Acessibilidade / Reportar erro

Por uma sociologia polifônica: introduzindo vozes femininas no cânone sociológico

Resumo

Controvérsias recentes em torno do cânone sociológico têm pontuado a necessidade de se pensar o processo de apagamento e silenciamento de contribuições “não-ocidentais” e femininas à disciplina. Ao enfatizar a dimensão androcêntrica do cânone sociológico, nosso objetivo é contribuir para a construção de uma sociologia menos viesada e limitada a partir da inclusão de vozes femininas excluídas da história oficial da disciplina. Inicialmente, efetuamos uma breve descrição das condições que possibilitaram a exclusão daquelas vozes, tomando como exemplo as sociólogas de Chicago, e a emergência de uma concepção particular de teoria e de pesquisa associada à formação do cânone clássico. Em seguida, ao tensionarmos o uso de termos como “fundadores”, “clássicos” e “cânone”, defendemos que a existência de um cânone, clássico ou não, desempenha papel central para a identidade da disciplina e da própria teoria social. Por fim, de forma a incluir de maneira produtiva as contribuições das pioneiras da sociologia, propomos substituir a metáfora literária do cânone por uma metáfora musical: um tipo de polifonia que enfatiza o contraste entre diferentes vozes e, ao mesmo tempo, estabelece como elas podem ser combinadas numa tradição comum que torna o diálogo possível.

Palavras-chave
cânone; clássicos; pioneiras da sociologia; polifonia

Abstract

Recent controversies surrounding the sociological canon have foregrounded the need to think about the process of erasing and silencing ‘non-Western’ and female contributions to the discipline. By emphasizing the androcentrism of the sociological canon, our goal is to contribute to the construction of a less biased and limited sociology through the inclusion of female voices previously excluded from its official history. We start by briefly describing the conditions that enabled this exclusion, taking the Chicago women sociologists as an example, along with the emergence of a particular conception of theory and research associated with the formation of the classical canon. Next, by questioning the use of terms such as ‘founders,’ ‘classics’ and ‘canon,’ we maintain that the existence of a canon, classical or otherwise, plays a central role in the identity of the discipline and of social theory itself. Finally, in order to productively include the contributions of sociology’s women pioneers, we propose substituting the literary metaphor of the canon with a musical one: a type of polyphony that emphasizes the contrast between different voices and simultaneously establishes how they can be combined in a common tradition that makes dialogue possible.

Keywords
Canon; classics; women pioneers; polyphony

Introdução1 1 Agradecemos ao maestro Wellington Diniz e a Márcio Lins pela assessoria que nos ofereceram sobre os conceitos de cânone e fuga no contexto musical. Também agradecemos ao Grupo de Estudos em Teoria Social e Subjetividades (GETSS) pelos debates em torno do tema aqui discutido.

Um olhar em retrospecto para os grandes debates da sociologia permite vislumbrar uma característica que não passaria despercebida a uma historiadora da ciência, a uma epistemóloga ou mesmo a qualquer leitora minimamente atenta: vivemos às voltas com crises de legitimidade e de identidade as mais diversas, buscando justificar nossa existência como campo de conhecimento necessário e minimamente autônomo. Curiosamente, a própria sociologia não parecia levar muito a sério as formas como essas crises têm ajudado a conformar nossa identidade, excluindo de sua história oficial os processos sociais, políticos e culturais envolvidos na construção dos textos e autores canônicos em busca de legitimação.

Um exame superficial em nossos programas de curso revela concepções muito pouco realistas da história da disciplina, sugerindo a nossos estudantes que a sociologia emergiu como mero produto da genialidade de uns poucos indivíduos (todos homens brancos) que souberam aproveitar as condições fornecidas pelas revoluções que caracterizaram a modernidade europeia. Como consequência, a formação em sociologia tem se baseado em currículos que deixam explícita uma relação com a teoria profundamente atrelada ao estudo dos clássicos, “um pequeno cânone de grandes livros e autores fundadores com os quais todos devem estar familiarizados”, constituindo uma de nossas características disciplinares mais distintivas (Abrutyn; Lizardo, 20212 ABRUTYN, Seth; LIZARDO, Omar. Introduction. In: ABRUTYN, S.; LIZARDO, O. (orgs.). Handbook of Classical Sociological Theory. Cham, Suíça: Springer, 2021., p. 1). O que frequentemente fica de fora de nossos currículos é a dimensão antagônica e excludente de nossa constituição disciplinar, algo que vem sendo questionado nas últimas décadas, sobretudo, a partir de perspectivas feministas e decoloniais.

Como tem se tornado cada vez mais evidente, a teoria social carrega a marca de um viés eurocêntrico e androcêntrico (Alatas; Sinha, 20174 ALATAS, Syed Farid; SINHA, Vineeta. Sociological theory beyond the canon. Londres: Palgrave/Macmillan, 2017.) que coloca em questão sua pretensa universalidade e objetividade. As reações a essa crise contemporânea são as mais variadas, mas um elemento parece ser compartilhado por todas elas: a necessidade de reescrever a história da sociologia e da teoria social de forma a dar conta de um sem número de vozes apagadas e silenciadas da história “oficial” contada a partir dos textos canônicos. O que permanece em debate é se o cânone deve ser expandido ou se devemos abandonar qualquer referência a ele para dar conta da pluralidade de vozes e perspectivas envolvidas na análise da sociedade e das relações sociais.

Nosso foco aqui recairá sobre a dimensão androcêntrica dos textos canônicos, cuja crítica parece se concentrar em cinco abordagens principais, apenas distinguíveis em termos analíticos. A primeira pode ser associada ao desenvolvimento de uma epistemologia feminista que serve de base para uma espécie de “desconstrução” dos textos clássicos que evidencia como a masculinidade opera como uma categoria oculta, mas fundamental, na construção da dominação (por ex., Smith, 197475 SMITH, Dorothy E. Women’s perspective as a radical critique of sociology. Sociological Inquiry, v. 44, n. 1, p. 7-13, 1974., 200774 SMITH, Dorothy E. Writing the social: Critique, theory, and investigations. Toronto: University of Toronto Press, 2007.; Stanley; Wise, 199379 STANLEY, Liz; WISE, Sue. Breaking out again: Feminist ontology and epistemology. Londres: Routledge, 1993.; Collins, 199016 COLLINS, Patricia H. Black feminist thought: Knowledge, consciousness and the politics of empowerment. Londres: Harper Collins, 1990.). A segunda diz respeito a uma espécie de crítica imanente dos textos canônicos a fim de identificar concepções mais ou menos implícitas sobre mulheres, feminilidade e relações de gênero (por ex. Sydie, 199483 SYDIE, Rosalind A. Natural women, cultured men: a feminist perspective on sociological theory. Vancouver: UBC Press, 1994.; Felski, 199534 FELSKI, Rita. The gender of modernity. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1995.; Marshall; Witz, 200458 MARSHALL, Barbara; WITZ, Anne. Engendering the Social: feminist encounters with sociological theory. Berkshire: Open University Press, 2004.; Chaboud-Rychter et al., 201414 CHABOUD-RYCHTER, Danielle et al. (orgs.). O gênero nas ciências sociais: releituras críticas de Max Weber a Bruno Latour. São Paulo e Brasília: Unesp e UnB, 2014.). Terceiro, abordagens ligadas à sociologia do conhecimento ou a uma história intelectual que enfatiza a dimensão biográfica e social da construção teórica, incluindo relações pessoais dos teóricos com as mulheres e outras experiências relativas a gênero (por ex., Gane, 199336 GANE, Mike. Harmless lovers? Gender, theory and personal relationships. Londres: Routledge, 1993.; Ketler; Meja, 199353 KETTLER, David; MEJA, Volker. Their “own peculiar way”: Karl Mannheim and the rise of women. International Sociology, v. 8, n. 1, p. 5-55, 1993.; Deegan, 199125 DEEGAN, Mary Jo (org.). Women in Sociology: A bio-bibliographical sourcebook. Westport: Greenwood Press, 1991.; Cross, 202023 CROSS, Máire F. In the footsteps of Flora Tristan: a political biography. Liverpool: Liverpool University Press, 2020.; Harding, 202145 HARDING, Sandra. Dreaming Marx, Engels, Durkheim, and Simmel. Journal of Classical Sociology, v. 21, n. 3-4, p. 280-282, 2021.). Uma quarta abordagem envolve a divulgação e análise do pensamento de autoras invisibilizadas ou apagadas da história do pensamento sociológico, com destaque para as que publicaram entre as décadas de 1830 e 1930, como é o caso de Flora Tristán, Harriet Martineau, Jane Addams, Anna Julia Cooper, Beatrix Potter Webb, Marianne Weber, dentre outras (por ex., Lengermann; Niebrugge, 200756 LENGERMANN, Patricia; NIEBRUGGE, Gillian. The Women Founders: sociology and social theory 1830-1930. Long Grove: Waveland Press, 2007.; Deegan, 1988b27 DEEGAN, Mary Jo. Transcending a patriarchal past: Teaching the history of women in sociology. Teaching Sociology, v.16, n. 2, p. 141-150, 1988b.; Mata, 201460 MATA, Giulle V. Condição feminina e casamento a partir da obra de Marianne Weber. Caderno Espaço Feminino, v. 27, n. 2, p. 147-165, 2014.; Daflon; Sorj, 202124 DAFLON, Verônica T.; SORJ, Bila. Clássicas do pensamento social: mulheres e feminismos no século XIX. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2021.; Alcântara, 20215 ALCÂNTARA, Fernanda Henrique C. Harriet Martineau (1802-1876): a analista social que inaugurou a Sociologia. Estudos Ibero-Americanos, v. 47, n. 43, p. 1-17, 2021.; Campos, 202113 CAMPOS, Luna R. Socialismo, gênero e trabalho: uma análise da União Operária, de Flora Tristán. Plural, Revista de Ciências Sociais, v. 28, n. 2, p.11-27, 2021.; Santana et al. 202173 SANTANA, Selene Aldana et al. Cuaderno de Trabajo: La participación femenina en la sociología clásica. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2021.; Zanon et al., 202294 ZANON, Breilla et al. (orgs). A atualidade de Max Weber e a presença de Marianne Weber. Porto Alegre: Editora Fundação Fênix, 2021. Disponível em: https://www.fundarfenix.com.br.
https://www.fundarfenix.com.br...
). Por fim, a quinta tendência identificada por nós diz respeito ao questionamento sobre o próprio processo de construção do cânone, enfatizando a compreensão dos mecanismos de inclusão e exclusão de determinados autores e temas (por ex., Stacey; Thorne, 198578 STACEY, Judith; THORNE, Barry. The Missing feminist revolution in sociology. Social Problems, v. 32, n. 4, p. 301-316, 1985.; Platt, 199469 PLATT, Jennifer. The Chicago School and firsthand data. History of the Human Sciences, v. 7, n. 1, p. 57-80, 1994.; Sprague, 199777 SPRAGUE, Joey. Holy men and big guns: The can[n]on in social theory. Gender & Society, v. 11, n. 1, p. 88-107, 1997.; Connell, 199721 CONNELL, Raewyn. Why is classical theory classical? American Journal of Sociology, v. 102, n. 6, p. 1511-1557, 1997., 2020a20 CONNELL, Raewyn. Canons and colonies: The global trajectory of sociology. Estudos Históricos, v. 32, n. 67, p. 349-367, 2020.; Deegan, 1988a26 DEEGAN, Mary Jo. Jane Addams and the men of the Chicago School, 1892–1918. Oxford: Routledge, 1988a.; Outhwaite, 200966 OUTHWAITE, William. Canon formation in late 20th Century British sociology. Sociology, v. 43, n. 6, p. 1029-1045, 2009.; Evans, 200933 EVANS, Mary. Can women be intellectuals? In: FLECK, C; HESS, A; LYON, S. (orgs). Intellectuals and their publics: perspectives from the social sciences. Farnham: Ashgate e-books, 2009.; Baehr, 20167 BAEHR, Peter. Founders, classics, canons: modern disputes over the origins and the appraisal of sociology’s heritage. New Brunswick: Transaction Publishers, 2016.).

É com base nessa última abordagem que desenvolveremos nossa discussão. Nosso objetivo é contribuir para a construção de uma sociologia menos excludente e viesada, mas sem implodir as fronteiras disciplinares que constituem nossa identidade enquanto sociólogas. Para isto, propomos tornar o cânone sociológico mais “polifônico” ao incluir uma série de vozes femininas apagadas da história da disciplina. Nesse sentido, importa investigar como se estabeleceu a relação entre a Teoria Social e o cânone sociológico clássico, apontar alguns mecanismos gerais de exclusão das mulheres nesse processo e propor a metáfora do cânone musical como uma forma de polifonia, de modo a vislumbrar como diferentes vozes podem ser combinadas numa tradição comum que garanta a possibilidade de diálogo entre elas.

