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Forças em forma: uma sociologia pragmática da “violentização” da força em diferentes modalidades

Forces into forms: a pragmatic sociology of “violentization” of force in different modalities

Fuerzas en forma: una sociología pragmática de la violentización de la fuerza en distintas maneras

Resumo

O objetivo deste artigo é discutir as diferentes formas como a força comparece nos momentos de “violentização” de situações sociais, isto é, de definição destas como “de violência”, quando o horizonte dessa delimitação estiver imerso na representação social chamada “violência urbana”. Para tanto, analisamos de forma simetrizada em quatro materiais empíricos atravessados por múltiplas metodologias as efetivações de situações relativas a quatro diferentes figuras relevantes desse cenário: 1) policiais militares (que se fazem força); 2) ladrões (que administram a força); 3) os chamados “bandidos” (que são representados como força); e 4) leitores de notícias sobre operações policiais em um jornal (que conclamam a força). A análise se dá na continuidade do desenvolvimento de uma sociologia pragmática da violência e busca compreender como tipos de força e formas de os mobilizar em situação definem diferentes actantes e consequentemente as situações por eles violentizadas.

Palavras-chave
violência; força; polícia; ladrão; bandidos; cidadãos

Abstract

This article aims to discuss how force appears in moments of “violentization” in social situations, that is, when defining them as “violent,” when the horizon of this delimitation is under the social representation called “urban violence.” In order to do so, we analyzed, in a symmetrized way, in four empirical materials crossed by multiple methods, the effectuation of situations related to four different relevant figures of this scenario: 1) military police officers (that make themselves as force); 2) thieves (who manage force); 3) the so-called “bandits” (who are represented as force); and 4) readers of news about police military incursions in a newspaper (who summon the force). The work joins an effort to develop a pragmatic sociology of violence. It seeks to understand how types of force and ways of deploying them in a situation define different actants and, consequently, the situations they “violentize.”

Keywords
violence; force; police; thief; bandit; citizens

Resúmen

El objetivo de este artículo es discutir las diferentes formas en que la fuerza aparece en momentos de “violentización” de situaciones sociales, es decir, de definirlas como “violencia”, cuando el horizonte de esta delimitación se sumerge en la representación social denominada “violencia urbana”. Para ello, analizamos de manera simétrica en cuatro materiales empíricos atravesados por múltiples metodologías la implementación de situaciones relativas a cuatro diferentes figuras relevantes en este escenario: 1) policías militares (que ejercen la fuerza); 2) ladrones (que administran la fuerza); 3) los llamados “bandidos” (que son representados como una fuerza); y 4) lectores de noticias sobre operativos policiales en un periódico (que llaman a la fuerza). El análisis se sitúa en la continuidad del desarrollo de una sociología pragmática de la violencia y busca comprender cómo los tipos de fuerza y ??las formas de movilizarlas en situaciones definen a los diferentes actantes y, en consecuencia, las situaciones que violan.

Palabras clave
violencia; fuerza; policía; ladrón; bandoleros; ciudadanos

Introdução

O objetivo deste artigo1 1 Este texto traz resultados das pesquisas Moralismo Ostentatório e Violência: Um Estudo do Papel da Crítica Acusatorial na “Violentização” dos Discursos no Rio de Janeiro, financiada pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), por meio da bolsa distintiva Jovem Cientista do Nosso Estado (processo E26/202.756/2019); Moralismo e Valorações: A Crítica Ostentatória nas Dimensões Política e Econômica, financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), por meio de sua bolsa de produtividade em pesquisa (processo 312863/2021-7); e A Acumulação Social da Violência no Rio de Janeiro: Novos Desafios, financiada pela Faperj, por meio de seu edital Temático (processo SEI-260003/001153/2020) e de sua bolsa Pós-Doutorado Nota 10 (processo E-26/202.010/2020). é analisar, no horizonte da representação social “violência urbana” (Machado da Silva, 199353 MACHADO DA SILVA, Luiz Antônio. Violência urbana: representação de uma ordem social. In: NASCIMENTO, E. P.; BARREIRA, I. (org.). Brasil urbano: cenário da ordem e da desordem. Rio de Janeiro: Notrya, 1993. p. 131-142.; Porto, 199969 PORTO, Maria Stela G. A violência urbana e suas representações sociais: o caso do Distrito Federal. São Paulo em Perspectiva, v. 13, n. 4, p. 130-135, 1999. https://doi.org/10.1590/S0102-88391999000400014
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; Misse, 202256 MISSE, Michel. Malandros, marginais e vagabundos: a acumulação social da violência no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Lamparina, 2022./1999), diferentes formas segundo as quais a força comparece nos momentos do que chamamos de violentização de situações sociais, isto é, os momentos de definição dessas situações como “de violência” (Werneck et al., 202093 WERNECK, Alexandre; TEIXEIRA, Cesar P.; TALONE, Vittorio. An outline of a pragmatic sociology of ‘violence’. Sociologias, v. 22, n. 54, p. 286-326, 2020. http://doi.org/10.1590/15174522-96338
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) pelos atores. Para tanto, estudamos de uma forma simetrizada (Callon; Latour, 199213 CALLON, Michel; LATOUR, Bruno. Don’t throw the baby out with the bath school! A reply to Collins and Yearly. In: PICKERING, A. (org.). Science as practice and culture. Chicago: University of Chicago Press, 1992, p. 343-368.) as efetivações de situações (Werneck, 201287 WERNECK, Alexandre. The force of grace, the grace of force: Joking critique of figures of “urban violence” on the covers of a tabloid newspaper as the “violentization” of public discourse. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 15, n. 3, p. 735-773, 2022., 202390 WERNECK, Alexandre. Apontamentos para uma sociologia da efetivação (isto é, uma sociologia pragmática). In: NEVES, F. et al. (org.). Construção conceitual nas ciências sociais. Rio de Janeiro: Telha, 2023 (no prelo).) relativas a quatro diferentes figuras relevantes desse cenário, oriundas de nossos trabalhos de pesquisa em separado: 1) policiais militares (Talone, 2022a78 TALONE, Vittorio. Memória actancial: Uma abordagem pragmática de lembranças do contato com a morte violenta. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 37, n. 109, p. 1-16, 2022a., 202377 TALONE, Vittorio. A força da memória: lembranças de situações de ferimento, tensão e morte. Rio de Janeiro: Mórula, 2023.); 2) ladrões (Caminhas, 201814 CAMINHAS, Diogo A. “Perdeu, perdeu! Isso é um assalto!”: uma análise dos processos de decisão, planejamento, execução e uso da força nos roubos em Belo Horizonte. Tese (Doutorado em Sociologia), Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2018. https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/52371
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; Caminhas; Beato, 2020); 3) os chamados “bandidos” (Teixeira, 201182 TEIXEIRA, Cesar P. A construção social do “ex-bandido”: um estudo sobre sujeição criminal e pentecostalismo. Rio de Janeiro: 7Letras, 2011., 201383 TEIXEIRA, Cesar P. A teia do bandido: um estudo sociológico sobre bandidos, policiais, evangélicos e agentes sociais. Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.); e 4) leitores de notícias sobre operações policiais em um jornal (Werneck, 202287 WERNECK, Alexandre. The force of grace, the grace of force: Joking critique of figures of “urban violence” on the covers of a tabloid newspaper as the “violentization” of public discourse. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 15, n. 3, p. 735-773, 2022.; Werneck; Talone, 202292 WERNECK, Alexandre; TALONE, Vittorio. Combate moral: O moralismo ostentatório nos discursos sobre operações policiais e “violência urbana”. In: ENCONTRO NACIONAL DA ANPOCS, 46., 12-19 out. 2022, Campinas. Anais [...]. São Paulo: ANPOCS, 2022.). Isso é feito adotando-se uma perspectiva compreensiva (Weber, 200086 WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva, vol. 1. Brasília: Editora UnB, 2000./1922), pragmatista (Peirce, 199265 PEIRCE, Charles S. How to make our ideas clear. In: PEIRCE, C. The essential Peirce. Bloomington: Indiana University Press, 1992. p. 124-141. (Volume 1: Selected philosophical writings‚ 1867–1893)./1878; Dewey, 193825 DEWEY, John. Logic: The theory of inquiry. Nova York: Henry Holt, 1938.), pragmática (Boltanski; Thévenot, 2020/199110 BOLTANSKI, Luc; THÉVENOT, Laurent. A justificação: Sobre as economias da grandeza. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2020/1991.; Thévenot, 200684 THÉVENOT, Laurent. L’action au pluriel: sociologies des régimes d’engagement. Paris: La Découverte, 2006.; Werneck, 202390 WERNECK, Alexandre. Apontamentos para uma sociologia da efetivação (isto é, uma sociologia pragmática). In: NEVES, F. et al. (org.). Construção conceitual nas ciências sociais. Rio de Janeiro: Telha, 2023 (no prelo).) e consequentemente situacionista (Thomas, 196685 THOMAS, William I. The unadjusted girl: With cases and standpoint for behaviour analysis. Monclair: Patterson Smith, 1969., Cicourel, 196417 CICOUREL, Aaron V. Method and measurement in Sociology. Nova York: The Free Press, 1964.), que tem marcado a maior parte de nossos trabalhos em separado e eventualmente de forma conjunta (citados ao longo do texto). A análise se dá na continuidade do desenvolvimento de uma sociologia pragmática da violência (Werneck et al., 202093 WERNECK, Alexandre; TEIXEIRA, Cesar P.; TALONE, Vittorio. An outline of a pragmatic sociology of ‘violence’. Sociologias, v. 22, n. 54, p. 286-326, 2020. http://doi.org/10.1590/15174522-96338
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) a que temos nos dedicado e busca compreender como tipos de força e formas de os mobilizar em situação definem diferentes actantes2 2 Na abordagem de Greimas (1976/1966), um actante é um ser (humano ou não humano) que pratica ou sofre um ato, fazendo diferença em uma narrativa. Transposto para as ciências sociais por Bruno Latour (1997/1987), trata-se de um ente – pessoa, grupo(s), animal(is), coisa(s), entre outros – capaz de influenciar as ações de terceiros. A actância – a forma da agência nesse enquadramento – diz respeito à capacidade de um ser não simplesmente em termos decisórios (e, nesse sentido, de agência), mas decisivos do quadro situacional. (Greimas, 197635 GREIMAS, Algirdas J. Semântica estrutural: pesquisa de método. São Paulo: Cultrix; EdUSP, 1976.; Latour, 199745 LATOUR, Bruno. Ciência em ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. São Paulo: Editora Unesp, 1997./1987) e consequentemente as situações com base neles violentizadas.

