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Migração e formação histórica da América Latina em perspectiva global

Resumo

Este artigo analisa de que modo as migrações transcontinentais, nas várias formas que assumiram (o primeiro assentamento paleolítico, conquista e colonialismo, escravidão, movimentos de massa livres e diásporas mercantis) e a maneira como estas interagiam com os ambientes receptores moldou a formação histórica da América Latina. O artigo mostra como essas interações explicam as aparentes contradições da América Latina: o fato de ser a região mais diversa do mundo em termos raciais e, ao mesmo tempo, aquela culturalmente mais homogênea; a que exibe as mais altas taxas de criminalidade / homicídio, mas também os menores índices de guerras civis e internacionais, holocaustos e outras formas de violência coletiva; e a que mostra os níveis mais altos índices mundiais de desigualdade social, mas que incluiu também algumas das áreas historicamente mais igualitárias no mundo.

Palavras-chave
Migração; Escravidão; América Latina; Raça e Etnia; Mundo atlântico

Abstract

In this article I analyse how transcontinental migrations, the various forms that these took (Paleolithic first settlement, conquest and colonialism, slavery, free mass movements, and mercantile diasporas), and the way these interacted in the receiving environments, shaped the historical formation of Latin America. The article shows how these interactions explain the key apparent contradictions of Latin America: that it is both the most racially diverse and the most culturally homogeneous region in the world; that it has the highest crime/homicide rates but also the lowest levels of civil and international wars, holocausts, and other forms of collective violence; and that it has the highest levels of social inequality in the world but also some of its historically most egalitarian areas.

Keywords
Migration; Slavery; Latin America; Race and ethnicity; Atlantic World

Resumen

En este artículo analizo cómo las migraciones transcontinentales, en las diversas formas que asumieron (el primer asentamiento paleolítico, conquista y colonialismo, esclavitud, movimientos de masa libres y diásporas mercantiles) y la manera como éstas interactuaron con los entornos receptores ha determinado la formación histórica de América Latina. El artículo muestra cómo estas interacciones explican las aparentes contradicciones de América Latina: el hecho de ser la región más diversa del mundo en términos raciales y, al mismo tiempo, aquella culturalmente más homogénea; la que exhibe las tasas más altas de criminalidad / homicidio, pero también los menores índices de guerras civiles e internacionales, holocaustos y otras formas de violencia colectiva; y la que muestra los más altos índices mundiales de desigualdad social, pero que incluye también algunas de las áreas históricamente más igualitarias en el mundo.

Palabras clave
Migración; Esclavitud; América Latina; Raza y Etnia; Mundo atlántico

A migração é um fenômeno universal e, em certa medida, trans-histórico. Afinal, é um dos quatro mecanismos de evolução biológica (juntamente com mutações, deriva genética e seleção natural) e, portanto, é parte do surgimento de nossa espécie e da maioria das demais. Nesse sentido, precede e cria a história humana. É também a forma como nos dispersamos globalmente a partir de nosso berço, no sudeste da África, a fonte da diversidade racial e cultural, e como respondemos a desafios ecológicos para além da adaptação in situ, um fenômeno relativamente recente em nossa longa história.

Contudo, a migração transcontinental desempenhou um papel excepcionalmente importante nas Américas. Nenhum outro continente (e, na América Latina, o hemisfério ocidental é concebido como um só continente ao invés de dois, como o é na América do Norte) foi, como este, inteiramente formado por imigrantes de todos os outros continentes. Até mesmo seus habitantes aborígines chegaram - muito depois de a maior parte do resto do mundo ter sido povoada - não como Homo sapiens vindos da África, mas como imigrantes do nordeste da Ásia, algo evidenciado tanto em seu fenótipo como em sua cultura. Mais de dois terços da população da América Latina descende de pessoas chegadas depois de 1492. Excluindo-se os Andes centrais (Bolívia, Peru e Equador) e a Mesoamérica (Honduras, Guatemala e o sul do México), essa proporção alcança 78%.1 26 Os dados sobre as origens continentais da população dos países da América Latina foram calculados a partir dos dados selecionados por Putterman e Weil (2010). Para a composição racial dos estados mexicanos utilizei dados sobre o uso da língua indígena coletados pelo Instituto Nacional de Estadísticas y Geografía e dados genômicos em Silva-Zolezz et al. (2009). Nenhum outro lugar, salvo as Américas, Austrália e Nova Zelândia, tem uma população tão nova. Na África, Ásia e Europa, mais de 94% da população descende de pessoas que lá estavam há milhares de anos.

Neste artigo, discuto como as migrações transcontinentais configuraram a formação histórica da América Latina ao longo do tempo. O artigo inicia com uma discussão sobre migrações pré-colombianas e coloniais, pois estas definiram o ambiente em que, posteriormente, os imigrantes pós-coloniais iriam inserir-se. Em seguida, examino as chegadas em massa, vindas da África, até meados do século XIX, e da Europa, nos últimos dois séculos, e como esses movimentos reformularam a América Latina.

Migrações pré-colombianas e a lacuna de conectividade

Os primeiros seres humanos a chegar às Américas vieram do nordeste da Ásia há cerca de 15.000 anos, ou seja, de 30.000 a 70.000 anos mais tarde do que em outros continentes. Sua chegada tardia explica muitas das características demográficas da população ameríndia que os europeus encontrariam depois de 1492. Como essa população teve dezenas de milhares de anos a menos para se reproduzir, era significativamente menor tanto em termos absolutos quanto de ocupação de área do que em outros lugares. O número de pessoas por quilômetro quadrado era três vezes menor do que na África, seis vezes menor do que na Ásia e oito vezes menor do que na Europa.2 27 Calculado com base em dados de Caselli, Vallin e Wunsch (2006). A população era menos densa e menos disseminada do que na Eurásia e na África, com mais de dois terços concentrando-se na América nuclear (Mesoamérica e nos Andes Centrais), uma área que ocupa apenas 9% do hemisfério. As menores densidade e difusão da população combinaram-se às características geográficas de modo a inibir a mobilidade interna e a conectividade. A forma alongada do hemisfério ocidental ao longo de um eixo norte-sul (comparado ao eixo leste-oeste da Eurásia), por gerar maior mudança climática, dificultou a difusão de plantas e animais domesticados. As cadeias de montanhas que correm ao longo do lado ocidental das Américas, do Alasca ao Chile, os desertos que vão de Nevada a Chihuahua e do Atacama à Patagônia, a selva de Darién, no istmo do Panamá, e partes da Amazônia acrescentaram obstáculos ao movimento de pessoas e de sua cultura material (Moya, 2017MOYA, José C. América Latina como categoría histórica en una perspectiva global. Istor: Revista de Historia Internacional, n. 67, p.13-59, 2017.).

O contraste entre o Novo e o Velho Mundo em relação ao grau de contato e de difusão é espantoso. Batatas, quinoa, lhamas, porquinhos-da-índia, bronze, pontes de corda e o quipu (instrumento de comunicação e de contabilidade) foram domesticados ou desenvolvidos nos Andes centrais, mas não se disseminaram para a Mesoamérica ou qualquer outro lugar da América pré-colombiana. Da mesma forma, tomates, perus, a escrita e o conceito de zero foram domesticados ou desenvolvidos na Mesoamérica e lá permaneceram. Por outro lado, trigo, cevada, lentilhas, linho, gado, cavalos, ovelhas, cabras, gatos, abelhas, bronze, ferro, o alfabeto e algarismos arábicos foram domesticados ou desenvolvidos no Oriente Médio e se disseminaram por toda a Eurásia. Na verdade, de todas as vantagens tecnológicas e materiais que explicam por que os espanhóis conseguiram alcançar e conquistar os ameríndios e não o contrário (caravelas que podiam navegar contra o vento, bússola, astrolábio, cartografia, impressão, aço, armas de fogo, cavalos e outros animais domesticados e imunidade à varíola) não há uma sequer que se tenha domesticado ou desenvolvido na Espanha (Moya, 2014MOYA, José C. América Latina y los flujos transatlánticos: una categoría histórica desde una perspectiva global. In: AZCUE, Concepción Navarro (Ed.). Vaivenes del destino: inmigrantes europeos y latinoamericanos en los espacios atlánticos. Madrid: Ediciones Polifemo, 2014, p. 21-38.).

As maiores lacunas de desenvolvimento tecnológico no Novo Mundo - onde culturas da idade do bronze coexistiram na América nuclear com grupos do paleolítico - e entre as Américas e a Eurásia resultavam dessas lacunas no grau de mobilidade, contatos e conectividade. Havia pouco ou nenhum contato entre a América do Sul e a do Norte, entre os dois locais de cultura complexa na América nuclear, entre esses locais e o restante do hemisfério, e entre as Américas e o resto do mundo - incluindo, com graves consequências após 1492, suas condições epidemiológicas.

A baixa densidade populacional fora do núcleo das Américas, a dizimação da população ameríndia nas décadas subsequentes à conquista e as vantagens militares e tecnológicas dos conquistadores ajudam a explicar outra característica distintiva da América Latina: o profundo impacto que exerceriam os colonizadores pós-1492, em comparação com outras regiões.

Migração ibérica e colonização em perspectiva comparada

O poder transformador do colonialismo ibérico nas Américas reflete não apenas as características distintivas do Novo Mundo, mas também a migração colonial ibérica para o continente. A riqueza e as oportunidades geradas pela prata nos vice-reinados da Nova Espanha e do Peru e pela corrida de ouro e diamantes no Brasil do século XVIII atraíram centenas de milhares de imigrantes. Além disso, os metais preciosos promoveram crescimento econômico e oportunidades não só onde eram extraídos, mas também ao longo das rotas comerciais. O ouro de Minas Gerais gerou prosperidade econômica em todo litoral brasileiro e uma onda de imigração portuguesa. O transporte de prata do México para a Espanha transformou Havana em um importante porto nas Américas e levou ao desenvolvimento de uma precoce economia de serviços que, por volta do século XVIII, transformara Cuba em um foco de atração para imigrantes. A exportação de prata peruana através do Rio da Prata, na segunda metade do século XVIII, fez com que o produto interno bruto e as taxas de imigração da Argentina superassem as do México ou do Peru.