O momento fundacional da sociologia e a presença das mulheres

Embora os chamados “pais fundadores” fossem europeus, apontando para uma hegemonia intelectual europeia, de um ponto de vista institucional, a história da sociologia é bastante mais complexa. Não obstante o termo cunhado por Comte tenha sido difundido para diversos países desde a década de 1850 e os primeiros departamentos e cátedras de sociologia do mundo tenham surgido a partir da década de 1880,2 2 Vale salientar que, do ponto de vista da inserção nos sistemas universitários nacionais, diversos países das Américas e da Ásia já dispunham de departamentos ou cátedras de sociologia nesse período. O Departamento de Sociologia da Universidade Imperial de Tóquio data do início da década de 1880 (ainda que os cursos de graduação em Sociologia só tenham se estabelecido na metade do século XX) e as primeiras cátedras de sociologia na América Latina foram fundadas no Peru (1896), na Argentina, (1898) e na Bolívia (1902) (Dufoix, 2021), ou seja, bem antes que Durkheim tenha conseguido transformar a cátedra de Ciência da Educação de Paris na cátedra de Educação e Sociologia, em 1913. Nos Estados Unidos, os primeiros departamentos de sociologia foram os de Chicago (1892) e de Colúmbia (1893). a sociologia praticada e ensinada nesse período ainda não era profissionalizada. Nos Estados Unidos, por exemplo, as matérias que compunham os currículos dos cursos de sociologia eram geralmente ensinadas por pessoas sem formação na área e incluíam coisas estranhas à nossa sensibilidade contemporânea como “geografia antropológica”, “história das cidades e vilas inglesas”, “socialismo moderno”, “filantropia organizada” e “direitos de propriedade privada” (Abbott, 19991ABBOTT, Andrew. Department and discipline: Chicago Sociology at One Hundred. Chicago: The University of Chicago Press, 1999.). Além disso, quando Albion Small, fundador e primeiro professor do Departamento de Sociologia de Chicago, batizou o periódico que editou entre 1895 e 1926, o American Journal of Sociology, o que ele entendia pelo termo sociologia “não era nem uma disciplina acadêmica nem uma área específica do conhecimento”, mas algo que denotava a afirmação bastante vaga de que “as teorias formais sobre a sociedade eram relevantes para a prática da reforma social, uma afirmação que ia além da dimensão cognitiva para invocar valores morais e religiosos específicos” (Abbott, 19991ABBOTT, Andrew. Department and discipline: Chicago Sociology at One Hundred. Chicago: The University of Chicago Press, 1999., p. 85). As teorias, por seu turno, só começam a ser classificadas e organizadas a partir da década de 1930, quando tem início o processo de hegemonização da sociologia americana no mundo, impulsionado pelo influxo de intelectuais da Europa fascista entre os anos de 1930 e 1945, que ajudou na construção de uma sociologia filosoficamente sofisticada e menos provinciana em seus interesses (Steinmetz, 200780 STEINMETZ, George. American sociology before and after World War II: The (temporary) settling of a disciplinary field. In: CALHOUN, C. (org.), Sociology in America: A history. Chicago: The University of Chicago Press, 2007.).

Embora a sociologia produzida nos Estados Unidos entre as décadas de 1890 e 1930 fosse ainda considerada provinciana e pouco profissionalizada, a história da produção sociológica nesse período em Chicago é especialmente instrutiva para ilustrar o tipo de sociologia praticado no período, o caráter relativamente arbitrário do estabelecimento do cânone clássico e o apagamento da produção das mulheres da história da sociologia. A fundação do Departamento de Sociologia de Chicago ocorre no momento em que as universidades estavam substituindo “os colleges como centro dinâmico do ensino superior americano e se tornando a principal forma de identificação institucional” (Cravens, 197122 CRAVENS, Hamilton. The Abandonment of evolutionary social theory in America: the impact of academic professionalization upon American sociological theory, 1890–1920. American Studies, v. 12, n. 2, p. 5–20, 1971., p.7). Como em outras ciências, os praticantes da sociologia precisaram se engajar no processo de construção da disciplina, trabalho que, além da elaboração teórico-metodológica, exige a formação de associações, de publicações especializadas e, principalmente, da fundamentação desse conhecimento como socialmente necessário. Compreender o lugar e posterior apagamento das vozes femininas nesse processo requer entender o que então se praticava sob o título de sociologia e, principalmente, como essa prática difere de nossa compreensão contemporânea. Esse fato precisa ser ressaltado porque ainda existe, na justificação da Escola de Chicago como momento fundacional da pesquisa sociológica, a ideia de que nomes como W. I. Thomas e Albion Small tinham perfis muito próximos de nossa compreensão contemporânea do trabalho de pesquisa sociológica.

O desenvolvimento institucional da sociologia foi marcado por dois aspectos importantes e relacionados aos interesses do capital industrial no financiamento do sistema universitário estadunidense: primeiro, o ambiente político de valorização da ciência exigia que a sociologia se afastasse dos sentidos cristãos de reforma e trabalho social em direção a noções de objetividade e cientificidade, o que, ao mesmo tempo, também deveria afastar as ideias e movimentos radicais (Johnston, 201851 JOHNSTON, Andrew. Despite Wars, scholars remain the great workers of the international: American sociologists and French sociology during the First World War. In: CHAGNON, M. E.; IRISH, T. (eds) The academic world in the era of the Great War. Londres: Palgrave Macmillan, 2018. p. 97-118., p. 98). Segundo, era importante fortalecer uma ideia de “utilidade pública” e, nesse sentido, como outras ciências sociais, a sociologia precisava encontrar o equilíbrio adequado para lidar de maneira científica com as crises e os problemas causados pela industrialização, sem abandonar os “valores americanos” (p. 98).

Tais processos foram se desenvolvendo ao longo das últimas décadas do século XIX e duas primeiras do século XX. Com as lentes de hoje, a fundação do Departamento de Sociologia de Chicago em 1892 é vista como uma empreitada científica por excelência, mas a verdade é que o termo “sociologia” era também, fundamentalmente, político e estava tão associado à instituição universitária quanto aos assentamentos ou residências sociais (settlements). O movimento dos assentamentos surgiu na Inglaterra, em 1884, com o Toynbee Hall, que tinha a ideia de “superar as diferenças de classe por meio do convívio de jovens de classe privilegiada com trabalhadores pobres” (Lengermann; Niebrugge-Brantley, 200257 LENGERMANN, Patricia; NIEBRUGGE-BRANTLEY, Gillian. Back to the future: Settlement sociology, 1885–1930. The American Sociologist, v. 33, n. 3, p. 5–20, 2002., p. 6) e sua experiência americana mais conhecida foi a Hull-House em Chicago, fundada por Jane Addams e Ellen Gates Starr em 1889. A casa do assentamento era uma mistura de salão, casa, universidade, centro de pesquisa, clínica, café, complexo de apartamentos, ginásio e catalisador de esperança e mudança social. Embora a Hull-House e a miríade de outros assentamentos sociais modelados a partir dela3 3 Em 1910, havia por volta de 413 organizações, em 33 estados americanos, que se identificavam como settlements. O perfil feminino pode ser percebido pelas proporções de participação nesse período: 1007 mulheres residentes para 322 homens; 5718 voluntárias para 1594 homens (Lengermann; Niebrugge-Brantley, 2002, p. 6) fossem formados e liderados majoritariamente por sociólogas brancas e de classe média, como em sua origem inglesa, a ideia era que pessoas de classes sociais distintas pudessem desenvolver experiências de convivência e, a partir da observação do cotidiano e da aplicação de métodos científicos, encontrar soluções para os problemas que afligiam a cidade. Desse modo, essa rede de mulheres, as primeiras sociólogas americanas, faziam um tipo de pesquisa empiricamente orientada, focada em questões de grupos minoritários e desfavorecidos, baseada em trabalho de campo e estatísticas. Lengermann e Niebrugge-Brantley (2002, p. 7)57 LENGERMANN, Patricia; NIEBRUGGE-BRANTLEY, Gillian. Back to the future: Settlement sociology, 1885–1930. The American Sociologist, v. 33, n. 3, p. 5–20, 2002. apresentam seis características dos assentamentos:

(1) é um movimento que perpassa classes distintas; (2) requer que pessoas de uma classe privilegiada tentem conviver com pessoas de classes desempoderadas; (3) busca construir “uma relação de vizinhança”; (4) espera que a classe privilegiada aprenda com as novas experiências; (5) sugere o caráter informal da aprendizagem; (6) espera que os moradores dos assentamentos usem o que aprenderam para mudar a sociedade.

Para Mary Jo Deegan (1988a)26 DEEGAN, Mary Jo. Jane Addams and the men of the Chicago School, 1892–1918. Oxford: Routledge, 1988a., a divisão de gênero da sociologia americana estava institucionalmente centrada em Chicago: o departamento de Sociologia era o ambiente dos sociólogos; a Hull-House, das sociólogas. Na construção do cânone sociológico americano, o trabalho da Hull-House foi apagado. Contudo, é importante perceber que, no final do século XIX, essa separação entre espaços femininos e masculinos não implicava a constituição de sociologias radicalmente distintas, mas a constatação do lugar que as mulheres podiam ocupar no sistema universitário em formação, uma vez que eram contratadas majoritariamente por escolas ou colleges exclusivamente femininos e que a pesquisa não era a ênfase destes espaços de educação para moças. Ao mesmo tempo em que se descaracteriza o trabalho sociológico das mulheres a partir da comparação com um modelo de pesquisa e profissionalização contemporâneo, há uma igual tendência a se “refinar” o trabalho dos homens, identificando-os a lógicas teóricas só estabelecidas tardiamente.

Em relação ao aspecto sociológico do trabalho das mulheres da Hull-House, é interessante destacar que muitas delas identificavam-se como sociólogas, participaram como membros fundadoras da ASA, apresentaram trabalhos nas reuniões anuais e ocuparam posições administrativas (Deegan, 1988b27 DEEGAN, Mary Jo. Transcending a patriarchal past: Teaching the history of women in sociology. Teaching Sociology, v.16, n. 2, p. 141-150, 1988b., p.142). Em seu levantamento, Deegan apresenta dez autoras que participavam ativamente no trabalho sociológico da época, publicando e participando de redes nacionais e internacionais: Jane Addams; Emily Balch; Charlotte Gilmann; Florence Kelley; Julia Lathrop; Mary McDowell; Mary E. B. R. Smith; Anna G. Spencer; Marion Talbot; Ida B. Wells. Apesar de responderem por apenas dez por cento das publicações do American Journal of Sociology de 1895 a 1940, as mulheres foram presença constante na revista: em quarenta em cinco anos, apenas oito volumes não tiveram participação de autoras ou tiveram de apenas uma autora (Grant; Stalp; Ward, 200240 GRANT, Linda; STALP, Marybeth C.; WARD, Kathryn B. Women’s sociological research and writing in the AJS in the pre-World War II era. The American Sociologist, v. 33, n. 3, p. 69-91, 2002., p. 75). Mesmo que as pesquisas sobre a época destaquem as dificuldades das mulheres em garantir posições acadêmicas e a relativa ausência de publicações de cunho teórico, interessa aqui chamar a atenção para a continuidade e consistência dessa produção feminina e, especialmente, para o início de um estilo que mais tarde será valorizado e associado aos homens: a tendência ao trabalho empírico e ao uso de estatísticas para compreensão de fenômenos sociais (2002, p. 77).

Entretanto, esse capítulo do trabalho das mulheres na história da sociologia americana foi substituído pela ideia de que elas estariam mais próximas dos movimentos reformistas e da construção de políticas de bem-estar e, portanto, distantes de objetivos científicos. É verdade que aquilo que Patricia Lengermann e Gillian Niebrugge-Brantley (2002)57 LENGERMANN, Patricia; NIEBRUGGE-BRANTLEY, Gillian. Back to the future: Settlement sociology, 1885–1930. The American Sociologist, v. 33, n. 3, p. 5–20, 2002. chamaram de settlement sociology se desenvolveu numa tensão entre projetos de mudança social e pesquisa, adotando fortes aspectos normativos. Contudo, é preciso destacar que os homens também articulavam a pesquisa sociológica a ideais reformistas, como foi o caso de W.I. Thomas, diretamente influenciado por Jane Addams e pela Hull-House, e do próprio George Herbert Mead, que acreditava na necessidade da ciência para melhoria da vida social (Deegan; Burger, 198128 DEEGAN, Mary Jo; BURGER, John. W. I. Thomas and social reform: His work and writings. J. Hist. Behav. Sci., v. 17, n. 1, p. 114-125, 1981.).

O caminho para uma sociologia desinteressada e radicalmente distante dos ideias reformistas só começa a ser mais claramente delineado a partir do início do século XX. Segundo Andrew Johnston (2014, p. 171)52 JOHNSTON, Andrew. The disappearance of Emily G. Balch, social scientist. The Journal of the Gilded Age and Progressive Era, v.13, p. 166-199, 2014.: “como o Estado começou a utilizar essas novas fronteiras do conhecimento para dar uma aparência de ordem às perturbações nacionais e internacionais da época, a objetividade tornou-se uma ficção cada vez mais necessária”. No contexto das tensões que embalaram a Primeira Guerra Mundial, o engajamento político e a crítica produzidos nos assentamentos começa a ser visto com maus olhos. Com a entrada dos Estados Unidos na Guerra, essas mulheres e a ideia de práticas e experimentos de mudança social transformaram-se em alvos de críticas por parte do público, de colegas de profissão e do governo por conta de seu suposto radicalismo pacifista e feminista. Gradualmente, elas deixaram de ser identificadas como sociólogas por seus colegas e passaram a ser identificadas, sobretudo, como assistentes sociais. Suas contribuições, numa época e local em que a sociologia como um todo era voltada para a resolução de problemas práticos e pouco afeita à reflexão teórica, foram apagadas dos anais da sociologia. Durante as duas guerras, o engajamento das primeiras sociólogas é substituído por um modelo cientificista, especialmente aquele que envolve lógicas de quantificação. De acordo com Johnston (2018, p. 110)51 JOHNSTON, Andrew. Despite Wars, scholars remain the great workers of the international: American sociologists and French sociology during the First World War. In: CHAGNON, M. E.; IRISH, T. (eds) The academic world in the era of the Great War. Londres: Palgrave Macmillan, 2018. p. 97-118., “[o] objetivo era proteger o campo dos radicais que poderiam minar o status institucional dos sociólogos acadêmicos aos olhos do público americano, radicais que também poderiam liderar as ciências para experimentos estatistas como o bolchevismo ou o fascismo.”