No passo inicial desse empreendimento, Werneck, Teixeira e Talone (2020)93 WERNECK, Alexandre; TEIXEIRA, Cesar P.; TALONE, Vittorio. An outline of a pragmatic sociology of ‘violence’. Sociologias, v. 22, n. 54, p. 286-326, 2020. http://doi.org/10.1590/15174522-96338
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analisaram a relação entre interpretações dos atores para o ente objetivo força e suas qualificações (representações) como algo que chamem de violência. Na continuidade de uma sociologia da violência que a recusa como conceito e a trata como objeto (Machado da Silva, 1993; Misse, 202256 MISSE, Michel. Malandros, marginais e vagabundos: a acumulação social da violência no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Lamparina, 2022.; Porto, 199969 PORTO, Maria Stela G. A violência urbana e suas representações sociais: o caso do Distrito Federal. São Paulo em Perspectiva, v. 13, n. 4, p. 130-135, 1999. https://doi.org/10.1590/S0102-88391999000400014
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),3 3 Diferentemente de outros projetos de sociologia da violência de viés pragmático baseados em Boltanski (1990), como a de Kronborg (2015), que trabalham com a ideia de um regime de violência, consideramos a violência objeto controverso para os atores e não competência definidora de efetivações. Assim, tratamos a violência como um significado atribuído à força pelos atores e a ser por eles legitimado. mas atenta ao ajustamento entre quadros abstratos e situações pragmáticas promovido pelos próprios atores sociais (enfatizando o tratamento pragmatista), o trabalho demonstra que esses atores operam várias gramáticas de definição do que seja violência, conforme modelizem o funcionamento do social – o que nos leva a reconhecer diferentes sociologias nativas da violência, segundo as quais as pessoas tratam diferenças de força dignas de nota como violência ou não e, na continuidade desse movimento, como violência integrada ou inaceitável. Naquele texto, mostramos que “a violência passa a ser entendida como um par metafísico-pragmático – tornando-se um interpretante, no sentido de Peirce (1977b/1897)” (Werneck et al., 202093 WERNECK, Alexandre; TEIXEIRA, Cesar P.; TALONE, Vittorio. An outline of a pragmatic sociology of ‘violence’. Sociologias, v. 22, n. 54, p. 286-326, 2020. http://doi.org/10.1590/15174522-96338
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, p. 314), isto é, ela é o elemento da significação estabelecedor da lógica da relação entre forma e conteúdo – nesse caso, entre ações concretas e visões de mundo e mais concretamente entre manifestações da força e sua qualificação como algo violento. A força, nesse caso, torna-se “o actante fundamental, o signo de tudo aquilo que faz mover, faz fazer, o determinante em qualquer situação (se alguém ou alguma coisa determina o que ocorre, o faz porque aplica a isso alguma forma de força)” (p. 296). Além disso, dissemos que ela “pode ser considerada um ente pragmático modelar, na medida em que, fundamentalmente invisível, dela se percebem apenas as consequências (Peirce, 1977a66 PEIRCE, Charles S. Algumas consequências de quatro incapacidades. In: PEIRCE, C. Semiótica. São Paulo: Perspectiva, 1977a. p. 259-282./1893), seus efeitos sobre os corpos” (p. 297). Por fim, apontamos que “as pessoas parecem levar em conta diante dela a diferença em sua aplicação [...]: força, para os atores sociais na vida prática, é, para todos os efeitos, diferença [digna de nota] entre forças em uma interação” (p. 297).

Na continuidade desse movimento, aqui nos debruçamos sobre como esse actante geral se relaciona com/é relacionado aos actantes citados parágrafos atrás, tratados como representativos da violência urbana como sistema actancial (Latour, 199745 LATOUR, Bruno. Ciência em ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. São Paulo: Editora Unesp, 1997.; Boltanski, 19909 BOLTANSKI, Luc. L’amour et la justice comme compentences: trois essais de sociologie de l’action. Paris: Metaillié, 1990.; Werneck, 201589 WERNECK, Alexandre. O ornitorrinco de criminalização: a construção social moral do miliciano a partir dos personagens da “violência urbana” do Rio de Janeiro. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 8, n. 3, p. 429-454, 2015. https://revistas.ufrj.br/index.php/dilemas/article/view/7300
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) e eles mesmos objeto de representações no cenário dessa imagem do mundo, actantes esses tomados como centrais por conta de poderem, de alguma maneira, ser tomados como metonímia, portadores ou incorporações da força física.

Força física, pois será, como de hábito ao se falar de violência, a partir de sua mobilização (e/ou da expectativa desta) que as situações em jogo estarão colocadas. Apesar disso, nossos trabalhos em separado e em conjunto nos levaram a perceber uma variada gama de formas de manifestação ocupando esse lugar metonímico. Foi possível, dessa maneira, distinguir a força conforme ela seja de natureza: 1) física; 2) simbólica4 4 Adotamos na tipologia o sentido do termo “simbólico” na abordagem bourdieusiana – dialogando com sua ideia de “violência simbólica” (Bourdieu, 2012) – a fim de acatar a possibilidade de os próprios atores (notadamente analistas e militantes) reconhecerem uma forma estruturada/estruturante da força/violência. Ao falarmos em “semiótica”, falaremos da força tomada, como queria Peirce, como ícone, índice ou símbolo. ; ou 3) semiótica.

Além disso, em um segundo nível, foi necessário complexificar esta terceira dimensão, semiológica, em termos de diferentes “materialidades”. Assim, falaremos, neste último plano, em: a) força verbal (quando a diferença de forças é expressada discursivamente); b) força mental/psicológica (quando ela é expressada por meio de mecanismos abstratos de persuasão ou imposição comportamental); c) força actancial/performática (quando ela é expressada por ações capazes de traduzir uma diferença de força tomada como intrínseca, mas sem a manifestação direta da atuação física sobre a agência do outro); e d) força moral (quando ela é expressada em termos de diferenças de grandezas valorativas).5 5 Entretanto, apesar da solidez dessa tipologia, vale destacar que, segundo nossas pesquisas, essas formas de força podem se efetivar de maneira entrelaçada e em diferentes combinações. Nesse sentido, a tipologia colabora para se compreender o comparecimento de cada um desses tipos nas efetivações de situação.

