Acessibilidade / Reportar erro

Os efeitos generativos das crises econômicas: o caso do sistema de inovação italiano

Resumo

Este artigo procura esclarecer as profundas mudanças que estão ocorrendo no sistema de inovação italiano. Embora esse sistema tenha garantido um crescimento sustentado até os anos 1980, a competitividade do país nos setores de alta e média-alta tecnologia perdeu sua força com a mudança do fordismo para o pós-fordismo. Recentemente, no entanto, há sinais de interesse renovado em inovação por parte das empresas e e de um compromisso renovado por parte do Estado em apoiar os avanços tecnológicos e a digitalização das empresas. O artigo descreve, primeiramente, as características do sistema de inovação italiano e as significativas melhorias na propensão digital e na capacidade de inovação das empresas italianas nos últimos anos. Mostra a seguir que, de modo geral, o sistema econômico italiano se beneficiou da “dinâmica generativa” desencadeada, primeiro, pela Grande Recessão de 2008 e, depois, pela crise pandêmica de 2020. Discute, também, o papel das políticas públicas na promoção do sistema de inovação italiano, com foco específico na indústria de média e alta tecnologia. Artigo traduzido do inglês por Carolina Fernandes.

Palavras-chave
digitalização; Economia Política; Itália; mudança institucional; Sociologia Econômica

Abstract

This article seeks to shed light on the profound changes taking place in the Italian innovation system. While the system ensured sustained growth until the Eighties, the country’s competitiveness in the high and medium-high tech sectors was eroded by the shift from Fordism to post-Fordism. Recently, however, there have been signs that firms are once again showing an appetite for innovation, and that there is a renewed commitment on the part of the state to supporting business’ technological advances and digitalization. After detailing the distinctive features of the Italian innovation system, we describe the striking improvements in digital propensity and capacity for innovation that Italian firms have made in recent years. On the whole, as we show, the Italian economic system has benefited from “generative dynamics” triggered, first, by the Great Recession of 2008 and, later, by the 2020 pandemic crisis. In addition, we discuss the role of public policies in promoting the Italian innovation system with a specific focus on medium-high tech manufacturing.

Keywords
digitalization; Political Economy; Italy; Institutional Change; Economic Sociology

Resumen

Este artículo busca arrojar luz sobre los profundos cambios que se están produciendo en el sistema de innovación italiano. Si bien el sistema aseguró un crecimiento sostenido hasta los años ochenta, la competitividad del país en los sectores de alta y media alta tecnología se vio erosionada por el paso del fordismo al posfordismo. Sin embargo, recientemente ha habido señales de que las empresas están mostrando una vez más apetito por la innovación y de que hay un compromiso renovado por parte del Estado para apoyar los avances tecnológicos y la digitalización de las empresas. Después de detallar las características distintivas del sistema de innovación italiano, describimos las sorprendentes mejoras en la propensión digital y la capacidad de innovación que las empresas italianas han logrado en los últimos años. En general, como mostramos, el sistema económico italiano se ha beneficiado de la “dinámica generativa” desencadenada, primero, por la Gran Recesión de 2008 y, después, por la crisis pandémica de 2020. Además, discutimos el papel de las políticas públicas en la promoción del sistema de innovación italiano con un enfoque específico en la manufactura de media-alta tecnología.

Keywords
digitalización; Economía Política; Italia; Cambio Institucional; Sociología Económica

Introdução

Este artigo procura esclarecer as profundas mudanças que estão ocorrendo no sistema de inovação italiano. Embora o sistema tenha conseguido um crescimento sustentado até a década de 1980 (Malerba, 199341 MALERBA, Franco. The national system of innovation: Italy. In: NELSON, R. R. (ed.). National innovation systems: A comparative analysis. Oxford: Oxford University Press, 1993. p. 230-238.), a competitividade do país nos setores de alta e média-alta tecnologia perdeu sua força com a mudança do fordismo para o pós-fordismo (Lucchese; Nascia; Pianta, 201638 LUCCHESE, Matteo; NASCIA, Leopoldo; PIANTA, Mario. Industrial policy and technology in Italy. Economia e politica industriale, v. 43, n. 3, p. 233-260, 2016.; Nuvolari; Vasta, 201547 NUVOLARI, Alessandro; VASTA, Michelangelo. The ghost in the attic? The Italian national innovation system in historical perspective, 1861–2011. Enterprise & Society, v. 16, n. 2, p. 270-290, 2015.). Recentemente, no entanto, houve sinais de que as empresas estão novamente demonstrando interesse pela inovação e de um compromisso renovado por parte do Estado em apoiar os avanços tecnológicos e a digitalização das empresas. Após detalhar as características do sistema de inovação italiano, descrevemos os notáveis avanços em direção à digitalização e na capacidade de inovação das empresas italianas nos últimos anos.

À luz desses desenvolvimentos, surge a principal questão de pesquisa: quais são os fatores-chave que poderiam explicar o grande salto da economia italiana em termos de crescimento e digitalização? Para responder a essa pergunta, consideramos vários fatores que podem ter desempenhado um papel significativo. Em primeiro lugar, exploramos o impacto da Grande Recessão de 2008 como uma forma de destruição e acumulação criativas, que define a trajetória da economia italiana. Em segundo lugar, examinamos a crise pandêmica de 2020 e seu papel catalisador para que as empresas investissem em tecnologia da informação e comunicação (TIC), levando a mais avanços na digitalização. Por fim, investigamos a influência das políticas públicas implementadas desde 2017 que promovem a adoção de novas tecnologias de TI, tanto nas empresas quanto pela população em geral. Ao analisar esses fatores, nosso objetivo é compreender de forma abrangente os fatores que impulsionaram os recentes avanços no sistema de inovação italiano e, consequentemente, o crescimento e a digitalização da economia.

Como mostraremos, de forma geral, o sistema econômico italiano se beneficiou da “dinâmica generativa” desencadeada, primeiro, pela Grande Recessão de 2008 e, depois, pela crise pandêmica de 2020. Além disso, discutiremos o papel das políticas públicas na promoção do sistema de inovação italiano, com foco específico nas indústrias de média e alta tecnologia.

O sistema de inovação italiano antes das crises

O conceito de sistemas nacionais de inovação (SNIs) foi introduzido na década de 1980 (Dosi et al., 198814 DOSI, Giovanni et al. Technical change and economic theory. Londres: Pinter Publishers, 1988.; Edquist, 200517 EDQUIST, Charles. Systems of innovation. In: FAGERBERG, Jan, MOWERY, David C., NELSON, Richard R (ed.). The Oxford Handbook of Innovation, New York: Oxford University Press, 2005, pp. 181-208.; Freeman, 198727 FREEMAN, Christopher. Technology policy and economic performance: Lessons from Japan. Londres: Pinter Publishers, 1987.; Lundvall, 199239 LUNDVALL, Bengt-Ake. National systems of innovation: Towards a |theory of innovation and interactive learning. Londres: Pinter Publishers, 1992.; Malerba, 200440 MALERBA, Franco. Sectoral systems of innovation: Concepts, issues and analyses of six major sectors in Europe. Cambridge: Cambridge University Press, 2004.; Nelson, 199345 NELSON, Richard R. (ed.). National innovation systems: A comparative analysis. Nova York: Oxford University Press, 1993.) e se refere a “todos os fatores econômicos, sociais, políticos, organizacionais, institucionais e outros importantes que influenciam o desenvolvimento, a difusão e o uso da inovação” (Edquist, 199716 EDQUIST, Charles. Systems of innovation: Technologies, institutions and organisations. Londres: Pinter Publishers, 1997., p. 14). Apesar das diferenças substanciais, algumas características básicas são comuns aos estudos que utilizam esse conceito. Em primeiro lugar, todos adotam a ideia de que o conhecimento e os processos de aprendizado são os principais impulsionadores da inovação e do desenvolvimento. Em segundo lugar, abandonam uma visão estritamente economicista da inovação, reconhecendo que: a) ela demanda a contribuição de uma pluralidade de atores (empresas, universidades, governos etc.); b) as instituições desempenham um papel importante na definição do contexto em que esses atores operam; e c) esses processos estão inseridos em redes de relacionamentos entre pessoas e organizações (Ramella, 201649 RAMELLA, Francesco. Sociology of Economic Innovation. Nova York: Routledge, 2016.).

Embora a abordagem dos sistemas nacionais de inovação tenha se mostrado valiosa para a análise e o entendimento da dinâmica dos ecossistemas de inovação, ela tem seus pontos fracos. Três limitações importantes devem ser consideradas. Primeiramente, o conceito muitas vezes tem dificuldades em captar as complexas interações e interdependências entre os diversos atores do sistema, o que pode levar a uma simplificação excessiva do processo de inovação. Em segundo lugar, o foco no conhecimento e nos processos de aprendizado pode negligenciar outros fatores cruciais, como a dinâmica do mercado, a cultura empresarial e o acesso ao capital, que também desempenham papéis importantes na promoção da inovação. Por fim, a ênfase do conceito nas instituições e seu papel na configuração do contexto de inovação pode minimizar a importância de iniciativas espontâneas e de inovações que emergem da base e que podem surgir independentemente do apoio institucional formal (Ramella, 201649 RAMELLA, Francesco. Sociology of Economic Innovation. Nova York: Routledge, 2016.).