Desse modo, percebemos que as duas principais críticas ao trabalho das mulheres de Chicago, que justificariam sua exclusão do cânone sociológico, não são consistentes. Sobre seu aspecto reformista, o trabalho das mulheres da Hull-House é um esforço de produzir uma versão secularizada das ideias de reforma social e, principalmente, esforço esse que era compartilhado pelos homens. Na crítica corrente, a noção de reformismo é utilizada para se referir a movimentos religiosos e conservadores, mas a base “reformista” da settlement sociology estava ligada a um debate progressista sobre a democracia americana, que envolveu homens e mulheres, marcando grande parte da tradição pragmatista. Por sua vez, a crítica do engajamento político das primeiras sociólogas revela como os pressupostos de neutralidade são marcados por lógicas de poder. A exclusão do pacifismo e do feminismo garantia à sociologia um lugar entre as ciências úteis para o Estado, ao ponto em que William F. Ogburn, eleito presidente da American Sociological Society em 1929, chegou a afirmar que “a sociologia como ciência não está interessada ​​em tornar o mundo um lugar melhor para se viver” e “será desejável criar um tabu contra a ética e os valores (exceto na escolha de problemas)” (citado em Clark, 201315 CLARK, Terry N. Prophets and patrons: The French University and the emergence of the social sciences. Cambridge, MA: Harvard University Press, 2013., p. 217). Trinta anos antes, essa afirmação, além de surpreender, teria excluído a maioria dos homens do campo da sociologia (Johnston, 201452 JOHNSTON, Andrew. The disappearance of Emily G. Balch, social scientist. The Journal of the Gilded Age and Progressive Era, v.13, p. 166-199, 2014.; Clark, 201315 CLARK, Terry N. Prophets and patrons: The French University and the emergence of the social sciences. Cambridge, MA: Harvard University Press, 2013.).

Ainda que a produção masculina ligada à Universidade de Chicago compartilhasse muitas características com a produção das mulheres da Hull-House, os processos de disciplinarização e profissionalização sociológica foram paulatinamente associados ao desenvolvimento da Teoria Social, o que serviu para ocultar parte dos mecanismos de poder em questão. É aqui que, nos termos de Turner (2009, p. 551)86 TURNER, Stephen. The future of social theory. In: TURNER, Bryan S. (org.), The New Blackwell companion to social theory. Chichester: Wiley-Blackwell, 2009. p. 551-566., a Teoria Social começa a encontrar um “lar disciplinar” na sociologia que, por seu turno, passa a demandar uma escrita teórica de tipo específico: sistematizada e fundamentada na história de textos canônicos. Assim, se isso nos permite compreender por que os sociólogos ligados à Universidade de Chicago não chegaram a adquirir o status de clássicos, também sugere parte dos motivos pelos quais eles não foram excluídos da história da sociologia – e, em alguma medida, do cânone sociológico –, como foi o caso das mulheres ligadas à Hull-House.

Como dito anteriormente, a classificação e organização das teorias formais sobre a sociedade ganha impulso na década de 1930, sobretudo a partir de Parsons, ajudando a estabelecer as bases para um projeto de internacionalização da sociologia fundamentado na hegemonia estadunidense. Não se trata, nesse sentido, de reduzir a história da sociologia a tais processos, mas de apontar para o fato de que a construção dessa hegemonia está ligada ao silenciamento daquelas vozes que não se prestavam à construção de uma sociologia “científica” que combinava o impulso em direção à construção organizada e hierárquica de conceitos (como a que Parsons recupera de seus colegas neokantianos) com a revisão sistemática de teorias do passado (Turner, 200986 TURNER, Stephen. The future of social theory. In: TURNER, Bryan S. (org.), The New Blackwell companion to social theory. Chichester: Wiley-Blackwell, 2009. p. 551-566.). Isso culmina numa concepção de teoria em termos de um esquema geral dedutivo, conceitualmente preciso, capaz de apresentar relações lógicas entre seus elementos analíticos e os fatos empíricos a que a teoria se refere, construído a partir de uma síntese entre os diferentes sistemas teóricos classificados anteriormente (Parsons, 201067 PARSONS, Talcott. A Estrutura da Ação Social. 2 Vols. Petrópolis: Vozes, 2010.; Holmwood, 199647 HOLMWOOD, John. Founding sociology? Talcott Parsons and the idea of General Theory. Londres: Routledge, 1996.).

Do ponto de vista da pesquisa empírica, o caráter relativamente frouxo dos métodos e técnicas adotados nas pesquisas de Chicago, ou mesmo os preconizados por uma Harriet Martineau ou por um Durkheim, tornam-se mais agressivamente cientificistas a partir do desenvolvimento do “positivismo instrumental”4 4 “É instrumental na medida em que restringe a pesquisa social apenas àquelas questões que os limites dos instrumentos de pesquisa permitem e é positivista na medida em que essa restrição autoimposta é indicativa de uma determinação, por parte dos sociólogos, de se submeter a rigores comparáveis àqueles atribuídos às ciências naturais” (Bryant, 1985, p. 133). Nesse sentido, diferentemente de um “positivismo” mais afeito àquele de Augusto Comte, plenamente compatível com pressupostos teóricos e filosóficos, o positivismo de Lazarsfeld estava mais próximo ao empirismo lógico do Círculo de Viena, tornando o trabalho teórico especialmente inócuo para as pesquisas empíricas. Apesar disso, a concepção de teoria de Parsons não é incompatível com o princípio do positivismo instrumental de que uma ciência social quantitativa provê o instrumental necessário à aplicação de um modelo de ciência natural à sociologia (Hamlin, 2011). de Paul Lazarsfeld entre as décadas de 1930 e 1960. Como é bem conhecido, a internacionalização da sociologia deveu muito não apenas à sociologia estadunidense, mas ao governo dos EUA e a grandes fundações, como a Ford e a Rockefeller, além de organizações internacionais como a Unesco, particularmente no Pós-Guerra (Drouard, 198930 DROUARD, Alain. The development of sociology in France after 1945. In: GENOV, N. (org.) National traditions in Sociology. Londres: Sage, 1989.). Motivados em parte pelo desejo de prover uma alternativa ao comunismo (Turner, 200986 TURNER, Stephen. The future of social theory. In: TURNER, Bryan S. (org.), The New Blackwell companion to social theory. Chichester: Wiley-Blackwell, 2009. p. 551-566.), esses organismos disponibilizaram bolsas de estudo para estudantes e professores e financiaram pesquisas e instituições novas ou já existentes no mundo inteiro, ajudando a disseminar uma concepção de sociologia de tom universalista que, em grande medida, concebia a teoria sociológica em termos parsonianos e a pesquisa empírica em termos lazarsfeldianos (Hamlin, 201143 HAMLIN, Cynthia Lins. Breve metametodologia das Ciências Sociais. Revista Latinoamericana de Metodología de la Investigación Social, v. 1, n. 1, p. 8-20, 2011.).5 5 No Brasil, por exemplo, Florestan Fernandes e Roger Bastide foram financiados pela Unesco para desenvolver suas pesquisas sobre relações raciais na década de 1940. Organizações como a Fundação Ford e a USAID também foram instrumentais para o estabelecimento dos nossos Programas de Pós-Graduação, a exemplo do Mestrado em Antropologia do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, e do Programa Integrado de Pós-Graduação em Economia e Sociologia (PIMES) em Pernambuco. Como mostra a pesquisa desenvolvida por Heraldo Souto Maior, a justificativa fornecida no projeto de captação de recursos junto à Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), USAID e Fundação Ford para a criação do PIMES foi fortemente atrelada à criação de laboratórios de pesquisa aplicada devido à “pouca atenção dada aos problemas concretos da realidade brasileira, ausência de estudo empírico sistemático dessa realidade e a persistência de orientações ideológico-dogmáticas” (Souto-Maior, 2005, p. 28).

O que está em jogo não é apenas a produção de conhecimento, mas sua circulação e recepção, que não pode ser dissociada de processos culturais mais amplos. O projeto de internacionalização da sociologia que substituiu o desenvolvimento das sociologias nacionais no pós-Segunda Guerra Mundial foi especialmente importante porque ajudou a reconfigurar a própria definição de sociologia e dos debates considerados relevantes, restritos “às teorias sociais, ao desenvolvimento de uma cultura da profissionalização e a uma defesa da universalização de suas perspectivas e práticas” (Patel, 201068 PATEL, Sujata. Introduction: Diversities of sociological traditions. In: PATEL., S. (org.) The ISA handbook of diverse sociological traditions. Londres: Sage, 2010., p. 3). Tal hegemonia começa a ser questionada com a emergência dos movimentos de protesto da década de 1960 e 1970 em boa parte do mundo, reconfigurando os pressupostos culturais do Pós-Guerra, cujos resultados mais impactantes em termos intelectuais foram o questionamento do cânone (Wallerstein, 200789 WALLERSTEIN, Immanuel. The Culture of sociology in disarray: The impact of 1968 on U.S. sociologists. In: CALHOUN, C. (org.). Sociology in America: A history. Chicago: The University of Chicago Press, 2007.) e da universalidade daquela concepção de sociologia. A reconfiguração das abordagens marxistas, as perspectivas feministas, ambientalistas e baseadas nas novas teorias das identidades levaram a um questionamento radical das relações da teoria social europeia e estadunidense com as elites no poder. Com isso, ao final da década de 1980, a teoria social já incorporava uma multiplicidade e diversidade de perspectivas bastante grande, sem que um consenso de tipo parsoniano pudesse ser estabelecido em torno da definição de teoria social (Patel, 201068 PATEL, Sujata. Introduction: Diversities of sociological traditions. In: PATEL., S. (org.) The ISA handbook of diverse sociological traditions. Londres: Sage, 2010.).

Ao considerarmos as fronteiras externas à sociologia propriamente dita, a questão se torna ainda mais complexa. Abordagens como os estudos culturais, pós-coloniais e de gênero têm colocado sob suspeita uma disciplina cujos principais autores são membros de um clube que, em larga medida, tem ficado restrito a homens brancos mortos do norte global. Ao questionar o eurocentrismo e o androcentrismo da sociologia, a própria teoria social tem se tornado alvo de uma reconfiguração que coloca sob suspeita a relevância e a identidade da sociologia. À busca por uma teoria geral baseada numa concepção de clássico inspirado pelas antigas humanidades contrapõe-se o chamado das “novas humanidades”6 6 O conceito de “novas humanidades” tem sido usado em referência “não a uma área particular de conhecimento, mas como a dimensão humana de todo conhecimento” (Miller; Spellmeyer, 2015, p. xxiii). Corresponde ainda àquilo que Caillé e Vandenberghe (2021, p. 19) definem, de maneira um tanto mal-humorada, como Studies: “um amontoado de investigações antidisciplinares, como Estudos Culturais, Estudos de Mídia & Comunicação, Governamentalidade, Mulheres & Gênero, Subalternos, Pós-coloniais, Branquitude crítica etc., os quais se especializaram na investigação (as)sistemática envolvendo a conexão poder/discurso. [...] os Studies escrutinizam e criticam discursos, textos, saberes, representações, epistemes e ideologias, desvelando estruturas de dominação política, patriarcal, racial, entre outras, que são consciente ou inconscientemente sustentadas, refletidas ou reforçadas por aqueles discursos.”. em direção a um mundo “decolonizado” e “pós-teórico”7 7 Embora o projeto decolonial diga respeito a abordagens metodológicas, preocupações normativas e projetos políticos bastante heterogêneos, dois elementos principais podem ser enfatizados: tem como objeto o colonialismo, o império e o racismo; busca estabelecer formas alternativas de se pensar o mundo e de práxis política a partir das ideias de pluralidade, posicionalidade e do impacto que a inclusão da “diferença” pode ter sobre o conhecimento (Bhambra et al, 2018). Mas enquanto o conceito de decolonialidade tem sido amplamente incorporado pela sociologia, o de pós-teoria parece ter sido mais utilizado pelas “novas humanidades” em oposição a uma concepção de teoria baseada em grandes narrativas e como um fim em si mesma, em direção a um ecletismo informado por uma virada em direção às novas humanidades (Valente, 2021). A ideia de pós-teoria, embora não possa ser entendida como uma oposição pura e simples à teoria, enfatiza a teorização como um processo de “mútua contaminação entre teoria e empiria” (Laclau, 1999, p. xii), considera a crítica filosófica a alguns dos principais conceitos do cânone filosófico moderno (sujeito, identidade, verdade etc.) e assume uma orientação mais pragmática para os problemas e particularidades da “vida real” (Turnbull, 2003). . A questão é que, levadas ao seu limite, a implosão das fronteiras disciplinares, a ênfase na inclusão de vozes marginalizadas ou silenciadas e a recusa das grandes narrativas históricas podem gerar uma concepção tão alargada de teoria social a ponto de incluir em um mesmo registro intelectuais com campos de atuação tão díspares quanto Nina Simone, Mia Couto e Raewyn Connell.8 8 Ver, por exemplo, a página dedicada aos pensadores da “Teoria Social Global” organizada por Gurminder Bhambra, atual presidenta da Associação Sociológica Britânica, em seu projeto de decolonização da universidade: https://globalsocialtheory.org/category/thinkers/ É nesse sentido que discussões acerca da relevância do cânone sociológico, incluindo o cânone clássico, têm assumido novos contornos.