A colocação da pergunta sobre como os atores sociais qualificam como violência as mobilizações de diferenças de força dignas de nota em diferentes tipos de situação (Werneck; Talone, 201991 WERNECK, Alexandre; TALONE, Vittorio. A ‘sociabilidade violenta’ como interpretante efetivador de ações de força: Uma sugestão de encaminhamento pragmático para a hipótese de Machado da Silva. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 12, n. 1, p. 24-61, 2019.; Werneck et al., 202093 WERNECK, Alexandre; TEIXEIRA, Cesar P.; TALONE, Vittorio. An outline of a pragmatic sociology of ‘violence’. Sociologias, v. 22, n. 54, p. 286-326, 2020. http://doi.org/10.1590/15174522-96338
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) nos levou a dar atenção a como as pessoas desenvolvem diferentes relações com a força e, com essas, diferentes formas de atuar em relação a ela. Em outros trabalhos, Werneck (201589 WERNECK, Alexandre. O ornitorrinco de criminalização: a construção social moral do miliciano a partir dos personagens da “violência urbana” do Rio de Janeiro. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 8, n. 3, p. 429-454, 2015. https://revistas.ufrj.br/index.php/dilemas/article/view/7300
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, 2022)92 WERNECK, Alexandre; TALONE, Vittorio. Combate moral: O moralismo ostentatório nos discursos sobre operações policiais e “violência urbana”. In: ENCONTRO NACIONAL DA ANPOCS, 46., 12-19 out. 2022, Campinas. Anais [...]. São Paulo: ANPOCS, 2022. propôs tratar a representação violência urbana como sistema actancial (Latour, 199745 LATOUR, Bruno. Ciência em ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. São Paulo: Editora Unesp, 1997.; Boltanski, 19909 BOLTANSKI, Luc. L’amour et la justice comme compentences: trois essais de sociologie de l’action. Paris: Metaillié, 1990.), distinguindo diferentes actantes definidores desse quadro, que aqui elaboramos de forma ampliada/complexificada: o traficante; o policial corrupto; o policial soldado; o ladrão; o miliciano; o pivete; o crackudo (usuário de crack);6 6 Usados genericamente para se referir a usuários de crack, termos como crackudo, craqueiro ou nóia costumam se referir ao usuário comprometido pelo uso, chegando a estar em situação de rua e/ou com problemas de saúde mental. Por conta disso, o sentido em várias metrópoles brasileiras – notadamente no Rio e em São Paulo – se estendeu a quaisquer pessoas em situação de rua e/ou pedintes que, para certas pessoas, são ameaçadores. Assim, crackudo, no imaginário de violência urbana, costuma designar o estranho de aparência depauperada tratado como ameaça e assim figurará como actante analiticamente aqui. e a cidade.7 7 Cada um desses actantes é explorado mais aprofundadamente nos outros trabalhos citados. A ideia é que a representação violência urbana adquire capacidade de atuar sobre as linhas de ação de atores, sejam eles micro ou macro, conforme a efetivação de uma matriz composta por esses actantes, segundo diferentes níveis de comparecimento.

Aqui, o primordial é que, como integrantes de um sistema actancial, eles comparecem cada um conforme uma diferente grandeza na efetivação da violência como “fantasma” (Misse, 202256 MISSE, Michel. Malandros, marginais e vagabundos: a acumulação social da violência no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Lamparina, 2022.) ou como “distopia realizada” (Talone, 201580 TALONE, Vittorio. Confiança e desconfiança como dispositivos morais situacionais em trânsito: um estudo em viagens de ônibus na cidade do Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015., 202377 TALONE, Vittorio. A força da memória: lembranças de situações de ferimento, tensão e morte. Rio de Janeiro: Mórula, 2023.) de uma ordem urbana – o que significa dizer que a representação violência urbana é efetivada pelos atores quando algum desses actantes (ou a coordenação entre vários deles) é tomado como efetivo em sua grandeza (considerada) característica.8 8 Cabe também dizer que, como actantes, cada um deles sintetiza uma vasta gama de figuras práticas dessa ordem urbana. Por exemplo, o actante cidade é a representação da própria ordem social, que oscilará entre utopia desejada e rotinizada em que se mora e distopia experimentada nos momentos de ruptura em que a violência é percebida como questão (Werneck, 2022). Assim, por exemplo, diante da informação de que policiais militares fazem uma operação em uma favela, ativa-se a representação violência urbana por meio da mobilização do actante policial soldado – aquele que, como veremos, incorpora a força. Ao mesmo tempo, esse movimento habitualmente será complementado pelo comparecimento de outro actante, o traficante de morro, caso paradigmático do “bandido”, oponente do outro e tido como alguém tornado uma força sobre-humana capaz de operar os “maiores males”. E ambos serão ombreados por um terceiro, a cidade distópica, suposto palco de uma “guerra” (Leite, 200046 LEITE, Márcia P. Entre o individualismo e a solidariedade: dilemas da política e da cidadania no Rio de Janeiro. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 15, n. 44, p. 73-90, 2000.; Grillo, 201936 GRILLO, Carolina C. Da violência urbana à guerra: repensando a sociabilidade violenta. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 12, n. 1, p. 62-92, 2019.) entre os dois – e que poderá envolver ainda uma outra força, ora percebida como crime ora como justiça, a milícia, um “ornitorrinco” de alguns desses actantes (Werneck, 201589 WERNECK, Alexandre. O ornitorrinco de criminalização: a construção social moral do miliciano a partir dos personagens da “violência urbana” do Rio de Janeiro. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 8, n. 3, p. 429-454, 2015. https://revistas.ufrj.br/index.php/dilemas/article/view/7300
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). Além desses, quando um usuário de redes sociais trava contato com uma matéria jornalística sobre essa mesma operação policial e fica sabendo que ela resultou na morte de mais de uma dezena de pessoas, ele pode por exemplo (como veremos) postar um comentário dizendo que a polícia “matou pouco”. Com isso, efetivará a imagem da polícia como força ela própria, força militar, operadora de uma violência coercitiva e punitiva dirigida contra os “bandidos” em favor das “pessoas de bem” e expondo com isso um quadro de representações da cidade violenta – que poderá inclusive lançar mão de memórias/experiências com ladrões, pivetes, crackudos etc., todos integrantes daquela fauna actancial da representação violência urbana. Isso tudo implica que os atores consideram cada um desses “personagens” como formas da força, como metonímias dela ou, se se quiser, como portadores de diferentes formas dela que os definem e que, ao fazê-lo, definem como violentas as situações em que se veem.

Desse quadro, então, mobilizamos quatro frentes de observação capazes de dar conta de uma vasta gama de operações e/ou representações sobre esses actantes, em dois hemisférios consideravelmente representativos da sociologia do crime e da violência (Imbusch et al., 201142 IMBUSCH, Pter; MISSE, Michel; CARRIÓN, Fernando. Violence research in Latin America and the Caribbean: A literature review. International Journal of Conflict and Violence, v. 5, n. 1, p. 87-154, 2011. https://doi.org/10.4119/ijcv-2851
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; Misse, 201659 MISSE, Michel. Violência e teoria social. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 9, n. 1, p. 45-63, 2016., 201758 MISSE, Michel. Violência e teoria social: uma nova agenda? In: ROJAS, C. del V.; ECHETO, V. S. (org). Crisis, comunicación y crisis política. Quito: Ciespal, 2017. p. 213-233.; Campos; Alvarez, 201816 CAMPOS, Marcelo da S.; ALVAREZ, Marcos César. Políticas públicas de segurança, violência e punição no Brasil (2000-2016). In: MICELI, S.; MARTINS, C. B. (org.). Sociologia brasileira hoje. São Paulo: Ateliê Editorial, 2018. p. 143-216.): enquanto as frentes com ladrões e com policiais militares dizem respeito a formas de efetivação operadas por esses personagens, aquelas com traficantes e ex-traficantes e com leitores de jornal dão conta de representações respectivamente sobre si próprios e sobre os outros actantes. Mas foi na fricção entre as formas de qualificar esses seres operadas na vida social que obtivemos uma compreensão mais sofisticada de como a força ganha forma(s) em discursos e ações a partir daquilo que Misse (2022)56 MISSE, Michel. Malandros, marginais e vagabundos: a acumulação social da violência no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Lamparina, 2022. chamou de “acumulação social da violência”, processo histórico de acúmulo de representações sobre a ordem social – carioca, inicialmente, mas o modelo se mostrou extrapolável para outros contextos, brasileiros e mesmo de outros países (Feltran, 201127 FELTRAN, Gabriel. Fronteiras de tensão: política e violência nas periferias de São Paulo. São Paulo: Editora Unesp, 2011.; Gil, 202133 GIL, César A. Mercados ilegales, tráfico de drogas y seguridad pública: a acumulación social de la violencia en México. Tese (Doutorado em Ciências Políticas e Sociais) – Universidad Nacional Autónoma de México, Cidade do México, 2021.; Luneke et al., 202250 LUNEKE Alejandra; DAMMERT, Lucia; ZUÑIGA, Liza. From social assistance to control in urban margins: Ambivalent police practices in neoliberal Chile. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 15, n. 1, p. 1-26, 2022. https://doi.org/10.4322/dilemas.v15n1.42944
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; Müller; Weegels, 202262 MÜLLER, Frank; WEEGELS, Julienne. Illicit City-Making and Its Materialities. Introduction to the Special Issue. Journal of Illicit Economies and Development, v. 4, n. 3, p. 230-240. https://doi.org/10.31389/jied.169
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) –, ordem essa representada como oprimida pelo que o autor chama de o “fantasma” da violência urbana.