Apesar desses vieses e limitações já conhecidos, usaremos esse conceito para esclarecer como era o modelo de desenvolvimento italiano antes da Grande Recessão e para entender o difícil processo de digitalização da economia italiana.

Diferentemente das principais economias do noroeste da Europa, a Itália seguiu um caminho mais lento rumo à competitividade nos anos que antecederam a Grande Recessão, baseado principalmente na precarização do mercado de trabalho e na compressão de custos (Burroni; Gherardini; Scalise, 20197 BURRONI, Luigi; GHERARDINI, Alberto; SCALISE, Gemma. Policy failure in the triangle of growth: Labour market, human capital, and innovation in Spain and Italy. South European Society and Politics, v. 24, n. 1, p. 29-52, 2019.). Assim, a taxa de crescimento esteve quase sempre abaixo da média europeia, prejudicada pela enorme dívida pública e pelo declínio demográfico, além de escassos investimentos em inovação e capital humano, regulamentação pública deficiente e infraestruturas envelhecidas. Tudo isso se traduziu em uma dinâmica de produtividade particularmente desanimadora que nem mesmo os baixos custos trabalhistas do país conseguiram compensar. Esse desempenho econômico decepcionante está relacionado à fraqueza do sistema nacional de inovação da Itália e se contrapõe ao desempenho do norte da Europa. De fato, nas economias que escolhem o caminho da alta competitividade, as empresas se especializam principalmente em setores com um nível elevado de pesquisa e desenvolvimento (P&D) e altos salários. Nesse caso, a vantagem competitiva se baseia no aumento da produtividade e no investimento de capital. As economias do sul da Europa, no entanto, têm um regime de inovação diferente e específico, que está associado à especialização em setores de média e baixa tecnologia (Donatiello; Ramella, 201713 DONATIELLO, Davide; RAMELLA, Francesco. The innovation paradox in Southern Europe. Unexpected performance during the economic crisis. South European Society and Politics, v. 22, n. 2, p. 157-177, 2017.). Por um lado, elas apresentam uma combinação única de escassos bens coletivos e recursos para inovação e, por outro, maior envolvimento do Estado e vínculos fracos entre os atores dentro do sistema.

Para analisar o SNI italiano, convém consultar o European Innovation Scoreboard (EIS), que a Comissão Europeia publica todos os anos desde 2001 a fim de obter uma análise comparativa do desempenho inovador dos estados-membros e de seus respectivos pontos fortes e fracos. Em 2008, a Itália foi classificada entre os Inovadores Moderados, ou seja, os estados-membros cujo desempenho ficou abaixo da média europeia. Naquela época, uma das primeiras características do SNI da Itália era, portanto, sua fraqueza em comparação com as principais economias do noroeste europeu. As pontuações estavam muito abaixo da média em várias áreas: i) investimentos em recursos humanos qualificados; ii) gastos com P&D; iii) serviços inovadores e colaborações; iv) desenvolvimento e proteção de ativos intelectuais (European Commission, 202120 EUROPEAN COMMISSION. European Innovation Scoreboard 2021. Luxemburgo: Publications Office of the European Union, 2021., p. 5-6).

A segunda característica do SNI da Itália era a fraca integração. Em 2008, a) o gasto per capita em P&D estava abaixo da média da UE; b) a participação das empresas no gasto total com P&D também ficou abaixo da média, resultando em um SNI mais centrado no setor público, apesar de o gasto público estar abaixo da média europeia; c) a política de inovação era descentralizada, baseando-se principalmente em incentivos fiscais para a iniciativa privada; d) as interconexões entre os atores do sistema eram fracas; e e) o modelo estava orientado principalmente para lidar com distritos industriais de baixa ou média-alta tecnologia, cujo estilo de inovação é principalmente incremental e baseado no aprendizado através da prática (Marshall, 192043 MARSHALL, Alfred. Principles of Economics. Londres: Macmillan, 1920.; Bellandi, 19893 BELLANDI, Marco. The industrial district in Marshall. In: GOODMAN, E. et al.(ed.). Small firms and industrial districts in Italy. Londres: Routledge, 1989. p. 136-152.). Essas características contrastam de forma marcante com as dos líderes europeus em inovação e, particularmente, com os países escandinavos. Estes últimos têm SNIs que apresentam alto desempenho em termos de investimentos públicos e privados em P&D, governança coordenada e centralizada e, por fim, regimes de maior base científica. Dessa forma, na iminência da Grande Recessão, a Itália tinha um sistema de produção frágil e um SNI fraco, tornando-a especialmente vulnerável à crise internacional. Com o fim da crise, em 2014, o PIB havia perdido oito pontos percentuais em relação ao nível de 2008, enquanto a Alemanha e a França haviam ganhado 5% e 3%, respectivamente. O PIB per capita em termos reais caiu ainda mais, em 9,3 pontos, enquanto o da UE se manteve razoavelmente firme. Os investimentos também caíram drasticamente devido às políticas de austeridade impostas pela União Europeia, que impediram o governo italiano de implementar medidas anticíclicas, como os líderes em inovação da Europa conseguiram fazer (Donatiello; Ramella, 201713 DONATIELLO, Davide; RAMELLA, Francesco. The innovation paradox in Southern Europe. Unexpected performance during the economic crisis. South European Society and Politics, v. 22, n. 2, p. 157-177, 2017.). Embora a Grande Recessão tenha sido um severo choque, seria um equívoco culpá-la pelo declínio econômico da Itália. De fato, as trajetórias de crescimento do país começaram a divergir das economias mais avançadas bem antes da explosão da crise internacional. No entanto, por mais dolorosa que tenha sido, a crise também desencadeou uma “dinâmica generativa”, fazendo com que estratégias competitivas ultrapassadas fossem repensadas.

A Grande Recessão como um divisor de águas

A Grande Recessão foi um “divisor de águas”, pois expôs a extrema inadequação do modelo de baixa competitividade e das políticas – essencialmente neoliberais – que o sustentavam. Estas políticas não apenas tornaram as empresas italianas menos competitivas e aumentaram as desigualdades sociais, fornecendo um terreno fértil para a ascensão de partidos populistas, mas também reduziram a demanda interna e esgotaram o estoque de bens coletivos, freando assim a modernização econômica, social e política da Itália.

Defendemos que a Grande Recessão trouxe uma correção de curso nas estratégias de desenvolvimento da Itália. Como sabemos, as crises são poderosos geradores de aprendizado ou, em outras palavras, oportunidades para iniciar processos de aprendizado (Deverell, 200912 DEVERELL, Edward. Crises as learning triggers: Exploring a conceptual framework of crisis-induced learning. Journal of Contingencies and Crisis management, v. 17, n. 3, p. 179-188, 1989.). Mas quais foram os motivadores desses processos de aprendizado? Primeiro, foram implementadas políticas de apoio à inovação tecnológica. As políticas nacionais e os sistemas regionais de inovação incentivaram e apoiaram as empresas no processo de ajuste que se seguiu à Grande Recessão. Em segundo lugar, os típicos mecanismos de ajuste de mercado estavam em vigor. De fato, dois processos schumpeterianos clássicos estavam em ação: “destruição criativa” e “acumulação criativa” (Filippetti; Frenz; Archibugi, 200925 FILIPPETTI, Andrea; FRENZ, Marion; ARCHIBUGI, Daniele. The effects of the economic downturn on innovation: Creative destruction versus creative accumulation. In: ANNUAL CONFERENCE OF THE GARNET NETWORK OF EXCELLENCE, 4., Rome, 2009. Anais […]. Roma: Garnet Network of Excellence, 2009.). E ambos os impulsores dos processos de aprendizado – políticas e mecanismos de mercado – estavam interligados e imbuídos de uma forte dimensão relacional que deu origem a uma cooperação entre atores públicos e privados.