Sobre o antigo e novo debate acerca da ideia de clássico e seus correlatos

Última das ciências sociais a se institucionalizar, a sociologia apoiou-se em uma infinidade de reflexões sobre a sociedade produzidas por filósofos, economistas, historiadores, psicólogos, antropólogos, reformadores sociais (Collins, 200917 COLLINS, Randall. Quatro tradições sociológicas. Petrópolis: Vozes, 2009.), assim como na construção de metáforas e analogias relativas a conteúdos de outras ciências já estabelecidas, sobretudo da biologia. Diante da falta de uma classe de fenômenos exclusiva, seu objeto e seus métodos precisaram ser cuidadosamente construídos, com frequência em oposição às outras ciências sociais e humanas, a fim de justificar sua existência. Como vimos, essa construção envolveu um longo processo de seleção – leia-se, o apagamento, o esquecimento, a negação e a ênfase em determinados aspectos – daquilo que já vinha sendo produzido pelo pensamento e pela teoria social, de modo a traçar os contornos de uma teoria sociológica propriamente dita. Afinal, “pensamento social” e “teoria social” são mais amplos do que a “teoria sociológica”.9 9 A diferença entre o pensamento social e a teoria social diz respeito ao grau de sistematização e formalização das reflexões sobre a sociedade. De maneira bastante geral, enquanto a teoria social tende a ser associada a formas de abstração orientadas pela ciência, o pensamento social pode incluir reflexões “pré-científicas”, do senso comum ou, ocasionalmente, ligadas à filosofia social. Essa distinção não é, no entanto, absoluta, e depende da tradição nacional em questão. Assim, embora autores como Julian Go (2016, p, 1) definam a teoria social como “a forma abstrata da pesquisa das ciências sociais” – uma definição associada à tradição britânica e estadunidense, na Alemanha a teoria social é uma atividade corriqueiramente desenvolvida por filósofos (basta pensarmos em toda a tradição da teoria crítica, por ex.). Na França, por seu turno, a ideia de teoria social como um tipo de atividade especial nas ciências sociais não faz muito sentido, dado que não se concebe a atividade teórica como separada das pesquisas empíricas. A concepção de teoria social como área interdisciplinar relativa ao conjunto das ciências sociais (incluindo seus pressupostos filosóficos) foi popularizada na década de 1970 por Anthony Giddens (1971), que estabelece ainda uma distinção entre teoria social e teoria sociológica, concebida como um tipo particular de teoria social relativa à sociedade moderna, capitalista ou industrial. A teoria social, tanto o termo quanto seu objeto, precede a sociologia, vem sendo desenvolvida dentro e fora dela e só encontrou um “lar disciplinar” na sociologia nas primeiras décadas do século XX (Turner, 200986 TURNER, Stephen. The future of social theory. In: TURNER, Bryan S. (org.), The New Blackwell companion to social theory. Chichester: Wiley-Blackwell, 2009. p. 551-566., p. 551), quando os processos de profissionalização, institucionalização, internacionalização e canonização se confundem e se misturam na sociologia. Muito do que foi produzido como pensamento social e como teoria social nunca se tornou parte da sociologia, mas apenas aquilo que pôde ser incorporado como parte de um projeto político de institucionalização disciplinar que ocorreu a partir das instituições nacionais de ensino superior, das associações profissionais e dos periódicos especializados, nacionais e internacionais (Heilbron, 201446 HEILBRON, Johan. The Social Sciences as an emerging global field. Current Sociology, v. 62, n. 5. p. 685–703, 2014.).

O que conhecemos hoje como “os clássicos da sociologia”, particularmente os chamados “pais fundadores” (Marx, Durkheim e Weber), só foi definitivamente estabelecido como tais na década de 1970 (Giddens, 199537 GIDDENS, Anthony. Politics, sociology and social theory: Encounters with classical and contemporary social thought. Stanford: Stanford University Press, 1995.). Trata-se, nesse sentido, de um mito de fundação muito recente, mas que, como vimos, começou a ser gestado na década de 1930, com a publicação de A Estrutura da Ação Social, de Talcott Parsons, considerado por muitos como o “inventor” do cânone sociológico (Wallerstein, 200789 WALLERSTEIN, Immanuel. The Culture of sociology in disarray: The impact of 1968 on U.S. sociologists. In: CALHOUN, C. (org.). Sociology in America: A history. Chicago: The University of Chicago Press, 2007.; Calhoun, 200712 CALHOUN, Craig. Sociology in America: An introduction. In: CALHOUN, C. (org.), Sociology in America: A history. Chicago: The University of Chicago Press, 2007.; Connell, 199721 CONNELL, Raewyn. Why is classical theory classical? American Journal of Sociology, v. 102, n. 6, p. 1511-1557, 1997.; Giddens, 199537 GIDDENS, Anthony. Politics, sociology and social theory: Encounters with classical and contemporary social thought. Stanford: Stanford University Press, 1995.). Mas, se o cânone para Parsons era composto por Durkheim, Weber, Pareto e Marshall, foi sobretudo a introdução e divulgação do pensamento marxista na década de 1960 que ajudou a substituir os dois últimos por Marx.

O processo de “desnaturalização” dos clássicos tem, portanto, implicações diretas para nosso campo disciplinar e deve ser tomado contra o pano de fundo mais geral de uma querela antiga na sociologia, que, como já indicamos, vem ganhando novos contornos nos últimos anos. Ao percorrer a literatura que enfrenta diretamente tal questão, é possível identificar cinco posições típico-ideais, com numerosos matizes que fazem com que se aproximem de um ou outro polo do debate: 1) a recusa positivista aos clássicos, 2) a recusa estruturalista aos clássicos, 3) a recusa política aos clássicos e/ou ao cânone, 4) a defesa dos clássicos em um cânone restrito e 5) a defesa dos clássicos em um cânone ampliado.

A primeira dessas posições, a “recusa positivista aos clássicos”, está vinculada a uma concepção que visa aproximar a sociologia das ciências naturais, pensando seu desenvolvimento em termos de acúmulo de conhecimento. Dentre os mais notáveis expoentes dessa posição estão Robert Merton (1968)61 MERTON, Robert K. On the history and systematics of sociological theory. In: MERTON, R. K. Social theory and social structure (enlarged edition). Nova York: Free Press, 1968., cujo trabalho engendrou uma polêmica acerca da importância da história para a sociologia, e Jonathan Turner (1992)85 TURNER, Jonathan H. Classical sociological theory: a positive perspective. Belmont, CA, EUA: Wadsworth, 1993., com a proposta pós-positivista de uma sociologia analítica. A construção de uma “recusa estruturalista aos clássicos” (How, 201648 HOW, Alan R. Restoring the classic in sociology. Traditions, texts and the canon. Londres: Palgrave Macmillan, 2016., p. 11) se deu justamente por antípodas do positivismo, como Roland Barthes (1977)8 BARTHES, Roland. The death of the author: In image, music, text (trad: S. Heath). Londres: Fontana, 1977. e Michel Foucault (1969)35 FOUCAULT, Michel. Qu’est-ce qu’un auteur? Bulletin de la Société Française de Philosophie v. 63, n. 3, p. 73-104, 1969., que colocam em suspeição a ideia de autoria.

Ainda entre as posições que sugerem que a sociologia estaria muito melhor sem a referência a clássicos, encontramos mais recentemente o que podemos nomear de “recusa política aos clássicos” ou, em termos mais precisos, uma “recusa política ao cânone”. Embora a adesão a tal posição possa se dar em diferentes termos e a partir de múltiplas justificativas, a formulação mais exemplar se deu pela pena de Raewyn Connell (199721 CONNELL, Raewyn. Why is classical theory classical? American Journal of Sociology, v. 102, n. 6, p. 1511-1557, 1997., 2019), que não apenas apontou a conexão do processo de construção do cânone com a empresa colonial (1997), mas defendeu que a sociologia estaria muito melhor sem qualquer cânone, possibilitando uma leitura crítica e criativa dos próprios autores atualmente canonizados (2019). Conquanto o argumento de Connell seja na direção da construção de uma sociologia mais polifônica, que não supõe condenar os chamados clássicos ao silêncio, não raro a autora é tomada como porta-voz de diversos movimentos que caminham na direção da completa implosão do cânone, com intuito de invalidar a leitura e mesmo o ensino dos textos desses homens brancos mortos.

Do outro lado do espectro, entre aqueles que consideram a pertinência sociológica da centralidade de autores de seu passado, podemos identificar ao menos duas posições típico-ideais. Em um extremo, temos algo como uma “defesa dos clássicos em um cânone restrito”, isto é, a ideia de que os clássicos devem se restringir a um número pequeno de autores já consagrados, em virtude de seu papel central para conferir identidade e alguma unidade disciplinar. Argumentos desse tipo são encontrados de forma exemplar em autores como Talcott Parsons (1937)67 PARSONS, Talcott. A Estrutura da Ação Social. 2 Vols. Petrópolis: Vozes, 2010., Jeffrey Alexander (1987)6 ALEXANDER, Jeffrey. The centrality of the classics. In: GIDDENS, A.; TURNER J. (orgs.) Social theory today. Oxford/Cambridge: Polity Press/Basil Blackwell, 1987. e Anthony Giddens (1971)38 GIDDENS, Anthony. Capitalism and modern social theory. Cambridge: Cambridge University Press, 1971.. Curiosamente, muitos dos diversos movimentos que desafiam o caráter eurocêntrico e androcêntrico da sociologia também acabam se valendo da ideia de clássico, de cânone ou ocasionalmente de fundador para sustentar suas estratégias de enfrentamento às teorias e práticas hegemônicas na sociologia. Trata-se, portanto, de uma “defesa dos clássicos em um cânone ampliado” (por ex, Adams; Sydie, 20013 ADAMS, Bert N.; SYDIE, R.A. Sociological Theory. Boston: Sage, 2001.; Ritzer; Stepnisky, 201170 RITZER, George; STEPNISKY, Jeffrey. Major social theorists. Vol 1: Classical social theorists. Chichester: Wiley Blackwell, 2011.; Outhwaite 201764 OUTHWAITE, William. Teoria Social: um guia para entender a sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Zahar, 2017.).

Nas discussões que acompanham os trabalhos de recuperação de textos e autoras apagadas pelo processo de construção de uma memória coletiva demasiado restritiva, essa questão quanto ao passado ocupa lugar central. Nesse contexto, o argumento de ampliação do cânone vem acompanhado de uma reflexão crítica sobre quem tem direito a títulos como os de fundador, clássico ou de membro do cânone.

Até o momento, utilizamos as expressões como clássico, cânone, pioneira e fundador de forma algo solta e até intercambiável, refletindo a forma como tais expressões costumam ser usadas no cotidiano acadêmico e mesmo em textos dedicados ao tema ( Baehr, 20167 BAEHR, Peter. Founders, classics, canons: modern disputes over the origins and the appraisal of sociology’s heritage. New Brunswick: Transaction Publishers, 2016.. p. 1 ss; How, 201648 HOW, Alan R. Restoring the classic in sociology. Traditions, texts and the canon. Londres: Palgrave Macmillan, 2016., p. 232). Porém, como essa é uma questão central dos trabalhos que estamos examinando, é fundamental precisar os vários sentidos nela implicados, para que seja possível pensar qual o lugar da obra de mulheres pioneiras para a sociologia contemporânea.

Para tanto, tomamos como referência os trabalhos de Alan How (2016)48 HOW, Alan R. Restoring the classic in sociology. Traditions, texts and the canon. Londres: Palgrave Macmillan, 2016. e, sobretudo, de Peter Baehr (2016)7 BAEHR, Peter. Founders, classics, canons: modern disputes over the origins and the appraisal of sociology’s heritage. New Brunswick: Transaction Publishers, 2016., autores que produziram uma análise crítica recente da questão, constituindo um ponto de partida interessante para o desenvolvimento de nosso argumento. Embora esses autores percorram caminhos diversos, ambos deixam manifesta sua preferência pela ideia de clássico em detrimento daquela de cânone, compondo o quadro geral da linha de frente de quem defende a existência e a importância da “classicalidade”, qualidade inerente a certas obras que as tornam centrais para a sociologia. Um dos problemas da conflação entre a ideia de clássico e a ideia de cânone, segundo How, seria justamente a subsunção do primeiro ao segundo. O problema para o autor refere-se ao fato de que o cânone implica a ideia de um recorte intencional de certo número de textos e autores, algo que sempre supõe uma dimensão ideológica e institucional, ao passo que os clássicos são investidos de características intrínsecas que constituem sua excepcionalidade. Isto é, misturar os dois registros implicaria pensar na classicalidade como uma construção arbitrária, esvaziando as obras clássicas de seu valor interno. Por outro lado, uma concepção internalista sobre os clássicos implicaria a visão – igualmente equivocada – de que estes foram alçados ao cânone apenas por suas próprias virtudes, retirando a dimensão social e política implicada na própria definição de um clássico (How, 201648 HOW, Alan R. Restoring the classic in sociology. Traditions, texts and the canon. Londres: Palgrave Macmillan, 2016., p. 232-4). Trata-se, segundo o autor, de características diferentes que precisam ser tratadas como tal: enquanto um cânone supõe uma coletividade e pode ser determinado com precisão – por decreto institucional, na proposição de autores ou autoras em uma coletânea, no estabelecimento de um currículo etc. –, um clássico é sempre avaliado em sua singularidade e tem algo de indeterminado, pois demanda um processo mais longo de apreciação de seu valor por uma comunidade, supondo sempre uma qualidade interna à obra.

Se de, um lado, o argumento de How nos ajuda a discernir os termos da questão, chamando atenção para a impossibilidade de apenas imputar o título de “clássica” a uma obra, por outro lado, o autor deixa de pontuar uma conexão importante entre o cânone e a possível classicalidade de uma obra. Ao definir que a classicalidade é atribuída de forma algo indeterminada, a partir da recepção crítica de uma comunidade ao longo de muitas décadas – segundo Collins (1997)18 COLLINS, Randall. A sociological guilt trip: Comment on Connell. American Journal of Sociology, v. 102, n. 6, p. 1558–1564, 1997., algo que requer cerca de três gerações – How deixa de considerar as condições mediante as quais uma obra pode vir a ser debatida por uma comunidade intelectual. Em outros termos, para que seu valor interno possa ser reconhecido, é preciso, primeiro, que ela tenha chance de ser lida e, em segundo lugar, é necessária uma recepção capaz de perceber suas virtudes; é preciso que a obra seja compreendida. Se não há uma relação necessária entre a inclusão no cânone e a classicalidade de uma obra, a sua exclusão do cânone é um obstáculo importante para suas chances de obter uma fortuna crítica, sem a qual seu estatuto clássico jamais poderá emergir.