As correntes migratórias livres e espontâneas provocadas por esses fatores de atração eram raras fora da Ibero-América, antes de 1800. Em outros lugares, as potências imperiais lutavam para induzir pessoas a se mudarem para as colônias e acabavam dependendo de várias formas de migração forçada ou semivoluntária. Mais de dois terços dos 600 mil britânicos que chegaram ao Novo Mundo antes de 1780 o fizeram na condição de trabalhadores forçados3 28 No original, indentured servants, termo que se refere a trabalhadores que, em troca da passagem para as colônias, assinavam contratos comprometendo-se a trabalhar para as autoridades por vários anos, muitas vezes em condições de semiescravidão (Nota da tradutora). e mais de 60 mil, de prisioneiros condenados (Stewart, 2015STEWART, Hamish M. Convict labour extraction and transportation from Britain and Ireland, 1615-1870. In: DE VITO, Christian; LICHTENSTEIN, Alex (Eds.). Global convict labour. Leiden: Brill, 2015, p. 168-200. ; Morgan, 2001MORGAN, Kenneth. Slavery and servitude in colonial North America. New York: NYU Press, 2001. ; Jordan; Walsh, 2008JORDAN, Don; WALSH, Michael. White cargo: the forgotten history of Britain’s white slaves in America. New York: NYU Press, 2008.). Antes de 1800, havia apenas alguns milhares de britânicos na Índia, além de soldados (Games, 2002, p. 36-8). As autoridades francesas dependiam de voluntários (engagés) e de prisioneiros para manter uma presença europeia nas Antilhas.4 29 Ver Huetz de Lemps (1991) e Debien (1951), que inclui uma lista de trabalhadores forçados, seu local de origem, sexo etc. Eles recrutaram engagés, soldados e mulheres em orfanatos e asilos (os chamados fils du roi) para povoar o Quebec e a Louisiana (Moogk, 1994MOOGK, Peter. Manon’s fellow exiles: emigration from France to North America before 1763. In: CANNY, Nicholas (Ed.). Europeans on the move: studies on European migration, 1500-1800. New York: Oxford University Press, 1994.). Os holandeses tiveram que contar com marinheiros das companhias das Índias Orientais e Ocidentais (metade dos quais não eram holandeses), soldados, trabalhadores forçados, órfãos e estrangeiros para povoar suas colônias (Kruijtzer, 2008KRUIJTZER, Gijs. European migration in the Dutch sphere. In: OOSTINDIE, Gert (Ed.). Dutch colonialism, migration and cultural heritage. Leiden: KITLV Press, 2008, p. 97-154. ; Silva, 2011SILVA, Filipa R. da. Dutch and Portuguese in Western Africa: empires, merchants and the Atlantic system, 1580-1674. Leida: Brill, 2011, p. 97-118.). Os russos tiveram de se apoiar no transporte forçado de condenados e de servos para colonizar a Sibéria (Lincoln, 2007LINCOLN, W. Bruce. The conquest of a continent: Siberia and the Russians. Ithaca: Cornell University Press, 2007.). Os portugueses também tiveram que recorrer à exportação de órfãos, prostitutas reabilitadas e condenados para povoar suas colônias não americanas (Coates, 2001COATES, Timothy. Convicts and orphans. Forced and State-sponsored colonizers in the Portuguese empire, 1550-1755. Stanford: Stanford University Press, 2001.; 2014COATES, Timothy. Convict labor in the Portuguese empire, 1740-1932: redefining the empire. Leiden: Brill, 2014.); e a Coroa Espanhola usou trabalhadores forçados para colonizar seus postos avançados na África e tentou enviar, sem muito sucesso, colonos e famílias para as Filipinas (Pike, 1983PIKE, Ruth. Penal servitude in early modern Spain. Madison: University of Wisconsin Press, 1983. ; Lagarde, 2008LAGARDE, Agnieska D. de. La formación de la sociedad colonial más peculiar del Imperio español: la emigración europea a Filipinas en la primera mitad del siglo XVII. PhD Dissertation, Universidad Autónoma del Estado de Morelos, México, Facultad de Humanidades, 2008.).

No entanto, quando se tratou de povoar as Américas, Espanha e Portugal não só não precisaram depender de trabalhadores forçados, prisioneiros condenados e estrangeiros, como a oferta de pessoas dispostas a emigrar era tão alta que teve de ser restringida, ao invés de promovida (Slicher Van Bath, 1986SLICHER VAN BATH, Bernard H. The absence of white contract labor in Spanish America during the colonial period. In: EMMER, Pieter C. (Ed.), Colonialism and migration: indenture labor before and after slavery. Dordrecht: Nijhoff, 1986, p. 19-31. )5 30 Os portugueses usaram prisioneiros condenados para colonizar as inóspitas regiões fronteiriças do Pará e do Maranhão, mas em número limitado (menos de 850 durante um período de 70 anos, comparados aos 54.000 condenados britânicos enviados para os EUA durante um período similar) (Coates, 2014). . A Espanha, muito cedo, restringiu a emigração para as Índias, e Portugal o fez em 1720, no auge da corrida do ouro em Minas Gerais. Apesar dessas restrições, cerca de 900.000 espanhóis e 700.000 portugueses chegaram ao Novo Mundo durante o período colonial. Além disso, a ideia corrente de que se tratavam de homens solteiros, em comparação com o movimento baseado em famílias para a América do Norte britânica, originou-se de estereótipos sobre os conquistadores e dos casos excepcionais dos puritanos que emigraram para a Nova Inglaterra, e dos Quakers, para a Pensilvânia. Na verdade, a proporção de mulheres nos movimentos transatlânticos britânico e ibérico foi semelhante: entre 20 e 25%.6 31 Sobre a razão de sexo em várias migrações coloniais, ver Moya (2015a).

Essa migração foi suficientemente massiva e equilibrada em termos de gênero para permitir a formação e a reprodução da cultura dos colonizadores com uma força transformadora sem precedentes na história moderna do colonialismo, salvo nas colônias anglo-americanas e no Quebec. No nível mais básico, o colonialismo ibérico transformou a ecologia física das Américas em um grau nunca visto na história do colonialismo europeu no mundo afro-asiático, ou menos ainda, do colonialismo árabe no norte da África. Essa transformação da biota do hemisfério teve consequências demográficas, econômicas e sociais importantes. No nível microscópico, patógenos importados dizimaram a população indígena em uma catástrofe demográfica de magnitude sem paralelo em qualquer outro lugar, com a possível exceção da peste negra medieval e da pandemia de influenza espanhola de 1918.7 32 Há uma vasta literatura histórica sobre as consequências demográficas da conquista europeia das Américas. Para uma revisão, ver Armus e Denis (2011). A peste bubônica de 1347-51, ou Peste Negra, matou cerca de 75 a 200 milhões de pessoas na Eurásia, com taxas de mortalidade locais entre 30 e 80% (Alchon, 2003). A pandemia de influenza de 1918-19, conhecida como “gripe espanhola” porque as notícias sobre sua incidência na Europa vinham principalmente da Espanha, um dos poucos países neutros e, portanto, um dos poucos sem uma imprensa censurada, na verdade, era originária da China ou, mais provavelmente, dos Estados Unidos, e teve um total de vítimas fatais estimado entre 30 e 60 milhões (Killingray; Phillips, 2003). Dezenas de novas plantas e animais, juntamente com tecnologias importadas, transformaram aspectos fundamentais da vida cotidiana que iam de hábitos alimentares, vestuário, padrões de nomenclatura, arquitetura doméstica, trabalho e lazer ao uso da terra, especificamente a introdução de agricultura extensiva, pecuária e culturas equestres. Quer fossem estâncias nos pampas, fazendas no Brasil, haciendas na Indo-América ou plantations na Afro-América, a prevalência de latifúndios, um sistema de posse de terra dominado por grandes propriedades moldou o espaço rural e as relações sociais na maior parte da América Latina. O desenvolvimento precoce da agricultura comercial - fosse para a exportação ou para o consumo interno - tornou-se outra característica histórica distintiva da região. O planejamento urbano renascentista do Mediterrâneo, com suas praças centrais e traçado quadriculado, moldou o espaço das vilas e cidades, do Chile ao México. O Direito ibérico impôs uma cultura legal (e legalista) unificadora que afetou desde o casamento e as relações privadas até a herança e contratos comerciais. O catolicismo romano teve um impacto unificador e duradouro em toda a região, tanto como um conjunto de crenças e práticas quanto como instituição pública.

As línguas ibéricas impuseram um grau de unidade linguística que diferencia a América Latina de qualquer outro continente. Nas possessões espanholas, o fato de Andaluzia, Estremadura e Nova Castela - em lugar da Espanha como um todo - terem suprido a maioria das chegadas de imigrantes durante o primeiro século de colonização moldou e unificou o castelhano americano. Apesar da existência de sotaques regionais, o espanhol e o português na América Latina não desenvolveram línguas crioulas semelhantes aos créoles de base francesa do Haiti, Guiana ou Nova Caledônia; ou aos crioulos de base inglesa de Belize, Guiana e das Antilhas; ou o papiamento das Antilhas Holandesas. É revelador que, com uma única pequena exceção (o palenquero, um dialeto espanhol-banto falado por algumas centenas de descendentes de escravos fugidos em um vilarejo ao sudeste de Cartagena), os únicos dialetos crioulos existentes na América Latina sejam línguas de base inglesa introduzidas por imigrantes antilhanos na costa atlântica da América Central e nas ilhas colombianas de San Andrés e Providencia. Tal ausência não decorre de nenhuma característica intrínseca às línguas espanhola e portuguesa, nem do imperialismo ibérico em geral. Afinal, idiomas espanhóis crioulos desenvolveram-se nas Filipinas (chavacano) e 18 idiomas crioulos portugueses surgiram na África, na Ásia e mesmo nas Américas (o português responde por mais da metade do vocabulário do papiamento em Aruba, Bonaire e Curaçao, e por um quarto do saramacano, do Suriname).8 33 Sobre idiomas crioulos coloniais de base espanhola e portuguesa, incluindo artigos sobre palenquero, ver Schwegler et al. (2016).

Uma comparação do nível atual de saturação das línguas coloniais em todo o mundo destaca a peculiaridade da experiência colonial ibérica nas Américas. Mais de 99% da população nativa do Brasil fala português como primeira língua (falantes de L1) e o mesmo se aplica ao espanhol em 14 países hispano-americanos. Nos demais, varia de um mínimo de 70%, no Paraguai, a cerca de 86-88% na Bolívia, Peru e Guatemala, e um máximo de 93% no Panamá (Fernández; Roth, 2006FERNÁNDEZ, Francisco M.; ROTH, Jaime O. Demografía de la lengua Española. Madrid: Instituto Complutense de Estudios Internacionales, 2006.). Em comparação, o português praticamente desapareceu das ex-colônias lusitanas na Ásia e menos de 6% da população o fala como primeira língua em Moçambique. O espanhol desapareceu das Filipinas e só 14% da população o tem como primeira língua na Guiné Equatorial. Menos de 1% da população atual de ex-colônias inglesas no sul da Ásia e da África (exceto a África do Sul) e de ex-colônias francesas na África são falantes de inglês ou francês como L1 (Crystal, 2004CRYSTAL, David (Ed.). The Cambridge encyclopedia of the English language. Berkeley: Cambridge University Press, 2004. ; Simons; Fennig, 2017SIMONS, Gary F.; FENNIG, Charles D. (Eds.). Ethnologue: languages of the world. 2nd ed. Dallas: SIL International, 2017. Online version: <http://www.ethnologue.com>.
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9 34 Também utilizado para outras informações neste parágrafo. ). Menos de 15% da população das ex-repúblicas russas do Uzbequistão, Turcomenistão, Tadjiquistão, Quirguistão, Azerbaijão, Armênia e Geórgia falam russo como primeira língua. O holandês praticamente desapareceu da Indonésia e o francês, do Oriente Médio e da Indochina. Mesmo em seus níveis mais altos, como os 70% da população bielorrussa falante de russo como L1, a saturação das línguas coloniais fora da América Latina e das colônias de povoamento britânica e francesa ainda é comparativamente baixa.

Esses contrastes drásticos no uso das línguas coloniais e a ausência de idiomas espanhóis ou portugueses crioulos na América Latina refletem um fenômeno mais amplo que transcende a linguística: a amplitude e a penetração culturais do colonialismo ibérico no Novo Mundo. Seus impactos variam desde o mais básico e físico ao mais intangível. É palpável na ecologia, flora e fauna, agricultura e pecuária, nos alimentos e na culinária, no espaço urbano, na arquitetura pública e privada, na política, no direito, na língua, literatura, música, na arte em suas diversas expressões, nos padrões de nomenclatura e praticamente em todos os aspectos da vida social. Até mesmo alguns artefatos culturais latino-americanos que passaram a ser vistos como essencialmente indígenas - como os chapéus-coco, as polleras tradicionais (saias) e o charango (pequeno instrumento de cordas, como o cavaquinho) da região andina - são, na verdade, importações castelhanas do século XVI. De fato, a influência cultural ibérica tornou-se frequentemente invisível precisamente por estar tão profundamente arraigada que parecia à maioria dos observadores como local, natural e indígena. A ênfase da historiografia nos componentes ameríndios e africanos da América Latina, nas últimas décadas, tem dado sua cota de contribuição para tornar menos visível esse elemento onipresente e supostamente óbvio.

