSM, 2021. p. 52-71.), confirmando hierarquias sociais e raciais herdadas do passado colonial brasileiro. Afora casos identificados após denúncias formais, o receio de engrossar o contingente de pessoas desempregadas num cenário de incertezas e de austeridade econômica, fez com que muitas trabalhadoras domésticas enfrentassem a árdua tarefa de praticar o isolamento social no local de trabalho. Para muitas mulheres, a pandemia representou a perda de contato com entes queridos, afastamento da rotina de cuidado de filhos/as e netos/as, perda do repouso no próprio lar e do direito à subjetividade. Os três depoimentos a seguir, extraídos de reportagem realizada pelo Jornal O Globo em 13 de julho de 2020, ilustram esses desafios.

Aceitei porque achei que seria um mês. Mas a coisa foi piorando, e fui ficando. Tinha dia em que eu chorava. Uma vez por mês, deixava para meu genro na portaria um dinheiro para a despesa dos meus netos — diz D.A., de 52 anos, doméstica desde os 10.

Tinha hora para acordar, mas não para dormir. Quando voltei para casa, pensei: “Vou dormir três dias seguidos!”. Não consegui. Estava emocionada de chegar em casa, abraçar minhas filhas. Me senti gente (grifo nosso).

A empregadora de S.N., 42, pediu que ela passasse a voltar para casa só duas vezes ao mês. Alegou não poder bancar corridas de aplicativo diariamente e preferiu que ela não usasse transporte público. Desde março, S.N. vê os dois filhos, menores de idade, a cada 15 dias. Cozinha e congela comida para eles até o próximo encontro. Diz não ter tido opção. Quando ofereceu o “trato”, a patroa disse que ela não era obrigada a topar, mas buscaria outra pessoa em caso negativo (Martins, 202021 MARTINS, Elisa. Casos de abusos a trabalhadoras domésticas crescem durante a pandemia da covid. Jornal O Globo, 13 jul. 2020. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/casos-de-abusos-trabalhadoras-domesticas-crescem-durante-pandemia-da-covid-19-24529311
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).

Em resposta, “notas de repúdio, protestos e pressão política nas autoridades continuaram como prática cotidiana de luta” (Brites, 20215 BRITES, Jurema G. Trabalhadoras domésticas e a mobilização digital durante a pandemia da Covid-19. In: PINTO, C. P. et al. Os sindicatos das trabalhadoras domésticas em tempo de pandemia: memórias da resistência. Santa Maria: FACOS-UFSM, 2021. p. 105-121., p. 113), sobretudo através da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (FENATRAD), que estabeleceu redes de solidariedade visando a arrecadação de cestas básicas e usou de forma inovadora distintas mídias sociais para intensificar a interação juntos as trabalhadoras domésticas, independentemente de terem vínculo sindical. Em junho de 2020, a FENATRAD e mais de 40 organizações parceiras lançaram a campanha “Cuida de Quem te Cuida! Trabalho doméstico não é atividade essencial!” para chamar a atenção da opinião pública a respeito da situação da categoria orientando empregadores a adotarem precauções como fornecimento de luvas, máscaras e álcool-gel e a liberarem as funcionárias de seus serviços sem prejuízo dos salários ou, não sendo possível a dispensa em razão da natureza do trabalho, disponibilizassem transportes por aplicativos (Matos, 202123 MATOS, Myllena C. de. Luta jurídica contra a violação de direitos. In: PINTO, C. P. et al. Os sindicatos das trabalhadoras domésticas em tempo de pandemia: memórias da resistência. Santa Maria: FACOS-UFSM, 2021. p. 52-71., p. 60). O Sindicato soube usar a comunicação virtual por meio das redes sociais para impulsionar uma campanha reforçando o pedido pela aprovação da Emenda nº 12 ao PL 1011/2020. De autoria da deputada federal Benedita da Silva (PT), o texto incluiu as trabalhadoras domésticas como prioridade no Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19 (Freitas; Mantovani, 202114 FREITAS, Isabel; MANTOVANI, Denise. Trabalhadoras domésticas na pandemia: visibilidade na mídia e formas de resistência. In: PINTO, C. P. et al. Os sindicatos das trabalhadoras domésticas em tempo de pandemia: memórias da resistência. Santa Maria: FACOS-UFSM, 2021, p. 72-103.).

Estudo divulgado em 2021, realizado pelo Plano Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD/CONTÍNUA) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) referente ao período de setembro a novembro de 2020, sinalizou a redução do contingente de trabalhadoras domésticas: menos 1,6 milhões de pessoas em relação ao mesmo período do ano anterior, perante uma redução de 563 mil pessoas na categoria dos empregadores/as. Em oposição, o número de pessoas empregadas no setor público (inclusive servidores, estatutários e militares) obteve um incremento estimado de 500 mil profissionais (IBGE, 202117 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Pesquisa nacional por amostra de domicílios contínua. Trimestre móvel set./nov. de 2020. Rio de Janeiro: IBGE, 2021. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/3086/pnacm_2020_nov.pdf
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). No plano internacional, as informações são igualmente alarmantes. Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT, 202125 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO – OIT. Hacer del trabajo doméstico un trabajo decente. Avances y perspectivas una década después de la adopción del Convenio sobre las trabajadoras y los trabajadores domésticos, 2011, n. 189. OIT, 2021. Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_protect/---protrav/---travail/documents/publication/wcms_802556.pdf
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, p.6), o período compreendido entre o último trimestre de 2019 e o segundo trimestre de 2020, assistiu à redução de postos de trabalho doméstico remunerado em algo em torno de 5% a 20% na maioria dos países europeus alcançados e de aproximadamente 50% na região da América Latina e Caribe.