Para ilustrar esse entrelaçamento, começaremos com o primeiro processo de mercado, a destruição criativa, em que as empresas obsoletas que não conseguem mais competir são substituídas por empresas novas e com maior tendência para a inovação. Como mencionamos anteriormente, um número enorme de empresas italianas fechou as portas durante a Grande Recessão, especialmente as microempresas menos competitivas. Mas, um fato menos conhecido é que novas empresas continuaram a entrar no mercado durante os anos mais difíceis da crise. De 2009 a 2020, os novos ingressos nos Registros de Empresas mantidos pelas Câmaras de Comércio da Itália invariavelmente excederam os fechamentos. Em 2019, pouco antes do início da crise pandêmica, o número de empresas registradas era praticamente idêntico ao de 2009, embora as tendências variassem muito de setor para setor. Além disso, muitas startups de inovação surgiram nos primeiros anos após a Grande Recessão, aproveitando os incentivos oferecidos pelo “Decreto do Crescimento 2.0” promulgado pelo governo Monti em 2012. Nos dois anos após a introdução dessa medida, cerca de 3.700 startups foram cadastradas na seção especial do Registro de Empresas, a maioria operando em serviços de conhecimento intensivo (tecnologia da informação, pesquisa etc.), fabricação de alta tecnologia e engenharia mecânica (InfoCamere, 2015; Cerved, 2014). Em outubro de 2021, o número total chegou a quatorze mil, com um impacto em termos de produção e emprego que estava se revelando bastante significativo (InfoCamere, 2021).

Passaremos agora à acumulação criativa, ou seja, à resposta das empresas sólidas e bem estabelecidas ao ajuste do mercado. Mais uma vez, a Grande Recessão estimulou a inovação, principalmente devido aos incentivos para investimentos fornecidos pelo governo nos anos seguintes (Pessina; Ramella, 202248 PESSINA, Gianmaria; RAMELLA, Francesco. Italy at a critical juncture. Game changing crises for the innovation system. Stato e Mercato, v. 42, n. 1, p. 117-153, 2022.). Os dados sugerem que um número considerável de empresas italianas, especialmente as mais voltadas para a exportação, reagiu fortemente à crise, como corresponde diante da gravidade da situação. Um aumento notável na formação bruta de capital fixo começou após a Grande Recessão, e um crescimento semelhante pode ser observado nos gastos das empresas com pesquisa e desenvolvimento nos últimos anos. Em volumes de investimento, a Itália está agora em terceiro lugar na Europa, depois da Alemanha e da França, embora esses países ainda tenham uma enorme vantagem em termos per capita: os números da Itália representam apenas um terço dos da Alemanha e um pouco mais da metade dos da França.

De fato, os dados do Eurostat mostram que, entre 2015 e 2018, a produtividade da mão de obra industrial (valor agregado bruto por pessoa empregada) aumentou mais na Itália (11,1%) do que na Alemanha (8,7%), França (7,9%) e Espanha (3,8%). Essa foi a primeira e única vez, desde o final dos anos 1990, que tal fato foi observado. Os resultados desse ritmo acelerado de investimento estão começando a ser percebidos. De acordo com a Community Innovation Survey (Pesquisa de Inovação da Comunidade), apenas 35% das empresas italianas foram classificadas como inovadoras em 2006: quatro pontos abaixo da média europeia e preocupantes 26 pontos abaixo da Alemanha (European Commission, 200623 EUROPEAN COMMISSION. Community Innovation Survey (CIS). Luxemburgo: Publications Office of the European Union, 2006. https://ec.europa.eu/eurostat/cache/metadata/en/inn_cis2_esms.htm
https://ec.europa.eu/eurostat/cache/meta...
). Mas logo houve melhorias e, em 2018, a participação da Itália chegou a 63%: 13 pontos acima da média da UE e apenas cinco pontos a menos que a Alemanha (European Commission, 201821 EUROPEAN COMMISSION. Community Innovation Survey (CIS). Luxemburgo: Publications Office of the European Union, 2018. https://ec.europa.eu/eurostat/cache/metadata/en/inn_cis2_esms.htm
https://ec.europa.eu/eurostat/cache/meta...
). Além disso, a lista FT 1000 do Financial Times, das empresas europeias que cresceram mais rapidamente no período de três anos entre 2017 e 2020, mostra o mesmo quadro. Pela segunda vez consecutiva, a Itália aparece em primeiro lugar em 2022 (com 235 empresas), seguida pela Alemanha (194) e pelo Reino Unido (155). Um padrão semelhante pode ser observado na digitalização da economia italiana, que pode ser considerada uma prova decisiva das transformações induzidas primeiramente pela Grande Recessão e, posteriormente, pela crise pandêmica.

A digitalização da economia e da sociedade

A revolução das TICs que começou nos anos 1990 teve efeitos transformadores na economia. Muitos dos custos incorridos por empresas e consumidores na busca de informações, no transporte de mercadorias, na reprodução de sons e imagens e no rastreamento e verificação de movimentos e informações caíram drasticamente (Goldfarb; Tucker, 201930 GOLDFARB, Avi; TUCKER, Catherine. Digital economics. Journal of Economic Literature, v. 57, n. 1, p. 3-43, 2019.). Obviamente, isso repercutiu em toda a sociedade e na economia. Uma extensa literatura econômica tem enfatizado que a digitalização foi o principal fator para o crescimento da produtividade, tanto para as economias avançadas quanto para os países emergentes e em desenvolvimento (Jorgenson; Ho; Stiroh, 2008; Niebel, 201846 NIEBEL, Thomas. ICT and economic growth – Comparing developing, emerging and developed countries. World Development, v. 104, p. 197-211, 2018.). Ela trouxe ganhos de eficiência no processo de produção e, de forma mais geral, na organização corporativa (Brynjolfsson; Saunders, 20096 BRYNJOLFSSON, Erik; SAUNDERS, Adam. Wired for innovation. How information technology is reshaping the economy. Boston: MIT Press, 2009.), promovendo mudanças estruturais nas cadeias globais de valor (Strange; Zucchella, 201753 STRANGE, Roger; ZUCCHELLA, Antonella. Industry 4.0, global value chains and international business. Multinational Business Review, v. 25, n. 3, p. 174-184, 2017.). Além disso, criou mercados digitais e plataformas socioeconômicas para colaboração (Ramella; Manzo, 202150 RAMELLA, Francesco; MANZO, Cecilia. The economy of collaboration: The new digital platforms of production and consumption. Nova York: Routledge, 2021.). Por mais difundidas que sejam, no entanto, a disseminação das tecnologias digitais e sua capacidade de aproveitar as oportunidades oferecidas por essa revolução tecnológica dependem de uma série de fatores geográficos, organizacionais, sociais e institucionais.

Do ponto de vista geográfico, a digitalização teve efeitos paradoxais (Moriset; Malecki, 200944 MORISET, Bruno; MALECKI, Edward J. Organization versus space: The paradoxical geographies of the digital economy. Geography Compass, v. 3, n. 1, p. 256-274, 2009.). Por um lado, ela tornou a distância menos relevante, de modo que pessoas e empresas em locais periféricos podem potencialmente manter-se atualizadas – se sua conectividade for boa o suficiente. Por outro lado, ela traz processos claros de concentração espacial. Os ecossistemas digitais se enraízam principalmente em regiões mais desenvolvidas e áreas metropolitanas, onde é provável que haja uma alta densidade de capital humano qualificado, produtores de conteúdo criativo, startups e subvenções específicas, bem como grandes corporações.

Os diferentes níveis de maturidade digital também levam a uma brecha organizacional. Nesse caso, o grau de penetração da digitalização depende da disponibilidade de mão de obra qualificada, da capacidade de investimento em TI e, por fim, da cultura organizacional, principalmente no que diz respeito à capacidade da empresa de colaborar com clientes e fornecedores especializados (Bloom; Sadun; Van Reenen, 20125 BLOOM, Nicholas; SADUN, Raffaella; VAN REENEN, John. Americans do IT better: US multinationals and the productivity miracle. American Economic Review, v. 102, n. 1, 167-201, 2012.; Shamim et al., 201652 SHAMIM, Saquib et al. Management approaches for Industry 4.0: A human resource management perspective. IEEE congress on evolutionary computation. (CEC), Vancouver, 2016. Anais […]. Vancouver: IEEE, 2016. p. 5309-5316.; Downing, 200515 DOWNING, Stephen. The social construction of entrepreneurship: Narrative and dramatic processes in the coproduction of organizations and identities. Entrepreneurship Theory and Practice, v. 29, n. 2, p. 185-204, 2005.; Fossen; Sorgner, 202126 FOSSEN, Frank M.; SORGNER, Alina. Digitalization of work and entry into entrepreneurship. Journal of Business Research, n. 125, p. 548-563, 2021.). Nesse sentido, empresas maiores ou startups jovens e ágeis estão em melhor posição para colher os frutos da digitalização (Horváth; Szabó, 201931 HORVÁTH, Dóra; SZABÓ, Roland Z. Driving forces and barriers of Industry 4.0: Do multinational and small and medium-sized companies have equal opportunities? Technological Forecasting and Social Change, v. 146, p. 119-132, 2019.).