Esse fato tem obscurecido dois fatores cruciais para definir a América Latina como uma categoria cujo sentido transcende o da mera adjacência geográfica. Um é interno. A marca cultural ibérica é o principal denominador comum a fundamentar a inclusão, em uma mesma categoria, de países e regiões drasticamente diferentes em termos de composição étnico-racial, níveis de desenvolvimento econômico e estrutura social. O outro é externo. A marca ibérica distingue a América Latina do restante do chamado Sul global. Em nenhum lugar do mundo afro-asiático a cultura europeia difundiu-se tão amplamente e se infiltrou tão profundamente.

Esta colonização transformadora reflete condições e processos específicos. Uma dessas poderia ser o fato de o colonialismo ibérico nas Américas ter começado mais cedo e durado mais (cerca de três séculos no continente e quatro em Cuba e Porto Rico) do que na maioria dos outros casos. No entanto, isso não basta. Os invasores árabes conquistaram o Magreb algumas décadas antes de entrarem na Península Ibérica em 711 EC. Ao contrário do segundo caso, nunca foram expulsos por meio de uma reconquista nativa, nem por guerras de independência como aconteceu com os espanhóis e portugueses na América Latina. No entanto, após treze séculos de presença colonial árabe e arabizada, a proporção da população que fala árabe como primeira língua no Marrocos (60%) e na Argélia (70%) é menor do que a que fala espanhol até nos países mais indígenas da América Latina. Os oguzes (em turco, Oğuz), um dos ramos dos povos turcomanos, conquistaram a Anatólia no século XI. No entanto, após um milênio de domínio turco, o genocídio de um milhão de armênios e de meio milhão de gregos entre 1913 e 1923 e da expulsão em massa de outros dois milhões, 15% da população ainda não fala turco como língua nativa, não se considera turca, e deseja se separar da Turquia, seja por meios pacíficos ou violentos. Na época da independência de Angola, em 1974, e após cinco séculos de colonização portuguesa, apenas um por cento de sua população rural falava português regularmente (Bender, 1978BENDER, Gerald J. Angola under the Portuguese: the myth and the reality. Berkeley: University of California Press, 1978.). A presença imperial dos holandeses na Indonésia, dos espanhóis nas Filipinas ou dos árabes na Espanha começou tão cedo (ou mais) quanto os impérios ibéricos na América Latina e durou mais tempo, e, no entanto, sua influência de longo prazo foi significativamente menor.

Dois outros fatores, além da antiguidade e duração do domínio imperial, podem explicar a inusitada capacidade transformadora do colonialismo ibérico nas Américas. O primeiro é o hiato de tecnologia e cultura material entre conquistadores e conquistados. A falta de contato interno nas Américas e entre o continente e o resto do mundo foi, em parte, resultado e causa desse hiato e da consequente dizimação da população aborígene por armas e germes. Trata-se de um encontro muito diferente daqueles entre invasores árabes e berberes no Magreb, turcos e população pré-turca da Anatólia, ou britânicos e franceses e suas colônias na África e na Ásia, onde a brecha material e imunológica era muito menor ou até beneficiou o conquistado. A conquista ibérica mostra, na verdade, uma grande semelhança com a expansão dos austronésios e bantos, há três milênios, no Pacífico e na metade sul da África, respectivamente, em detrimento de grupos com conhecimento limitado de metais, animais de carga e veículos com rodas e pouca imunidade a doenças externas.

A segunda explicação relevante é o influxo relativamente denso e duradouro de colonos com um importante componente feminino. Em muitas regiões, os colonizadores ibéricos e seus descendentes chegaram a representar a maioria da população. A maior dessas regiões é a de clima temperado da América do Sul. Mas há outras em diferentes partes do continente como em Antioquia e Caldas, na Colômbia, os Altos de Jalisco e outras áreas no norte do México, as terras altas centrais da Costa Rica e Porto Rico, Mérida, na Venezuela, e a parte ocidental e central de Cuba. Onde isso não ocorreu, os ibéricos e seus descendentes ainda respondiam por uma proporção maior da população do que em geral se supõe.

Pesquisadores da América Latina frequentemente denunciam a ideologia de branqueamento da região e a tendência associada de minimizar ou negar e, desse modo, invisibilizar a presença africana e indígena. Porém, a forma como as categorias raciais são construídas e percebidas nas Américas, surpreendentemente, subestima e oculta o componente europeu. Essas construções são particularmente arbitrárias e inconsistentes, mas têm sido naturalizadas a ponto de obscurecer nossa razão e nossa percepção. Elas explicam por que podemos considerar, ver e referir-nos, digamos, ao presidente Obama, como negro, afro-americano e não branco, mas não como branco, euro-americano ou não negro, embora logicamente e visualmente ambas as opções sejam igualmente válidas. No caso de Obama, a última opção está culturalmente mais próxima da verdade, uma vez que ele foi criado por mãe e família brancas e só viu seu pai africano uma vez em sua vida. A arbitrariedade alcançou o ápice nas noções norte-americanas de hipodescendência ou “regra de uma só gota” (one-drop-rule), em que um só ancestral negro entre 31 brancos tornava a pessoa legalmente negra. Mas a lógica é a mesma na América Latina, onde as taxonomias raciais das Américas e seu vocabulário foram criadas originalmente: negro, mulato, mestiço, tercerón (pessoas com afrodescendência de terceira geração) e uma infinidade de termos locais, todos voltados a exprimir a não branquidade. Por todo o continente das Américas, essas taxonomias surgiram não apenas para classificar, como na botânica linneana, mas também para hierarquizar e excluir. A branquidade, portanto, funcionava tanto como um padrão quanto como sentinela.

Isso explica por que os latino-americanos de origens mistas, com significativa, e até mesmo predominante ancestralidade europeia são vistos e categorizados, e se veem e classificam como não brancos. Um estudo envolvendo estudantes do ensino médio no Rio de Janeiro mostrou que a proporção de ancestralidade genômica europeia foi de 80% para aqueles que se descreveram como mulatos ou pardos, e de 52% para os que se descreveram como pretos (Santos et al., 2009SANTOS, Ricardo Ventura et al. Color, race, and genomic ancestry in Brazil. Current Anthropology, v. 50, n. 6, p. 787-819, 2009.). Resultados similares foram obtidos quando outros fazem a classificação. Os brasileiros identificados como pardos pelos avaliadores, com base na cor da pele, geneticamente apresentavam-se como 62% europeus e 26% africanos (Muniz et al., 2008MUNIZ, Yara N. et al. Genomic ancestry in urban Afro-Brazilians. Annals of Human Biology, v. 35, n. 1, p. 104-11, 2008.). A percepção de pesquisadores norte-americanos parece ainda mais distorcida. Para dar apenas um exemplo, livros e artigos publicados nos Estados Unidos têm descrito, sistematicamente, os dominicanos como esmagadoramente (90%) afrodescendentes e os censuram por “negarem o componente africano de seu DNA, cultura e história”.10 35 Gates (2011) enfatiza tanto o esmagador componente negro da República Dominicana quanto sua negação. Ricourt (2016) coloca a questão “Por que os dominicanos negam o componente africano de seu DNA, cultura e história?” na primeira sentença do livro. Simmons (2011) aborda a mesma questão e celebra que os dominicanos estejam nivelando-se aos Estados Unidos ao “lentamente acolher a negritude e as ideias de ancestralidade africana”. No entanto, os dominicanos são muito mais hispânicos do que africanos segundo a maior parte dos critérios culturais, a história e o seu DNA coletivo, o qual se mostra 52% europeu e 40% africano (Estrada-Veras et al., 2016ESTRADA‐VERAS, Juvianee et al. Medical genetics and genomic medicine in the Dominican Republic. Molecular Genetics & Genomic Medicine, v. 4, n. 3, p. 243-56, 2016.). Não se trata de casualidade. Estudos de DNA autossômico com frequência revelam um maior componente europeu na composição genômica dos países da América Latina, em particular aqueles geralmente vistos como não brancos, do que apontam os números do censo ou estimativas acadêmicas. A porcentagem europeia de fundo gênico (genic pool) é de cerca de 84 no Uruguai; 79 na Argentina; 72 em Cuba; 71 no Brasil; 63 na Costa Rica, Porto Rico, Venezuela e Colômbia; 57 no Chile; 41 no Equador; 34 no México; 26 no Peru; e 12 na Bolívia (Salzano; Sans, 2014SALZANO, Francisco M.; SANS, Mónica. Interethnic admixture and the evolution of Latin American populations. Genetics and Molecular Biology, v. 37, n. 1, p. 151-70, 2014. ; Corach et al., 2010CORACH, Daniel et al. Inferring Continental Ancestry of Argentineans from Autosomal, Y-Chromosomal and Mitochondrial DNA. Annals of Human Genetics, v. 74, n. 1, p. 65-76, 2010. ; Watkins et al., 2012WATKINS, W. Scott et al. Genetic analysis of ancestry, admixture and selection in Bolivian and Totonac populations of the New World. BMC Genetics, [online] v. 13, n. 39, 2012. ; Homburger, 2015HOMBURGER, Julian R. et al. Genomic insights into the ancestry and demographic history of South America. PLoS Genet, v. 11, n. 12, [online preprint], 2015. ; Hidalgo et al., 2005HIDALGO, Pedro et al. Genetic admixture estimate in the Uruguayan population. International Journal of Human Genetics, v. 5, p.217-22, 2005.). Como em todos os lugares com história de conquista e, em menor grau, de imigração para o trabalho, a contribuição genômica dos conquistadores e dos chegados vem desproporcionalmente do lado masculino. O que é distintivo na América Latina é a magnitude dessa contribuição. Ela é imensamente maior do que a contribuição genética europeia em suas colônias africanas e asiáticas, do que a entrada árabe no Magreb, e significativamente maior do que a dos conquistadores turcomanos na Turquia, onde responde por 13-15% do fundo genômico do país (Gomez-Casado et al., 2000GOMEZ-CASADO, E. et al. HLA Genes in Arabic‐speaking Moroccans: close relatedness to Berbers and Iberians. Tissue Antigens, v. 3, p. 239-49, 2000. ; Hodoğlugil; Mahley, 2012HODOĞLUGIL, Uğur; MAHLEY, Robert. Turkish population structure and genetic ancestry reveal relatedness among Eurasian populations. Annals of Human Genetics, v. 76, n. 2, p. 128-41, 2012.). Somente nas colônias britânicas de povoamento e no Quebec, os colonizadores tiveram um maior impacto demográfico e, portanto, cultural.

A densidade e a amplitude da influência cultural ibérica nas Américas tiveram duas consequências importantes. Uma foi fazer do Atlântico Ibérico, durante o período colonial, antes um espaço sociocultural do que simplesmente uma fração de dois impérios, ou de um durante a união das Coroas espanhola e portuguesa (1580-1640), com a migração de retorno e circular sustentando os vínculos transatlânticos. A outra é ter permitido a continuidade do Atlântico ibérico como um espaço sociocultural muito depois de este ter deixado de existir como unidade política. Afinal, a maioria dos espanhóis e dos portugueses chegou às Américas após a emancipação das colônias. Seus movimentos de ida e volta e conexões familiares transatlânticas promoveram maior migração e conectividade. Tais movimentos deram continuidade ao processo de iberização nas Américas. Do mesmo modo, iberizaram nativos de várias raças que, em muitos casos, nem eram de origem ibérica. De fato, a hispanização das regiões mais fortemente indígenas da América Latina ocorreu principalmente no período pós-colonial e, particularmente, no século XX, com a crescente urbanização, mobilidade interna, expansão dos estados nacionais, educação pública e meios de comunicação de massa. Isso se assemelha ao caso de Angola, cuja lusitanização se acelerou após a partida dos colonizadores, com a proporção da população nativa que falava o português como primeira língua, disparando de 3% na época da independência para 40% hoje. Na maior parte da América Latina, no entanto, uma forte cultura ibero-crioula já se havia desenvolvido no final do período colonial. Esta se tornou hegemônica o suficiente para se transformar em culturas nacionais e impedir, como veremos, a formação de subculturas permanentes por parte de não ibéricos chegados no período pós-colonial.