Cumpre lembrar que, no Brasil, a classe já sofria os efeitos de uma crise econômica, caracterizada por crescimento lento do Produto Interno Bruto (PIB), altas taxas de desemprego e elevação do emprego informal e de contratação por meio das novas modalidades de trabalho permitidas pela Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017), como demonstrado no estudo “Quem cuida das cuidadoras: trabalho doméstico remunerado em tempos de coronavírus”, realizado pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE, 202011 DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS – DIEESE. Quem cuida das cuidadoras: trabalho doméstico remunerado em tempos de coronavírus. Estudos e Pesquisas, n. 96. São Pulo: DIEESE, 2020. Disponível em: https://www.dieese.org.br/estudosepesquisas/2020/estPesq96covidTrabalhoDomestico.html
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).

A despeito das conquistas históricas de direitos alcançadas pela categoria desde a formalização da primeira associação, em 1936, a liderança Luiza Batista – cuja fala iniciou esta seção – é incisiva ao postular que a situação das trabalhadoras domésticas nunca foi de igualdade, fato constatado, por exemplo, pela extensão da jornada do trabalho doméstico e pelo lucro indireto auferido pelo empregador. Relatório publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 201918 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA – IPEA. Os desafios do passado no trabalho doméstico do século XXI: reflexões para o caso brasileiro a partir dos dados da PNAD Contínua. Texto para discussão 2528. Brasília: IPEA, 2019. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=35231&Itemid=444
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) apresenta indicadores relativos às médias de horas acumuladas no tempo da jornada de trabalho, cor/raça e categoria profissional (mensalistas e diaristas). Trabalhadoras contratadas como mensalistas registraram jornadas semanais médias de cerca de 38 horas, número superior à média de 37 horas semanais das mulheres localizadas em outras ocupações profissionais, ao passo que diaristas apresentaram médias em torno de 24 horas por semana. Pelo menos um terço das diaristas classificou sua jornada de trabalho como insuficiente. Neste grupo, o número de mulheres autodeclaradas negras que indicou interesse de trabalhar mais horas foi de 35%, ante 27% de brancas, sustentando a hipótese, segundo o estudo, de “dificuldades adicionais para estas mulheres, particularmente para as negras, de conseguirem novos domicílios para trabalhar, em especial em contextos de crise” (IPEA, 201918 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA – IPEA. Os desafios do passado no trabalho doméstico do século XXI: reflexões para o caso brasileiro a partir dos dados da PNAD Contínua. Texto para discussão 2528. Brasília: IPEA, 2019. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=35231&Itemid=444
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, p. 31).

Ou seja, a pandemia não só expôs problemas sociais latentes como interagiu com desigualdades implícitas na dinâmica comercial e financeira do capitalismo neoliberal neste início de século. Tais reflexões apontam o desafio de evitarmos a armadilha de interpretar o fenômeno exclusivamente pelo viés das consequências imediatas, ou seja, daquilo que nos é aparente, sem a contrapartida da contextualização dos mecanismos estruturais que lhe dão sustentação. Sob esse prisma, recorremos a dados recém-divulgados por agências nacionais e internacionais para investigar em que medida tendências já conhecidas do sistema capitalista e crise sanitária estão mutuamente imbricadas no caso analisado, assim como seus desdobramentos na configuração de cenários a médio e longo prazo.

Segundo o relatório Global Economic Prospects, lançado pelo Banco Mundial em junho de 2021, mais de 97 milhões de pessoas foram lançadas à pobreza no ano da propagação da pandemia (The World Bank, 202128 THE WORLD BANK. Global economic prospects. A world group flagship report. Washington: The World Bank, 2021. Disponível em https://reliefweb.int/report/world/world-bank-global-economic-prospects-june-2021
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). Mesmo projetando para 2021 uma diminuição na ordem de 21 milhões de indivíduos nessa situação, uma recuperação semelhante aos índices pré-pandêmicos não preencheria a lacuna relacionada ao novo coronavírus, em razão do incremento elevado da taxa de pobreza que será sentido nos próximos anos como sequela dos anos iniciais da Covid-19. Em dados percentuais, a projeção da redução da pobreza extrema de 2,9% de 2020 a 2021 não supera o índice de declínio da pobreza de 3,3% esperado no cenário pré-pandêmico.

Na América Latina e Caribe os efeitos devastadores da pandemia e sua má gestão – em outubro de 2021 a região respondia por 18,5% das infecções e 30,3% das mortes decorrentes da Covid-19 em todo o mundo – foram projetados na estimativa de encolhimento do Produto Interno Bruto (PIB) (CEPAL, 20217 COMISSÃO ECONÔMICA PARA A AMÉRICA LATINA E O CARIBE – CEPAL. Disasters and inequality in a protracted crisis: towards universal, comprehensive, resilient and sustainable social protection systems in Latin America and the Caribbean (LC/CDS.4/3). Santiago: CEPAL, 2021. Disponível em: https://repositorio.cepal.org/bitstream/handle/11362/47376/3/S2100467_en.pdf
https://repositorio.cepal.org/bitstream/...
, p. 9). A diminuição de 6,8% do PIB em 2020 estimada pela Comissão Econômica para a América Latina e Caribe reflete-se na adição de 22 milhões de pessoas vivendo em situação de pobreza, perfazendo o total de 209 milhões ou 33,7% da população latino-americana (CEPAL, 20217 COMISSÃO ECONÔMICA PARA A AMÉRICA LATINA E O CARIBE – CEPAL. Disasters and inequality in a protracted crisis: towards universal, comprehensive, resilient and sustainable social protection systems in Latin America and the Caribbean (LC/CDS.4/3). Santiago: CEPAL, 2021. Disponível em: https://repositorio.cepal.org/bitstream/handle/11362/47376/3/S2100467_en.pdf
https://repositorio.cepal.org/bitstream/...
, p. 9).