Assim, observamos quatro diferentes formas de se relacionar com a força, referentes a quatro diferentes personagens/actantes da representação violência urbana no Brasil: policiais militares se fazem como força e, em certas situações, como as da pesquisa, a perdem (o que corrobora a mesma ideia de ser/ter a força); ladrões gerenciam a força; bandidos (notadamente expressados pela figura do traficante) são tornados força, entendidos como tal; e leitores de jornais diante de notícias sobre operações policiais conclamam a força. Essa galeria de especificidades revelou nesse contraste quatro diferentes regimes de relação actancial com a força para além das peculiaridades de cada um desses mundos e um elemento transversal que muito diz sobre essas mesmas situações: a maneira de relacionar actancialmente releva a forma como esses personagens definem a si mesmos ao definirem as formas como comparecem nas situações que definem/representam como “violentas”.

Como dissemos, então, o exercício consistiu na simetrização (isto é, no tratamento sob os mesmos ferramentais analíticos) das quatro frentes de pesquisa – as quais passamos a analisar detidamente nas próximas seções. Metodologicamente falando, a simetrização vai além da ideia de comparação, já que, como propõem Callon e Latour (1992, p. 348)13 CALLON, Michel; LATOUR, Bruno. Don’t throw the baby out with the bath school! A reply to Collins and Yearly. In: PICKERING, A. (org.). Science as practice and culture. Chicago: University of Chicago Press, 1992, p. 343-368., ela pretende “não alternar entre um realismo naturalista e um realismo social, mas [...] descrever natureza e sociedade [ou quaisquer pares tratados como universos refratários entre si] como resultados gêmeos de uma terceira atividade, [...] a construção de redes”. Com isso, conseguimos melhor compreender um fenômeno que os atravessa a todos, o enredamento de elementos semióticos em torno da força e da ideia de violência.

O policial militar como força

A observação dos policiais militares tornou possível enxergar mais especificamente como eles são/se fazem força e, na continuidade de sua própria inserção, como perdem força a partir de momentos excepcionais – o que confirma ainda sua condição de integração como ela. O policial é um dos personagens centrais quando pensamos em mobilização de uma diferença de forças digna de nota em sociedades modernas. Sua atividade pode ser, em parte, caracterizada pela capacidade de produzir “efeito inibitório [...] sobre os acontecimentos e as atitudes de pessoas e grupos” (Muniz; Paes-Machado, 201064 MUNIZ, Jacqueline; PAES-MACHADO, Eduardo. Polícia para quem precisa de polícia: Contribuições aos estudos sobre policiamento. Caderno CRH, v. 23, n. 60, p. 437-444, 2010. https://doi.org/10.1590/S0103-49792010000300001
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, p. 438), expressando-se em ações e na mobilização de dispositivos capazes de sustentar o exercício de certos tipos de força. A Polícia Militar – nosso caso empírico refere-se à do Rio de Janeiro, mas muitos estudos demonstram a comparabilidade entre as várias forças estaduais do país (ver, por exemplo, Hirata; Grillo, 201941 HIRATA, Daniel V; GRILLO, Carolina C. Crime, guerra e paz: Dissenso político-cognitivo em tempos de extermínio. Novos Estudos Cebrap, v. 38, n. 3, p. 553-571, 2019. https://doi.org/10.25091/S01013300201900030002
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) – nos interessa não apenas por ser textualmente chamada de “uma força”, mas por seus integrantes serem os responsáveis legais por ações ostensivas e repressivas, eles mesmos representando a força, implicando diferentes formas de sua mobilização e no “embate contra uma ameaça concretizável” (Talone, 202377 TALONE, Vittorio. A força da memória: lembranças de situações de ferimento, tensão e morte. Rio de Janeiro: Mórula, 2023.).9 9 Não nos deteremos aqui nas nuances da atuação policial, em suas origens, em seus problemas ou nas variações territoriais de sua constituição, temas já mapeados em diversos estudos (Muniz, 1999; Brodeur, 2004; Muniz; Paes-Machado, 2010; Bellaing, 2016; Poncioni, 2021; Alves, 2022) e que ultrapassam os propósitos deste texto.

A pesquisa em que nos apoiamos para a presente análise se debruçou sobre policiais pertencentes às categorias mais baixas da hierarquia militar – soldados, cabos ou sargentos (sintetizáveis pela categoria praça) – que, devido a experiências de tensão, perigo ou proximidade com a morte (própria ou de colegas) vivenciadas no ofício, passaram a realizar trabalho interno/administrativo em um Batalhão da Polícia Militar (BPM). A pesquisa consistiu em uma mescla de observações diretas, conversas informais e entrevistas semiestruturadas em um BPM e em um projeto de apoio a profissionais nessas condições (e/ou que se tornaram cadeirantes devido a ocorrências em operações policiais) sediado no Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças da corporação. No primeiro local, foram entrevistados um policial psicólogo, um oficial e quatro praças – com os quais foram feitas de três a cinco entrevistas ao longo de 2017. No projeto, as entrevistas em profundidade aqui mobilizadas foram realizadas com três PMs e ex-PMs ao longo de 2017-2018.

A polícia seria a “detentora legítima” do uso da força em sociedades modernas (Muniz, 199963 MUNIZ, Jacqueline. “Ser policial é, sobretudo, uma razão de ser”: Cultura e Cotidiano da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. Tese (Doutorado em Ciência Política) – Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1999.; Brodeur, 200412 BRODEUR, Jean-Paul. Por uma sociologia da força pública: considerações sobre a força policial e militar. Caderno CRH, v. 17, n. 42, p. 481-489, 2004. https://doi.org/10.9771/ccrh.v17i42.18507
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; Bellaing, 20166 BELLAING, Cédric M de. Force publique: une sociologie de l’institution policière. Paris: Economica, 2016.) e sua ação existe na forma do comportamento de um ou de vários atores. A entidade representa o desenvolvimento e a concatenação de ações específicas de pessoas. Estas, sim, portadoras de sentidos orientadores de suas ações e mobilizam a força – sentidos esses consistindo em representações localizadas nas mentes e pelas quais orientam suas ações (Weber, 200086 WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva, vol. 1. Brasília: Editora UnB, 2000.). Dessa forma, o policial/a polícia é a força (uma força armada, afinal) por incorporar (e corporificar, dar corpo a) a força legítima/legitimada delegada ao Estado. O PM, então, torna-se um signo direto da força policial, carregando em si as qualidades do objeto representado, e a força aqui é tratada como ícone (Peirce, 1977b67 PEIRCE, Charles S. Divisão dos signos. In: PEIRCE, C. Semiótica. São Paulo: Perspectiva, 1977b. p. 45-61.).

Não à toa, quando um policial não mais se vê (ou é visto por seus colegas e/ou seus superiores) como capacitado para mobilizar a força, pode ser afastado das ruas, da condição de agente capaz de representar a polícia, e é transferido para (e/ou punido com) atividades burocráticas e/ou taxado de “maluco” e/ou “covarde”. Ele deixa a força (na prática) porque perdeu a força. Esse ícone de eficácia da ação policial torna-se um entrave à efetivação das expectativas próprias dos policiais sobre si mesmos (Muniz, 199963 MUNIZ, Jacqueline. “Ser policial é, sobretudo, uma razão de ser”: Cultura e Cotidiano da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. Tese (Doutorado em Ciência Política) – Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1999.). Esse percurso, rumo de muitos PMs,10 10 Como mostra uma pesquisa do Núcleo Central de Psicologia da Diretoria Geral de Saúde da PMERJ (2016), um dos maiores motivos para um policial receber licença para tratamento de saúde (LTS) são “transtornos mentais e comportamentais”. De 2013 a 2016 teriam sido 9.058 afastamentos por LTS, sendo 2.751 pela psiquiatria. Para mais dados desse período, incluindo taxas de suicídio, ver Miranda (2016) e Rocha (2013). é um objeto privilegiado justamente porque destaca as diferentes formas como esse actante se relaciona com a força.11 11 Essa dinâmica da representação de si se espraia sobre as representações dos policiais a respeito de sua própria instituição e sobre outras forças de segurança – além de Talone (2023), ver Cubas et al. (2020).