O comércio de escravos africanos

O transporte forçado de 12 milhões de africanos através do Atlântico, entre 1492 e meados do século XIX, excedeu em quatro vezes o número de chegados da Europa e representa o primeiro movimento transoceânico verdadeiramente massivo na história da humanidade.11 36 O comércio de escravos da África Oriental através do Oceano Índico e do Saara foi tão volumoso quanto o que cruzava o Atlântico, mas ocorreu durante um milênio, ao invés de três séculos, de modo que sua intensidade era muito menor. Ver Campbell, 2004 e Wright, 2007. A América Latina recebeu 58% desse influxo atroz, com 45% direcionado ao Brasil e 13% à América espanhola. No entanto, os números e proporções mudaram radicalmente ao longo do tempo. Durante o primeiro século e meio do tráfico (1492-1650), a América Latina absorveu 97% do comércio, com as colônias espanholas continentais ricas em prata recebendo 76% dos escravos, o Caribe espanhol, 6%, e o Brasil, 15%. No século e meio seguinte (1650-1800), o apogeu das plantações de açúcar nas Índias Ocidentais britânicas, francesas e holandesas diminuiu a participação ibérica para 36%, quase toda brasileira, já que a proporção direcionada às colônias espanholas encolheu para 3% do total. Com o colapso da economia açucareira em São Domingos, durante a revolução haitiana, e a abolição do comércio de escravos no Império Britânico, em 1807, a América Latina voltou a ser o principal destino, recebendo 88% de todos os escravos importados para o Novo Mundo durante o século XIX12 37 Os dados sobre as origens e destino do tráfico transatlântico de escravos africanos ao longo do tempo são baseados em minha análise de dados brutos sobre 35.000 viagens de navios negreiros disponíveis no Trans-Atlantic Slave Database: <www.slavevoyages.org>. .

O destino dos escravos durante este segundo período de dominação ibérica, no entanto, mudou significativamente. Embora os escravos importados para a América espanhola tivessem superado em seis vezes o número daqueles destinados à Luso-América durante 1500 a 1650, no século XIX, os que se dirigiam para a última eram três vezes mais numerosos do que os direcionados à primeira. No Brasil, o destino do tráfico mudou-se para o Sul, em três etapas. Durante a primeira metade do século XVII, Pernambuco recebeu mais de 80% do tráfico de escravos. Entre 1650 e 1800, a Bahia dominou, importando dois terços deles (Verger, 1968VERGER, Pierre. Flux et refluxe la traite des nègres entre le golfe de Bénin et Bahia de Todos os Santos du xvii au xix siècle. Paris: Mouton, 1968.). O Rio de Janeiro recebeu uma parcela similar durante o século XIX, pois a produção de café lá e, mais tarde, em São Paulo, gradualmente substituía o açúcar e o Nordeste como a economia mais dinâmica do país.

Mudanças de destinos dentro da América espanhola foram igualmente notáveis. Dentro do continente americano espanhol, as rotas mudaram para o sul, à medida que o Rio da Prata substituía Cartagena e Veracruz como o principal ponto de entrada dos escravos que se dirigiam para as minas de prata do Alto Peru. Como muitos historiadores têm observado, Buenos Aires e Montevidéu, cidades que mais tarde ficaram associadas à imigração europeia, foram os principais portos de escravos do Império Espanhol durante suas últimas décadas no continente americano (Borucki, 2015BORUCKI, Alex. From shipmates to soldiers: emerging black identities in the Río de la Plata. Albuquerque: University of New Mexico Press, 2015.). Mas essa afirmação aparentemente reveladora é enganosa, porque as colônias continentais da Espanha, na época, recebiam menos de um décimo de um por cento do comércio total de escravos africanos, de modo que serem os “principais portos de escravos” não significava muito demograficamente.

Mais impressionante é o salto de Cuba. Embora os primeiros escravos africanos tivessem chegado com Colombo, em 1492, menos de seis mil chegaram nos próximos dois séculos e meio, um número que representava apenas 1% de todos os escravos direcionados às colônias espanholas e um décimo de um por cento daqueles dirigidos às Américas em geral.13 38 Dados de <www.slavevoyages.org> e de Aimes (1907). Até meados do século XVIII, a ilha era principalmente uma colônia povoada por europeus, não muito diferente da Nova Inglaterra ou da Pensilvânia, exceto por ser mais rica, graças ao seu papel como entreposto entre a prata vinda do Peru e do México e a Espanha. A precoce economia de serviços gerada com isso tornou Cuba provavelmente a sociedade mais urbanizada do mundo, por volta de 1800, superando as taxas de urbanização da Inglaterra e da Holanda à época. A relativa ausência de escravos refletia o pequeno número e o tamanho reduzido das plantações de cana-de-açúcar em comparação com Hispaniola, durante o século XVI; as Pequenas Antilhas inglesas, francesas e holandesas, durante o século XVII; e Jamaica e São Domingos, durante os anos 1700 (Moya, 2013aMOYA, José C. Cuba: Immigration and emigration. In: The encyclopedia of global human migration. Oxford: Wiley-Blackwell, 2013a.).

Vários eventos e processos mudariam isso na virada do século XIX. A revolução haitiana destruiu o complexo açucareiro mais produtivo do mundo. A demanda durante as Guerras Napoleônicas elevou os preços da mercadoria. As guerras de independência no México centraram-se no Bajío, o núcleo da indústria de mineração, destruindo a maioria das minas e pondo fim ao papel lucrativo de Cuba como estação intermediária entre a prata do continente e a Europa. Tudo isso, juntamente com a disponibilidade de planícies ricas em argila na ilha e uma revolução tecnológica na produção (usinas de ferro, máquinas a vapor, fornos fechados, tachos a vácuo e ferrovias), transformou Cuba na principal produtora de açúcar do mundo em um tempo relativamente curto. Em 1806, sua produção superava a da Jamaica, em meados de 1820 superou a de São Domingos em seu auge, e em meados do século XIX representava 31% da produção total mundial, apesar do crescimento da produção de açúcar de beterraba na Europa (Monzote, 2008MONZOTE, Reinaldo F. From rainforest to cane field in Cuba: an environmental history since 1492. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2008.).

Este auge do açúcar coincidiu com uma onda transatlântica que levou a Cuba 780.000 escravos africanos entre 1790 e meados da década de 1860, número que representava 95% dos que iam para a América espanhola e um quinto do total do tráfico transatlântico. O impacto foi imenso. Aumentou e africanizou a população. Transformou uma economia baseada em produção camponesa, em serviços e no comércio em uma economia mista, mas impulsionada por um complexo agrícola de monocultivo. Isso converteu um sistema de relações sociais baseadas no trabalho livre, com alguns escravos, em um em que a escravidão se tornou onipresente (Bergad, 2007BERGAD, Laird. The comparative histories of slavery in Brazil, Cuba, and the United States. New York: Cambridge University Press, 2007.). A população escrava residente aumentou de 4.000, em 1760, para 400.000, na década de 1840. No final da década, esforços para trazer outros trabalhadores forçados revelaram-se, quando plantadores cubanos trouxeram do Iucatã centenas de índios maias rebeldes escravizados e a primeira leva dos 150 mil coolies39 14 For a discussion of the scholarly literature on slavery and African culture in Brazil see Reis and Klein (2011). que chegaram de Cantão durante as três décadas seguintes, aportando à ilha a maior população chinesa fora da Ásia (Yun, 2008YUN, Lisa. The coolie speaks: Chinese indentured laborers and African Slaves in Cuba. Philadelphia: Temple University Press, 2008. ; Corbitt, 1971CORBITT, Duvon. A study of the Chinese in Cuba, 1847-1947. Wilmore: Ashbury College, 1971.).

A onda tardia de tráfico de escravos distinguiu Cuba e Brasil do resto das Américas. Transformou os dois países nas mais importantes e socioculturalmente complexas sociedades escravistas do século XIX. Cerca de 92% de todos os escravos que entraram em Cuba o fizeram no século XIX. A proporção para o Brasil era menor (55%), mas ainda maior do que em qualquer outro lugar que não Cuba, e a proporção desses direcionada ao Rio de Janeiro e ao Sul era significativamente maior (78%). No resto da América Latina, a maior parte do comércio de escravos havia ocorrido muito antes (antes da década de 1650). A maioria da população negra, portanto, já era nativa há gerações e, devido ao acúmulo de altas taxas de alforria, livre.15 40 Sobre a concentração do tráfico de escravos na América espanhola antes de meados do século XVII, ver Bennett (2003), Bowser (1974), Blanco (1998) e Newson e Minchin (2007). No início do século XIX, oito décimos dos afrodescendentes na América espanhola fora de Cuba eram livres, em comparação com menos de um terço em Cuba e no Brasil (Klein, 1986KLEIN, Herbert S. African slavery in Latin America and the Caribbean. New York: Oxford University Press, 1986. ; Soler, 2005SOLER, Luis Díaz. Historia de la esclavitud negra en Puerto Rico. San Juan: Universidad de Puerto Rico, 2005.). Isso, todavia, colocava Cuba e Brasil no meio do espectro da liberdade no Novo Mundo. Afinal, a proporção de pessoas livres entre as populações negras do Sul dos EUA e das Antilhas Britânicas e Francesas variava entre 3 e 5%. Esse fato fazia de Cuba e Brasil lugares mais complexos, que não eram nem sociedades escravistas, nem sociedades livres com poucos escravos. Mesmo dentro de uma mesma família extensa, podiam-se encontrar escravos de plantation, aqueles que trabalhavam independentemente e pagavam a seus senhores uma parte de sua renda, pessoas recentemente alforriadas, pessoas nascidas livres há gerações e, até mesmo, ex-escravos proprietários de escravos.

A onda de chegadas também transformou Cuba e Brasil em sociedades de imigração africana e uma anomalia na história da formação da identidade africana nas Américas. Enquanto todos os outros destinos no lado ocidental do Atlântico Negro testemunharam uma tendência para uma identidade negra racial genérica durante o século XIX, Cuba e Brasil viram um movimento oposto, em direção a identidades étnicas africanas mais fortes e mais bem definidas.16 41 Para uma discussão da literatura acadêmica sobre escravidão e cultura africana no Brasil, ver Reis e Klein (2011). Religião, linguagem, música, confrarias e outras formas de sociabilidade passaram a ser definidas não apenas pelas divisões iorubá e banto, mais numerosas, mas também por outras etnias africanas. Ao contrário da maioria das outras regiões de plantation nas Américas, durante o século XIX, Cuba e Brasil não eram simplesmente lugares com uma grande população negra. Na verdade, os negros eram mais numerosos nos Estados Unidos e representavam uma proporção maior da população na maior parte do Caribe, incluindo a costa atlântica do centro e do norte da América do Sul e até as costas do Pacífico da Colômbia, Equador e Peru. O que distinguia Cuba e Brasil era sua posição como sociedades de imigração africana contemporânea, incluindo mulheres, que respondiam por três décimos da entrada, e a consequente intensidade da cultura africana.

É verdade que, em termos do movimento real, de falta de vontade própria e de seu componente de mercado, o tráfico de escravos mostrava-se mais comércio do que migração. Mas o movimento real é uma pequena parte da experiência de imigração e, em termos do processo mais longo de adaptação e formação de identidade coletiva, a experiência dos escravos se assemelhava, em vários aspectos, à dos imigrantes livres, e isso é mais visível em Cuba e no Brasil, precisamente porque foram as últimas sociedades de migração em massa africana para as Américas.17 42 Para uma tentativa de superar um foco único na escravidão e examinar a presença africana nas Américas como uma história de migração e de adaptação, ver Moya (2012).