De acordo com o World Inequality Report (Relatório Mundial da Desigualdade), coordenado por Chancel et al. (2021)9 CHANCEL, Lucas; PIKETTY, Thomas; SAEZ, Emmanuel; ZUCMAN, Gabriel. World Inequality Report 2022. [S. l.]: World Inequality Database, 2021. Disponível em https://wir2022.wid.world/
https://wir2022.wid.world/...
, com relação às respostas dos países no sentido de mitigar os danos da pandemia, os resultados imediatos sugerem a correlação entre capacidade de absorção dos prejuízos causados pela crise sanitária e provisão de serviços assistenciais públicos, assegurando o direito à aposentadoria, habitação, educação, saúde, dentre outros. Para os países não identificados com esse modelo, o diagnóstico aponta um quadro de perda da renda do trabalho pelas famílias, acréscimo dos níveis de endividamento, inflação impulsionada pela alta dos preços dos alimentos, acesso reduzido à saúde pública e à educação e gastos privados por serviços de saúde. Compõem o perfil dos indivíduos atingidos mais severamente pela pandemia: trabalhadores do mercado informal, grupos vulneráveis com rendimentos e níveis de educação mais baixos, destacando-se mulheres e parcelas da população que já se encontravam à margem em face de desigualdades não superadas na constituição interna do sistema capitalista (Chancel et al., 20219 CHANCEL, Lucas; PIKETTY, Thomas; SAEZ, Emmanuel; ZUCMAN, Gabriel. World Inequality Report 2022. [S. l.]: World Inequality Database, 2021. Disponível em https://wir2022.wid.world/
https://wir2022.wid.world/...
, p. 47).

É nesse horizonte de interrogações que o surto pandêmico e sua repercussão no mercado do trabalho doméstico merecem ser analisados. Informe global publicado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT, 202125 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO – OIT. Hacer del trabajo doméstico un trabajo decente. Avances y perspectivas una década después de la adopción del Convenio sobre las trabajadoras y los trabajadores domésticos, 2011, n. 189. OIT, 2021. Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_protect/---protrav/---travail/documents/publication/wcms_802556.pdf
https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public...
), assentado em dados de 2020, revelam que apenas metade das trabalhadoras domésticas estavam cobertas por ao menos um tipo de seguridade social frente a 6% com cobertura integral. O auxílio desemprego, o menos comum, e a licença maternidade, a mais comum, estão presentes em 25% e 74,1% dos países, nessa ordem. Uma em cada cinco trabalhadoras é contemplada por política de seguridade social relacionada ao campo de atuação. Na comparação com os demais trabalhadores, a categoria profissional está mais sujeita a trabalhar mais horas e recebe 56,4% do salário médio mensal (OIT, 202125 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO – OIT. Hacer del trabajo doméstico un trabajo decente. Avances y perspectivas una década después de la adopción del Convenio sobre las trabajadoras y los trabajadores domésticos, 2011, n. 189. OIT, 2021. Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_protect/---protrav/---travail/documents/publication/wcms_802556.pdf
https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public...
, p. 4).

Igualmente expressivo é o indicador de elevação da vulnerabilidade das trabalhadoras do setor, girando em torno de 81,2% de mulheres excluídas do acesso efetivo a proteções sociais e trabalhistas. Não bastassem os riscos, as discriminações e as inúmeras violências a que estão expostas, ainda ganham em média 37,6% do salário mensal dos trabalhadores assalariados formais. O relatório publicado em comemoração aos dez anos da adoção da Convenção nº 189 da OIT, sobre Trabalho Decente para as Trabalhadoras e os Trabalhadores Domésticos, de 2011, sintetiza as motivações da informalidade em três pontos: a não incorporação da categoria nas leis trabalhistas e de seguridade social, mecanismos escassos para garantir o cumprimento das leis existentes e ferramentas de proteção insuficientes (OIT, 202125 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO – OIT. Hacer del trabajo doméstico un trabajo decente. Avances y perspectivas una década después de la adopción del Convenio sobre las trabajadoras y los trabajadores domésticos, 2011, n. 189. OIT, 2021. Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_protect/---protrav/---travail/documents/publication/wcms_802556.pdf
https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public...
, p. 5).

A pandemia e a crise que se seguiu vêm provocando um efeito cascata nas condições de vida das trabalhadoras domésticas: as informais são mais afetadas do que aquelas localizadas no mercado formal e essas, por sua vez, são mais prejudicadas na comparação com o conjunto de trabalhadores/as assalariados/as. Quanto mais pobres e quanto mais negras, mais as mulheres são afetadas pela crise da reprodução social, o que inclui as trabalhadoras domésticas, sujeitas a jornadas de trabalho exaustivas e mal remuneradas, maior dependência da recuperação de outros setores da economia e com baixo acesso à proteção sindical e à seguridade social.