O nível de digitalização da sociedade também exerce uma influência direta sobre as oportunidades econômicas. Quanto mais os cidadãos estiverem integrados à cultura digital, mais habilidades poderão ser empregadas nas esferas do trabalho e do consumo. Ao mesmo tempo, uma população com conhecimento digital exigirá mais serviços e produtos digitalizados das empresas e do governo. Por fim, o grau de avanço do processo de digitalização de uma economia também dependerá do papel desempenhado pelo Estado e seu sistema nacional de inovação. As políticas públicas, por exemplo, são decisivas para reduzir as brechas geográfica e dimensional. Nesse sentido, o acesso a conexões ultrarrápidas, mesmo em áreas remotas, o apoio a pequenas e médias empresas e a disseminação de competências digitais entre a população são as áreas mais importantes para intervenção do Estado.

Tendo em vista essas considerações, podemos agora nos voltar para o nível de digitalização da Itália e os fatores organizacionais e institucionais que influenciaram o desempenho do país após a Grande Recessão e, principalmente, nos anos mais recentes. A Itália foi um país retardatário da digitalização. Atualmente, o Índice de Economia e Sociedade Digital (DESI) do país o coloca em 18º lugar entre os 27 estados-membros da UE. Em outras palavras, a Itália está à frente de alguns países do Leste Europeu, mas abaixo da média da UE e muito atrás das nações mais digitalizadas. Em uma perspectiva mais positiva, a Itália tem ganhado terreno em um ritmo impressionante. A convergência rumo aos países mais digitalizados, de fato, está avançando no ritmo mais rápido da Europa (European Commission, 2022a18 EUROPEAN COMMISSION. Digital Economy and Society Index (DESI) 2022, Thematic chapters. Luxemburgo: Publications Office of the European Union, 2022a. https://ec.europa.eu/newsroom/dae/redirection/document/88764
https://ec.europa.eu/newsroom/dae/redire...
, p. 17-18): ainda em 2017, o país ocupava o penúltimo lugar, à frente apenas da Romênia, Bulgária e Grécia.

Mesmo assim, ainda há uma lacuna entre a Itália e os outros países que, sem dúvida, pode ser vista como resultado de um sistema nacional de inovação fraco e pouco integrado. Nesse aspecto, a Itália vem ficando para trás desde os anos 1990. Como mostram os dados do orçamento nacional, em meados dos anos 1990, a Itália começou a investir menos do que outros países avançados em tecnologias digitais tangíveis, como computadores, redes e assim por diante. Embora em 1995 o déficit entre os investimentos da Itália nessa área e a média da OCDE fosse insignificante, em 2007 a diferença havia aumentado para 0,4% do PIB. Enquanto os países da OCDE gastaram, em média, 1,1% do PIB, a Itália investiu apenas 0,7% (Calvino et al., 20229 CALVINO, Flavio et al. Closing the Italian digital gap: The role of skills, intangibles and policies. OECD Science, Technology and Innovation Policy Papers, n. 126, 2022.).

Existem muitos motivos para a disparidade entre a Itália e as outras economias avançadas. Em especial, a fraca estrutura produtiva antes mencionada é frequentemente apontada como causa. Basta dizer que, em 2019, 41,9% dos trabalhadores italianos estavam empregados em empresas com menos de dez funcionários, em comparação com a média europeia de 28,5% e as porcentagens bem menores na França (22,5%) e na Alemanha (18,7%). Também devemos acrescentar que as pequenas empresas da Itália crescem menos e por menos anos do que suas contrapartes em outros países (Manaresi, 201542 MANARESI, Francesco. Net employment growth by firm size and age in Italy. Bank of Italy Occasional Paper, n. 298, 2015.). O efeito de tudo isso sobre a digitalização é claro: à medida que aumenta a proporção de pequenas e micros empresas, os investimentos em tecnologias digitais tornam-se menos viáveis e, ao mesmo tempo, as empresas passam a ter menor competência em TIC.

Continuando com as considerações estruturais, a especialização setorial da Itália é menos preocupante. Embora uma fatia significativa da produção da Itália esteja em setores de baixo ou médio-baixo teor de conhecimento (por exemplo, têxteis, vestuário, calçados, móveis etc.), as projeções internacionais de propensão digital são mais otimistas. O potencial de digitalização da Itália parece estar no mesmo nível dos países da OCDE (Calvino et al. 20229 CALVINO, Flavio et al. Closing the Italian digital gap: The role of skills, intangibles and policies. OECD Science, Technology and Innovation Policy Papers, n. 126, 2022., p. 98), sendo que algumas regiões do norte, como Piemonte e Lombardia, têm uma porcentagem considerável de trabalhadores em setores de alta intensidade digital (Gherardini; Ramella 202129 GHERARDINI, Alberto; RAMELLA, Francesco. Digitalizzazione e PMI: Mappatura del processo di digitalizzazione delle imprese piemontesi (primo rapporto). Torino: Centro «Luigi Bobbio» per la ricerca sociale pubblica e applicata, 2022., p. 21).

A fragmentação do sistema produtivo italiano deve, portanto, ser enfatizada. Não se trata apenas de uma questão de distinção entre as poucas grandes corporações e a grande quantidade de pequenas e médias empresas (PMEs), ou entre os setores mais próximos das fronteiras da inovação – como o farmacêutico ou o aeroespacial – e os mais distantes, que incluem todo o chamado setor Made in Italy. É também o resultado da forma regionalizada de capitalismo do país (Burroni; Trigilia, 20098 BURRONI, Luigi, TRIGILIA, Carlo. Le città dell’innovazione. Dove e perché cresce l’alta tecnologia in Italia. Bolonha: Il Mulino, 2011.).

As disparidades entre as regiões da Itália têm uma influência significativa na digitalização do país. Os exercícios de aplicação do índice DESI em escala regional (Benecchi et al., 20214 BENECCHI, Andrea et al. Digitalisation in Italy: evidence from a new regional index. Bank of Italy Occasional Paper, n. 662, 2021.) demonstram que as regiões do Sul estão atrás das regiões do Centro-Norte na maioria das dimensões de desempenho digital, exceto na conectividade. Eles também nos dizem que o processo de digitalização teve os maiores avanços nas principais regiões produtoras do Centro-Norte (Lombardia, Emilia-Romagna e Piemonte), bem como no Lazio (a região no entorno da capital). Nessas regiões, o índice DESI indica níveis de digitalização bem acima da média da UE. Por outro lado, as regiões do sul que estão na parte inferior da classificação nacional (Sicília, Calábria, Basilicata e Molise) têm níveis de digitalização totalmente inadequados, entre os mais baixos da Europa. Portanto, estamos lidando aqui com uma dualidade geográfica que reflete e até mesmo agrava a brecha socioeconômica que tem sido uma característica da Itália desde a unificação do país em 1860.

Outro fator que prejudica a adoção de tecnologias digitais pelas empresas é seu estoque limitado de capital humano (Fabiani; Schivardi; Trento, 200524 FABIANI, Silvia; SCHIVARDI, Fabiano; TRENTO, Sandro. ICT adoption in Italian manufacturing: firm-level evidence. Industrial and Corporate Change, v. 14, n. 2, 225-249, 2005.). A força de trabalho da Itália sofre com uma reduzida proporção de pessoas com formação universitária e, ao mesmo tempo, tem demonstrado capacidade insatisfatória quanto às habilidades de leitura e escrita e aritméticas (Kankaraš et al., 201637 KANKARAŠ, Miloš et al. Skills matter: Further results from the survey of adult skills. Paris: OECD Publishing, 2016. (OECD Skills Studies Series).). Além disso, o perfil do país do DESI de 2022 para a Itália informa que apenas 46% da população possui conhecimentos digitais básicos e que a porcentagem de especialistas em TIC na força de trabalho está abaixo da média da UE. Essa situação é agravada pelo fato de que apenas 1,4% dos recém-formados italianos optam por estudar programas de TIC, o que representa a menor porcentagem na União Europeia (European Commission, 2022b19 EUROPEAN COMMISSION. Digital Economy and Society Index (DESI) 2022 – Italy. Luxemburgo: Publications Office of the European Union, 2022b. https://ec.europa.eu/newsroom/dae/redirection/document/88708
https://ec.europa.eu/newsroom/dae/redire...
). Por fim, os dados da World Management Survey mostram que as empresas italianas têm pontuação mais baixa em medidas de eficiência gerencial do que as de outras economias avançadas (Schivardi; Schmitz, 201951 SCHIVARDI, Fabiano; SCHMITZ, Tom. The IT revolution and southern Europe’s two lost decades. Journal of the European Economic Association, v. 18, n. 5, p. 2441-2486, 2019.).

As infraestruturas digitais da Itália são outra área problemática. De acordo com dados da OCDE, em 2019, apenas 30% dos cidadãos italianos tinham uma conexão de banda larga, contra aproximadamente 40% na Alemanha, França e Reino Unido. Além disso, em 2017, a velocidade média da conexão de Internet via rede fixa estava muito abaixo da média da OCDE: 9,2 Mbps contra 15,25. Por outro lado, a conectividade aumentou significativamente agora que a cobertura móvel 5G chegou a quase todas as áreas povoadas (Akamai, 20171AKAMAI. Akamai State of the Internet / Connectivity Report: Q1 2017. Akamai, 30 maio 2017. https://www.akamai.com/site/en/documents/state-of-the-internet/q1-2017-state-of-the-internet-connectivity-infographic.pdf
https://www.akamai.com/site/en/documents...
).