Uma similaridade entre migrações forçadas e livres é a tentativa dos recém-chegados de formarem redes sociais de solidariedade baseadas na microrregião de origem. As similaridades são muitas. Tanto entre os livres como entre os forçados, a maioria dessas redes era informal e deixou poucos registros. Em ambos os casos, elas também incluíam arranjos mais institucionais, na forma de associações de beneficência. O exemplo da sociedade Abakua, fundada na cidade de Regla, em Cuba, na década de 1830, ilustra os padrões recorrentes. Tal como no caso das landmanshaftn de imigrantes judeus ou de outras associações de imigrantes de uma mesma cidade natal, ela foi fundada não por um grupo étnico em geral, mas por pessoas de uma origem específica, neste caso, Efiks da região do Rio Cross do sudeste da Nigéria. Como muitas das landsmanshaftn, era uma fraternidade restrita a homens. Como as tongs de chineses ultramarinos, ou muitas das associações de condado de imigrantes irlandeses, era uma sociedade secreta.18 43 Para um dos estudos mais recentes e completos da Abakua e outras associações secretas, ver Miller (2009). A estratégia institucional desta e de muitas outras confrarias de grupos étnicos africanos em Cuba e no Brasil também se assemelhava àquelas das sociedades de ajuda mútua de imigrantes em outros lugares: os membros contribuíam para um fundo mútuo do qual poderiam obter benefícios através de vários mecanismos de alocação, destinados a impedir o oportunismo. De fato, os membros dessas associações geralmente as chamavam de “sociedades de socorro mútuo”. Como em outros casos, os critérios de filiação tendiam a se expandir com o tempo, para incluir indivíduos do grupo etnolinguístico mais amplo e, às vezes, outros de fora, ligados a membros por laços não étnicos.19 44 Para uma discussão sobre práticas associativas de imigrantes em geral, ver Moya (2005).

Etnias africanas específicas formularam estratégias de adaptação. No Brasil, os bantos, originários das colônias portuguesas de Angola e, em menor grau, de Moçambique, chegaram mais cedo e muitas vezes semilusitanizados, e formaram uma grande maioria multigeracional que representava sete décimos dos africanos no país (Ferreira, 2012FERREIRA, Roquinaldo. Cross-cultural exchange in the Atlantic World: Angola and Brazil during the era of the slave trade. New York: Cambridge University Press, 2012. ; Slenes, 1999SLENES, Robert. Na senzala uma flor: esperanças e recordações na formação da família escrava: Brasil Sudeste, século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.). Isso lhes proporcionou maior familiaridade com a língua, a cultura e os costumes locais e redes sociais mais firmes e extensas. Embora se tenham rebelado e formado o maior assentamento de escravos fugitivos das Américas durante seus primeiros tempos no Brasil, no início do século XVII, com o tempo, seu capital social acumulado facilitou estratégias de adaptação e negociação ao invés de resistência total. Eles tinham mais possibilidades de obter melhores posições dentro do sistema (supervisores, ocupações domésticas e urbanas, melhores empregos nas plantações) do que outros grupos, podiam acessar o sistema legal e ser alforriados. Em contrapartida, os hauçás e os iorubás do norte, da região que hoje é a Nigéria, chegaram mais tarde, vindos de regiões não lusitanizadas e como muçulmanos, o que aumentou sua alteridade. Com poucas raízes na sociedade local, sem conexões multigeracionais e pouco conhecimento dos costumes locais, uma das poucas estratégias que lhes restava para lidar com a escravidão era a revolta radical. Não surpreende que os muçulmanos hauçás e malês, um termo usado principalmente para os muçulmanos iorubás, tenham empreendido as maiores rebeliões de escravos no Brasil do século XIX, sem qualquer apoio dos bantos e de seus descendentes crioulos.20 45 Sobre rebeliões na Bahia de escravos muçulmanos hauçás, em 1814, e outra em 1835 liderada por malês, ver respectivamente Schwartz (1997) e Reis (1993).

Por sua vez, as divergentes estratégias étnicas de adaptação levaram, como no caso dos imigrantes livres, à formação de estereótipos étnicos. Os malês e os bantos construíram narrativas para explicar suas abordagens divergentes. Os primeiros se definiam como corajosos e honrados enquanto denunciavam os bantos como covardes e submissos. Os últimos se consideravam sensatos e engenhosos e rotulavam os malês de teimosos e rudes. Estereótipos semelhantes apareceram em Cuba, onde os iorubás também chegaram mais tarde, tinham menos conexões locais e eram vistos como mais rebeldes. Esteban Montejo, um escravo fugitivo cuja história de vida foi registrada, afirmava que “lucumis (iorubás) e congoleses (bantos) não se davam bem”. Ele descreveu os primeiros como “os escravos mais rebeldes e corajosos” e os bantos como “covardes, de modo geral, mas trabalhadores fortes que trabalharam duro sem reclamar [sugerindo uma estratégia de adaptação]. Há um rato comum chamado congolês, e muito covarde é também” (Barnet, 1994BARNET, Miguel. Biography of a runaway slave. Willimantic: Curbstone Press, 1994., p. 32).

Brasil e Cuba também exibem dois outros elementos comuns na construção de estereótipos étnicos em sociedades de imigrantes: a tendência de definir os traços físicos e fenotípicos dos imigrantes e de estabelecer hierarquias culturais entre eles. Para o famoso antropólogo brasileiro Gilberto Freyre, os sudaneses (entre os quais ele incluía iorubás, hauçás e mandingas) estavam entre as pessoas mais altas do mundo em comparação com o “povo baixo e atarracado” da África meridional.21 46 Freyre, The Masters and the Slaves (1986). O livro foi originalmente publicado em 1933, como Casa-Grande e Senzala. Conectando estatura e status, uma prática comum nesses tipos de discursos, Freyre passou a descrever os sudaneses como culturalmente e moralmente superiores não apenas a outros grupos africanos escravizados, mas até mesmo à população brasileira local e aos portugueses (Freyre, 1986FREYRE, Gilberto. The masters and the slaves. Berkeley: University of California Press, 1986., p. 281). Esses argumentos ecoaram aqueles feitos por Nina Rodrigues, um dos fundadores da antropologia brasileira, no final do século XIX, que presumia a superioridade cultural dos iorubás e de outros povos do norte sobre os bantos, mas argumentava que, contrariamente à opinião estabelecida (e, na verdade, ao fato histórico), os primeiros eram tão numerosos no Brasil quanto os últimos. No entanto, a tendência a empregar estereótipos étnicos que atribuíam e misturavam traços físicos e de caráter não se limitava a antropólogos e elites. Ela atravessava fronteiras de classe e raciais conforme sugerem as descrições do escravo fugitivo Esteban Montejo:

Os congoleses tinham a pele escura, embora houvesse muitos de sangue misto com pele amarelada e cabelos claros [sugerindo maior assimilação]. Eles eram geralmente pequenos. Os mandingas tinham a pele avermelhada, eram altos e muito fortes. Juro pela minha mãe que eles eram um bando de delinquentes, também! Eles se mantinham separados do resto. Os gangas eram gente simpática, bastante baixos e sardentos. Muitos deles se tornaram fugitivos. Os carabalis eram como os musundis congoleses, brutos primitivos. Eles só matavam porcos aos domingos e na Páscoa e, sendo bons comerciantes, eles os matavam para vender, não para eles mesmos comerem. Daí vem um ditado, “Carabali esperto, mata porco no domingo.” (Barnet, 1994BARNET, Miguel. Biography of a runaway slave. Willimantic: Curbstone Press, 1994., p. 37).

Como no caso dos imigrantes livres nas Américas, os laços étnicos tendiam a enfraquecer com o tempo e dar lugar a identidades mais abrangentes. A partir de uma associação inicial com a cidade natal ou com a microrregião de origem, identidades coletivas fundiram-se em agrupamentos mais amplos, mas ainda de base africana, que vieram a assemelhar-se a identidades nacionais. Provavelmente não é coincidência o fato de as confrarias negras em Cuba terem ficado conhecidas como “sociedades de nación”, como a “Sociedad de Socorros Mutuos de Nación Lucumi” ou a “Sociedad de Socorros Mutuos del antiguo Cabildo de la Nación Carabalí” (Miller, 2009MILLER, Ivor. Voice of the leopard: African secret societies and Cuba. Jackson: University Press of Mississippi, 2009., p. 274). Como no caso de imigrantes europeus de países emergentes, como os italianos, essas “identidades nacionais” foram em parte uma construção de diáspora. Lucumí é o termo cubano para iorubá, mas, como vários historiadores mostraram, a noção de uma identidade iorubá mal existia na África no século XIX, uma vez que os endônimos dos povos se referiam a localidades específicas e não a uma identidade pan-étnica (Doortmont, 1990DOORTMONT, Michael R. The invention of the Yorubas: regional and Pan-African nationalism versus ethnic provincialism. In: FARIAS, P. F. de Moraes; BARBER, Karin. (Eds.). Self-assertion and brokerage: early cultural nationalism in West Africa. Birmingham: University of Birmingham, 1990, p. 101-108.). No entanto, em lugar de puras invenções, essas identidades representavam criações que fundiram traços pré-migratórios, elementos de outras origens africanas encontradas nas Américas e componentes ibero-crioulos. Quando cessou o afluxo africano, línguas foram se perdendo e a crioulização acelerou-se. Mas as identidades étnicas africanas sobreviveram principalmente em formas simbólicas, às vezes em expressões exageradamente contidas - não muito diferentes do ressurgimento da etnia branca nos Estados Unidos nos anos 1970 - e às vezes de modo inconsciente.22 47 Sobre o ressurgimento, na década de 1970, da etnia branca nos Estados Unidos, ver Alba (1990). Sobre um processo semelhante entre os afrodescendentes em Cuba, ver Vaughan (2012, p. 31, 39, 43) para o desempenho simbólico de etnia africana específica, ver Clealand, (2017). Esse foi o caso de um clube de bairro cubano, onde um musicólogo australiano descobriu recentemente que, sem que seus membros soubessem, as músicas e danças que executavam eram originárias de um pequeno subgrupo dos Gangás (o Gangá-Longobá) de uma aldeia na Serra Leoa (Christopher, 2013CHRISTOPHER, Emma. Josefa Diago and the origins of Cuba’s Gangá traditions. Transition, n. 111, p. 133-44, 2013.). Neste caso, como em muitos outros de migrantes depois de passadas várias gerações, tem-se a persistência étnica, sem consciência, memória ou identidade étnica.

Uma última característica distintiva da onda de escravidão de plantation no Brasil e em Cuba, durante a primeira metade do século XIX, é que, apesar de seu dinamismo, ela nunca superou o restante da estrutura econômica e social. Ao contrário das colônias inglesas e francesas das Índias Ocidentais, os escravos nunca representaram a maioria e sua proporção em relação à população caiu tão drasticamente como havia subido (no caso mais extremo, de Cuba, de 26% em 1774 para um pico de 41% em 1827 e de volta para 26% em 1862). O campesinato de cor, livre, não apenas sobreviveu à intensa chegada da escravidão, como também aumentou suas bases em números absolutos e relativos após meados do século XIX. E o mesmo ocorreu com as classes trabalhadoras rurais e urbanas brancas, com a chegada de milhões de imigrantes europeus nas oito décadas seguintes. Como os Estados Unidos, Brasil e Cuba desenvolveram-se, assim, a partir de duplas raízes, como sociedades escravocratas e de povoamento livre, de opressão e de oportunidades, contradições que perduram até o presente.