Para além da divisão sexual do trabalho: a noção de “superexploração” do trabalho doméstico remunerado

No início da década de 1970, feministas marxistas recuperaram a noção de divisão sexual do trabalho colocada pelo feminismo socialista desde o século XIX, identificando nele, e no seu duplo – a não remuneração do trabalho feminino no âmbito do lar e da família, chamado então de trabalho doméstico – a base da exploração das mulheres no capitalismo. Superando a dicotomia de “teorias dualistas” que entendiam a subordinação da mulher no capitalismo como resultado da combinação de dois mecanismos, a opressão de classe (econômica) e a de gênero (advinda de um modelo ideológico, o patriarcado), essas autoras começam a trilhar o percurso para a compreensão da exploração da mulher como um elemento situado no coração do processo de acumulação capitalista, perspectiva que será mais bem desenvolvida pelas teóricas da reprodução social alguns anos depois. Em 1972, no mesmo ano da eclosão do International Wages for Housework Campaign (Movimento Internacional por salários para o trabalho doméstico), Selma James e Mariarosa Dalla Costa publicam o clássico The Power of women and the subversion of the community, dialogando criticamente com vertentes marxistas que viam o trabalho doméstico como improdutivo e um resquício das relações feudais sob o capitalismo.

Enquanto o referido debate, ancorado na noção de divisão sexual do trabalho e nos insights que dela decorreriam, permitiu às pesquisadoras e militantes feministas do período construírem uma grade de inteligibilidade a respeito da origem da opressão das mulheres sob o capitalismo e sua localização no contexto do lar e da família, pouco se problematizou, a partir dessa categoria, acerca do fenômeno do trabalho doméstico remunerado. Em outros termos, a categoria sociológica divisão sexual do trabalho parecia não dar conta por si desse fenômeno, pungente sobretudo em sociedades que vivenciaram a escravidão moderna e as reinvenções de seu legado. O feminismo ocidental da segunda onda, forjado ainda na esteira dos discursos e pressupostos modernos e iluministas, não tinha muito a dizer, nesse momento, sobre o trabalho precário e estigmatizado que as mulheres racializadas desempenhavam há décadas nos lares de mulheres brancas.

No Brasil, nesse mesmo período, a despeito do expressivo contingente de mão de obra feminina empregada no setor terciário e do peso relativo das atividades domésticas na economia da época, o trabalho doméstico remunerado despertava escasso interesse acadêmico no campo da Sociologia. Nesse cenário, destaca-se a pesquisa precursora realizada por Heleieth Saffioti, “Emprego doméstico e capitalismo” (1978), na qual a socióloga se lançou ao desafio de estudar tal fenômeno a partir do universo empírico das relações entre trabalhadoras domésticas e suas empregadoras na cidade de Araraquara, tomando de empréstimo conceitos centrais do léxico marxiano e reflexões suscitadas por intelectuais e movimentos feministas atuantes nos anos 1960 e 1970. Saffioti fomenta um debate que já vinha sendo problematizado na escola marxista: se o trabalho doméstico remunerado configura valor de uso, se produtivo ou improdutivo. Além de dialogar com uma literatura produzida quase que na sua totalidade por países de língua inglesa, é significativa a sua ponderação quanto ao fato de o recorte daquele momento recair principalmente sobre o trabalho doméstico realizado por donas de casa em detrimento de trabalhadoras pagas para realizá-lo em residências que não as suas.

As contribuições de Saffioti para a elucidação de um fenômeno central à compreensão das relações sociais no Brasil são resumidas aqui em dois elementos: na sua tentativa de entender a localização do trabalho doméstico no desenvolvimento histórico do capitalismo, e no conceito de “superexploração” desse trabalho quando exercido remuneradamente. Saffioti (1978)26 SAFFIOTI, Heleieth. Emprego doméstico e capitalismo. Petrópolis: Vozes, 1978. defende que o capitalismo teve a capacidade de conjugar desigualdades existentes em formações sociais anteriores com formações sociais específicas e definidoras do seu modo de produção. A particularidade do trabalho doméstico, segundo ela, residiria no seu posicionamento na economia pré-capitalista, na qual manteria uma relação de subordinação com o modo de produção propriamente capitalista. Realizado desproporcionalmente por mulheres em razão da divisão sexual do trabalho, a incorporação dessa mão de obra, segundo as características imanentes do setor arcaico, seria marcada pela permanência de reminiscências do passado que destoam das promessas de universalização da igualdade formal e da distribuição equitativa das riquezas socialmente produzidas. Nessa relação de coexistência, o capitalismo tem a vantagem de se beneficiar da absorção de segmentos subalternizados aos quais resta a alternativa de lutarem sistematicamente por meios de sobrevivência, transitando entre formas de trabalho capitalistas e não capitalistas.

Por esse ângulo, o trabalho doméstico pago, desempenhado por mulheres empobrecidas e racializadas, é interessante ao funcionamento da ordem econômica capitalista por concentrar (e oferecer) um contingente de mão de obra maior do que o sistema é capaz de absorver. Em contextos de crise da realização da mais-valia, o sistema produtivo expulsa as trabalhadoras domésticas para atividades não organizadas nos moldes capitalistas, aproveitando-se, ainda, da baixa qualificação e da histórica discriminação direcionada à categoria. Enquanto isso, o sistema ganha fôlego para se recompor desimpedido do constrangimento de distribuir equitativamente os prejuízos do período de escassez produtiva para o conjunto da sociedade. Os registros dos dados estatísticos referentes à crise sanitária da Covid-19 estão a sustentar e conferir atualidade à premissa levantada pela autora. É assim, por exemplo, quando uma das principais alternativas para diminuir o risco de contágio, o isolamento social, evidencia o aparente paradoxo de um sistema que desvaloriza sistematicamente o trabalho doméstico.