Tal mudança na carreira pode se dar por opção própria ou por determinação de superiores ou de psicólogos da corporação – resultando em afastamento das ruas ou deslocamento para funções burocráticas. Os PMs entrevistados relatam mudanças graves em seus selves (Talone, 202377 TALONE, Vittorio. A força da memória: lembranças de situações de ferimento, tensão e morte. Rio de Janeiro: Mórula, 2023., p. 278-317): antes tinham uma noção de si mesmos como “policiais por vocação”, pessoas nascidas com ou que “naturalmente” desenvolvem competências adequadas ao “fazer policial” (Muniz, 199963 MUNIZ, Jacqueline. “Ser policial é, sobretudo, uma razão de ser”: Cultura e Cotidiano da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. Tese (Doutorado em Ciência Política) – Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1999.) – o que inclui a capacidade de mobilizar intensamente a força, ingressar em trocas de tiro ou patrulhar uniformizado em áreas de conflito entre policiais e traficantes, por exemplo. Mas eles passariam a não conseguir mais efetivar o “fazer policial”, excluindo-se/sendo excluídos devido à percepção de inquietações e mudanças em seus âmagos: tremedeiras de tensão, arritmia cardíaca, “atmosfera” de nervosismo, dores musculares contingentes, “receio incapacitante” etc. Seria, segundo eles, o efeito de lançarem mão constantemente da própria força e de a medirem contra uma “grande força não legítima” – mobilizada por aqueles no mundo do crime (Feltran, 201127 FELTRAN, Gabriel. Fronteiras de tensão: política e violência nas periferias de São Paulo. São Paulo: Editora Unesp, 2011.; Grillo, 201337 GRILLO, Carolina C. Coisas da vida no crime: tráfico e roubo em favelas cariocas. Tese (Doutorado em Ciências Humanas) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.).

Os PMs em questão afirmam se relacionar de diferentes maneiras com a força: mobilizam-na de forma incorporada como representantes do Estado; combatem uma força dispersa no mundo mobilizada pela “criminalidade”; e “perdem o equilíbrio” da força ao longo de suas operações devido ao perigo e ao contato com a morte. Essa “perda de equilíbrio” parece se manifestar tanto na brutalização do PM – como alguns relatam –, traduzida na mobilização excessiva, não competente ou desregulada da força, resultando em agressividade desmedida/truculenta, quanto na apatia, na sensação de torpor ou no medo incapacitante, traduzindo-se no policial que não se vê mais capacitado para portar armas ou estar em operação, fardado, nas ruas. Este segundo caso é o que destacamos aqui.

Eles afirmam deixar de conseguir sustentar uma certa contenção da força, que antes seria “naturalmente” efetivada, seja: 1) fisicamente – incursões policiais com trocas de tiro e a necessidade de ativar certas potencialidades físicas, como correr, se agachar, se arrastar; 2) psicologicamente – esperar reforço em uma emboscada; sofrer um roubo durante a folga e temer ser reconhecido como policial;12 12 Algo muito temido pelos PMs, pois muitos morrem ou são feridos assim (Rocha, 2013; Miranda, 2016). ou 3) verbalmente – humilhação ou descompostura por parte de superiores ou colegas; dar “duras” ao longo de uma ação.

Se com o Estado moderno tomaram forma mecanismos coercitivos imediatos e indiretos com o objetivo de obstruir uma “violência repentina e descontrolada” e a monopolizar e a administrar (Elias, 199426 ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Vol. I: Uma história dos costumes. Rio de Janeiro: Zahar, 1994.; Muniz; Paes-Machado, 201764 MUNIZ, Jacqueline; PAES-MACHADO, Eduardo. Polícia para quem precisa de polícia: Contribuições aos estudos sobre policiamento. Caderno CRH, v. 23, n. 60, p. 437-444, 2010. https://doi.org/10.1590/S0103-49792010000300001
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), esses PMs dizem não se ver mais capazes de conter (“descontrole”) ou de mobilizar (“impotência”) tal força implicada no exercício de suas funções – por exemplo, carregar e utilizar armamentos e/ou “fechar a cara [...] e subir favela”, como diz um – e se sentem, a partir disso, ameaçados por forças repentinas que fogem à gestão de forças pelo Estado – as, em seus termos, da “criminalidade”, dos “vagabundos”, da “bandidagem”. Seria o desequilíbrio de uma “economia da força”13 13 Em nossa argumentação, achamos mais cabível falar em contenção em vez de economia, no sentido de não pensar na força como um recurso escasso, mas como uma energia idealizada sempre disponível e que precisa ser controlada/comedida. (Brodeur, 200412 BRODEUR, Jean-Paul. Por uma sociologia da força pública: considerações sobre a força policial e militar. Caderno CRH, v. 17, n. 42, p. 481-489, 2004. https://doi.org/10.9771/ccrh.v17i42.18507
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) como exercida pelas polícias.

Concentremo-nos na ideia de que são pessoas a deterem e a mobilizarem essas diferentes versões da força mediada por diferentes actantes e em intensidades variantes – colocando, por ora, entre parêntesis os efeitos de um excesso histórico de seu uso por representantes do Estado, sobretudo em relação a certas parcelas da população, seja em sua modalidade física seja nas simbólica ou semiótica.14 14 Isso não implica um posicionamento acrítico ou a recusa do reconhecimento desses excessos, já documentados e explorados por vários trabalhos relevantes, alguns deles aqui citados – ver, mais recentemente, Morellato e Santos (2020), Alves (2022) ou, no caso do Judiciário, Gonçalves (2020). A questão é a ênfase no caráter cognitivo dessa operação, associado a uma ideia de gestão de si como força. Os PMs entrevistados parecem indicar um “custo” na contenção da força de que são responsáveis como agentes estatais, tanto pelos efeitos físicos e afetivos-emocionais imediatos quanto pelas ameaças daqueles que “deteriam” uma força desproporcional não legítima – somando-se ainda a uma “desmoralização” que seria reproduzida recorrentemente “na mídia” e nas estruturas militares, dimensão que não exploraremos aqui. E os PMs “que aguentam” o conseguiriam graças à “brutalização” e/ou à criação de uma “casca”. De toda forma, haveria uma “transformação nociva”: reações agressivas se tornam normais; a apatia substitui o choque para com situações de “violência extrema”; um estado permanente de alerta molda as percepções rotineiras etc. Tal “custo” seria generalizado, mas imperceptível ao longo da maior parte da carreira, sendo evidenciado apenas após um “choque” ou um “trauma”. Se a dimensão política da violência, na forma da coerção (Werneck et al., 202093 WERNECK, Alexandre; TEIXEIRA, Cesar P.; TALONE, Vittorio. An outline of a pragmatic sociology of ‘violence’. Sociologias, v. 22, n. 54, p. 286-326, 2020. http://doi.org/10.1590/15174522-96338
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), é algo tomado como dado pelos próprios PMs, nesse sentido tendo a força certo quantum estabelecido, essa medida pode (e vai, para os policiais estudados) se “descalibrar” ao longo das situações de ferimento, de tensão e de contato com a morte.

Em suma, o policial é a contraface de como são representadas/experimentadas as mobilizações de força por “bandidos” (Teixeira, 201383 TEIXEIRA, Cesar P. A teia do bandido: um estudo sociológico sobre bandidos, policiais, evangélicos e agentes sociais. Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.; Caminhas, 202015 CAMINHAS, Diogo A.; BEATO, Claudio C. “Todo ladrão vai trabalhar com a sua mente”: O uso da força e de armas nos assaltos em Belo Horizonte, Minas Gerais. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 13, n. 3, p. 645-667, 2021. https://doi.org/10.17648/dilemas.v13n3.31676
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). Como analisamos em outra seção, estes são rotulados como detentores de um quantum notável de força e, justamente assim, “ganham força” (Werneck; Talone, 201991 WERNECK, Alexandre; TALONE, Vittorio. A ‘sociabilidade violenta’ como interpretante efetivador de ações de força: Uma sugestão de encaminhamento pragmático para a hipótese de Machado da Silva. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 12, n. 1, p. 24-61, 2019.). Já o PM se diz força, sua relação com ela abarca o ser e o fazer-se – o que se torna problemático ao longo de sua atuação, quando ele se depara com situações diversas de perigo e de risco de vida.