Migrações pós-coloniais

As maiores migrações para a América Latina durante a primeira metade do século XIX foram apenas em parte pós-coloniais. Cerca de 70.000 europeus entraram em Cuba durante esse período, quando a ilha ainda era uma colônia. Mas alguns desses influxos eram de origem pós-colonial: refugiados espanhóis e franceses que fugiam do colapso dos regimes coloniais no continente e em São Domingos (Berenguer, 1979BERENGUER, Jorge. La inmigración francesa en la jurisdicción de Cuba. Santiago: Editorial Oriente, 1979.)23 48 Ver Murillo (1999), que traz cartas escritas por imigrantes espanhóis em Cuba, 1808-1829. . A maioria, contudo, veio diretamente da Espanha: plantadores de tabaco das Ilhas Canárias, trabalhadores galegos e mercadores catalães, entre outros. Os maiores fluxos europeus para Cuba durante a segunda metade do século foram categoricamente coloniais: cerca de 430.000 soldados espanhóis foram enviados à ilha para reprimir revoltas anticoloniais. Como demonstraram os historiadores cubanos, o exército espanhol tornou-se um mecanismo de imigração. Cerca de um terço dos soldados conseguiram ficar em Cuba ou voltar alguns anos depois, levando consigo familiares e concidadãos (Fraginals; Masó, 1999FRAGINALS, Manuel M.; MASÓ, José M. Guerra, migración y muerte: el ejército español en Cuba como vía migratoria. Gijón: Ediciones Júcar, 1999.).

Os europeus que chegaram à América Latina entre meados do século XIX e a depressão mundial de 1930 representam o maior influxo populacional na história do subcontinente (Tabela 1). Esse movimento responde por sete décimos de todas as pessoas que já vieram para a América Latina e por um quarto de todos os europeus que deixaram seu continente nativo durante o período. As fontes regionais, no entanto, diferiam do fluxo europeu em outros lugares. A emigração para a Austrália, Nova Zelândia, Canadá e África do Sul teve origem esmagadora no noroeste da Europa, particularmente nas Ilhas Britânicas. Nos Estados Unidos, o fluxo originou-se também do noroeste da Europa, quase exclusivamente, antes de 1880, e mais da metade durante todo o período. Na América Latina, o influxo foi fortemente do sul da Europa (Tabela 2). Só a Itália representou quase quatro décimos de todos os recém-chegados, a Espanha, três décimos e Portugal, um décimo. As duas penínsulas do sudoeste da Europa responderam por cerca de 80% das chegadas. As origens regionais dentro desses países do sul da Europa eram, no entanto, fortemente nortistas.

Tabela 1
Migrações para a América Latina, 1492-2015
Tabela 2
Origens dos imigrantes europeus para a América Latina, 1820-1960

No caso da Itália, a preponderância do norte refletiu o tempo da chegada. Diferentemente da migração europeia em geral, que adquiriu dimensões massivas nos EUA antes do que na América Latina, a migração italiana para a América do Sul alcançou números massivos mais cedo do que nos EUA. Durante o século XIX, o fluxo para a região foi o dobro daquele para a América do Norte. Por volta de 1900, a comunidade italiana em Buenos Aires era maior que as dez maiores da América do Norte juntas; e São Paulo, Montevidéu e Rosário tinham mais italianos do que qualquer outra cidade dos EUA salvo Nova York. O fato de a faixa superior da península ter dominado o êxodo transatlântico durante grande parte do século XIX conferiu a esses primeiros enclaves italianos na América Latina uma forte marca do norte. Ligúria (a região costeira em torno de Gênova) forneceu o maior contingente para as cidades argentinas; Piemonte desempenhou esse papel para os pampas e Vêneto para o Brasil. Durante o século XX, o Mezzogiorno (sul da Itália) aumentou sua participação. Mas os nortistas mantiveram sua predominância durante todo o período na América Latina, em contraste com os Estados Unidos, onde os sulistas representavam quatro quintos de todos os imigrantes italianos (Baily, 1999BAILY, Samuel L. Immigrants in the Lands of Promise: Italians in Buenos Aires and New York, 1870-1914. Ithaca: Cornell University Press, 1999.).

A prevalência do norte teve origens ainda mais precoces no caso da Espanha. O litoral da Cantábria substituiu a Andaluzia e o Sul como a principal fonte de migração para as Índias já no século XVIII. A tendência continuou durante o século XIX, apesar da migração significativa das Ilhas Canárias para Cuba e Venezuela. Os bascos tornaram-se o equivalente ibérico dos piemonteses na região do Rio da Prata: colonos pioneiros dos pampas. Sua chegada precoce e concentração em atividades pastorais lhes renderam riqueza e prestígio suficientes para popularizar a ideia de que a oligarquia argentina era em grande parte etnicamente basca. Os asturianos foram particularmente numerosos no México e em Cuba. Os catalães se espalharam por grande parte da América espanhola. Esses chamados “judeus da Espanha” parecem ter compartilhado o mesmo estereótipo dicotômico de empreendedores poupadores ou anarquistas radicais. Pelo menos a segunda metade do clichê pode não ter sido uma invenção arbitrária. Catalães e judeus constituíram os grupos étnicos mais representados no movimento anarquista na Europa e nas Américas (Moya, 2004MOYA, José C. The positive side of stereotypes: Jewish anarchists in early-twentieth-century Buenos Aires. Jewish History, v. 18, n. 1, p. 19-48, 2004.). Os galegos se tornaram o maior grupo em todos os países receptores. Seus números e visibilidade fizeram de “galego” um termo genérico para designar os espanhóis na América Latina e o personagem típico ridículo do humor popular étnico - o equivalente, na América espanhola, às piadas sobre portugueses no Brasil e sobre poloneses nos Estados Unidos (Moya, 2003MOYA, José C. Spanish immigration in Cuba and Argentina. In: BAILY, Samuel L.; MIGUEZ, Eduardo J. (Eds.). Mass migration to modern Latin America. Wilmington: Scholarly Resources, 2003.).

O movimento a partir do Norte entre os portugueses também já estava estabelecido no final do período colonial. No início do século XIX, a pequena região do Minho, no noroeste de Portugal, respondia por metade de todos os imigrantes no Brasil. Por volta de 1850, mais de um terço dos portugueses residentes no Rio de Janeiro tinha nascido na cidade do Porto, na região do Douro, no sul do Minho. A partir deste canto do noroeste, a emigração espalhou-se para outras regiões do norte e, no início do século XX, Trás-os-Montes, no Nordeste, e Beiras, no Sul, tornaram-se importantes fontes. O Brasil atraiu cerca de quatro quintos do êxodo de Portugal. Mas essa predominância do norte continental caracterizou apenas o movimento para o Brasil. Como no caso da Itália, há um forte contraste entre as travessias para a América do Sul e aquelas para a América do Norte, em que 70 por cento dos imigrantes portugueses vinham dos Açores e grande parte dos demais, das ilhas de Madeira e Cabo Verde (Moya, 2015bMOYA, José C. A emigración azoriana e galega: unha perspectiva comparada. In: RODRÍGUEZ, Alberto Pena et al. (Eds.). Emigración e exilio dos Estados Unidos de América: experiencias de Galiciae Azores. Santiago de Compostela: Consello da Cultura Galega, 2015b.).

O restante um quinto dos imigrantes europeus na América Latina que não provinham das penínsulas ibérica e italiana somou quase 3 milhões de pessoas. Etnias germânicas representaram o maior grupo. Um geógrafo alemão estimou em dois milhões o número de seus conterrâneos na América Latina, em 1930. A França juntou-se às travessias desde o início e foi responsável por um décimo do fluxo no século XIX, mas diminuiu sua participação depois de 1900. Os europeus orientais foram mais numerosos, mas também mais difíceis de identificar por causa da natureza multiétnica de suas comunidades políticas na região, suas fronteiras mutáveis ​​e, mesmo, sua existência mutável. A Argentina, por exemplo, registrou a entrada de 180.000 poloneses e 48.000 iugoslavos após a Primeira Guerra Mundial, mas de nenhum, antes. Ambos os grupos foram simplesmente incluídos entre os 177.000 “russos” e 111.000 austro-húngaros listados nos registros de entrada na Argentina. No início da década de 1890, a “febre do Brasil” (gorączka brazylijska) levou milhares de camponeses poloneses para o país e um geógrafo americano estimou que, em 1930, residiam 240.000 “eslavos” nos três estados mais meridionais do Brasil. Os judeus constituíam uma proporção tão grande de imigrantes da Europa Oriental, que ruso e, com menos frequência, polaco, tornaram-se termos genéricos para os asquenazes na América do Sul.24 49 Os dados sobre os vários grupos de imigrantes neste parágrafo e nos seguintes foram selecionados a partir das fontes listadas e descritas em Moya (2011).

De outras partes, chegaram diversas etnias europeias. Refugiados boêres deixaram a África do Sul após as Guerras dos Bôeres, para se estabelecerem na Patagônia e, em menor número, no México. Cerca de 50.000 pessoas, muitas delas nascidas na Europa, deixaram os Estados Unidos e o Canadá para Cuba durante as duas primeiras décadas do século XX, incluindo colonos rurais que fundaram 80 colônias agrícolas. Entre 8.000 e 10.000 sulistas estadunidenses migraram para o México e para o Brasil, após a derrota dos confederados na Guerra Civil Americana.

Muitas das 340.000 pessoas vindas do Oriente Médio para a América Latina (175.000 delas para a Argentina, 95.000 para o Brasil e 70.000 para outros países) entraram como turcas, porque viajavam com passaportes otomanos. Mas poucas eram efetivamente turcas ou mesmo muçulmanas. A grande maioria pertencia a minorias religiosas no Império Otomano e seus estados sucessores. Os sefarditas (descendentes de judeus espanhóis e portugueses), de Constantinopla, Salonica e norte da África e os mizrahim (judeus árabes) de Alepo e de outras cidades do Levante migraram para a região do Rio da Prata, Brasil, Cuba e México. Os armênios, grupo já disperso pelo Oriente Médio antes de cruzar o Atlântico, vieram de vários países. Os estabelecidos na Argentina, que hoje tem a nona maior população armênia do mundo (130.000), vieram principalmente da Cilícia, na costa sudeste da Turquia, após os massacres de Adana, em 1909. Brasil (40.000) e Uruguai (19.000) têm as seguintes duas maiores comunidades armênias na América Latina. Palestinos de Belém e de algumas outras cidades cristãs dirigiram-se principalmente ao Chile, que tem a maior concentração de palestinos fora do Oriente Médio; a Honduras, onde perfazem 2% da população nacional; e a El Salvador. Sírio-libaneses, principalmente cristãos maronitas do monte Líbano, deslocaram-se em grande número para os países clássicos de imigração na América do Sul, particularmente o Brasil, que tem a maior comunidade libanesa do mundo (Truzzi, 2008TRUZZI, Oswaldo. Patrícios: sírios e libaneses em São Paulo. São Paulo: Editora Unesp, 2008.). Mas tomaram também o rumo de todos os países do hemisfério ocidental. Mesmo dentro dos países hospedeiros tradicionais, eles se mudaram para regiões como o noroeste andino da Argentina e o nordeste do Brasil, onde poucos europeus recém-chegados se estabeleceram.

Além daqueles vindos do Oriente Médio, cerca de 580.000 asiáticos migraram para a América Latina antes da Segunda Guerra Mundial. Seis décimos desses eram chineses e dirigiram-se, principalmente, para Cuba, Peru e, em menor grau, para o norte do México. Sendo a esmagadora maioria deles constituída por trabalhadores contratados do sexo masculino, as comunidades chinesas assentadas continuaram relativamente pequenas. Os japoneses chegaram mais tarde, mas como grupos familiares, por isso, apesar de seu menor número, essas comunidades étnicas se reproduziram muito mais. No Brasil, ela corresponde a cerca de dois milhões de pessoas, conferindo ao país a maior população de origem japonesa fora do Japão.