O grande salto na transição digital

Todos esses fatores, portanto, retratam um processo de digitalização marcado por fragilidades internas e externas às empresas italianas. Mas também é preciso ter em mente que, nesse aspecto, assim como na economia como um todo, a convergência com outros países europeus ganhou velocidade nos últimos anos. Como mostra o relatório do Índice de Economia e Sociedade Digital para 2022 (European Commisssion, 2022b19 EUROPEAN COMMISSION. Digital Economy and Society Index (DESI) 2022 – Italy. Luxemburgo: Publications Office of the European Union, 2022b. https://ec.europa.eu/newsroom/dae/redirection/document/88708
https://ec.europa.eu/newsroom/dae/redire...
), a Itália é considerada um destaque no cenário continental: é o país cuja pontuação no DESI aumentou mais rapidamente entre 2017 e 2022. Esse impressionante superdesempenho corresponde a um crescimento médio anual relativo de 11%, ou cerca de 2,2% acima do esperado pela curva mostrada abaixo, que representa o padrão estimado de convergência entre os países europeus (Figura 1).

Figura 1
Pontuações DESI: crescimento médio anual relativo (2017-2022)

As empresas italianas são as principais responsáveis por essa tendência. Em termos de digitalização empresarial, a Itália agora ocupa o oitavo lugar na Europa, enquanto em 2016 estava perto de ficar em 20º lugar. Com base no que vimos até agora do setor produtivo italiano, essa alta classificação é nada menos que surpreendente, especialmente porque mostra a Itália superando o desempenho de outras grandes economias europeias. A Alemanha, por exemplo, está em 16º lugar, e a França, em 20º.

Para entender melhor esse grande salto à frente das empresas italianas, devemos nos concentrar nas três subdimensões da integração da tecnologia digital em que as empresas italianas se saíram melhor: a porcentagem de PMEs que têm pelo menos um nível básico de intensidade digital (60%, em comparação com a média da UE de 55%), a adoção de serviços em nuvem (52%, bem acima da média da UE de 34%) e o uso de faturas eletrônicas (95%, em comparação com a média da UE de 32%). Em contrapartida, as perspectivas são menos animadoras quando comparamos outros aspectos igualmente importantes da digitalização com a média da UE: o uso de big data (-5%), a adoção de inteligência artificial (-2%), a adoção do comércio eletrônico (-3%) e a parcela de PMEs com vendas online (-5%). Em outras palavras, o grande salto da Itália parece refletir uma transição por parte do sistema produtivo do país como um todo para níveis básicos de digitalização. Embora isso possa ser o prenúncio de um verdadeiro renascimento digital, tal cenário ainda está muito distante.

O último relatório sobre o cenário digital elaborado pela maior associação de empregadores da Itália, a Confindustria, fornece uma visão eficaz de como a transição digital está ocorrendo, destacando o fato de que o principal propulsor tem sido o aumento dos investimentos realizados pelas empresas. Como o relatório aponta, não apenas o percentual de empresas italianas que investem em tecnologias digitais superou a média da UE de 61% nos últimos anos e agora se iguala aos 65% dos Estados Unidos, como também o gasto médio por funcionário passou de 1.742 para 1.977 euros entre 2018 e 2021. Além disso, o relatório estima que os gastos digitais do setor totalizaram 8,5339 bilhões de euros, um aumento de 7,9% em relação a 2020 (Confindustria Digitale, 202211 CONFINDUSTRIA DIGITALE. Il digitale in Italia 2022. Mercati, Dinamiche, Policy. 53. ed. Roma: Anitec-Assinform, 2022, https://www.anitec-assinform.it/kdocs/2060500/il_digitale_in_italia_2022_v4a_2_3.pdf
https://www.anitec-assinform.it/kdocs/20...
).

Não há dúvida de que a mudança nos hábitos e atitudes das empresas foi estimulada pela pandemia da Covid-19, o segundo divisor de águas, após a Grande Recessão discutida acima. A adoção de tecnologias digitais aumentou apesar das consequências econômicas da crise.1 1 Em 2020, a produção industrial caiu 11,4%, enquanto o PIB encolheu 8,9% (Istat, 2021). Nos dois anos entre 2018 e 2020, a porcentagem de empresas que usam serviços em nuvem passou de 23% para 59%. Com relação ao comércio eletrônico, o Instituto Nacional de Estatística da Itália (Istat) informa que o número de empresas que vendem por meio de canais eletrônicos aumentou 43%. Os dados do Istat também mostram que as expectativas da era pandêmica sobre o crescimento futuro das vendas online tiveram um efeito multiplicador. No final de 2021, o faturamento do comércio eletrônico representava 17,5% do total de vendas, ou seja, 3,8% a mais do que em 2019 e um aumento de 2,3% em relação às projeções de crescimento mais otimistas do Istat. Como confirmação adicional do aumento geral da qualidade digital do setor produtivo italiano, o tamanho da empresa não foi um fator significativo nesse crescimento. As microempresas, por exemplo, aumentaram suas vendas online de 12% para 15%, enquanto o volume de negócios online das pequenas empresas passou de 4% para 7,3% (Istat, 202234 ISTAT. Situazione e prospettive delle imprese dopo l’emergenza sanitaria COVID-19. Statistiche Report, 4 Feb. 2022.).

Outro impulso à digitalização veio da ampla dependência do trabalho remoto que, na fase aguda da pandemia, envolveu quase nove milhões de trabalhadores. Mesmo agora que o pior já passou, cerca de 30,8% dos trabalhadores do setor privado e 39,7% dos funcionários do setor público ainda estão trabalhando de casa. A mudança da estação de trabalho para fora das instalações do empregador aumentou a demanda por TIC. Essa é uma das razões para o aumento dos gastos com TIC por funcionário que citamos acima. Aqui, de fato, os gastos aumentaram a uma taxa anual de 7% entre 2020 e 2021, contra 3,7% entre 2019 e 2020 e 2,7% entre 2018 e 2019 (Confindustria Digitale, 202211 CONFINDUSTRIA DIGITALE. Il digitale in Italia 2022. Mercati, Dinamiche, Policy. 53. ed. Roma: Anitec-Assinform, 2022, https://www.anitec-assinform.it/kdocs/2060500/il_digitale_in_italia_2022_v4a_2_3.pdf
https://www.anitec-assinform.it/kdocs/20...
).

Por fim, não devemos subestimar o efeito da pandemia na forma como os cidadãos interagem online com as autoridades públicas. Essa é uma área da digitalização em que a Itália nunca esteve na vanguarda. Em 2016, apenas 16% dos italianos usavam serviços eletrônicos de governo, muito longe dos 34% do resto da Europa (European Commission, 201722 EUROPEAN COMMISSION. Digital Economomy and Society Index 2017 – Italy. Luxemburgo: Publications Office of the European Union, 2017.). Em 2021, o número aumentou em 24 pontos percentuais, com a adesão chegando a 40% dos italianos (European Commission, 2022a18 EUROPEAN COMMISSION. Digital Economy and Society Index (DESI) 2022, Thematic chapters. Luxemburgo: Publications Office of the European Union, 2022a. https://ec.europa.eu/newsroom/dae/redirection/document/88764
https://ec.europa.eu/newsroom/dae/redire...
). Embora esse número ainda esteja bem abaixo da média de 65% da UE, é um sinal encorajador, especialmente se o analisarmos à luz dos efeitos da pandemia sobre a digitalização da administração pública. Um bom exemplo desses efeitos pode ser encontrado na rápida disseminação da identificação digital. De acordo com dados da AgID, a Agência para a Itália Digital, o número de pessoas com uma identidade digital aumentou a uma taxa de cerca de 145.000 por mês entre janeiro de 2018 e fevereiro de 2020, o mês anterior ao início da pandemia. Entre março de 2020 e março de 2022 ou, em outras palavras, entre o início do lockdown e o fim da emergência de saúde, o aumento mensal de identidades digitais chegou a 940.000. Atualmente, o número de italianos que possuem identidade digital é de aproximadamente 30 milhões, ou cerca de 60% da população adulta, em comparação com 11,9% antes da pandemia.