No livro de Peter Baehr, originalmente publicado em 2002 e apresentado em nova edição ao público em 2016, encontramos uma discussão a um só tempo mais ampla e mais restritiva. Mais ampla, na medida em que, além de examinar criticamente os conceitos de clássico e cânone, passa em revista também aquele de “fundador”. Mais restritiva, porque perfaz uma análise teórica e etimológica dos termos que, muitas vezes, leva muito adiante a literalidade de expressões cujo uso é metafórico ou, ainda, em um sentido com contornos próprios à comunidade, como jargões descolados de seu contexto de origem (Outhwaite, 201665 OUTHWAITE, William. Canons round again. In: BAEHR, P. Founders, classics, canons: modern disputes over the origins and the appraisal of sociology’s heritage. New Brunswick: Transaction Publishers, 2016.). Justamente por isso, no fim das contas, é apenas a noção de “clássico” que, a seu juízo, vale ser utilizada seriamente na sociologia. Nesse diálogo crítico com sua análise esperamos encontrar brechas teóricas para reabilitar esses conceitos e reconfigurar os nexos relacionais da sociologia com seu passado, com vistas a tecer novos parâmetros para seu futuro, sobretudo no que tange à presença de mulheres na teoria social.

Assim como How e diversos outros autores (Susen; Turner, 202182 SUSEN Simon; TURNER, Bryan. Classics and classicality: JCS after 20 years. Journal of Classical Sociology. v. 21, no. 3-4, p. 227-244, 2021.; Alexander, 19876 ALEXANDER, Jeffrey. The centrality of the classics. In: GIDDENS, A.; TURNER J. (orgs.) Social theory today. Oxford/Cambridge: Polity Press/Basil Blackwell, 1987.; O’Neill; Turner, 200163 O`NEILL, John; TURNER, Jonathan. Introduction: The fragmentation of sociology. Journal of Classical Sociology, v. 1, n. 1, p. 5–12, 2001.; Walby, 202188 WALBY Sylvia. Sociology: Fragmentation or reinvigorated synthesis? Journal of Classical Sociology. v. 21, n. 3-4, p. 323-333, 2021.; Joas; Knöbl, 201750 JOAS, Hans; KNÖBL, Wolfgang. Teoria social: vinte lições introdutórias. Petrópolis: Vozes, 2017.; Lukes, 202155 LUKES, Steven. Sociology’s inescapable past. Journal of Classical Sociology, v. 21, n. 3-4, p. 1-6, 2021.), Baehr marca sua posição entre aqueles que defendem a existência de uma “classicalidade”, sustentando que a sociologia continue a manter um diálogo aberto com seus clássicos. Dentre as características pontuadas pelo autor, uma das mais importantes é a de que tal expressão deve se referir sempre a textos e não a seus autores, na medida em que é esse legado material que pode se tornar algo como uma propriedade intelectual de uma comunidade. Trata-se de um trabalho cuja leitura pode inspirar novos trabalhos, não apenas pelas respostas que oferece, mas pelas perguntas que suscita. Nesse sentido, o autor chama a atenção para o fato de que um texto clássico não passa a adquirir tal estatuto apenas pelo decreto de alguém: trata-se de um processo coletivo, aberto e de longo prazo.

Embora admita a importância de certas virtudes intrínsecas ao texto, Baehr é bastante atento ao fato de que o reconhecimento de tais características supõe sempre a mediação de um trabalho hermenêutico. Para que possa ser tomado como foco dos esforços interpretativos, supõe encontrar uma ressonância cultural, isto é, um ambiente cultural disposto a lê-lo e a ser provocado por suas palavras, garantindo, ainda, a transmissão a gerações posteriores. É por meio desse processo que os textos que adquirem o estatuto de clássicos passam a compor a tessitura teórica de diferentes gerações e por diversos territórios, como parte de um repertório de referências compartilhadas.

Alguns pontos importantes emergem a partir desse argumento. Se admitimos que a descoberta do trabalho das mulheres pioneiras não é suficiente para torná-las clássicas, percebe-se que nossa tradição de teoria social, já bastante sedimentada, foi desenvolvida sem que tais obras tivessem chance de serem incluídas no cânone. A ausência de um ambiente favorável – inclusive no interior da própria sociologia – minou a possibilidade de ressonância cultural, impedindo sua transmissão e sua recepção crítica. Por outro lado, tal conceito de ressonância cultural indica que algumas das obras das mulheres pioneiras da sociologia podem vir a adquirir o estatuto de clássicas, na medida em que a recuperação de suas obras tem se dado pela mediação de um engajamento feminista no meio acadêmico que logra ultrapassar as fronteiras mais circunscritas de áreas como os estudos de gênero.

Todavia, esse não é, nem pode ser, um processo automático. Aqui, estamos diante de uma complexa questão, que diz respeito à justificativa da importância da descoberta da obra das mulheres que pesquisaram e escreveram no momento inicial da sociologia. Em outros termos, o caráter pioneiro de um trabalho não é suficiente para lhe garantir o título de clássico. Baehr apresenta uma sofisticada discussão que nos permite perceber por quais razões o conceito de fundador – lugar comum em nosso vocabulário sociológico, não serve ao propósito de interpretar, defender ou atacar textos e autores da tradição sociológica. Não raro, ouvimos em cursos de introdução ou em manuais de sociologia que Marx, Durkheim e Weber são os pais fundadores da sociologia e, por isso, precisam ser estudados. Esse mesmo argumento pode servir para não os estudar: se são apenas fundadores, seu interesse seria apenas histórico. Ao mesmo tempo, se descobrimos que também havia mulheres fundando a sociologia, por que não as estudar?

Uma das formas encontradas por Baehr para tratar desse imbróglio é apresentar os dois sentidos implicados na ideia de fundador (founder): fundador de um discurso e fundador de uma instituição. O segundo sentido é de fácil verificação histórica e pode ser atribuído a pessoas ou instituições específicas, como no caso das figuras que apresentamos mais acima, centrais para a construção da Escola de Chicago, ou mesmo alguém como Albion Small, fundador do primeiro departamento de sociologia dos Estados Unidos. Mas, argumenta Baehr, por que consideraríamos a obra de um autor como esse como importante de ser conhecida por toda a comunidade sociológica? O que podemos aprender com ela? Por outro lado, se a ideia de “fundador de discurso” nos levaria a pensar em uma aproximação com a ideia de clássico, Baehr desautoriza tal movimento, na medida em que um “discurso” não pode ser considerado produto de uma ação, mas de uma interação, por isso mesmo, não pode ser fundado (Baehr, 20167 BAEHR, Peter. Founders, classics, canons: modern disputes over the origins and the appraisal of sociology’s heritage. New Brunswick: Transaction Publishers, 2016., p. 24).

Ainda segundo o autor, a ideia de fundador tem sido amplamente mobilizada no campo das ciências sociais em virtude do suposto caráter de autoridade que tal ideia confere; contudo, isso seria ainda um resquício de uma lógica religiosa na qual o fundamento – enquanto legitimidade – estaria na existência de um antepassado poderoso ou exemplar que inaugurou certa linhagem. Há, podemos acrescentar, uma conflação entre fundar uma disciplina (inaugurar, dar início) e fundamentar uma teoria ou um modo de fazer (estabelecer suas bases).

Por essa razão, Baehr é crítico a tentativas como as de Deegan, por supostamente centrar seu argumento em uma justificativa de ordem ideológica – a serviço de uma causa – em detrimento da sustentação do valor explicativo da obra das mulheres pioneiras (chamadas, muitas vezes, de founding sisters ou founding mothers). Não obstante, em sua crítica a esses trabalhos, Baehr não considera a dimensão ética implicada em processos políticos que produziram injustiça epistêmica.10 10 Para uma discussão sobre a forma como o conceito de injustiça epistêmica tem sido utilizado para justificar a inclusão de mais mulheres à teoria social, ver Hamlin e Weiss (2021). Tais processos produzem consequências diversas, impedindo o acesso de mulheres a certas posições que permitissem desenvolvimentos teóricos mais substantivos ou, ainda, que suas obras tivessem direito a uma recepção qualificada. Embora acompanhemos Baehr em seu diagnóstico quanto ao caráter limitado da ideia de fundador ou fundadora, tomamos distância em relação ao autor ao defender a importância dos trabalhos que permitem uma historicização crítica da disciplina.

Fazer emergir a ideia de figuras pioneiras pode convocar um olhar sociologicamente alentado para os processos coletivos/sociais de fundação, trazendo a perspectiva histórica para o centro do debate. Mobilizar uma perspectiva histórica no interior da discussão teórica permite pensar contingências e vieses dos próprios conceitos, categorias analíticas e argumentos do campo teórico. Ao recusar o valor heurístico da categoria de fundador, Baehr acaba por retirar a importância da dimensão histórica da criação da sociologia e do processo de decantação dos autores clássicos.

Algo semelhante acontece com a ideia de cânone – Baehr a toma em um sentido fechado, enquanto analogia ao cânone teológico e, por extensão, literário, isto é, como um conjunto de textos “abençoados” e sacralizados, que têm o poder de fixar quem deve, pode ou merece ser lido. Quando recusa a ideia de cânone, o autor atribui um caráter menor aos processos de definição curricular que, segundo entendemos, tem incidência central sobre os processos formativos de estudantes de graduação e pós-graduação, com consequências importantes também para a pesquisa. Ou seja, denunciar o caráter religioso da analogia varre o problema para debaixo do tapete, em vez de resolvê-lo, deixando em aberto a relação entre o estabelecimento do cânone e a instituição dos clássicos. Esse ponto é particularmente importante para a questão que nos concerne, qual seja, a participação inexistente ou precária de mulheres no cânone sociológico e suas implicações para o campo da teoria social. Ao recusar a pertinência de tal categoria, Baehr fecha as portas para o potencial político e mesmo epistêmico de tal questão, ao decretar que, enquanto “parte de uma disputa mais ampla pelo currículo acadêmico” a ideia de cânone “imiscuiu-se em uma polêmica da qual dificilmente poderá ser resgatada” (Baehr, 20167 BAEHR, Peter. Founders, classics, canons: modern disputes over the origins and the appraisal of sociology’s heritage. New Brunswick: Transaction Publishers, 2016., p. 2).

Conforme já indicamos, embora tanto How quanto Baehr sublinhem a diferença entre um texto clássico e um texto canônico, nosso argumento ressalta a conexão entre ambos. Situar a questão do cânone como algo menor e sujeito a contingências éticas e políticas tem por efeito reificar o processo de decantação de um texto como clássico, anulando a importância da dimensão ética para o debate teórico, bem como a própria ideia de conhecimento situado. Afinal, se a presença de um texto no cânone não garante sua classicalidade, sua ausência é quase uma condenação ao degredo. Do mesmo modo, o cânone, conquanto contingente e até passageiro, pode operar como um convite para que outras questões sejam formuladas, incidindo, portanto, sobre os critérios de classicalidade.

Para que o cânone possa ter essa função é preciso, contudo, afastarmo-nos da metáfora teológico-literária comumente associada ao seu uso na sociologia. Nosso movimento final não consiste em propor um novo cânone com novos textos. Trata-se, antes, de propor outra concepção de cânone,11 11 Em sua reconstrução etimológica da palavra “cânone”, How (2016, p. 248) identifica nove acepções distintas, todas elas alusivas à ideia de certeza ou precisão. Não há, contudo, nenhuma menção ao cânone em seu sentido musical. tomando-o como metáfora musical, para pensar as condições de possibilidade de que a emergência de novas vozes não produza cacofonia (Baehr, 20167 BAEHR, Peter. Founders, classics, canons: modern disputes over the origins and the appraisal of sociology’s heritage. New Brunswick: Transaction Publishers, 2016., p. 143), mas polifonia.

Em direção a um cânone mais polifônico

O conceito de polifonia (ou pluralidade de vozes) tem sido usado como metáfora na literatura (Bakhtin), nos estudos culturais (Edward Said) e nos estudos pós-coloniais (Raewyn Connell). Connell (2021)19 CONNELL, Raewyn. Para uma sociologia mais ambiciosa, mais prática e de fato polifônica. In: CAILLÉ, A.; VANDENBERGHE, F. Por uma nova sociologia clássica: re-unindo teoria social, filosofia Moral e os studies. Petrópolis: Vozes, 2021., em particular, parece se utilizar dessa metáfora para contestar a centralidade do cânone nas ciências sociais, esquecendo que, na música, o cânone é uma das principais formas de polifonia, juntamente com a fuga.

Na música ocidental, a polifonia diz respeito à presença simultânea de duas ou mais vozes, às vezes chamadas de “sujeito” e “contrassujeito”, que estabelecem um “contraste” entre si. Sem contraste – o que depende da clareza relativa de cada voz e do equilíbrio entre elas – não há polifonia possível. Ocorre que, quando duas vozes são sobrepostas, uma tende a se tornar dominante e a outra a se tornar um acompanhamento, de forma que um “desequilíbrio” emerge entre as duas. A solução para este desequilíbrio é alternar o tema ou melodia principal de uma voz para outra, conferindo a todas igual importância (Hamlin, 201642 HAMLIN, Cynthia Lins. An Exchange between Gadamer and Glenn Gould on hermeneutics and music. Theory, Culture & Society, v. 33, n. 3, p. 103–122, 2016.). A técnica musical de combinação entre duas ou mais vozes de forma contrastante chama-se contraponto – na “tradução” de Said (1993)72 SAID, Edward. Culture and Imperialism. Londres: Chatto & Windus, 1993. para termos mais literários, o contraponto diz respeito à combinação de um “argumento” e um “contra-argumento” por um sujeito e um contrassujeito.