Assim como no caso do tráfico de escravos africanos (e como mostra a Tabela 3), a migração europeia direcionou-se a todos os países da América Latina, mas ao mesmo tempo foi altamente concentrada. Cerca de 85% do fluxo voltou-se à região temperada da América do Sul, que se estende de São Paulo até o litoral do Rio da Prata e os pampas. Isso refletiu um processo ecológico global. O êxodo europeu representou o maior deslocamento de população na história mundial, movendo-se das regiões temperadas mais densamente povoadas do planeta para as regiões temperadas menos densamente povoadas. Mais de nove décimos do êxodo avançou para essas “neo-Europas” - norte da América do Norte, sul da América do Sul, Australásia e centro-norte da Ásia - lugares com climas e ecologias semelhantes aos da Europa, mas tão escassamente povoados que sua população total aborígene, em 1800, era menor do que a população da Suíça ou de Londres (Moya; McKeown, 2011MOYA, José C.; MCKEOWN, Adam. World migration in the long twentieth century. Washington DC: American Historical Association, 2011.). De fato, os únicos lugares nos trópicos a receber um número significativo de europeus estavam na América Latina: Cuba e o Brasil central.

Tabela 3
Destino dos imigrantes europeus para a América Latina, 1850-1930

Imigração Europeia e a “Grande Reversão”

A imigração europeia reverteu a ordem socioeconômica dentro do hemisfério ocidental. Antes de 1800, as histórias de sucesso colonial residiam em uma combinação de trabalho indígena e metais preciosos, ou escravidão africana e cultivos tropicais comerciais. A prata de Zacatecas e Potosí havia transformado o México e o Peru nas estrelas no firmamento do Império Espanhol. O açúcar e a escravatura transformaram São Domingos e Barbados em duas das mais ricas colônias do mundo, que tinham valor muito maior para os franceses e britânicos do que Quebec ou o futuro Estados Unidos (Dupuy, 1985DUPUY, Alex. French merchant capital and slavery in Saint-Domingue. Latin American Perspectives, v. 12, n. 3, p. 77-102 1985. ; Eltis, 1995ELTIS, David. The total product of Barbados, 1664-1701. The Journal of Economic History, v. 55, n. 2, p.321-338, 1995.). Em termos de escala, eficiência e produção voltada ao mercado, as economias mais modernas das Américas, por volta de 1800, poderiam ser encontradas no complexo de mineração do Bajío mexicano e nas plantações das Índias Ocidentais.25 50 Tutino (2011) mostrou que o complexo de mineração do México, no período colonial tardio, representava uma das economias capitalistas mais desenvolvidas do mundo. Pomeranz e Topik (1999) argumentam que a produção industrial pode, de fato, ter se originado nas usinas de açúcar do Caribe. Esses são alguns dos vários estudos recentes que questionam a hipótese de que a industrialização e o capitalismo, antes do século XIX, eram basicamente, ou mesmo principalmente, um fenômeno europeu. Um século depois, a modernidade econômica mudara-se para as fábricas e plantações comerciais nas regiões de colonização europeia. A imigração livre e seus processos correlatos transformaram as colônias mais pobres do hemisfério ocidental em seus países mais ricos.

Uma inversão semelhante ocorreu no âmbito interno aos países. O centro econômico da Argentina mudou-se, durante o século XIX, da região noroeste ou andina, que fazia parte do complexo de mineração de prata do Alto Peru, para o litoral Atlântico, ao leste, porta de entrada dos imigrantes. No Brasil, moveu-se para o sul, das economias de plantation de Pernambuco e Bahia, para as minas de ouro e diamantes de Minas Gerais, no século XVIII, e um século depois para as antes marginais São Paulo e região sul. Nos Estados Unidos, a mudança deu-se na outra direção geográfica - do Sul para o Nordeste -, mas na mesma trajetória social de uma região de escravatura e plantations para outra de cultivos comerciais, fábricas e imigrantes (Moya, 2006MOYA, José C. A Continent of immigrants: postcolonial shifts in the Western hemisphere. Hispanic American Historical Review, v. 86, n. 1, p. 1-28, 2006.).

A mudança na distribuição dos centros urbanos nas Américas ilustra essa virada. Antes de 1800, 46 das 50 maiores cidades das Américas, incluindo as dez maiores, situavam-se nos complexos prata/trabalho-escravo-indígena ou plantation/trabalho-escravo-africano que formavam os núcleos coloniais. Em 1910, as 11 maiores cidades das Américas e 81 das 100 maiores eram cidades da Euro-América. Os cinco países mais urbanizados (Uruguai, Cuba, Argentina, Estados Unidos e Canadá, nessa ordem) eram os que possuíam a maior proporção de imigrantes europeus em suas populações. Na medida em que a modernidade, seja qual for sua definição, esteja incontestavelmente situada em espaços urbanos, pode-se argumentar que os locais do moderno no hemisfério ocidental deslocaram-se, durante o século XIX, dos núcleos coloniais da América indo-mestiça e da Afro-América para a Euro-América, os extremos de clima temperado do hemisfério que também tinham sido suas fronteiras socioeconômicas e para Cuba. De fato, somente a cegueira do centrismo estadunidense pode obscurecer o fato de que, antes de 1800, os principais sítios da modernidade podiam ser encontrados não em Boston ou Filadélfia, mas em lugares como Guanajuato e Salvador (em termos de tecnologia e produção voltada ao mercado) ou Cidade do México e Lima (em termos de livros, teatros, arquitetura, música e outros produtos culturais). E só a definição mais equívoca de modernidades alternativas pode ocultar seu evidente deslocamento para lugares como Nova York, Chicago, Buenos Aires, Montevidéu e São Paulo, ocorridos durante o século XIX.

A modernidade não apenas mudou-se espacialmente, mas também em seu conteúdo. Economicamente, mudou - nas novas regiões da imigração europeia das Américas - para um sistema que era capitalista não apenas em termos de troca e comercialização (como o fora no antigo núcleo colonial), mas também em termos de relações sociais de produção, baseadas no trabalho livre, em vez de trabalho escravo e semiescravo. O crescimento econômico adquiriu, aqui, uma conexão mais forte com o bem-estar social. As regiões de imigração europeia desenvolveram o maior e mais forte movimento trabalhista da América Latina e um dos mais poderosos do mundo. Elas ostentavam os mais altos índices nutricionais, de expectativa de vida e os menores índices de mortalidade, os mais altos níveis de participação cívica em sociedades de ajuda mútua e outras associações voluntárias, e também os mais altos de participação popular no setor bancário e de poupança. Elas também exibiam as primeiras e mais inclusivas formas de participação política, as mais altas taxas de alfabetização e os mais altos indicadores per capita de material impresso, peças teatrais, clubes e atividades esportivas e outros produtos culturais.26 51 Sobre indicadores de saúde, ver Moya (1998, p. 150-3). Para as taxas de alfabetização nos países da América Latina e globalmente durante o século XIX e início do século XX, ver UNESCO (1953, p. 200-22) e Newland (1991, p. 378). Sobre o teatro como uma forma de entretenimento de massa, ver McCleary (2015).

Essas representaram as primeiras sociedades de massa na América Latina. Os recursos econômicos e socioculturais eram mais abundantes e mais bem distribuídos do que no resto da América Latina e, na verdade, do que na maior parte da Europa. Na década de 1920, os salários reais na Argentina e no Uruguai superaram os de todos os países europeus, com exceção da Inglaterra e da Suíça, aos quais se equiparavam. O consumo de água e as taxas de propriedade residencial eram maiores do que em qualquer país do Velho Mundo. Os filhos dos imigrantes tornaram-se, em média, cinco centímetros mais altos do que seus pais nascidos na Europa, independentemente de suas origens étnicas. Os altos índices de consumo popular, por sua vez, fomentaram o desenvolvimento precoce de mercados domésticos em regiões que também apresentavam os maiores níveis de exportações per capita no Novo Mundo (Moya, 2006MOYA, José C. A Continent of immigrants: postcolonial shifts in the Western hemisphere. Hispanic American Historical Review, v. 86, n. 1, p. 1-28, 2006.).

O impacto da imigração foi particularmente multifacetado na faixa de clima temperado da América do Sul, que vai da Patagônia a São Paulo. O impacto demográfico nesta região estava entre os mais altos do mundo. Por exemplo, os imigrantes representavam 35% da população no Uruguai, ao final do século XIX, e 30% na Argentina, às vésperas da Primeira Guerra Mundial, comparados com 20% na Austrália e 15% nos Estados Unidos. Os recém-chegados e seus descendentes representaram mais de 80% da população na região temperada da América do Sul. Em virtude de seu peso demográfico, também tiveram um tremendo impacto na formação da cultura popular da região. Eles diversificaram uma dieta carnívora, transformando itens como macarrão e vinho em alimentos básicos nacionais. Introduziram atividades esportivas e de lazer, como bocha, pelota basca, polo, zarzuelas e futebol. No início do século XX, Buenos Aires e Montevidéu ostentavam o maior número de clubes de futebol e estádios do mundo, juntamente com Londres (Rein, 2015REIN, Raanan. Fútbol, Jews, and the making of Argentina. Stanford: Stanford University Press , 2015.). Esta região da América do Sul conquistou nove das 20 Copas do Mundo de futebol já disputadas. Os imigrantes introduziram instrumentos e estilos musicais e criaram o tango. Não tinham o poder institucional para mudar a sintaxe das línguas nacionais, mas dispunham dos números para mudá-las foneticamente, razão pela qual o espanhol do Rio da Prata soa como italiano para a maioria dos estrangeiros.

Tal como ocorreu com as chegadas africanas, a preservação das culturas pré-migratórias diferiu de acordo com as circunstâncias. Os que se estabeleceram em colônias rurais relativamente isoladas - como os galeses ou os alemães do Volga na Patagônia e nos Pampas, e os alemães no sul do Brasil - conseguiram preservar suas línguas e costumes por mais tempo do que aqueles que se estabeleceram em áreas urbanas ou suburbanas. A chegada de um número significativo de imigrantes europeus em todos os países de colonização, após a Segunda Guerra Mundial, reativou os vínculos com as pátrias e identidades pré-migratórias. Grupos, principalmente do norte da Europa, que tinham um senso de superioridade em relação à cultura “latina”, tendiam a manter uma identidade separada por mais tempo do que aqueles originários do sul da Europa. Riqueza e prestígio nacionais relativos, ao longo do tempo também tiveram impacto. Durante a maior parte do período de migração em massa, os países receptores foram percebidos como mais modernos e avançados do que a maioria dos países remetentes. Os filhos de imigrantes, muitas vezes, sentiam-se envergonhados de suas origens e desejavam identificar-se com o novo país. O crescente prestígio econômico e cultural dos países do sul da Europa nas últimas décadas (pelo menos antes da depressão de 2008) levou a um aumento na identificação com as origens dos imigrantes. Parte dela, de caráter puramente utilitário (obter passaportes da UE e migrar para lá por razões econômicas). Mas também há elementos de resgate étnico simbólico.

No entanto, pelos padrões globais, o que chama a atenção nos países latino-americanos de imigração não é a persistência de culturas, hábitos e identidades pré-migratórias, mas a rapidez e completude de seu apagamento. Em todo o mundo, os migrantes - de árabes e gujaratis na África Oriental e igbos e libaneses na África Ocidental a alemães do Volga no Cazaquistão e chineses na Malásia - mantêm identidades separadas e estruturas comunais por gerações e às vezes séculos, mesmo quando não são territorializados. Sua identidade étnica não apenas influencia costumes, convenções morais e comportamento doméstico, como praticamente determina o que eles falam e comem, onde vivem, como ganham a vida, com quem se relacionam e se casam, e quase todos os aspectos de sua vida pública e privada.

