“Saudade e rusticidade”: a convivência com o semiárido entre grandes pecuaristas do Nordeste

Meneses, Valdênio Freitas

doi:10.1590/15174522-98551

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Brasil

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Sumário

Interfaces • Sociologias 22 (55) • Sep-Dec 2020 • https://doi.org/10.1590/15174522-98551 copiar

“Saudade e rusticidade”: a convivência com o semiárido entre grandes pecuaristas do Nordeste

The senses of the living with the drought among large cattle ranchers in the Brazilian Northeast

Autoria SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Resumo

No início do século XXI, a ideia de convivência com o semiárido – ou convivência com as secas – foi identificada junto a movimentos sociais e políticas públicas direcionadas às populações mais pobres no meio rural do Nordeste brasileiro. Assim, consolidou-se uma crítica ao modelo de grandes obras de combate à seca e contra uma histórica dominação das elites de grandes proprietários de terra. Atento a esse debate, este artigo evidencia uma versão da convivência com o semiárido que tem direção política e simbólica favorável à grande propriedade rural na região semiárida brasileira. Trata de como frações de elites pecuaristas do Nordeste construíram uma ideia de convivência com as secas, desde final dos anos 1970, através de cruzamentos de discursos da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), de entidades patronais de grandes pecuaristas regionais, até editoriais da imprensa especializada alinhados à Associação Brasileira de Criadores de Zebu (ABCZ). Diferente da convivência com o semiárido de pastorais, ONGs e redes, como Articulação para o Semiárido (ASA), o projeto pecuarista de superação do combate às secas posiciona centenárias fazendas como local legítimo, por excelência, de produção de conhecimentos, de tradições passadas a técnicas modernas para conviver com as estiagens. Identificada essa convivência “conveniente” à grande propriedade pode-se mapear um campo de disputas entre múltiplas versões da convivência com o semiárido. A partir disso o artigo conclui com proposta de atualizar uma agenda de debates sobre a relação entre elites, secas e poder no Nordeste.^◊ ◊ Este artigo é resultado de pesquisas feitas entre 2012-2018, dentro de um projeto de mestrado no PPGCS/UFCG e outro de doutorado no CPDA/UFRRJ. O argumento aqui apresentado foi desenvolvido no quarto capítulo da tese “Saudade e rusticidade: reconversões sociais e convivência com as secas entre elites pecuaristas do Cariri Paraibano”, defendida em 2018 e vencedora do “Prêmio Capes de Tese 2019” na área de Sociologia. Este trabalho pode ser consultado na íntegra no seguinte link <https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/trabalhoConclusao/viewTrabalhoConclusao.jsf?popup=true&id_trabalho=6584492>.

Palavras-chave
convivência com o semiárido; elite pecuarista; Nordeste

Ano / edição	Resumo do editorial
17^a ed. jul 1980	Eis as duas palavras-chave da solução nordestina: carne e leite, dois produtos que enfrentam a seca muito mais que agricultura (...).
22^a ed. jan 1981	A seca mostra o caminho contra a mistificação da água como redenção: a região pode ser autossustentada retornando à sua vocação básica que é terra e gado.
23^a ed. out 1981	A hora e a vez dos nordestinos: crítica aos erros nas frentes de emergência – é preciso crédito para convivência com as secas: feno, silos, cacimbas, armazéns diversos.
24^a ed. jan 1982	O Nordeste, berço da civilização brasileira, que tantos homens de valor produziu, vive um momento inglório (...). O solo nordestino é viável e o sertanejo sabe trilhar esse caminho, os técnicos oficiais é que não o sabem (...) fracassaram, com exceção feita aos projetos da Sudene (...) Implantação de um modelo de desenvolvimento fundamentado na convivência com as secas (...).
25^a ed. mar 1982	Chega ao quarto ano de secas (...). Um aprendizado inigualável de convivência. De um lado a seca, do outro a injeção de sabedoria cultivada pelo sol (...). A consciência de que o Nordeste é viável em suas atividades agropastoris, para as quais o sol é fator positivo (...). Consciência de que a exploração econômica que mais consegue suportar uma Grande seca deveria ser oficialmente indicada, gozando de apoio creditício farto. No caso, a pecuária rústica deveria ocupar o mesmo papel da Austrália, EUA e Espanha. (...). Um verdadeiro caminho da redenção nordestina.
27^a ed. mai 1982	Assumir a seca: eis a solução (...). De D. Pedro à Sudene: todos procurando descobrir a maneira de “redimir” o Nordeste de suas secas. Todos tentando transformar a terra seca num oásis, tentado fazer água mesmo que viesse a salinizar, tentando fazer agricultura onde se pode ter pecuária.
28^a ed. nov 1982	O advento do autoritarismo político (...) trouxe o vilipêndio do algodão, sisal, cana-de-açúcar e couro, e trouxe êxodo rural, a drenagem de recursos do setor rural para o setor urbano e manteve frentes de emergência (...). Não haveria fome com recursos para pecuária e culturas resistentes à seca.
34^a ed. dez 1983	Hora de ser mais nordestino: são poucos os que sabem que a caprinocultura e ovinocultura de deslanados é a maior da América Latina (...). A pecuária e seus derivados sozinha poderia transformar o Nordeste numa grande fonte de riqueza para todos.
37^a ed. jul/ago 1984	A região Nordestina é habitada por heróis e semideuses (...). Conseguiram sobreviver ao massacre do setor rural, às discrepâncias do modelo industrialista, à omissão oficial e à permanente tentativa de desmontar a vida regional. Eles continuam de pé, porque a região é viável.
46^a ed. mar/abr 1986	Depois de começar a emergir das ruínas de cinco anos consecutivos de seca – ocasião em que sucumbiram 45% dos rebanhos e mais de 3,5 milhões de pessoas –, o Nordeste poderia fornecer alimentos para o centro-sul (...). Para salvar o centro-sul e sua canícula, o Nordeste é atrelado com mais rigor ao feudalismo financeiro! Dessa maneira liquidou-se a chance de fornecer alimentos e solidificar convivência com o regime semiárido.
54ª ed. fev 1987	A história do Brasil está repleta de realizações de homens, muito mais que governos e autoridades. No Nordeste (...) engenhos são provas eloquentes dessa vontade férrea de construir alguma coisa de duradouro. Também a pecuária teve suas esplêndidas fazendas ao lado das culturas do sisal e algodão. Tudo isso no passado. A história registrou um lento processo de marginalização nordestina (...). Os notáveis exemplos foram sepultados pela bruma do tempo. Hoje, pouco se comenta sobre os majestosos engenhos do passado, sobre as proezas dos homens que construíram uma civilização sobre as secas.

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[1] Valdênio Freitas Meneses Doutor em Ciências Sociais pelo CPDA/UFRRJ. Bolsista Capes/Brasil e Pos-doutorando vinculado ao Laboratório de Estudos de Poder e Política (LEPP/PPGS/UFS). Atualmente professor do departamento de Direito da Uninassau, Campina Grande, PB, Brasil.