Importa considerar que o contraste que caracteriza a polifonia não implica nem a independência completa das vozes que participam do contraponto nem uma forma de antagonismo. As diferentes vozes precisam estar “sintonizadas” na dimensão harmônica, que diz respeito às possibilidades de combinação dessas vozes a partir de determinadas regras (eufonia e variedade, consonância e dissonância etc.) que se aplicam a uma tradição musical específica (Groot, 201041 GROOT, Rokus de. Music at the limits: Edward Said’s musical elaborations. In: OTTEN, W.; VANDERJAGT, A.; DE VRIES, H. How the West was won: Essays on literary imagination, the canon and the Christian Middle Ages for Burcht Pranger. Leiden, Holanda: Brill, 2010. p. 127-145.). Mas se a polifonia não é uma forma de antagonismo, ela também não equivale a algo “harmonioso”: a dissonância é um elemento importante na música, sendo responsável pela sensação de estranhamento, tensão ou conflito, exigindo algum tipo de “resolução”.

A música polifônica pode variar em termos de sua forma ou estrutura musical. Se todas as vozes usam os mesmos perfis melódicos, fala-se de polifonia homogênea; se cada uma das vozes usa um perfil melódico diferente, fala-se de polifonia heterogênea (Groot 201041 GROOT, Rokus de. Music at the limits: Edward Said’s musical elaborations. In: OTTEN, W.; VANDERJAGT, A.; DE VRIES, H. How the West was won: Essays on literary imagination, the canon and the Christian Middle Ages for Burcht Pranger. Leiden, Holanda: Brill, 2010. p. 127-145.). O ápice da polifonia homogênea é o cânone musical, isto é, a sobreposição e o desdobramento da mesma melodia pelas diferentes vozes. O cânone musical é, nesse sentido, uma forma de imitação, mas imitação não é a mesma coisa que reprodução idêntica. Alguns tipos de cânone podem envolver apenas a entrada das diferentes vozes em tempos distintos (um exemplo conhecido é a canção infantil Frère Jaques). Ainda há variação porque as vozes podem começar em notas diferentes e porque cantam em tempos distintos, com timbres de voz diferentes etc., mas trata-se de uma forma de imitação bastante simples. Outros tipos de cânone são mais complexos, onde uma das vozes pode tocar a melodia de forma invertida ou espelhada, envolver intervalos distintos entre as vozes, tempos distintos etc. As combinações são praticamente infinitas, mas o ponto a ser enfatizado aqui é que elas não são nem aleatórias nem desprovidas de lógica; pelo contrário, são regidas por regras que, assim como uma gramática, garantem a criatividade e a inventividade. São essas regras (de contraponto e de harmonia) que garantem que a polifonia não se transforme em mera cacofonia, uma mixórdia de sons que não são propriamente dissonantes, mas discordantes, impedindo a clareza das diferentes vozes e, portanto, o contraste e o diálogo.

A fuga é outra forma musical importante de polifonia. Diferentemente do cânone, onde o tema principal é acompanhado por si mesmo (na imitação), a fuga introduz temas distintos para acompanhar o tema principal. Para assegurar a igualdade de importância entre as vozes, o tema principal é apresentado por todas elas em momentos distintos – é essa ideia que está na origem do nome “fuga”, pois o tema “foge” de uma voz para outra (ou de um sujeito para um contrassujeito). Na maioria das vezes, as fugas também apresentam temas contrastantes recorrentes ao longo da obra, os chamados contratemas. Assim como no caso do cânone, embora apresente maior contraste entre as vozes (ou seja, maior diversidade temática), a fuga também é regida por uma linguagem comum relativa às regras do contraponto.

Edward Said foi um mestre do uso das metáforas polifônicas em seus trabalhos de crítica literária e de crítica cultural. Em Culture and Imperialism (1993), por exemplo, ele propõe um método de leitura, a leitura contrapontística de determinadas obras do cânone literário ocidental a fim de dar conta das relações complexas e complementares entre metrópole e colônia. De acordo com Said (1993, p. 78)72 SAID, Edward. Culture and Imperialism. Londres: Chatto & Windus, 1993. , efetuamos uma leitura contrapontística quando “lemos a partir da compreensão do que está envolvido quando um autor mostra, por exemplo, que uma plantação de cana-de-açúcar [no Caribe] é percebida como importante para a manutenção de um estilo de vida particular na Inglaterra.” Em termos mais concretos, a leitura contrapontística envolve considerar a simultaneidade dos temas, como estilo de vida representado no ritual de colocar açúcar numa xícara de chá na Inglaterra (o tema) e a vida em uma plantação de cana-de-açúcar em uma ilha do Caribe (o contraponto), de forma a revelar aquilo que o texto canônico ao mesmo tempo esconde e pressupõe.

Ao deslocarmos a metáfora da polifonia da literatura para as ciências sociais, é possível afirmar que tanto a teoria social quanto a teoria sociológica envolvem uma pluralidade de vozes. A diferença é que, enquanto a teoria social apresenta uma maior variedade de temas e contratemas, sugerindo uma estrutura em forma de fuga, a teoria sociológica assumiu uma forma canônica, no sentido de algo mais homogêneo e, em grande medida, imitativo. Os clássicos canônicos, em particular, ao desempenharem uma série de funções disciplinares, estabeleceram os padrões e os limites daquilo que conta como sociologia, incluindo os temas considerados centrais à emergência da modernidade (ocidental) a partir de suas diferentes esferas ou dimensões: industrialização (dimensão econômica), racionalização (dimensão epistemológica), ideologização (dimensão política), burocratização (dimensão organizacional), individualização (dimensão cultural) e emancipação (dimensão filosófica) (Susen, 202081 SUSEN, Simon. Sociology in the twenty-first century: key trends, debates, and challenges. Cham, Suíça: Palgrave Macmillan, 2020., p. 99). O problema, nos parece, não diz respeito necessariamente aos temas que as diferentes vozes do cânone sociológico clássico enfatizam – ainda que eles possam e devam ser ampliados pela teoria social –, mas ao fato de serem especialmente limitados por um horizonte eurocêntrico e androcêntrico.

O que importa considerar é que a adição ou subtração de vozes ao cânone sociológico clássico pode mudar sua configuração geral: da mesma forma que a introdução de Simmel ao trio Marx-Weber-Durkheim “reconfigura radicalmente o lugar da cultura” (Outhwaite, 201665 OUTHWAITE, William. Canons round again. In: BAEHR, P. Founders, classics, canons: modern disputes over the origins and the appraisal of sociology’s heritage. New Brunswick: Transaction Publishers, 2016., p. 241), a introdução de autoras preocupadas com a chamada “condição das mulheres” pode reconfigurar questões diversas, especialmente, ainda que não exclusivamente, aquelas atreladas ao viés androcêntrico das obras clássicas. Em particular, o contraponto entre vozes femininas apagadas e vozes masculinas canonizadas pode revelar perspectivas alternativas e contrastantes para um mesmo fenômeno. Consideremos a inclusão de duas autoras, escolhidas de forma relativamente ao acaso, a partir de nossas experiências em sala de aula: Flora Tristán e Marianne Weber.

O diálogo entre Flora Tristán, por um lado, e Marx e Engels, por outro, pode incidir não apenas sobre a história do pensamento socialista e do movimento operário, mas pode ser usada para questionar as definições de trabalho e de classe operária (Campos, 202113 CAMPOS, Luna R. Socialismo, gênero e trabalho: uma análise da União Operária, de Flora Tristán. Plural, Revista de Ciências Sociais, v. 28, n. 2, p.11-27, 2021.), assim como dos sujeitos históricos da emancipação humana que, mesmo em obras como O Capital, é tida como iniciativa e responsabilidade exclusiva dos homens da classe trabalhadora (Rubel, 200571 RUBEL, Maximilien. The Emancipation of women in the works of Marx and Engels. In: FAURÉ, C. (ed), Political and historical encyclopedia of women. Londres: Routledge, 2005.).

A introdução de Marianne Weber como contraponto a autores como Durkheim, Max Weber ou Simmel, por seu turno, nos permite compreender alguns dos efeitos teóricos da relativa cegueira de gênero desses autores. Comecemos por Durkheim. Enquanto este percebe a família conjugal como um dos principais centros morais na modernidade (junto com as instituições profissionais), para Marianne Weber, enquanto não garantir “a coexistência das liberdades na vida a dois" (Mata, 202159 MATA, Giulle V. Dominação racional legal na sociologia do direito de Marianne Weber: apontamentos. In: ZANON, B. et al. (orgs), A atualidade de Max Weber e a presença de Marianne Weber. Porto Alegre, RS: Editora Fundação Fênix, 2021. Disponível em: https://www.fundarfenix.com.br/
https://www.fundarfenix.com.br/...
, p. 70), o casamento não passa de um efeito da distorção da vida humana pelo patriarcado. Durkheim não hesita em condenar o divórcio e o “individualismo egoísta” que fundamenta sua defesa por Marianne Weber, apesar de seu diagnóstico, em O Suicídio (Durkheim, 200032 DURKHEIM, Émile. O suicídio: estudo de sociologia. São Paulo: Martins Fontes, 2000.), de que o casamento afeta negativamente as taxas de suicídio masculinas e positivamente as femininas (sobretudo na ausência do divórcio). Isso, por um lado, deixa evidente uma concepção fundamentalmente masculina de seu coletivismo moral (portanto do próprio domínio do social); por outro, revela o quanto suas posições normativas não se sustentam em um diagnóstico estritamente sociológico ou racional, mas ecoam valores que deveriam ser tomados como patológicos no contexto de uma sociedade complexa e plural.

Em contraponto a Max Weber (1982)93 WEBER, Max. Rejeições religiosas do mundo. In: GERTH, H.; MILLS, C.W. (eds) Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: LTC, 1982., que considera o amor e o erotismo como um dos últimos bastiões de resistência à racionalização e desencantamento do mundo, a autora introduz uma tensão importante ao demonstrar como o puritanismo religioso também contribuiu para a racionalização do casamento, da sexualidade e do erotismo, amenizando alguns traços da “arbitrariedade patriarcal que vai em direção oposta ao conteúdo ético” do vínculo conjugal (Weber, 2011a91 WEBER, Marianne. Acerca de los principios de la ética sexual. In: IBARGÜEN, M. A. (ed.). Marianne Weber: ensayos selectos. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2011a. p. 111-125., p. 117). Nesse sentido, também tornava o amor e o erotismo compatíveis com a racionalidade do capitalismo moderno (Isaakson, 202049 ISAAKSON, Anna. Classical sociology through the lens of gendered experiences. Front. Sociol., v. 5, 532792, 2020.).

Lida em contraponto a Simmel, ela permite relativizar sua perspectiva trágica e desesperançada da cultura com base em dois argumentos distintos, mas interconectados. Primeiro, como explicitado por Lengermann e Niebrugge (2007, p. 211), o desespero filosófico de Simmel, fundamentado em uma concepção de dinheiro como algo puramente alienante, é denunciado por Marianne Weber como um luxo daqueles que não precisam se preocupar com ele. Em sua perspectiva, para quem a independência financeira é negada, o dinheiro é tanto uma questão de ordem prática quanto um prerrequisito para a ação moral livre. Segundo, em lugar de uma metafísica dos sexos que opõe homens e mulheres como “princípios distintos” e incomensuráveis, Marianne Weber evita as aporias simmelianas relativas à possibilidade de uma humanidade comum. Para ela, “o conceito e a ideia de mulher já contêm a síntese entre sua determinação e destino específicos e aqueles universal-humanos” (Weber, 2011b92 WEBER, Marianne. La mujer y la cultura objetiva. In: IBARGÜEN M. A. (ed.) Marianne Weber: ensayos selectos. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2011b. p. 127-164, p. 164). Ainda que lhe falte uma formulação precisa, ela antecipa um argumento contemporâneo acerca das relações entre igualdade e diferença, evitando o recurso a uma metafísica que acaba por negar a dimensão social e cultural dos seres humanos (em particular, das mulheres).

Considerações finais

Com a proposição do cânone enquanto metáfora musical, esperamos operar uma construção teórica que permita criar um espaço e, sobretudo, um modo de fazer sociologia efetivamente mais polifônico que, ao mesmo tempo que reitera a importância e a especificidade do fazer sociológico, possibilita uma sociologia mais plural e menos viesada. Ao propormos uma ampliação das vozes que participam do cânone, a ideia é garantir o contraste entre as vozes por meio da construção de contra-argumentos ou de perspectivas distintas de um mesmo fenômeno. Como procuramos explicitar com os exemplos acima, não se trata de sucumbir a um impulso colecionador voltado para a mera adição acrítica de autoras esquecidas ou obscuras, mas da inclusão daquelas vozes que nos permitam uma reconstrução histórica e sistemática da teoria sociológica. Do ponto de vista histórico, isso implica a compreensão do contexto social que possibilitou a emergência de paradigmas teóricos específicos, oferecendo um tratamento propriamente sociológico à produção das teorias; de um ponto de vista sistemático, implica o estabelecimento de um diálogo entre vozes contrastantes mediante o qual os limites e possibilidades das diversas teorias sejam estabelecidos. Para que esses diálogos sejam frutíferos, é necessário, contudo, garantir as condições de possibilidade para que essas vozes estejam minimamente em sintonia, seja do ponto de vista do cânone sociológico, ao introduzir interpretações divergentes sobre fenômenos semelhantes, seja do ponto de vista da teoria social, ao introduzir novos temas, questões e perspectivas nos debates sociológicos.