Saffioti apresenta dados coletados sobre a participação de mulheres ocupando a posição de empregada doméstica na População Economicamente Ativa (PEA), embasando-se em levantamento do IBGE, de 1972. O pressuposto de que nos modos de produção pré-capitalistas prevaleciam práticas de escravidão e servilismo e, por extensão, de não assalariamento, teve respaldo no achado de que as empregadas domésticas ganhavam, à época, em torno de 60% do salário-mínimo, enquanto as mulheres de uma forma geral recebiam, em média, 61% do salário pago aos homens (Saffioti, 197826 SAFFIOTI, Heleieth. Emprego doméstico e capitalismo. Petrópolis: Vozes, 1978.).

No que diz respeito à questão do valor, Saffioti entende que o produto da tarefa executada pela mão de obra doméstica não tem como finalidade o processo de comercialização de mercadorias do qual se obtém o lucro, pois estão atrelados à renda pessoal de quem contrata os serviços. Trata-se de uma relação voltada ao fornecimento de serviços consumidos no instante em que são realizados, da troca de dinheiro por trabalho, portanto, livres do compromisso da obtenção de lucro e/ou da necessidade de dispêndio de capital para sua concretização (Saffioti, 197826 SAFFIOTI, Heleieth. Emprego doméstico e capitalismo. Petrópolis: Vozes, 1978.).

A defesa de seu argumento faz jus ao tamanho do desafio teórico sobre o qual se lançara. Sim, reconhece a socióloga, há relação entre renda e acumulação de capital, todavia, adverte, o levantamento empírico de que 30% da PEA feminina dependia do mercado de trabalho doméstico demonstrava que é a existência de um número de trabalhadoras maior do que o sistema é capaz de absorver (o chamado exército industrial de reserva) o fator chave do processo de acumulação de capital. Os salários pagos à categoria permanecem inferiores ao mínimo necessário para uma vida digna, sobretudo em países em que o fenômeno da má distribuição das riquezas socialmente produzidas é mais acentuado. Desse estado de coisas compreendemos por que o trabalho doméstico remunerado é alvo de “superexploração”. Sem a subtração do tempo produtivo e a exaustão física e emocional de corpos das trabalhadoras domésticas não seria factível ao sistema “criar as condições para sua reprodução” (Saffioti, 197826 SAFFIOTI, Heleieth. Emprego doméstico e capitalismo. Petrópolis: Vozes, 1978., p. 196).

A importância do estudo de Saffioti, para além do fato de ter demonstrado a pertinência do fenômeno do trabalho doméstico remunerado como problema de investigação sociológico, reside também em ter apontado as insuficiências das categorias de análises empregadas, tanto do marxismo mais ortodoxo quanto do feminismo marxista àquele momento, para elucidar a natureza da subordinação dessas trabalhadoras no processo de acumulação capitalista, que transcende o que os marcadores de gênero e de classe sugeriam.

A partir dos anos 1990, o emprego doméstico passa a ocupar lugar destacado, sobretudo no campo dos estudos sobre mulheres e nos estudos feministas, nas ciências humanas e sociais como um todo (Ávila, 20082 ÁVILA, Maria Betânia et al. Reflexões feministas sobre informalidade e trabalho doméstico. Recife: SOS Corpo, 2008.; Brites, 20215 BRITES, Jurema G. Trabalhadoras domésticas e a mobilização digital durante a pandemia da Covid-19. In: PINTO, C. P. et al. Os sindicatos das trabalhadoras domésticas em tempo de pandemia: memórias da resistência. Santa Maria: FACOS-UFSM, 2021. p. 105-121.; Bruschini, 20076 BRUSCHINI, Maria Cristina A. Trabalho e gênero no Brasil nos últimos dez anos. Cadernos de Pesquisa, v. 37, n. 132, 2007.; Hirata, 201016 HIRATA, Helena. Novas Configurações da Divisão Sexual do Trabalho. Revista Tecnologia e Sociedade, v. 6, n. 11, 2010. http://dx.doi.org/10.3895/rts.v6n11.2557
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; Kofes, 200120 KOFES, Suely. Mulher, mulheres. Identidade, diferença e desigualdade na relação entre patroas e empregadas domésticas. Campinas: Editora da Unicamp, 2001.; Melo, 200224 MELO, Hildete P. de. Trabalhadoras domésticas. Revista do Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher, v. 4, n. 4, 2002.) e também em abordagens articuladas aos estudos pós-coloniais e decoloniais (Bernardino-Costa, 20073 BERNARDINO-COSTA, Joaze. Sindicato das Trabalhadoras Domésticas no Brasil: teorias da descolonização e saberes subalternos. 2007. Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade de Brasília, 2007.). Confiantes do acúmulo gerado por essas linhas de pesquisa e por dados recentes que explicitam as contradições de uma ordem social que opera em detrimento de condições dignas de trabalho para grupos e povos subjugados, o que nos motiva são as possibilidades inauguradas por elementos presentes no conceito de “superexploração”, nos termos inovadores de Heleieth Saffioti. Conceito revitalizado, nos dias atuais, na caracterização dos domínios que dão os insumos indispensáveis à sociedade capitalista, que constituem, nos dizeres de Nancy Fraser (201512 FRASER, Nancy. Por trás do laboratório secreto de Marx. Por uma concepção expandida do Capitalismo. Revista Direito e Práxis, v. 6, n. 10, p. 704-728, 2015.; Fraser; Jaeggi, 202013 FRASER, Nancy; JAEGGI, Rahel. Capitalismo em debate: uma conversa na teoria crítica. São Paulo: Boitempo, 2020.) “panos de fundo” e “condições de possibilidade” para que o sistema capitalista opere em suas diferentes fases e sob diferentes regimes de acumulação. É, assim, de duas dessas condições, a “reprodução social” e a “expropriação” que trataremos na próxima seção, buscando compreendê-las como ferramentas analíticas capazes de elucidar o lugar e o papel que o trabalho doméstico remunerado desempenha na atualidade.