Como vimos, a pandemia acelerou as mudanças de forma extraordinária. Porém, mesmo antes dela, as políticas públicas desempenharam um papel importante. Como exemplo, podemos citar o faturamento eletrônico obrigatório para todas as empresas privadas que fazem negócios com a administração pública – introduzido já em 2007 – e, acima de tudo, a extensão do faturamento eletrônico obrigatório a todas as transações realizadas por todas as entidades privadas a partir de janeiro de 2019. Ou ainda, o fato de que as solicitações de pagamento de auxílios emergenciais e assistência financeira disponíveis para empresas e para o público durante a pandemia tiveram que ser enviadas eletronicamente usando a identidade digital. Ainda mais significativos foram os esforços para tornar os processos de produção mais interconectados. Aqui, obviamente, estamos nos referindo à digitalização na manufatura e ao chamado paradigma 4.0, que exige que os sistemas de produção interajam mais prontamente com os operadores de máquinas e outros equipamentos dentro e fora da fábrica. Desde 2017, sucessivos governos italianos têm implementado uma política para incentivar o investimento privado e promover qualificação especializada. Inicialmente conhecida como Indústria 4.0, a política passou por várias mudanças de nome, tornando-se Empresa 4.0, em 2017, e Transição 4.0, em 2019. A medida central da política foi, sem dúvida, o chamado subsídio de hiperdepreciação, através do qual o governo permitiu que as empresas que investissem em determinados tipos de equipamentos usando tecnologias 4.0 calculassem a depreciação em 150% sobre o preço de compra do ativo, resultando em uma dedução fiscal maior.2 2 A partir de 2020, o mecanismo foi substituído por um crédito fiscal mais simples de até 40% do investimento real.

A iniciativa foi então ampliada com dois tipos adicionais de medidas. A primeira destina-se ao desenvolvimento de competências por meio do programa “Treinamento 4.0” (2017), ou seja, um crédito fiscal de 40% sobre as despesas incorridas com o treinamento de funcionários em tecnologias 4.0. Posteriormente (em 2019), foram introduzidos vouchers para gerentes de inovação destinados a incentivar empresas a contratar consultores externos para auxiliá-las na transição digital e tecnológica e ajudá-las a modernizar as práticas organizacionais e de gerenciamento. O segundo tipo de medida 4.0 tem um caráter mais local, pois estabeleceu três tipos de instituições em todo o país. A primeira é a dos Centros de Competência, ou seja, oito parcerias público-privadas localizadas em regiões específicas, mas com escopo suprarregional, que servem de ponte entre centros de pesquisa e empresas que lidam com tecnologias centrais do paradigma 4.0, como segurança cibernética, manufatura aditiva, robótica, big data e assim por diante. A segunda consiste nos núcleos de inovação digital (Digital Innovation Hubs), organizações regionais criadas por associações comerciais para auxiliar as empresas nos processos de digitalização, fornecendo serviços e treinamento. A terceira consiste nos Punti Impresa Digitale, balcões digitais exclusivos para empresas, organizados pelas Câmaras de Comércio de cada província para fornecer às PMEs orientação inicial sobre o investimento em tecnologias digitais.3 3 Mais especificamente, os Punti Impresa Digitale foram criados como parte do programa Repubblica Digitale, do qual a Unioncamere, a União Italiana de Câmaras de Comércio, é parceira. A iniciativa colocou em prática o programa Selfi4.0, através do qual as empresas podem mensurar sua maturidade digital, e o Zoom4.0, no qual um promotor digital da Câmara de Comércio fornece uma avaliação digital aprofundada. Um relatório de monitoramento interno mostra que 37 mil empresas em todo o país já participaram.

Até o momento, não houve uma avaliação geral dos efeitos desse plano de digitalização e, dada a complexidade do empreendimento, é pouco provável que ocorra. Entretanto, houve algumas tentativas de avaliar a eficácia das medidas para incentivar a compra de maquinário integrado. Vários estudos descobriram que, em termos de produtividade, a adoção de tecnologias digitais avançadas tem grande impacto e retornos positivos. Entretanto, também foi constatado que essas iniciativas beneficiaram principalmente grandes empresas ou pequenas empresas com gerentes mais qualificados (Calvino et al., 20229 CALVINO, Flavio et al. Closing the Italian digital gap: The role of skills, intangibles and policies. OECD Science, Technology and Innovation Policy Papers, n. 126, 2022.), bem como empresas em locais institucionalmente densos, como os distritos industriais nas regiões norte e central do país (Gherardini; Pessina, 202028 GHERARDINI, Alberto; PESSINA, Gianmaria. Cavalcare l’onda del cambiamento. Il Piano Impresa 4.0 alla prova dei distretti. L’industria, n. 2, p. 191-214, 2020.).

De qualquer forma, seria difícil dizer qual é o efeito de uma única política sobre a incrível transformação digital que agora está varrendo o sistema produtivo da Itália. Diversas medidas públicas que não se destinam especificamente a incentivar a digitalização estão, no entanto, fazendo isso indiretamente. Um exemplo dentre muitos é o programa do Ministério do Desenvolvimento Econômico criado para facilitar o acesso ao crédito por empresas que pretendem comprar novas máquinas e equipamentos. O programa é conhecido como “Novo Sabatini”, em homenagem ao membro democrata-cristão do Parlamento Armando Sabatini, que propôs pela primeira vez um projeto semelhante em 1965. De acordo com dados do Ministério, 70% dos investimentos que se beneficiaram do programa entre o último trimestre de 2021 e o primeiro trimestre de 2022 foram para a compra de maquinário digital, contra 30% para maquinário convencional (Confindustria Digitale, 202211 CONFINDUSTRIA DIGITALE. Il digitale in Italia 2022. Mercati, Dinamiche, Policy. 53. ed. Roma: Anitec-Assinform, 2022, https://www.anitec-assinform.it/kdocs/2060500/il_digitale_in_italia_2022_v4a_2_3.pdf
https://www.anitec-assinform.it/kdocs/20...
).

Além disso, as medidas de incentivo à digitalização têm aumentado tanto em número quanto em relação ao volume de capital envolvido. Isso se deve principalmente ao Plano Nacional de Recuperação e Resiliência (NRRP), financiado pelo pacote de estímulo Next Generation EU, introduzido pela União Europeia para ajudar na recuperação dos danos econômicos e sociais causados pela pandemia. Aproximadamente um quarto dos fundos fornecidos pelo plano é destinado à transição digital: 48 bilhões de euros serão destinados à melhoria da conectividade de banda larga ou 5G em áreas mal atendidas pelo mercado, digitalização de escolas, hospitais e órgãos públicos, criação de uma nuvem pública altamente segura e, por fim, P&D e transferência de tecnologia. O financiamento do NRRP também foi canalizado para a Estratégia Nacional de Habilidades Digitais, que prevê 111 iniciativas destinadas a atingir três objetivos principais: a) garantir que 70% da população com idade entre 16 e 74 anos tenha domínio das habilidades digitais básicas até 2025; b) dobrar o número de pessoas com conhecimentos digitais avançados, atingindo uma meta de 78% de jovens universitários, c) triplicar a porcentagem de pessoas com formação superior em disciplinas de TIC (apenas 1,3% em 2019) e dobrar a porcentagem de PMEs que empregam especialistas em TIC (14% em 2019). Essas últimas metas são particularmente importantes, dada a grande lacuna entre as competências digitais atuais dos trabalhadores italianos e aquelas que os empregadores precisam. Ilustrando esse descompasso, o Observatório de Habilidades Digitais estima que a oferta de especialistas em TIC está 35% abaixo da demanda (Alca; Anintec-Assinform, 20192 AICA; ANINTEC-ASSINFORM. Osservatorio delle competenze digitali 2019. Milão: AICA, 2019. https://competenzedigitali.org/wp-content/uploads/2020/01/Osservatorio_CompetenzeDigitali_2019.pdf
https://competenzedigitali.org/wp-conten...
).

Apesar de todos esses esforços e apreciáveis expectativas, o processo de digitalização da Itália tem sido desigual. Como revelou uma pesquisa com 40 mil empresas, realizada no final de 2020, houve uma mistura de altos e baixos (Calvino et al., 20229 CALVINO, Flavio et al. Closing the Italian digital gap: The role of skills, intangibles and policies. OECD Science, Technology and Innovation Policy Papers, n. 126, 2022.). Embora se reconheça que a digitalização tenha aumentado a resiliência das empresas durante a pandemia, atenuando o impacto do lockdown, uma análise mais detalhada mostra que nem todas as empresas suportaram a tensão da mesma forma. Como esperado, as empresas menos digitalizadas tiveram mais dificuldade para enfrentar o período de confinamento, fizeram menos uso do trabalho remoto e viram suas receitas diminuírem de forma mais acentuada. A pesquisa também constatou que, embora todas as empresas tenham investido em tecnologias digitais durante a pandemia, aquelas que já estavam mais bem preparadas para os negócios digitais investiram mais, ficando ainda mais à frente das que foram mais lentas na aquisição de TIC (Calvino et al., 20229 CALVINO, Flavio et al. Closing the Italian digital gap: The role of skills, intangibles and policies. OECD Science, Technology and Innovation Policy Papers, n. 126, 2022.).