  • 1
    Agradecemos ao maestro Wellington Diniz e a Márcio Lins pela assessoria que nos ofereceram sobre os conceitos de cânone e fuga no contexto musical. Também agradecemos ao Grupo de Estudos em Teoria Social e Subjetividades (GETSS) pelos debates em torno do tema aqui discutido.
  • 2
    Vale salientar que, do ponto de vista da inserção nos sistemas universitários nacionais, diversos países das Américas e da Ásia já dispunham de departamentos ou cátedras de sociologia nesse período. O Departamento de Sociologia da Universidade Imperial de Tóquio data do início da década de 1880 (ainda que os cursos de graduação em Sociologia só tenham se estabelecido na metade do século XX) e as primeiras cátedras de sociologia na América Latina foram fundadas no Peru (1896), na Argentina, (1898) e na Bolívia (1902) (Dufoix, 202131 DUFOIX, Stéphane. For another world history of Sociology. MAUSS International, v.1, n. 1, p. 215-226, 2021.), ou seja, bem antes que Durkheim tenha conseguido transformar a cátedra de Ciência da Educação de Paris na cátedra de Educação e Sociologia, em 1913. Nos Estados Unidos, os primeiros departamentos de sociologia foram os de Chicago (1892) e de Colúmbia (1893).
  • 3
    Em 1910, havia por volta de 413 organizações, em 33 estados americanos, que se identificavam como settlements. O perfil feminino pode ser percebido pelas proporções de participação nesse período: 1007 mulheres residentes para 322 homens; 5718 voluntárias para 1594 homens (Lengermann; Niebrugge-Brantley, 200257 LENGERMANN, Patricia; NIEBRUGGE-BRANTLEY, Gillian. Back to the future: Settlement sociology, 1885–1930. The American Sociologist, v. 33, n. 3, p. 5–20, 2002., p. 6)
  • 4
    “É instrumental na medida em que restringe a pesquisa social apenas àquelas questões que os limites dos instrumentos de pesquisa permitem e é positivista na medida em que essa restrição autoimposta é indicativa de uma determinação, por parte dos sociólogos, de se submeter a rigores comparáveis àqueles atribuídos às ciências naturais” (Bryant, 198510 BRYANT, Christopher. Positivism in social theory and research. Hampshire: MacMillan, 1985., p. 133). Nesse sentido, diferentemente de um “positivismo” mais afeito àquele de Augusto Comte, plenamente compatível com pressupostos teóricos e filosóficos, o positivismo de Lazarsfeld estava mais próximo ao empirismo lógico do Círculo de Viena, tornando o trabalho teórico especialmente inócuo para as pesquisas empíricas. Apesar disso, a concepção de teoria de Parsons não é incompatível com o princípio do positivismo instrumental de que uma ciência social quantitativa provê o instrumental necessário à aplicação de um modelo de ciência natural à sociologia (Hamlin, 201143 HAMLIN, Cynthia Lins. Breve metametodologia das Ciências Sociais. Revista Latinoamericana de Metodología de la Investigación Social, v. 1, n. 1, p. 8-20, 2011.).
  • 5
    No Brasil, por exemplo, Florestan Fernandes e Roger Bastide foram financiados pela Unesco para desenvolver suas pesquisas sobre relações raciais na década de 1940. Organizações como a Fundação Ford e a USAID também foram instrumentais para o estabelecimento dos nossos Programas de Pós-Graduação, a exemplo do Mestrado em Antropologia do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, e do Programa Integrado de Pós-Graduação em Economia e Sociologia (PIMES) em Pernambuco. Como mostra a pesquisa desenvolvida por Heraldo Souto Maior, a justificativa fornecida no projeto de captação de recursos junto à Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), USAID e Fundação Ford para a criação do PIMES foi fortemente atrelada à criação de laboratórios de pesquisa aplicada devido à “pouca atenção dada aos problemas concretos da realidade brasileira, ausência de estudo empírico sistemático dessa realidade e a persistência de orientações ideológico-dogmáticas” (Souto-Maior, 200576 SOUTO-MAIOR, Heraldo. Para uma história da sociologia em Pernambuco: a pós-graduação, 1963-2004. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2005., p. 28).
  • 6
    O conceito de “novas humanidades” tem sido usado em referência “não a uma área particular de conhecimento, mas como a dimensão humana de todo conhecimento” (Miller; Spellmeyer, 201562 MILLER, Richard E.; SPELLMEYER, Kurt. Reading and writing about the new humanities. In: MILLER, R.; SPELLMEYER, K. (eds), The new humanities reader. Stamford: Cengage Learning, 2015., p. xxiii). Corresponde ainda àquilo que Caillé e Vandenberghe (2021, p. 19)11 CAILLÉ, Alain; VANDENBERGHE, Frédéric. Por uma nova sociologia clássica: re-unindo teoria social, filosofia Moral e os studies. Petrópolis: Vozes, 2021. definem, de maneira um tanto mal-humorada, como Studies: “um amontoado de investigações antidisciplinares, como Estudos Culturais, Estudos de Mídia & Comunicação, Governamentalidade, Mulheres & Gênero, Subalternos, Pós-coloniais, Branquitude crítica etc., os quais se especializaram na investigação (as)sistemática envolvendo a conexão poder/discurso. [...] os Studies escrutinizam e criticam discursos, textos, saberes, representações, epistemes e ideologias, desvelando estruturas de dominação política, patriarcal, racial, entre outras, que são consciente ou inconscientemente sustentadas, refletidas ou reforçadas por aqueles discursos.”.
  • 7
    Embora o projeto decolonial diga respeito a abordagens metodológicas, preocupações normativas e projetos políticos bastante heterogêneos, dois elementos principais podem ser enfatizados: tem como objeto o colonialismo, o império e o racismo; busca estabelecer formas alternativas de se pensar o mundo e de práxis política a partir das ideias de pluralidade, posicionalidade e do impacto que a inclusão da “diferença” pode ter sobre o conhecimento (Bhambra et al, 20189 BHAMBRA, Gurminder et al. Introduction: Decolonising the university? In: BHAMBRA, G; GEBRIAL, D.; NIŞANCIOĞLU, K. (orgs) Decolonising the university. Londres: Pluto Press, 2018.). Mas enquanto o conceito de decolonialidade tem sido amplamente incorporado pela sociologia, o de pós-teoria parece ter sido mais utilizado pelas “novas humanidades” em oposição a uma concepção de teoria baseada em grandes narrativas e como um fim em si mesma, em direção a um ecletismo informado por uma virada em direção às novas humanidades (Valente, 202187 VALENTE, Luiz Fernando. Post-theory and beyond. Rev. Bra. Lit. Comp., v. 23, n. 42, p. 21-37, 2021.). A ideia de pós-teoria, embora não possa ser entendida como uma oposição pura e simples à teoria, enfatiza a teorização como um processo de “mútua contaminação entre teoria e empiria” (Laclau, 199954 LACLAU, Ernesto. Preface. In: MCQUILLAN, M.; MACDONALD, G; PURVES, THOMSON, S. (orgs), Post theory: New directions in criticism. Edimburgo: Edinburgh University Press, 1999., p. xii), considera a crítica filosófica a alguns dos principais conceitos do cânone filosófico moderno (sujeito, identidade, verdade etc.) e assume uma orientação mais pragmática para os problemas e particularidades da “vida real” (Turnbull, 200384 TURNBULL, Neil. Post-Theory: Theory and “the Folk”. New Formations, n. 51, p. 99-112, 2003.).
  • 8
    Ver, por exemplo, a página dedicada aos pensadores da “Teoria Social Global” organizada por Gurminder Bhambra, atual presidenta da Associação Sociológica Britânica, em seu projeto de decolonização da universidade: https://globalsocialtheory.org/category/thinkers/
  • 9
    A diferença entre o pensamento social e a teoria social diz respeito ao grau de sistematização e formalização das reflexões sobre a sociedade. De maneira bastante geral, enquanto a teoria social tende a ser associada a formas de abstração orientadas pela ciência, o pensamento social pode incluir reflexões “pré-científicas”, do senso comum ou, ocasionalmente, ligadas à filosofia social. Essa distinção não é, no entanto, absoluta, e depende da tradição nacional em questão. Assim, embora autores como Julian Go (2016, p, 1)39 GO, Julian. Postcolonial thought and social theory. Nova York: Oxford University Press, 2016. definam a teoria social como “a forma abstrata da pesquisa das ciências sociais” – uma definição associada à tradição britânica e estadunidense, na Alemanha a teoria social é uma atividade corriqueiramente desenvolvida por filósofos (basta pensarmos em toda a tradição da teoria crítica, por ex.). Na França, por seu turno, a ideia de teoria social como um tipo de atividade especial nas ciências sociais não faz muito sentido, dado que não se concebe a atividade teórica como separada das pesquisas empíricas. A concepção de teoria social como área interdisciplinar relativa ao conjunto das ciências sociais (incluindo seus pressupostos filosóficos) foi popularizada na década de 1970 por Anthony Giddens (1971)38 GIDDENS, Anthony. Capitalism and modern social theory. Cambridge: Cambridge University Press, 1971., que estabelece ainda uma distinção entre teoria social e teoria sociológica, concebida como um tipo particular de teoria social relativa à sociedade moderna, capitalista ou industrial.
  • 10
    Para uma discussão sobre a forma como o conceito de injustiça epistêmica tem sido utilizado para justificar a inclusão de mais mulheres à teoria social, ver Hamlin e Weiss (2021)44 HAMLIN, Cynthia Lins; WEISS, Raquel Andrade. A outra margem: quando o feminismo encontra a Teoria Social. Revista Contraponto, v. 8, p. 12-24, 2021..
  • 11
    Em sua reconstrução etimológica da palavra “cânone”, How (2016, p. 248)48 HOW, Alan R. Restoring the classic in sociology. Traditions, texts and the canon. Londres: Palgrave Macmillan, 2016. identifica nove acepções distintas, todas elas alusivas à ideia de certeza ou precisão. Não há, contudo, nenhuma menção ao cânone em seu sentido musical.