Reprodução social, racialidade e expropriação

Em 1983, a socióloga Lisa Vogel, expoente do feminismo marxista, publica o clássico Marxism and the oppression of women. Toward a unitary theory, lançando as bases da Teoria da Reprodução Social, que pode ser sintetizada na demonstração da relação indissociável entre trabalho produtivo e reprodutivo, e no argumento de que ambos pertencem a um processo integrado. Vogel elucida a conexão entre a luta de classes e a opressão das mulheres, já que a apropriação do excedente pelo capitalista se dá pela exploração do trabalho de reprodução da força de trabalho (em amplo sentido).

A reprodução da força de trabalho (e por extensão do próprio capital) ocorre não apenas no aspecto biológico, mas se refere também a todas as atividades que permitem aos trabalhadores se regenerarem e retornarem à produção (alimentação, repouso, cuidados materiais) – o sentido, aliás, que Marx atribui originalmente à noção de reprodução cotidiana da força de trabalho.

Há ainda um terceiro sentido que se atribui à reprodução social, que é o das atividades que mantêm e regeneram aquelas que não estão na produção – as crianças, os idosos, os doentes ou mesmo os desempregados (Bhattacharya, 20194 BHATTACHARYA, Tithi. O que é a teoria da reprodução social? Revista Outubro, n. 32, p. 101-113, 2019.). Essas atividades, que constituem o campo da proteção social, também compõem a esfera sociorreprodutiva, levando algumas autoras a recorrerem à noção de “reprodução societal” para designar o dimensionamento dessa esfera.

Referida concepção estendida da reprodução social, além de denunciar a auspiciosidade com que, sob o capitalismo, se produziu a crença da separação da esfera reprodutiva da esfera produtiva como “natural”, levando assim à desvalorização da primeira, permite reconhecer também a heterogeneidade com que as atividades sociorreprodutivas ocorrem e são exercidas, ao longo do tempo e do espaço, e as desigualdades que a ela se agregam. Tais atividades se configurarão de modo diverso segundo regimes políticos e econômicos distintos, podendo ser, por exemplo: comodificadas sob um modelo liberal e neoliberal ou organizadas e reguladas pelo Estado sob o socialismo ou a socialdemocracia (Fraser; Jaeggi, 202013 FRASER, Nancy; JAEGGI, Rahel. Capitalismo em debate: uma conversa na teoria crítica. São Paulo: Boitempo, 2020.). Também se diferenciarão segundo os sujeitos que delas se encarregam, de acordo com suas localizações de classe e de estatuto, desempenhando o marcador racial aqui importância central ao lado do gênero. Poderão ser exercidas, por exemplo, por redes de parentesco, por empresas, por voluntárias, ou, o modelo que debatemos aqui, por trabalhadoras domésticas no domicílio dos empregadores, modelo que autoras como Helena Hirata (2010)16 HIRATA, Helena. Novas Configurações da Divisão Sexual do Trabalho. Revista Tecnologia e Sociedade, v. 6, n. 11, 2010. http://dx.doi.org/10.3895/rts.v6n11.2557
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denominam “divisão sexual do trabalho por delegação”.

No Brasil, segundo dados do IPEA (2019)18 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA – IPEA. Os desafios do passado no trabalho doméstico do século XXI: reflexões para o caso brasileiro a partir dos dados da PNAD Contínua. Texto para discussão 2528. Brasília: IPEA, 2019. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=35231&Itemid=444
https://www.ipea.gov.br/portal/index.php...
o trabalho doméstico remunerado é exercido sobejamente por mulheres (92%), em sua grande maioria mulheres negras (63%) e com baixa renda e escolaridade. É uma atividade marcada por histórica e profunda desvalorização social e econômica, pelo estigma, e pela desproteção legal e jurídica (78% não possuíam carteira assinada em 2019, antes da pandemia), não obstante a importância e indispensabilidade e a expressividade dessa atividade no país: segundo a PNAD de 2019, as trabalhadoras domésticas representavam 10% de toda população ocupada no Brasil acima de 14 anos, que corresponde a um contingente de 6,7 milhões de pessoas. Nenhuma outra categoria profissional é tão representada por aqui.

Levando em conta o quadro de “superexploração” a que essas mulheres estavam submetidas na década de 1970, retratado por Saffioti (1978)26 SAFFIOTI, Heleieth. Emprego doméstico e capitalismo. Petrópolis: Vozes, 1978., e confrontando-o com os dados de 2019 (de antes da pandemia) e as informações produzidas durante a pandemia e já apresentadas, nota-se a perenidade do diagnóstico elaborado pela autora, não obstante as mudanças sociais, econômicas e políticas pelas quais o país atravessou no período. A recalcitrância desse quadro, e mais precisamente, a inalterabilidade do perfil socioeconômico e sobretudo racial dessas trabalhadoras, nos conduz a uma busca por suportes teórico-analíticos que possam fornecer subsídios consistentes à compreensão do papel que a racialidade desempenha nesse processo de exploração e subordinação, para além da repetida constatação empírica da prevalência das mulheres racializadas entre as trabalhadoras domésticas no país.