Ladrões, estratégias e gerenciamento

O trabalho com os ladrões permitiu observar como eles gerenciam a força na realização dos crimes de roubo; isto é, permitiu melhor compreender como eles a mobilizam como ferramenta/recurso, ponderam ocasiões de uso, dispositivos adequados e intensidades; como eles, então, a gerem como elemento de uma estratégia. Em especial, a discussão gira em torno de três questões fundamentais: quais seriam os tipos ou modulações básicas do emprego da força no roubo? Sob quais situações e condições esses tipos de ações são utilizados? E como essas questões são interpretadas pelos assaltantes? Para tanto, o estudo teve como principal fonte de dados 40 entrevistas em profundidade com autores de roubos, bem como registros oficiais de ocorrências dessa modalidade criminal em Belo Horizonte (MG), no período de janeiro de 2012 a dezembro de 2017.

Como sabemos, o roubo é uma forma de coerção em que um ofensor subtrai bens/mercadorias da posse de um alvo, contra a vontade deste, por meio de uso efetivo de força física ou de sua ameaça – oferecendo à força várias formas semióticas. Nesse cenário, o agressor adverte que causará danos corporais ou matará a vítima se esta resistir ou impedir seu progresso. Geralmente, essa ameaça é apoiada por um dispositivo letal claramente visível, como uma arma de fogo ou uma faca. O confronto face a face envolvido no crime de roubo, portanto, pode representar grandes danos não apenas financeiros, mas também físicos e psicológicos para as vítimas e, em alguns casos, também para os infratores. O número de variáveis envolvidas nessa situação torna seu desfecho algo tenso e relativamente imprevisível. Há casos, por exemplo, em que o ladrão se limita a usar de ameaça verbal mesmo diante de uma resistência inicial da vítima. Em outras, esta é gravemente agredida mesmo sem demonstrar nenhuma objeção, o que demonstra a variedade de meios usados para se tomar os bens das vítimas. Trata-se, então, de uma situação envolvendo um encontro e uma série de cálculos de lado a lado (Grillo; Martins, 202038 GRILLO, Carolina C; MARTINS, Luana A. Indo até o problema: roubo e circulação na cidade do Rio de Janeiro. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 13, n. 3, p. 565-590, 2020. https://doi.org/10.17648/dilemas.v13n3.32078
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; Corrêa, 202019 CORRÊA, Diogo S. Adotando o ponto de vista do outro: George Herbert Mead, o assalto e a empatia tática. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 13, n. 3, p. 591-614, 2020. https://doi.org/10.17648/dilemas.v13n3.32082
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).

A partir do trabalho de Luckenbill (1980, p. 363-364)49 LUCKENBILL, David F. Patterns of force in robbery. Deviant Behavior, v. 1, n. 3-4, p. 361- 378, 1980., é possível identificar quatro modulações básicas de força operadas pelo assaltante durante o roubo: 1) ameaça de força: uma configuração de gestos físicos e semióticos que informa ao alvo que o não cumprimento de uma ordem direta provocará morte ou ferimentos; 2) força moderada: ocorre no contato físico entre as partes com imputação de um nível comedido de dor, incapaz de debilitar ou imobilizar o alvo – puxar, empurrar contra o chão, dar um soco ou tapa com as mãos ou uma arma são os tipos mais comuns desse modo básico de mobilização; 3) força incapacitante: constitui um nível de força elevado, sendo empregada não apenas para intimidar o alvo do evento, mas também para eliminá-lo momentaneamente e gerar uma submissão voluntária – deixar o alvo inconsciente com um porrete ou punhos e pés amarrados são os tipos mais comuns de emprego de força incapacitante; e 4) força letal: conhecida como latrocínio, trata-se da inflição de dor orientada para matar, por exemplo atirando no ou esfaqueando o alvo, com o objetivo de roubar seus pertences. Trata-se de uma das formas mais agravadas do roubo. É um evento relativamente pouco frequente e não premeditado pelo ofensor.

Nesse cenário, a força torna-se em um roubo o actante fundamental gerenciado pelo ladrão. Adotando as várias formas segundo as quais ele pode usá-la como ferramenta de controle do comportamento da vítima, ela se torna o signo de tudo aquilo que faz mover e acontecer durante a interação ofensor(es) e vítima(s). Nesse sentido, tornada recurso, ela será mobilizada pelo “assaltante” como uma espécie de energia que – consciente daquela condição dela como ente pragmático modelar (Werneck et al., 202093 WERNECK, Alexandre; TEIXEIRA, Cesar P.; TALONE, Vittorio. An outline of a pragmatic sociology of ‘violence’. Sociologias, v. 22, n. 54, p. 286-326, 2020. http://doi.org/10.1590/15174522-96338
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, p. 314) ao qual os “assaltados” associam efeitos bastante definidos – ele será capaz de direcionar, modular e alterar em intensidade, criando verdadeiros vocabulários de práticas e resultados previstos.

Mas quando e em que condições esses diferentes modos de força são usados? Por que em algumas situações é comum a ameaça e/ou força moderada e em outras a força incapacitante? A bibliografia indica que, para o assaltante, a imputação de medo moderado em sua vítima é um dos elementos mais importantes para se obter o patrimônio almejado com sucesso. Como mostram Caminhas e Beato (2020)15 CAMINHAS, Diogo A.; BEATO, Claudio C. “Todo ladrão vai trabalhar com a sua mente”: O uso da força e de armas nos assaltos em Belo Horizonte, Minas Gerais. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 13, n. 3, p. 645-667, 2021. https://doi.org/10.17648/dilemas.v13n3.31676
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e Prado (2020)71 PRADO, Sophia. Vivendo o roubo: Um momento de adrenalina, deleite e performance. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 13, n. 3, p. 669-690, 2020. https://doi.org/10.17648/dilemas.v13n3.31683
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, em consonância com trabalhos mais clássicos (Lejeune, 197747 LEJEUNE, Robert. The management of a mugging. Urban Life, v. 6, n. 2, p. 123-148, 1977. https://doi.org/10.1177/089124167700600201
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; Luckenbill, 198049 LUCKENBILL, David F. Patterns of force in robbery. Deviant Behavior, v. 1, n. 3-4, p. 361- 378, 1980.; Wright; Decker, 199794 WRIGHT, Richard; DECKER, Scott. Creating the illusion of impending death: Armed robbers in action. Harry Frank Guggenheim Review, v. 2, p. 10-18, 1997.), o susto causado pela abordagem surpresa, os gritos de ordem e o uso de armas de forma ostensiva ou oculta compõem um conjunto de estratégias geralmente mobilizado pelos ladrões para convencer a vítima de que ela pode morrer se hesitar em obedecer às ordens do infrator e, assim, fazer com que ela entregue o que lhe foi pedido sem resistência ou necessidade de uso de força física. Nossa análise mostrou haver elementos morais e práticos importantes que orientam e justificam o tipo e o grau de força empregado pelos assaltantes no empreendimento do roubo, revelando um discurso recorrente de evitação do uso de violência física por parte dos agressores e algumas normativas sobre quando o emprego de força moderada, incapacitante ou letal é efetivo. Em termos práticos, os ladrões enfatizam que no crime ideal não se machuca ou se pretende causar danos físicos na vítima. Assim, o alvo da agressão seria, via de regra, a “mente” e não o corpo do vitimado (Caminhas; Beato, 202015 CAMINHAS, Diogo A.; BEATO, Claudio C. “Todo ladrão vai trabalhar com a sua mente”: O uso da força e de armas nos assaltos em Belo Horizonte, Minas Gerais. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 13, n. 3, p. 645-667, 2021. https://doi.org/10.17648/dilemas.v13n3.31676
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). Quando a violência física é empregada de forma deliberada e gratuita, tal ação é associada à ideia de covardia. Porém, quando empregada como forma de reação a uma tentativa de resistência e/ou agressão por parte do roubado, ela é associada à justiça.