Referência

  • 1
    ABBOTT, Andrew. Department and discipline: Chicago Sociology at One Hundred. Chicago: The University of Chicago Press, 1999.
  • 2
    ABRUTYN, Seth; LIZARDO, Omar. Introduction. In: ABRUTYN, S.; LIZARDO, O. (orgs.). Handbook of Classical Sociological Theory Cham, Suíça: Springer, 2021.
  • 3
    ADAMS, Bert N.; SYDIE, R.A. Sociological Theory Boston: Sage, 2001.
  • 4
    ALATAS, Syed Farid; SINHA, Vineeta. Sociological theory beyond the canon Londres: Palgrave/Macmillan, 2017.
  • 5
    ALCÂNTARA, Fernanda Henrique C. Harriet Martineau (1802-1876): a analista social que inaugurou a Sociologia. Estudos Ibero-Americanos, v. 47, n. 43, p. 1-17, 2021.
  • 6
    ALEXANDER, Jeffrey. The centrality of the classics. In: GIDDENS, A.; TURNER J. (orgs.) Social theory today Oxford/Cambridge: Polity Press/Basil Blackwell, 1987.
  • 7
    BAEHR, Peter. Founders, classics, canons: modern disputes over the origins and the appraisal of sociology’s heritage. New Brunswick: Transaction Publishers, 2016.
  • 8
    BARTHES, Roland. The death of the author: In image, music, text (trad: S. Heath). Londres: Fontana, 1977.
  • 9
    BHAMBRA, Gurminder et al. Introduction: Decolonising the university? In: BHAMBRA, G; GEBRIAL, D.; NIŞANCIOĞLU, K. (orgs) Decolonising the university. Londres: Pluto Press, 2018.
  • 10
    BRYANT, Christopher. Positivism in social theory and research Hampshire: MacMillan, 1985.
  • 11
    CAILLÉ, Alain; VANDENBERGHE, Frédéric. Por uma nova sociologia clássica: re-unindo teoria social, filosofia Moral e os studies Petrópolis: Vozes, 2021.
  • 12
    CALHOUN, Craig. Sociology in America: An introduction. In: CALHOUN, C. (org.), Sociology in America: A history. Chicago: The University of Chicago Press, 2007.
  • 13
    CAMPOS, Luna R. Socialismo, gênero e trabalho: uma análise da União Operária, de Flora Tristán. Plural, Revista de Ciências Sociais, v. 28, n. 2, p.11-27, 2021.
  • 14
    CHABOUD-RYCHTER, Danielle et al (orgs.). O gênero nas ciências sociais: releituras críticas de Max Weber a Bruno Latour. São Paulo e Brasília: Unesp e UnB, 2014.
  • 15
    CLARK, Terry N. Prophets and patrons: The French University and the emergence of the social sciences. Cambridge, MA: Harvard University Press, 2013.
  • 16
    COLLINS, Patricia H. Black feminist thought: Knowledge, consciousness and the politics of empowerment. Londres: Harper Collins, 1990.
  • 17
    COLLINS, Randall. Quatro tradições sociológicas Petrópolis: Vozes, 2009.
  • 18
    COLLINS, Randall. A sociological guilt trip: Comment on Connell. American Journal of Sociology, v. 102, n. 6, p. 1558–1564, 1997.
  • 19
    CONNELL, Raewyn. Para uma sociologia mais ambiciosa, mais prática e de fato polifônica. In: CAILLÉ, A.; VANDENBERGHE, F. Por uma nova sociologia clássica: re-unindo teoria social, filosofia Moral e os studies Petrópolis: Vozes, 2021.
  • 20
    CONNELL, Raewyn. Canons and colonies: The global trajectory of sociology. Estudos Históricos, v. 32, n. 67, p. 349-367, 2020.
  • 21
    CONNELL, Raewyn. Why is classical theory classical? American Journal of Sociology, v. 102, n. 6, p. 1511-1557, 1997.
  • 22
    CRAVENS, Hamilton. The Abandonment of evolutionary social theory in America: the impact of academic professionalization upon American sociological theory, 1890–1920. American Studies, v. 12, n. 2, p. 5–20, 1971.
  • 23
    CROSS, Máire F. In the footsteps of Flora Tristan: a political biography. Liverpool: Liverpool University Press, 2020.
  • 24
    DAFLON, Verônica T.; SORJ, Bila. Clássicas do pensamento social: mulheres e feminismos no século XIX. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2021.
  • 25
    DEEGAN, Mary Jo (org.). Women in Sociology: A bio-bibliographical sourcebook. Westport: Greenwood Press, 1991.
  • 26
    DEEGAN, Mary Jo. Jane Addams and the men of the Chicago School, 1892–1918 Oxford: Routledge, 1988a.
  • 27
    DEEGAN, Mary Jo. Transcending a patriarchal past: Teaching the history of women in sociology. Teaching Sociology, v.16, n. 2, p. 141-150, 1988b.
  • 28
    DEEGAN, Mary Jo; BURGER, John. W. I. Thomas and social reform: His work and writings. J. Hist. Behav. Sci, v. 17, n. 1, p. 114-125, 1981.
  • 29
    DEEGAN, Mary Jo; BURGER, John. George Herbert Mead and social reform: His work and writings. J. Hist. Behav. Sci., v. 14, n, 4, p. 362-372, 1978.
  • 30
    DROUARD, Alain. The development of sociology in France after 1945. In: GENOV, N. (org.) National traditions in Sociology Londres: Sage, 1989.
  • 31
    DUFOIX, Stéphane. For another world history of Sociology. MAUSS International, v.1, n. 1, p. 215-226, 2021.
  • 32
    DURKHEIM, Émile. O suicídio: estudo de sociologia. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
  • 33
    EVANS, Mary. Can women be intellectuals? In: FLECK, C; HESS, A; LYON, S. (orgs). Intellectuals and their publics: perspectives from the social sciences. Farnham: Ashgate e-books, 2009.
  • 34
    FELSKI, Rita. The gender of modernity Cambridge, MA: Harvard University Press, 1995.
  • 35
    FOUCAULT, Michel. Qu’est-ce qu’un auteur? Bulletin de la Société Française de Philosophie v. 63, n. 3, p. 73-104, 1969.
  • 36
    GANE, Mike. Harmless lovers? Gender, theory and personal relationships. Londres: Routledge, 1993.
  • 37
    GIDDENS, Anthony. Politics, sociology and social theory: Encounters with classical and contemporary social thought. Stanford: Stanford University Press, 1995.
  • 38
    GIDDENS, Anthony. Capitalism and modern social theory Cambridge: Cambridge University Press, 1971.
  • 39
    GO, Julian. Postcolonial thought and social theory Nova York: Oxford University Press, 2016.
  • 40
    GRANT, Linda; STALP, Marybeth C.; WARD, Kathryn B. Women’s sociological research and writing in the AJS in the pre-World War II era. The American Sociologist, v. 33, n. 3, p. 69-91, 2002.
  • 41
    GROOT, Rokus de. Music at the limits: Edward Said’s musical elaborations. In: OTTEN, W.; VANDERJAGT, A.; DE VRIES, H. How the West was won: Essays on literary imagination, the canon and the Christian Middle Ages for Burcht Pranger. Leiden, Holanda: Brill, 2010. p. 127-145.
  • 42
    HAMLIN, Cynthia Lins. An Exchange between Gadamer and Glenn Gould on hermeneutics and music. Theory, Culture & Society, v. 33, n. 3, p. 103–122, 2016.
  • 43
    HAMLIN, Cynthia Lins. Breve metametodologia das Ciências Sociais. Revista Latinoamericana de Metodología de la Investigación Social, v. 1, n. 1, p. 8-20, 2011.
  • 44
    HAMLIN, Cynthia Lins; WEISS, Raquel Andrade. A outra margem: quando o feminismo encontra a Teoria Social. Revista Contraponto, v. 8, p. 12-24, 2021.
  • 45
    HARDING, Sandra. Dreaming Marx, Engels, Durkheim, and Simmel. Journal of Classical Sociology, v. 21, n. 3-4, p. 280-282, 2021.
  • 46
    HEILBRON, Johan. The Social Sciences as an emerging global field. Current Sociology, v. 62, n. 5. p. 685–703, 2014.
  • 47
    HOLMWOOD, John. Founding sociology? Talcott Parsons and the idea of General Theory. Londres: Routledge, 1996.
  • 48
    HOW, Alan R. Restoring the classic in sociology Traditions, texts and the canon. Londres: Palgrave Macmillan, 2016.
  • 49
    ISAAKSON, Anna. Classical sociology through the lens of gendered experiences. Front. Sociol, v. 5, 532792, 2020.
  • 50
    JOAS, Hans; KNÖBL, Wolfgang. Teoria social: vinte lições introdutórias. Petrópolis: Vozes, 2017.
  • 51
    JOHNSTON, Andrew. Despite Wars, scholars remain the great workers of the international: American sociologists and French sociology during the First World War. In: CHAGNON, M. E.; IRISH, T. (eds) The academic world in the era of the Great War Londres: Palgrave Macmillan, 2018. p. 97-118.
  • 52
    JOHNSTON, Andrew. The disappearance of Emily G. Balch, social scientist. The Journal of the Gilded Age and Progressive Era, v.13, p. 166-199, 2014.
  • 53
    KETTLER, David; MEJA, Volker. Their “own peculiar way”: Karl Mannheim and the rise of women. International Sociology, v. 8, n. 1, p. 5-55, 1993.
  • 54
    LACLAU, Ernesto. Preface. In: MCQUILLAN, M.; MACDONALD, G; PURVES, THOMSON, S. (orgs), Post theory: New directions in criticism. Edimburgo: Edinburgh University Press, 1999.
  • 55
    LUKES, Steven. Sociology’s inescapable past. Journal of Classical Sociology, v. 21, n. 3-4, p. 1-6, 2021.
  • 56
    LENGERMANN, Patricia; NIEBRUGGE, Gillian. The Women Founders: sociology and social theory 1830-1930. Long Grove: Waveland Press, 2007.
  • 57
    LENGERMANN, Patricia; NIEBRUGGE-BRANTLEY, Gillian. Back to the future: Settlement sociology, 1885–1930. The American Sociologist, v. 33, n. 3, p. 5–20, 2002.
  • 58
    MARSHALL, Barbara; WITZ, Anne. Engendering the Social: feminist encounters with sociological theory. Berkshire: Open University Press, 2004.
  • 59
    MATA, Giulle V. Dominação racional legal na sociologia do direito de Marianne Weber: apontamentos. In: ZANON, B. et al (orgs), A atualidade de Max Weber e a presença de Marianne Weber Porto Alegre, RS: Editora Fundação Fênix, 2021. Disponível em: https://www.fundarfenix.com.br/
    » https://www.fundarfenix.com.br/
  • 60
    MATA, Giulle V. Condição feminina e casamento a partir da obra de Marianne Weber. Caderno Espaço Feminino, v. 27, n. 2, p. 147-165, 2014.
  • 61
    MERTON, Robert K. On the history and systematics of sociological theory. In: MERTON, R. K. Social theory and social structure (enlarged edition). Nova York: Free Press, 1968.
  • 62
    MILLER, Richard E.; SPELLMEYER, Kurt. Reading and writing about the new humanities. In: MILLER, R.; SPELLMEYER, K. (eds), The new humanities reader Stamford: Cengage Learning, 2015.
  • 63
    O`NEILL, John; TURNER, Jonathan. Introduction: The fragmentation of sociology. Journal of Classical Sociology, v. 1, n. 1, p. 5–12, 2001.
  • 64
    OUTHWAITE, William. Teoria Social: um guia para entender a sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Zahar, 2017.
  • 65
    OUTHWAITE, William. Canons round again. In: BAEHR, P. Founders, classics, canons: modern disputes over the origins and the appraisal of sociology’s heritage. New Brunswick: Transaction Publishers, 2016.
  • 66
    OUTHWAITE, William. Canon formation in late 20th Century British sociology. Sociology, v. 43, n. 6, p. 1029-1045, 2009.
  • 67
    PARSONS, Talcott. A Estrutura da Ação Social. 2 Vols. Petrópolis: Vozes, 2010.
  • 68
    PATEL, Sujata. Introduction: Diversities of sociological traditions. In: PATEL., S. (org.) The ISA handbook of diverse sociological traditions. Londres: Sage, 2010.
  • 69
    PLATT, Jennifer. The Chicago School and firsthand data. History of the Human Sciences, v. 7, n. 1, p. 57-80, 1994.
  • 70
    RITZER, George; STEPNISKY, Jeffrey. Major social theorists Vol 1: Classical social theorists. Chichester: Wiley Blackwell, 2011.
  • 71
    RUBEL, Maximilien. The Emancipation of women in the works of Marx and Engels. In: FAURÉ, C. (ed), Political and historical encyclopedia of women Londres: Routledge, 2005.
  • 72
    SAID, Edward. Culture and Imperialism Londres: Chatto & Windus, 1993.
  • 73
    SANTANA, Selene Aldana et al Cuaderno de Trabajo: La participación femenina en la sociología clásica. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2021.
  • 74
    SMITH, Dorothy E. Writing the social: Critique, theory, and investigations. Toronto: University of Toronto Press, 2007.
  • 75
    SMITH, Dorothy E. Women’s perspective as a radical critique of sociology. Sociological Inquiry, v. 44, n. 1, p. 7-13, 1974.
  • 76
    SOUTO-MAIOR, Heraldo. Para uma história da sociologia em Pernambuco: a pós-graduação, 1963-2004. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2005.
  • 77
    SPRAGUE, Joey. Holy men and big guns: The can[n]on in social theory. Gender & Society, v. 11, n. 1, p. 88-107, 1997.
  • 78
    STACEY, Judith; THORNE, Barry. The Missing feminist revolution in sociology. Social Problems, v. 32, n. 4, p. 301-316, 1985.
  • 79
    STANLEY, Liz; WISE, Sue. Breaking out again: Feminist ontology and epistemology. Londres: Routledge, 1993.
  • 80
    STEINMETZ, George. American sociology before and after World War II: The (temporary) settling of a disciplinary field. In: CALHOUN, C. (org.), Sociology in America: A history. Chicago: The University of Chicago Press, 2007.
  • 81
    SUSEN, Simon. Sociology in the twenty-first century: key trends, debates, and challenges. Cham, Suíça: Palgrave Macmillan, 2020.
  • 82
    SUSEN Simon; TURNER, Bryan. Classics and classicality: JCS after 20 years. Journal of Classical Sociology v. 21, no. 3-4, p. 227-244, 2021.
  • 83
    SYDIE, Rosalind A. Natural women, cultured men: a feminist perspective on sociological theory. Vancouver: UBC Press, 1994.
  • 84
    TURNBULL, Neil. Post-Theory: Theory and “the Folk”. New Formations, n. 51, p. 99-112, 2003.
  • 85
    TURNER, Jonathan H. Classical sociological theory: a positive perspective. Belmont, CA, EUA: Wadsworth, 1993.
  • 86
    TURNER, Stephen. The future of social theory. In: TURNER, Bryan S. (org.), The New Blackwell companion to social theory Chichester: Wiley-Blackwell, 2009. p. 551-566.
  • 87
    VALENTE, Luiz Fernando. Post-theory and beyond. Rev. Bra. Lit. Comp., v. 23, n. 42, p. 21-37, 2021.
  • 88
    WALBY Sylvia. Sociology: Fragmentation or reinvigorated synthesis? Journal of Classical Sociology v. 21, n. 3-4, p. 323-333, 2021.
  • 89
    WALLERSTEIN, Immanuel. The Culture of sociology in disarray: The impact of 1968 on U.S. sociologists. In: CALHOUN, C. (org.). Sociology in America: A history. Chicago: The University of Chicago Press, 2007.
  • 90
    WEBER, Marianne. Authority and autonomy in marriage. Tradução e comentário introdutório de Craig R. Bermingham. Sociological Theory, v. 21, n. 2, p. 85-102, 2003.
  • 91
    WEBER, Marianne. Acerca de los principios de la ética sexual. In: IBARGÜEN, M. A. (ed.). Marianne Weber: ensayos selectos. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2011a. p. 111-125.
  • 92
    WEBER, Marianne. La mujer y la cultura objetiva. In: IBARGÜEN M. A. (ed.) Marianne Weber: ensayos selectos. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2011b. p. 127-164
  • 93
    WEBER, Max. Rejeições religiosas do mundo. In: GERTH, H.; MILLS, C.W. (eds) Ensaios de Sociologia Rio de Janeiro: LTC, 1982.
  • 94
    ZANON, Breilla et al (orgs). A atualidade de Max Weber e a presença de Marianne Weber Porto Alegre: Editora Fundação Fênix, 2021. Disponível em: https://www.fundarfenix.com.br
    » https://www.fundarfenix.com.br

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    22 Jun 2022
  • Aceito
    11 Nov 2022
Programa de Pós-Graduação em Sociologia - UFRGS Av. Bento Gonçalves, 9500 Prédio 43111 sala 103 , 91509-900 Porto Alegre RS Brasil , Tel.: +55 51 3316-6635 / 3308-7008, Fax.: +55 51 3316-6637 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: revsoc@ufrgs.br