É Lélia Gonzalez (1984)15 GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Revista Ciências Sociais Hoje, p. 223-244, 1984. quem nos convoca a empreender um esforço analítico sobre essa realidade que leve em conta, além de marcadores socioeconômicos, aspectos históricos e aportes psicanalíticos que, na sua interpretação, alçam o racismo no país a um estado de “neurose cultural brasileira”. Tentando elucidar esse “lugar” naturalizado da dominação e de violência simbólica, a autora recorre a uma das figurações mais poderosas sobre a qual o mito da democracia racial se assentou no país, a trivalente personagem que a mulher negra encarna: a “mulata”, a “doméstica” e a “mãe preta”. Enquanto a “mulata” refere uma exaltação objetificada, consagrada apenas no curto período do carnaval, a “doméstica” pereniza o lugar social da subordinação e da discriminação ao qual o racismo brasileiro confina a mulher negra, atualizando o papel que já foi da “mucama” e, por vezes, personificando-se também na “mãe preta”, quando o trabalho doméstico engloba o cuidado da prole dos patrões.

Quanto à doméstica, ela nada mais é do que a mucama permitida, a da prestação de bens e serviços, ou seja, o burro de carga que carrega sua família e a dos outros nas costas. Daí, ela ser o lado oposto da exaltação; porque está no cotidiano. E é nesse cotidiano que podemos constatar que somos vistas como domésticas. Melhor exemplo disso são os casos de discriminação de mulheres negras da classe média, cada vez mais crescentes. Não adianta serem “educadas” ou estarem “bem vestidas” (afinal, “boa aparência”, como vemos nos anúncios de emprego é uma categoria “branca”, unicamente atribuível a “brancas” ou “clarinhas”)

(Gonzalez, 198415 GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Revista Ciências Sociais Hoje, p. 223-244, 1984., p. 230).

A advertência de Gonzalez remete à necessidade de chamar a atenção da intelectualidade e da militância, àquele momento, sobre a permanente reinvenção de formas de violência simbólica que o racismo engendra na experiência nacional e que remetem ao processo de formação cultural brasileira, forjado a partir da experiência da escravidão, o qual precisa ser perscrutado numa seara que não se situa apenas na dileta arena da “luta de classes”.

Quarenta anos depois, é a partir do pensamento de uma filósofa neomarxista, identificada com a New Left estadunidense e com o feminismo socialista, Nancy Fraser (201512 FRASER, Nancy. Por trás do laboratório secreto de Marx. Por uma concepção expandida do Capitalismo. Revista Direito e Práxis, v. 6, n. 10, p. 704-728, 2015.; Fraser; Jaeggi, 202013 FRASER, Nancy; JAEGGI, Rahel. Capitalismo em debate: uma conversa na teoria crítica. São Paulo: Boitempo, 2020.), que encontramos a proposição mais profícua e original sobre a importância e a funcionalidade que a opressão racial desempenhou e continua a desempenhar para a acumulação capitalista, e como ela se comunica a outras formas de opressão. Fraser propõe uma interpretação estendida do capitalismo, não restrita a um sistema econômico, e sim a uma “ordem social institucionalizada”.

Fraser (201512 FRASER, Nancy. Por trás do laboratório secreto de Marx. Por uma concepção expandida do Capitalismo. Revista Direito e Práxis, v. 6, n. 10, p. 704-728, 2015.; Fraser; Jaeggi, 202013 FRASER, Nancy; JAEGGI, Rahel. Capitalismo em debate: uma conversa na teoria crítica. São Paulo: Boitempo, 2020.), inspirada no marxismo negro, dá o nome de “expropriação” ao processo de confisco do trabalho de indivíduos destituídos de plenos direitos, cuja marca inequívoca, afirma, é a raça. O capitalismo recorre tanto à “exploração” dos trabalhadores que vendem a sua força de trabalho em troca de salários, especialmente nos países do Norte Global, quanto ao excedente obtido às custas da expropriação de sujeitos racializados, situados tanto no centro quanto na periferia do capitalismo, em sociedades atravessadas pela experiência da colonialidade e da escravidão moderna.

O que diferencia e dá condições à expropriação são fundamentalmente razões de ordem econômica e política. Economicamente, os sujeitos expropriados sob o capitalismo não recebem sequer o suficiente para sua reprodução cotidiana, em diferença ao que ocorre com os sujeitos explorados. Politicamente, relações de poder hierárquico e diferenciais de status, forjadas em arranjos institucionais, bloqueiam o exercício da plena cidadania a esses sujeitos, o que os expõe à subjugação e à violência, perpetradas inclusive pelo Estado. Fraser compreende, ademais, a expropriação como uma das “condições de possibilidade do capitalismo”, que pode revelar a “história de fundo", não oficial, do capitalismo. Além da expropriação, a autora identifica outras três condições: a “reprodução social”, a “separação entre domínio da natureza e domínio econômico” e a “cisão entre economia e política”.

Ao tratar as “condições de fundo”, Fraser alarga o raio de investigação dos elementos históricos subjacentes ao empreendimento capitalista, extrapolando os limites de categorias centradas nas relações contratuais localizadas na esfera da produção. A armadilha teórica – uma das facetas encobertas pelo capitalismo – está em situar as “condições de fundo” à parte do modo de funcionamento do processo produtivo, deixando escapar o papel emblemático dessas pré-condições num modelo marcado pela tendência sistêmica a crises que, não por acaso, se situam contemporaneamente nos domínios sociorreprodutivo, ambiental/ecológico e político (Fraser; Jaeggi, 202013 FRASER, Nancy; JAEGGI, Rahel. Capitalismo em debate: uma conversa na teoria crítica. São Paulo: Boitempo, 2020., p. 51).