Caminhas e Beato (2020, p. 654)14 CAMINHAS, Diogo A. “Perdeu, perdeu! Isso é um assalto!”: uma análise dos processos de decisão, planejamento, execução e uso da força nos roubos em Belo Horizonte. Tese (Doutorado em Sociologia), Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2018. https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/52371
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, então, chamam atenção para três elementos presentes nos discursos dos entrevistados, que tornam a noção de uso da força algo bastante controverso. Primeiramente porque os assaltantes consideram as mobilizações de força verbal e psicológica atos não violentos, algo que não fere ou não deixa marcas e traumas permanentes na vítima. Mas, conforme aponta a Pesquisa Nacional de Vitimização (Datafolha; Crisp, 201322 DATAFOLHA; CRISP. Relatório da Pesquisa Nacional de Vitimização. Brasília: Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), Ministério da Justiça, 2013., p. 124), metade dos que tiveram algum objeto roubado (48,4%) afirma que essa experiência teve como principais consequências o medo de um modo geral (34,9%), o temor de sair de casa (32,4%) e o prejuízo financeiro (19,7%). Em segundo lugar, porque os ladrões avaliam que o patrimônio roubado sempre terá um valor meramente material, facilmente substituível e nada afetivo para a vítima. Por último, porque o uso de agressão física de forma deliberada ou o apreço por esse tipo de postura durante os assaltos é algo bastante sensível para os respondentes. É, então, importante levar em consideração que alguns deles podem ter tido dificuldade de assumir esse tipo de comportamento na entrevista por se sentirem constrangidos e/ou para evitar transparecer uma imagem (para o pesquisador e talvez para si próprio) de que agia de forma covarde. Nesse cenário, mais do que se autoavaliar como “assaltante não violento”, vários entrevistados tentam justificar suas ações apresentando relatos sobre movimentos quase heroicos seus em alguns de seus roubos. Várias vezes afirmaram ter intercedido pelas vítimas quando seus parceiros se mostraram exaltados ou mostravam impulsos reais de machucá-las.

Tais evidências demonstram o ajustamento entre quadros abstratos e situações pragmáticas promovido pelos próprios ladrões e como esses atores operam várias gramáticas de definição do que seja violência – nas mãos deles, um advérbio –, tratando diferenças de força dignas de nota como violência ou não e, no encadeamento desse movimento, como violência aceitável ou inaceitável, conforme suas interpretações.

A pesquisa indicou ainda que, além da personalidade do assaltante, o tipo e o grau de violência empreendidos nos assaltos estão associados a outros quatro elementos: 1) o contexto ou a forma como a vítima reagiu ao roubo: ideia de gradação situacional da força, em que a desobediência ou quaisquer sinais de risco para o infrator fazem com que ele eleve o nível de força mobilizada no evento; 2) a maturidade do infrator na prática de roubo: a experiência na realização dos roubos torna os infratores mais seguros de si e, consequentemente, menos suscetíveis a impulsos de mobilização de força física nas ações; 3) o tipo de arma do infrator: além de armas brancas, simulacros e a força física, a arma de fogo é o instrumento favorito dos ladrões, porque ela assusta e subjuga a vítima com mais facilidade e, ao mesmo tempo, aumenta a sensação de segurança do infrator para reagir a um imprevisto; 4) o tipo de alvo: roubos a transeuntes e a meios coletivos de transporte tendem a ser mais violentos que roubos de veículos e a estabelecimentos comerciais e de serviços. Nesse contexto, cabe ressaltar os elementos “éticos dos assaltantes” relativos aos alvos (Lyra, 201351 LYRA, Diogo A. A república dos meninos: juventude, tráfico e virtude. Rio de Janeiro: Mauad X, 2013.; Grillo; Martins, 201337 GRILLO, Carolina C. Coisas da vida no crime: tráfico e roubo em favelas cariocas. Tese (Doutorado em Ciências Humanas) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.), como não roubar idosos, mulheres grávidas, deficientes, pessoas acompanhadas de crianças, trabalhadores e, sobretudo, moradores de favelas. Desobedecer a essas regras pode gerar sanções que vão desde a recusa de seus pares a roubar em sua companhia até a morte (Beraldo, 20217 BERALDO, Ana. Entre a vida e a morte: normatividades, negociações e violência em uma favela de Belo Horizonte. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 14, n. 1, p. 27-51, 2021. https://doi.org/10.17648/dilemas.v14n1.27708
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; Rocha, 202073 ROCHA, Rafael L. S. Sobre a gramática moral do crime: a mobilização de justificativas e acusações em homicídios na Zona Leste de Belo Horizonte. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 13, n. 3, p. 737-757, 2020. https://doi.org/10.17648/dilemas.v13n3.23152
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).

De forma geral, entretanto, como indicado, os autores de roubos não consideram a mobilização de força verbal ou psicológica um ato violento. Além disso, como a intenção inicial desses infratores não seria machucar, a culpa por quaisquer tipos de danos inesperados é quase sempre atribuída à própria vítima. Não raro, eles se veem como guardiões, sendo comuns relatos pessoais de proteção das vítimas de investidas violentas de colegas mais impulsivos. Tais narrativas revelam os mecanismos usados pelos agressores para suspender ou inverter a moralidade da culpa e tornar seus atos sabidamente ilegais em normais e justificáveis (Sykes; Matza, 195776 SYKES, Gresham M.; MATZA, David. Techniques of neutralization: A theory of delinquency. American Sociological Review, v. 22, n. 6, p. 664-670, 1957.; Grillo; Martins, 202038 GRILLO, Carolina C; MARTINS, Luana A. Indo até o problema: roubo e circulação na cidade do Rio de Janeiro. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 13, n. 3, p. 565-590, 2020. https://doi.org/10.17648/dilemas.v13n3.32078
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; Cozzi, 201420 COZZI, Eugenia. Los tiratiros: Usos y formas de la violencia altamente lesiva entre jóvenes en la ciudad de Santa Fe. Estudios, n. 32, p. 265-284, 2014., p. 278-279). Frases como “Sempre roubei, mas nunca machuquei ninguém”, “Meu objetivo é só o dinheiro”, “No roubo você trabalha na mente da vítima” e “Atirei porque vi que o cara ia reagir”, entre outras similares, compõem o mosaico de justificativas capaz de tornar o roubo um crime moralmente mais virtuoso ou mais legítimo aos olhos de seus autores (Caminhas, 201814 CAMINHAS, Diogo A. “Perdeu, perdeu! Isso é um assalto!”: uma análise dos processos de decisão, planejamento, execução e uso da força nos roubos em Belo Horizonte. Tese (Doutorado em Sociologia), Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2018. https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/52371
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).

Nesse sentido, como os pesquisados descrevem uma mobilização da força, por um lado, circunstancial (o que desculpa seu ingresso nas situações), por outro, ferramental (o que justifica seu ingresso nas situações) (Scott; Lyman, 200875 SCOTT, Marvin B.; LYMAN, Stanford M. Accounts. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 1, n. 2, p. 139-172, 2008./1968), eles demonstram buscar sobre ela um controle gerencial, cuja tecnicidade administrada como recurso apaziguaria o caráter violento de suas ações como problema moral. Nessa chave, tomada como signo, a força nas mãos do ladrão é um símbolo (Peirce, 1977b67 PEIRCE, Charles S. Divisão dos signos. In: PEIRCE, C. Semiótica. São Paulo: Perspectiva, 1977b. p. 45-61.), constantemente reinterpretado ao sabor de um regime de administração: ela se move conforme a eficiência estratégica – e a operação de administração de seus pesos – a desloque.

Seres e força, violência e justiça

A frente sobre a figura do bandido, baseada em um uma série ampla de pesquisas articuladas (Teixeira, 201182 TEIXEIRA, Cesar P. A construção social do “ex-bandido”: um estudo sobre sujeição criminal e pentecostalismo. Rio de Janeiro: 7Letras, 2011., 2013, 2023; Freire; Teixeira, 201631 FREIRE, Jussara; TEIXEIRA, Cesar P. Humanidade disputada: Sobre as (des)qualificações dos seres no contexto de ‘violência urbana’ do Rio de Janeiro. Terceiro Milênio: Revista Crítica de Sociologia e Política, v. 6, n. 1, p. 58-85, 2016., 201930 FREIRE, Jussara; TEIXEIRA, Cesar P. Sociabilidade violenta, o bandido e deus: Considerações sobre a gramática da violência urbana. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 12, n. 1, p. 124-150, 2019.), permitiu promover um conjunto de reflexões sobre seres considerados intrinsecamente violentos e as relações estabelecidas com eles por outros atores. Assim, foi possível compreender as maneiras como diferentes coordenações de força podem ser qualificadas em função de alguns personagens aos quais se atribui a força e que são descritos como portadores de uma capacidade de mobilização de uma diferença de forças, passando a significá-la (Werneck; Talone, 201991 WERNECK, Alexandre; TALONE, Vittorio. A ‘sociabilidade violenta’ como interpretante efetivador de ações de força: Uma sugestão de encaminhamento pragmático para a hipótese de Machado da Silva. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 12, n. 1, p. 24-61, 2019.).