Ao mesmo tempo, apesar dos avanços na digitalização, empresas menores ainda estão atrasadas no uso de tecnologias digitais avançadas (Confindustria Digitale, 202211 CONFINDUSTRIA DIGITALE. Il digitale in Italia 2022. Mercati, Dinamiche, Policy. 53. ed. Roma: Anitec-Assinform, 2022, https://www.anitec-assinform.it/kdocs/2060500/il_digitale_in_italia_2022_v4a_2_3.pdf
https://www.anitec-assinform.it/kdocs/20...
). Quando comparadas com suas contrapartes de médio e grande porte, as empresas que, em 2021, tinham menos de 50 funcionários apresentam menor probabilidade de adotar sistemas de inteligência artificial e tecnologias da internet das coisas, fazem menos uso de softwares de CRM, ERP e similares para automatizar seus processos corporativos e são menos ativas no comércio eletrônico e nas mídias sociais (ver a Tabela 1).

Tabela 1
Práticas de digitalização em empresas italianas por tamanho (2021)

Há, portanto, o risco real de uma transição digital ambivalente, na qual empresas italianas se recuperam da pandemia em um ritmo mais acelerado do que empresas no resto da Europa, porém a força de trabalho demora a aprender as habilidades necessárias. Este é um mau prenúncio para as PMEs do país e suas regiões mais periféricas. Quando os recursos são escassos, os trabalhadores qualificados inevitavelmente gravitam em torno de empresas maiores que podem oferecer pacotes salariais mais atraentes e melhores perspectivas de carreira. Paralelamente, para as empresas das áreas periféricas, será mais difícil atrair profissionais com competências digitais para fora das áreas metropolitanas. O impacto conjunto dessas duas tendências alimentadas por uma transição digital ambivalente poderia favorecer ainda mais as grandes empresas e, ao mesmo tempo, exacerbar o efeito paradoxal da digitalização sobre a geografia do desenvolvimento econômico da Itália.

Conclusões

Há muito tempo a Itália é considerada o “autêntico enfermo da Europa” devido à queda drástica e duradoura em seu crescimento econômico. No entanto, graças à capacidade inesperada do país de responder à crise pandêmica, a forma como a Itália é vista internacionalmente foi completamente alterada no decorrer de 2021, sendo aclamada pela The Economist como o “país do ano”. O argumento que apresentamos neste artigo é que as duas crises que se desenrolaram em rápida sucessão – a Grande Recessão de 2008-2013 e a pandemia de 2020-2022 – criaram as condições para uma correção de curso nas estratégias de crescimento da Itália. Em outras palavras, esses dois choques externos, juntamente com a enxurrada de recursos agora disponíveis por meio do pacote Next Generation EU e do Plano Nacional de Recuperação e Resiliência, abriram uma janela de oportunidade para relançar o crescimento econômico e social do país, buscando um desenvolvimento de alto nível. Na realidade, os acontecimentos dos últimos anos demonstram algo bem diferente de uma mera recuperação após duas grandes crises. De fato, trata-se de uma tentativa mais estrutural (embora não totalmente planejada) de corrigir o modelo de desenvolvimento italiano, impulsionado tanto por políticas específicas quanto por dois mecanismos clássicos schumpeterianos: “destruição criativa” e “acumulação criativa”.

Essa tentativa de correção é particularmente evidente se observarmos: a) o surpreendente fortalecimento do sistema nacional de inovação que ocorreu após a grande recessão, e b) o “grande salto” na transição digital que foi impulsionado pela pandemia. Esse processo, entretanto, ainda é frágil e repleto de contradições. Se não for controlado, poderá ampliar a brecha territorial, econômica e social de longa data presente no modelo de desenvolvimento italiano ou até mesmo criar novas divisões.

De fato, nessa fase de rápidas mudanças tecnológicas, o mercado cria dinâmicas altamente dualizadas do tipo “o vencedor fica com tudo”, que ameaçam encolher a base produtiva da economia italiana além dos limites saudáveis. Tanto do ponto de vista econômico quanto social, isso tem repercussões negativas que só podem ser combatidas com intervenções públicas de apoio à coesão social e à competitividade das empresas.

Concluindo, propusemos uma interpretação que vê as duas grandes crises pelas quais a Itália passou nos últimos quinze anos como transformadoras. Essa interpretação enfatiza a dinâmica generativa das crises, mas sem presumir que seu potencial será necessariamente realizado, especialmente agora que a guerra na Ucrânia, o aumento de preços dos combustíveis e a perspectiva geopolítica cada vez mais sombria estão reduzindo as expectativas de crescimento para todas as economias avançadas.

  • 1
    Em 2020, a produção industrial caiu 11,4%, enquanto o PIB encolheu 8,9% (Istat, 202135 ISTAT. Conti economici nazionali. Anno 2020. Roma: Istituto nazionale di statistica, 2021.).
  • 2
    A partir de 2020, o mecanismo foi substituído por um crédito fiscal mais simples de até 40% do investimento real.
  • 3
    Mais especificamente, os Punti Impresa Digitale foram criados como parte do programa Repubblica Digitale, do qual a Unioncamere, a União Italiana de Câmaras de Comércio, é parceira. A iniciativa colocou em prática o programa Selfi4.0, através do qual as empresas podem mensurar sua maturidade digital, e o Zoom4.0, no qual um promotor digital da Câmara de Comércio fornece uma avaliação digital aprofundada. Um relatório de monitoramento interno mostra que 37 mil empresas em todo o país já participaram.
  • Artigo traduzido do inglês por Carolina Fernandes.