Comparada a esse nível de separação e continuidade, a persistência étnica na América Latina parece, particularmente após a terceira geração, menos consequente, para dizer o mínimo. Linguisticamente, as sociedades de acolhimento mostraram-se rolos compressores. Os imigrantes de terceira geração que falam a língua de seus ancestrais são poucos, e aqueles que a falam fluentemente são raros. O iídiche, que havia sobrevivido por um milênio como língua de minorias étnicas na Europa Central e na Oriental, desapareceu em três gerações na Argentina, no Uruguai e no Brasil (Moya, 2013bMOYA, José C. The Jewish experience in Argentina in a diasporic perspective. In: BRODSKY, Adriana; REIN, Raanan (Eds.). The New Jewish Argentina. Leiden: Brill, 2013b, p. 7-29.). As taxas de exogamia são excepcionalmente altas. Isso vale até mesmo entre grupos que já eram minorias étnicas e altamente endógamas antes de cruzar o Atlântico. Mais da metade dos judeus na Argentina, Uruguai, Brasil e EUA se casam fora do grupo, um nível sem precedentes na história de um grupo cujas taxas de exogamia na Europa Oriental, Norte da África e Oriente Médio, por volta de 1930, ficavam abaixo de 2% e hoje estão abaixo de 35% em outras diásporas como Austrália, Canadá e Nova Zelândia, e abaixo de 25% na África do Sul (Erdei, 2014ERDEI, Ezequiel. Choosing each other: exogamy in the Jewish community of Buenos Aires. Oxford: JDC International Centre for Community Development, 2014. Available at: <http://www.jdc-iccd.org/en/article/64/choosing-each-other-exogamy-in-the-jewish-community-of-buenos-aires>.
http://www.jdc-iccd.org/en/article/64/ch...
; Reinharz; DellaPergola, 2009REINHARZ, Shulamit; DELLAPERGOLA, Sergio (Eds.). Jewish intermarriage around the world. New Brunswick: Transaction Books, 2009.). A segregação residencial e ocupacional nunca foi alta frente aos padrões internacionais e praticamente desapareceu (Moya, 1998MOYA, José C. Cousins and strangers: Spanish immigrants in Buenos Aires, 1850-1930. Berkeley: University of California Press , 1998.).

Essa força assimilacionista tanto reflete quanto está refletida em noções de cidadania que a América Latina compartilha com o resto do hemisfério. Todos salvo dois dos 38 países do Novo Mundo concedem a cidadania como um direito de nascimento (jus soli), uma forma inclusiva de cidadania cívica que permite a qualquer um tornar-se membro da organização política e cidadão nacional, independentemente de sua ascendência. Isso contrasta fortemente com o resto do mundo, onde apenas 11 dos 156 países adotam o jus soli, concedendo cidadania com base no “sangue” (jus sanguinis) e não como direito de nascimento.

O processo de absorção também foi relativamente livre de violência nos países de imigração europeia. Os imigrantes e seus descendentes eram numerosos demais para se concentrarem seja no estrato inferior ou no topo da pirâmide de classes, o que inibiu a fusão de xenofobia com ressentimento ou discriminação de classe que tem sido comum na Europa, África e Ásia. A elevada proporção de recursos para o trabalho e a excepcional expansão econômica das Neo-Europas mitigou a competição entre grupos por recursos escassos. Isso, somado à prevalência de sistemas legais baseados em princípios universalistas, em lugar de direitos de grupo, e às instituições públicas relativamente estáveis ​​dos países, mitigou a violência inter-étnica. É revelador o fato de que os mais brutais episódios anti-imigrantes nas Américas não tenham ocorrido em países de imigração europeia, e sim na República Dominicana, onde 12.000 haitianos foram massacrados em 1937, e nos estados mexicanos de Coahuila e Sonora, onde 400 chineses foram mortos durante a Revolução Mexicana. Além disso, os baixos níveis de violência incluem crime e assassinato. As taxas de homicídio nos países e regiões que receberam imigração europeia em massa no século XIX e início do século XX - Argentina, Uruguai e Cuba - são hoje quatro vezes menores do que a média latino-americana e até 28 vezes menores do que nos países com as maiores taxas.27 52 Calculadas a partir de dados em relatórios do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime. Disponível em: <www.unodc.org/gsh/en/data.html>.

No entanto, a relativa integração harmoniosa dos imigrantes europeus deu-se, muitas vezes, às custas das minorias não brancas. Como nos Estados Unidos, migrações posteriores internas e internacionais de pessoas não brancas tiraram os migrantes europeus já chegados e seus descendentes dos degraus socioeconômicos e ocupacionais mais baixos. Mestiços da Argentina andina e de países vizinhos e afro-brasileiros do Nordeste não só chegaram depois - por si só, uma desvantagem - como também chegaram com menos habilidades urbanas e em uma época, depois da década de 1920, em que a economia estava menos dinâmica e aberta. Além disso, cada vez mais, tiveram que competir não com outros migrantes, mas com os filhos destes, nascidos no meio urbano, que excluíam os migrantes de cor através de mecanismos que variavam desde a contratação de membros da mesma etnia à discriminação racial dissimulada ou declarada.

Essa mudança demográfica produziu evidentes mudanças socioculturais e discursivas. Antes da década de 1930, a maior parte dos discursos e da discriminação etnofóbicos e racistas no sul do Brasil e no litoral argentino era direcionada aos últimos europeus chegados, porque compunham a maior parte da classe trabalhadora e dos pobres. À medida que os recém-chegados de cor se tornaram mais numerosos e começaram a substituir os imigrantes europeus nos degraus inferiores da estrutura social, a direção da etnofobia também começou a mudar. Cada vez mais, os negros substituíram os imigrantes como a representação da pobreza, das patologias sociais e do perigo. Mesmo no leste da Argentina, onde os migrantes eram mestiços e não afrodescendentes, eles eram frequentemente chamados de negros ou cabecitas negras. No sul do Brasil, as categorias raciais tornaram-se mais duais, mais preto e branco, literalmente, do que no resto do país. Lá e no leste da Argentina, os “negros” tornaram-se cada vez mais uma espécie de “outro permanente” para os descendentes de imigrantes europeus (Moya, 2009MOYA, José C. Immigration, development, and assimilation in the United States in a global perspective, 1850-1930. Studia Migracyijne, Warsaw, v. 35, n. 3, p. 89-104, 2009.).

O impacto da imigração foi menos multifacetado, embora economicamente significativo em países que receberam relativamente poucos imigrantes. Um pequeno número de agricultores alemães respondia por mais de um terço da produção de café na Guatemala, no início do século XX (Wagner, 1991WAGNER, Regina. Los alemanes en Guatemala, 1828-1944. Guatemala: Editorial IDEA, 1991.). Os cristãos palestinos representam menos de 2% da população em Honduras, mas respondiam por mais da metade dos negócios em San Pedro Sula, já na década de 1920, e detêm um número desproporcionalmente alto de estabelecimentos industriais e comerciais no país, atualmente (González, 1992GONZÁLEZ, Nancie L. S. Dollar, dove, and eagle: one hundred years of Palestinian migration to Honduras. Ann Arbor: University of Michigan Press, 1992.). O mesmo vale para os libaneses no Equador. Pessoas cuja ascendência remonta a umas poucas aldeias maronitas têm sido eleitas para tantos cargos nas administrações locais e nacionais (incluindo uma vice-presidência e duas presidências) que rivais políticos têm reclamado da “beduinização do Equador” (Roberts, 2000ROBERTS, Lois J. The Lebanese immigrants in Ecuador: a history of emerging leadership. Boulder: Westview Press, 2000.). Os imigrantes europeus no México representam menos de 1% da população, mas têm desempenhado um papel dominante na economia e na industrialização do país.

Isso vale para todos os demais países da América Latina e do Caribe onde a imigração não representou um fenômeno de massa. Os recém-chegados e seus descendentes passaram a ocupar, mesmo quando chegados como humildes vendedores ambulantes, uma posição de classe privilegiada com um senso de superioridade cultural. Essa situação se assemelhava mais às experiências das chamadas minorias de intermediários, como os chineses no sudeste da Ásia, os indianos na África Oriental e os libaneses na África Ocidental, do que àquelas dos países de imigração nas Américas. Contudo, mesmo nesses países latino-americanos de imigração limitada, a separação entre os descendentes de imigrantes e a população nativa nunca foi tão acentuada e tensa como na Ásia e na África, em grande parte devido à existência de classes alta e média nativas de descendência europeia (hispano-crioulas), o que tornava os recém-chegados menos visíveis.

A reversão da hierarquia socioeconômica regional no hemisfério ocidental, produzida pela imigração europeia durante o século XIX, teve um efeito duradouro. Apesar do desempenho econômico desigual dos países do Rio da Prata, desde a década de 1960, a classificação dos indicadores de desenvolvimento social na América Latina mostrou continuidade ao longo do século passado. Os países ou regiões que a imigração transformou nos mais urbanos e socialmente desenvolvidos em 1900 (leste da Argentina, Uruguai, sul do Brasil, Cuba e Chile) ainda o são, hoje. Em termos de alfabetização, expectativa de vida, mortalidade infantil, nutrição e outros indicadores de bem-estar social, eles continuam a se posicionar mais próximos aos da Europa (agora no nível dos países da Europa Oriental, como a Polônia) do que dos países latino-americanos mais pobres. A “grande reversão”, portanto, cimentou as desigualdades entre os países da América Latina, que são maiores do que aquelas entre esta e o ocidente desenvolvido. Atualmente, o PIB per capita da França é 1,7 vezes maior do que o da Argentina, do Uruguai, do Chile e do sul do Brasil. Mas o PIB per capita desses países é de 3 a 5 vezes maior do que o dos países mais pobres da América espanhola (Honduras, Nicarágua, Guatemala, El Salvador, Bolívia, Paraguai) e 13 vezes maior do que o do Haiti.

Com este artigo, eu espero ter demonstrado que as migrações transcontinentais, nas várias formas que assumiram (primeiro povoamento paleolítico, conquista e colonialismo, escravidão, movimentos massivos livres e diásporas mercantis) e no modo como interagiram com os ambientes receptores, representam o processo central da formação histórica da América Latina. Esse processo explica por que as Américas são a região mais multirracial do mundo. O fato de essa multirracialidade ter-se materializado a partir de movimentos incorporados a estruturas com grandes disparidades de poder, também explica por que aquelas regiões da América Latina onde a conquista e a escravidão predominaram apresentam os mais altos níveis de desigualdade social no mundo; e por que as regiões de novos assentamentos baseados na livre migração têm tido, historicamente, algumas das estruturas sociais mais igualitárias e os mais altos níveis de mobilidade social ascendente. Em termos de formação cultural, a combinação de povoamento aborígine escasso e tardio com um imperialismo ibérico que apresentou níveis excepcionalmente altos de colonialismo real, isto é, migração e colonização, forjou sociedades coloniais culturalmente mais homogêneas do que na maioria dos outros lugares. Esta relativa falta de diversidade linguística, religiosa e sectária tornou mais fácil para as repúblicas pós-coloniais construírem culturas nacionais, às quais as chegadas posteriores foram assimiladas com excepcional rapidez frente aos padrões internacionais. Isso, por sua vez, explica dois aparentes paradoxos: que a região mais multirracial do mundo seja, também, a menos multicultural; e que aquela região com as maiores desigualdades raciais seja também aquela com os níveis mais baixos de separatismos étnicos e sectários, violência e genocídios.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2018
  • Data do Fascículo
    Dez 2018

Histórico

  • Recebido
    09 Maio 2018
  • Aceito
    01 Ago 2018
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