Fraser avança na direção de uma concepção atualizada e expandida do capitalismo, finalmente integrando à análise o modo de funcionamento de um complexo socio-histórico indispensável ao impulso e à manutenção do movimento incessante do capital: o trabalho reprodutivo não pago ou mal remunerado, o uso indiscriminado e gratuito dos recursos naturais e a subjugação de sujeitos racializados. Embora a exploração de trabalhadores assalariados e o confisco de recursos e de capacidades de indivíduos situados fora ou nos limites da relação contratual sejam fenômenos paralelos num mundo organizado pelo capital, a “exploração”, na clássica formulação capital-trabalho, não pode ser confundida com a “expropriação” historicamente direcionada a grupos integrados como mão de obra precarizada e, portanto, passíveis de espoliação contínua e subtração de suas energias vitais, seja em momentos de crise ou de “normalidade”.

O que propomos neste artigo é, primeiramente, assumir que a noção de “expropriação”, tal como concebida por Fraser, fornece subsídios importantes para compreender a subordinação e inferiorização de status a que as trabalhadoras domésticas, em sua maioria mulheres racializadas, estão expostas desde há muito no Brasil. Para além, ainda, compreendemos que essas mulheres ocupam uma posição estratégica no modo de acumulação capitalista (e racializado) contemporâneo por se localizarem precisamente no entrecruzamento de duas “condições de possibilidade do capitalismo”, estrategicamente mantidas como não aparentes, mas fundamentais para o processo de acumulação: a expropriação e a reprodução social.

Assim, se em Saffioti o trabalho doméstico pode ser finalmente relacionado ao modelo capitalista, ainda que numa lógica pré-capitalista, a partir dos insights teóricos apresentados por Fraser, dos quais nos (re)apropriamos aqui, permite-se dar um passo adiante. Ao compreendê-lo a partir de uma (renovada) teoria crítica do capitalismo, atenta às linguagens e lutas sociais do presente, potencializa-se o exercício analítico sobre a articulação dos marcadores de gênero, raça e classe na compreensão desse fenômeno, desvendando sua estratégica e renovada funcionalidade para os processos de acumulação.

O fato de as trabalhadoras domésticas se localizarem no encontro dessas duas “condições de fundo”, além de implicar condições elevadas de subjugação, proporciona, ao mesmo tempo, um potencial disruptivo às suas lutas e demandas. Isso porque, o conflito contemporâneo, favorecido pela crise sanitária e econômica, não só reforça a faceta do sistema capitalista de distribuição desproporcional dos recursos responsáveis pela manutenção da vida, como expõe as vísceras de um sistema cuja lógica de exploração do trabalho opera em níveis de escalas simultaneamente “constitutivas”, porque arquitetadas visando a extração de mais-valia, e “sobrepostas”, pois situadas nas fronteiras em que as opressões étnico-raciais e de gênero se agudizam.

Considerações finais

A pandemia tornou latentes e expôs as fronteiras institucionais do capitalismo em que os mapas analíticos de gênero e raça se sobrepõem como fundamentais para compreender, ontológica e epistemologicamente, a centralidade da categoria trabalho na configuração dos efeitos desproporcionais da crise econômica associada à crise sanitária.

Se a crise do cuidado (e da reprodução social) tem exposto mais e mais as mulheres racializadas a verdadeiros processos de expropriação, agravados pela pandemia da Covid-19, ela também constitui uma oportunidade histórica única, no Brasil, para desvendar tais processos. Deliberadamente ocultados e camuflados pela ficção da igualdade jurídica no país, forjada no interior da arquitetura liberal desde a passagem do trabalho escravo para o livre, tais processos de subjugação e exploração a que essas mulheres se viram expostas também estiveram constantemente revigorados pelo mito da democracia racial, durante todo o século XX.

Desde o início deste século, contudo, as fissuras nesse projeto de expropriação começaram a aparecer, o que a EC 72/13 (PEC da Domésticas) pôde evidenciar, mas não de todo romper. As lutas sociorreprodutivas desta segunda década, aliadas às lutas antirracistas e decoloniais que também se acirram no contexto mundial pandêmico, são portadoras potenciais de uma radical interpelação ao capitalismo atual, que vive sua fase mais abissalmente desigual e antidemocrática de que se teve notícia. E são as trabalhadoras domésticas aquelas que estão na fronteira de ambas as lutas.

  • 1
    O título do artigo faz uma alusão à expressão de Françoise Vergès em Um feminismo decolonial, quando se refere às trabalhadoras da limpeza que abrem as cidades todos os dias se ocupando “incansavelmente da tarefa de limpar o mundo” (Vergès, 202029 VERGÈS, Françoise. Um feminismo decolonial. São Paulo: Ubu Editora, 2020., p. 24).
  • 2
    Optamos pela categoria “racialização” ao invés de “raça”, na esteira das proposições de estudos decoloniais, por ela conferir melhor inteligibilidade aos processos de hierarquização e subordinação de sujeitos no contexto da colonialidade moderna, evidenciando a funcionalidade que a categoria “raça” desempenhou como operador desses processos de classificação e de sujeição.
  • 3
    Debate promovido pelo Núcleo de Assessoria Jurídica Popular (NAJUP) acerca da Situação das Trabalhadoras Domésticas no contexto da Covid-19, em agosto de 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=6ybW1ucA1pU. Acesso em 30 mar. 2021.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Set 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    14 Jan 2022
  • Aceito
    08 Jul 2022
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