Referências

  • 1
    AKAMAI. Akamai State of the Internet / Connectivity Report: Q1 2017. Akamai, 30 maio 2017. https://www.akamai.com/site/en/documents/state-of-the-internet/q1-2017-state-of-the-internet-connectivity-infographic.pdf
    » https://www.akamai.com/site/en/documents/state-of-the-internet/q1-2017-state-of-the-internet-connectivity-infographic.pdf
  • 2
    AICA; ANINTEC-ASSINFORM. Osservatorio delle competenze digitali 2019 Milão: AICA, 2019. https://competenzedigitali.org/wp-content/uploads/2020/01/Osservatorio_CompetenzeDigitali_2019.pdf
    » https://competenzedigitali.org/wp-content/uploads/2020/01/Osservatorio_CompetenzeDigitali_2019.pdf
  • 3
    BELLANDI, Marco. The industrial district in Marshall. In: GOODMAN, E. et al(ed.). Small firms and industrial districts in Italy Londres: Routledge, 1989. p. 136-152.
  • 4
    BENECCHI, Andrea et al Digitalisation in Italy: evidence from a new regional index. Bank of Italy Occasional Paper, n. 662, 2021.
  • 5
    BLOOM, Nicholas; SADUN, Raffaella; VAN REENEN, John. Americans do IT better: US multinationals and the productivity miracle. American Economic Review, v. 102, n. 1, 167-201, 2012.
  • 6
    BRYNJOLFSSON, Erik; SAUNDERS, Adam. Wired for innovation How information technology is reshaping the economy. Boston: MIT Press, 2009.
  • 7
    BURRONI, Luigi; GHERARDINI, Alberto; SCALISE, Gemma. Policy failure in the triangle of growth: Labour market, human capital, and innovation in Spain and Italy. South European Society and Politics, v. 24, n. 1, p. 29-52, 2019.
  • 8
    BURRONI, Luigi, TRIGILIA, Carlo. Le città dell’innovazione Dove e perché cresce l’alta tecnologia in Italia. Bolonha: Il Mulino, 2011.
  • 9
    CALVINO, Flavio et al. Closing the Italian digital gap: The role of skills, intangibles and policies. OECD Science, Technology and Innovation Policy Papers, n. 126, 2022.
  • 10
    CERVED. Rapporto Cerved PMI 2014. Cerved.com, Feb. 2015, https://know.cerved.com/wp-content/uploads/2018/09/Rapporto-Cerved-PMI-2014.pdf
    » https://know.cerved.com/wp-content/uploads/2018/09/Rapporto-Cerved-PMI-2014.pdf
  • 11
    CONFINDUSTRIA DIGITALE. Il digitale in Italia 2022. Mercati, Dinamiche, Policy. 53. ed. Roma: Anitec-Assinform, 2022, https://www.anitec-assinform.it/kdocs/2060500/il_digitale_in_italia_2022_v4a_2_3.pdf
    » https://www.anitec-assinform.it/kdocs/2060500/il_digitale_in_italia_2022_v4a_2_3.pdf
  • 12
    DEVERELL, Edward. Crises as learning triggers: Exploring a conceptual framework of crisis-induced learning. Journal of Contingencies and Crisis management, v. 17, n. 3, p. 179-188, 1989.
  • 13
    DONATIELLO, Davide; RAMELLA, Francesco. The innovation paradox in Southern Europe. Unexpected performance during the economic crisis. South European Society and Politics, v. 22, n. 2, p. 157-177, 2017.
  • 14
    DOSI, Giovanni et al Technical change and economic theory Londres: Pinter Publishers, 1988.
  • 15
    DOWNING, Stephen. The social construction of entrepreneurship: Narrative and dramatic processes in the coproduction of organizations and identities. Entrepreneurship Theory and Practice, v. 29, n. 2, p. 185-204, 2005.
  • 16
    EDQUIST, Charles. Systems of innovation: Technologies, institutions and organisations. Londres: Pinter Publishers, 1997.
  • 17
    EDQUIST, Charles. Systems of innovation. In: FAGERBERG, Jan, MOWERY, David C., NELSON, Richard R (ed.). The Oxford Handbook of Innovation, New York: Oxford University Press, 2005, pp. 181-208.
  • 18
    EUROPEAN COMMISSION. Digital Economy and Society Index (DESI) 2022, Thematic chapters. Luxemburgo: Publications Office of the European Union, 2022a. https://ec.europa.eu/newsroom/dae/redirection/document/88764
    » https://ec.europa.eu/newsroom/dae/redirection/document/88764
  • 19
    EUROPEAN COMMISSION. Digital Economy and Society Index (DESI) 2022 – Italy Luxemburgo: Publications Office of the European Union, 2022b. https://ec.europa.eu/newsroom/dae/redirection/document/88708
    » https://ec.europa.eu/newsroom/dae/redirection/document/88708
  • 20
    EUROPEAN COMMISSION. European Innovation Scoreboard 2021 Luxemburgo: Publications Office of the European Union, 2021.
  • 21
    EUROPEAN COMMISSION. Community Innovation Survey (CIS) Luxemburgo: Publications Office of the European Union, 2018. https://ec.europa.eu/eurostat/cache/metadata/en/inn_cis2_esms.htm
    » https://ec.europa.eu/eurostat/cache/metadata/en/inn_cis2_esms.htm
  • 22
    EUROPEAN COMMISSION. Digital Economomy and Society Index 2017 – Italy Luxemburgo: Publications Office of the European Union, 2017.
  • 23
    EUROPEAN COMMISSION. Community Innovation Survey (CIS) Luxemburgo: Publications Office of the European Union, 2006. https://ec.europa.eu/eurostat/cache/metadata/en/inn_cis2_esms.htm
    » https://ec.europa.eu/eurostat/cache/metadata/en/inn_cis2_esms.htm
  • 24
    FABIANI, Silvia; SCHIVARDI, Fabiano; TRENTO, Sandro. ICT adoption in Italian manufacturing: firm-level evidence. Industrial and Corporate Change, v. 14, n. 2, 225-249, 2005.
  • 25
    FILIPPETTI, Andrea; FRENZ, Marion; ARCHIBUGI, Daniele. The effects of the economic downturn on innovation: Creative destruction versus creative accumulation. In: ANNUAL CONFERENCE OF THE GARNET NETWORK OF EXCELLENCE, 4., Rome, 2009. Anais […]. Roma: Garnet Network of Excellence, 2009.
  • 26
    FOSSEN, Frank M.; SORGNER, Alina. Digitalization of work and entry into entrepreneurship. Journal of Business Research, n. 125, p. 548-563, 2021.
  • 27
    FREEMAN, Christopher. Technology policy and economic performance: Lessons from Japan. Londres: Pinter Publishers, 1987.
  • 28
    GHERARDINI, Alberto; PESSINA, Gianmaria. Cavalcare l’onda del cambiamento. Il Piano Impresa 4.0 alla prova dei distretti. L’industria, n. 2, p. 191-214, 2020.
  • 29
    GHERARDINI, Alberto; RAMELLA, Francesco. Digitalizzazione e PMI: Mappatura del processo di digitalizzazione delle imprese piemontesi (primo rapporto). Torino: Centro «Luigi Bobbio» per la ricerca sociale pubblica e applicata, 2022.
  • 30
    GOLDFARB, Avi; TUCKER, Catherine. Digital economics. Journal of Economic Literature, v. 57, n. 1, p. 3-43, 2019.
  • 31
    HORVÁTH, Dóra; SZABÓ, Roland Z. Driving forces and barriers of Industry 4.0: Do multinational and small and medium-sized companies have equal opportunities? Technological Forecasting and Social Change, v. 146, p. 119-132, 2019.
  • 32
    INFOCAMERE, Cruscotto di Indicatori Statistici Report con Dati Strutturali sulle startup innovative. 2015, https://www.mise.gov.it/index.php/it/impresa/competitivita-e-nuove-imprese/start-up-innovative/relazione-annuale-e-rapporti-periodici
    » https://www.mise.gov.it/index.php/it/impresa/competitivita-e-nuove-imprese/start-up-innovative/relazione-annuale-e-rapporti-periodici
  • 33
    INFOCAMERE. Cruscotto di Indicatori Statistici Report con Dati Strutturali sulle startup innovative. Roma: MIMIT, 2021. https://www.mise.gov.it/images/stories/documenti/Report_Infocamere_3trimestre_2021.pdf
    » https://www.mise.gov.it/images/stories/documenti/Report_Infocamere_3trimestre_2021.pdf
  • 34
    ISTAT. Situazione e prospettive delle imprese dopo l’emergenza sanitaria COVID-19. Statistiche Report, 4 Feb. 2022.
  • 35
    ISTAT. Conti economici nazionali Anno 2020. Roma: Istituto nazionale di statistica, 2021.
  • 36
    JORGENSON, Dale W.; HO, Mun S.; STIROH, Kevin J. A retrospective look at the U.S. productivity growth resurgence. Journal of Economic Perspectives, v. 22, n. 1, p. 3-24, 2008.
  • 37
    KANKARAŠ, Miloš et al Skills matter: Further results from the survey of adult skills. Paris: OECD Publishing, 2016. (OECD Skills Studies Series).
  • 38
    LUCCHESE, Matteo; NASCIA, Leopoldo; PIANTA, Mario. Industrial policy and technology in Italy. Economia e politica industriale, v. 43, n. 3, p. 233-260, 2016.
  • 39
    LUNDVALL, Bengt-Ake. National systems of innovation: Towards a |theory of innovation and interactive learning. Londres: Pinter Publishers, 1992.
  • 40
    MALERBA, Franco. Sectoral systems of innovation: Concepts, issues and analyses of six major sectors in Europe. Cambridge: Cambridge University Press, 2004.
  • 41
    MALERBA, Franco. The national system of innovation: Italy. In: NELSON, R. R. (ed.). National innovation systems: A comparative analysis. Oxford: Oxford University Press, 1993. p. 230-238.
  • 42
    MANARESI, Francesco. Net employment growth by firm size and age in Italy. Bank of Italy Occasional Paper, n. 298, 2015.
  • 43
    MARSHALL, Alfred. Principles of Economics. Londres: Macmillan, 1920.
  • 44
    MORISET, Bruno; MALECKI, Edward J. Organization versus space: The paradoxical geographies of the digital economy. Geography Compass, v. 3, n. 1, p. 256-274, 2009.
  • 45
    NELSON, Richard R. (ed.). National innovation systems: A comparative analysis. Nova York: Oxford University Press, 1993.
  • 46
    NIEBEL, Thomas. ICT and economic growth – Comparing developing, emerging and developed countries. World Development, v. 104, p. 197-211, 2018.
  • 47
    NUVOLARI, Alessandro; VASTA, Michelangelo. The ghost in the attic? The Italian national innovation system in historical perspective, 1861–2011. Enterprise & Society, v. 16, n. 2, p. 270-290, 2015.
  • 48
    PESSINA, Gianmaria; RAMELLA, Francesco. Italy at a critical juncture. Game changing crises for the innovation system. Stato e Mercato, v. 42, n. 1, p. 117-153, 2022.
  • 49
    RAMELLA, Francesco. Sociology of Economic Innovation Nova York: Routledge, 2016.
  • 50
    RAMELLA, Francesco; MANZO, Cecilia. The economy of collaboration: The new digital platforms of production and consumption. Nova York: Routledge, 2021.
  • 51
    SCHIVARDI, Fabiano; SCHMITZ, Tom. The IT revolution and southern Europe’s two lost decades. Journal of the European Economic Association, v. 18, n. 5, p. 2441-2486, 2019.
  • 52
    SHAMIM, Saquib et al Management approaches for Industry 4.0: A human resource management perspective. IEEE congress on evolutionary computation. (CEC), Vancouver, 2016. Anais […]. Vancouver: IEEE, 2016. p. 5309-5316.
  • 53
    STRANGE, Roger; ZUCCHELLA, Antonella. Industry 4.0, global value chains and international business. Multinational Business Review, v. 25, n. 3, p. 174-184, 2017.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    13 Fev 2023
  • Aceito
    01 Set 2023
Programa de Pós-Graduação em Sociologia - UFRGS Av. Bento Gonçalves, 9500 Prédio 43111 sala 103 , 91509-900 Porto Alegre RS Brasil , Tel.: +55 51 3316-6635 / 3308-7008, Fax.: +55 51 3316-6637 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: revsoc@ufrgs.br