No contexto dos conflitos que caracterizam a chamada “violência urbana”, o bandido figura como um personagem central para compreendermos a qualificação de determinados arranjos de força, que definem as possibilidades de a qualificar como “violência” – seja de forma moralmente negativa ou positiva; mas em geral é o primeiro caso. A disposição para o uso de sua modalidade física (tanto em uma forma corporal quanto em uma bélica) está presente na caracterização sociológica dessa categoria desde os primeiros estudos sobre o tema no Rio de Janeiro (Zaluar, 198595 ZALUAR, Alba. A máquina e a revolta: as organizações populares e o significado da pobreza. São Paulo: Brasiliense, 1985.; Machado da Silva, 199353 MACHADO DA SILVA, Luiz Antônio. Violência urbana: representação de uma ordem social. In: NASCIMENTO, E. P.; BARREIRA, I. (org.). Brasil urbano: cenário da ordem e da desordem. Rio de Janeiro: Notrya, 1993. p. 131-142.; Misse, 202256 MISSE, Michel. Malandros, marginais e vagabundos: a acumulação social da violência no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Lamparina, 2022.) – mas se espraia sobre vários outros contextos, como mostram vários autores (Feltran, 201127 FELTRAN, Gabriel. Fronteiras de tensão: política e violência nas periferias de São Paulo. São Paulo: Editora Unesp, 2011.; Aquino, 20203 AQUINO, Jânia Perla D. de. Violência e performance no chamado “novo cangaço”: Cidades sitiadas, uso de explosivos e ataques a polícias em assaltos contra bancos no Brasil. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 13, n. 3, p. 615-643, 2020. https://doi.org/10.17648/dilemas.v13n3.31668
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). De forma geral, esses trabalhos demonstram que tanto a construção social da figura do bandido quanto as experiências subjetivas das pessoas assim representadas passam por um certo aprendizado do uso da força e pela construção de determinados arranjos dela, seja física (corporal ou bélica), psicológica, verbal, performática ou moral.

Como vimos no item sobre policiais militares, mas ainda presente em toda matriz desta composição de pesquisas, essa associação entre a categoria bandido e o uso da força está intensamente presente nos discursos da polícia e da população sobre a “violência urbana”, especialmente em suas justificativas para as mortes produzidas pela atividade policial nesse contexto (Misse et al., 201360 MISSE, Michel; GRILLO, Carolina; NERI, Natasha; TEIXEIRA, Cesar P. Quando a polícia mata: Homicídios por “auto de resistência” no Rio de Janeiro (2001-2011). Rio de Janeiro: Booklink, 2013.; Teixeira, 201383 TEIXEIRA, Cesar P. A teia do bandido: um estudo sociológico sobre bandidos, policiais, evangélicos e agentes sociais. Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.; Freire; Teixeira, 201631 FREIRE, Jussara; TEIXEIRA, Cesar P. Humanidade disputada: Sobre as (des)qualificações dos seres no contexto de ‘violência urbana’ do Rio de Janeiro. Terceiro Milênio: Revista Crítica de Sociologia e Política, v. 6, n. 1, p. 58-85, 2016.; Werneck; Talone, 202292 WERNECK, Alexandre; TALONE, Vittorio. Combate moral: O moralismo ostentatório nos discursos sobre operações policiais e “violência urbana”. In: ENCONTRO NACIONAL DA ANPOCS, 46., 12-19 out. 2022, Campinas. Anais [...]. São Paulo: ANPOCS, 2022.). Os argumentos mobilizados costumam fazer referência à “resistência violenta” e à “legítima defesa”, mas também são compostos por referência a categorias do universo psi, como a psicopatia, por ideias mais fantasmagóricas como a “irrecuperabilidade” e por questionamentos do pertencimento do bandido à própria ideia de humanidade comum (Teixeira, 202383 TEIXEIRA, Cesar P. A teia do bandido: um estudo sociológico sobre bandidos, policiais, evangélicos e agentes sociais. Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.; Freire; Teixeira, 201631 FREIRE, Jussara; TEIXEIRA, Cesar P. Humanidade disputada: Sobre as (des)qualificações dos seres no contexto de ‘violência urbana’ do Rio de Janeiro. Terceiro Milênio: Revista Crítica de Sociologia e Política, v. 6, n. 1, p. 58-85, 2016.; Misse et al., 201360 MISSE, Michel; GRILLO, Carolina; NERI, Natasha; TEIXEIRA, Cesar P. Quando a polícia mata: Homicídios por “auto de resistência” no Rio de Janeiro (2001-2011). Rio de Janeiro: Booklink, 2013.).

Nesse contexto, o bandido é amplamente visto como um ser violento, seja por razões psicológicas (como no caso de associação com transtornos mentais), sociológica (por conta das características do próprio mercado ilegal em que atuam) ou ontológicas (quando são vistos como seres de uma natureza distinta) – o que caracteriza conteúdos distintos para um processo em comum, a sujeição criminal (Misse, 202256 MISSE, Michel. Malandros, marginais e vagabundos: a acumulação social da violência no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Lamparina, 2022.). Ao mesmo tempo, e por isso, trata-se de um personagem considerado matável por diversos setores da população – como veremos no próximo item. A lógica orientadora de sua matabilidade se espraia para outros atores com perfis socioeconômicos similares (pobres, negros, moradores de favelas e periferias). Não por acaso, esse ponto é frequentemente discutido por pesquisadores a partir de enquadramentos teóricos que colocam a morte no centro do debate sobre as formações políticas contemporâneas (Agamben, 20021AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua I. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.; Mbembe, 201854 MBEMBE, Achille. Necropolítica. São Paulo: n-1 edições, 2018.).15 15 Sobre a tese da necropolítica no quadro da violência urbana, ver ainda Rodrigues (2021).

Contudo, a esses repertórios de ação organizados em torno da morte se somam aqueles organizados em torno da ideia de transformação subjetiva, o que nos conduz a mais um conjunto de possibilidades de qualificação moral da força como violência. No caso dos repertórios religiosos, especialmente os pentecostais, bandidos são vistos como pessoas que agem sob a influência de seres espirituais, considerados como uma espécie de fonte originária do que seja violento. Nesse caso, os bandidos deixam de ser vistos como seres intrinsecamente violentos e passam a ser percebidos como objetos da atuação de uma força transcendental, o diabo. Aqui, a assimetria de forças é caracterizada por um conjunto ampliado de actantes (e de forças), que leva em conta tanto a agência dos atores do crime como a agência de seres míticos. Nesse caso, o processo de conversão religiosa (pensado como uma morte simbólica e um novo nascimento) é visto como a única possibilidade de se contrapor de fato à força sobrenatural que constituiria o bandido (Teixeira, 201182 TEIXEIRA, Cesar P. A construção social do “ex-bandido”: um estudo sobre sujeição criminal e pentecostalismo. Rio de Janeiro: 7Letras, 2011.; Corrêa, 202118 CORRÊA, Diogo S. Anjos de fuzil: uma etnografia das relações entre pentecostalismo e vida do crime na favela Cidade de Deus. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2021.).

A força associada ao bandido, em geral vista como perigosa e descontrolada/incontrolável e, por isso, violenta (Machado da Silva, 199353 MACHADO DA SILVA, Luiz Antônio. Violência urbana: representação de uma ordem social. In: NASCIMENTO, E. P.; BARREIRA, I. (org.). Brasil urbano: cenário da ordem e da desordem. Rio de Janeiro: Notrya, 1993. p. 131-142., 200452 MACHADO DA SILVA, Luiz Antônio. Sociabilidade violenta: por uma interpretação da criminalidade contemporânea no Brasil urbano. Sociedade e Estado, v. 19, n. 1, p. 53-84, 2004. https://doi.org/10.1590/S0102-69922004000100004
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; Werneck; Talone, 201991 WERNECK, Alexandre; TALONE, Vittorio. A ‘sociabilidade violenta’ como interpretante efetivador de ações de força: Uma sugestão de encaminhamento pragmático para a hipótese de Machado da Silva. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 12, n. 1, p. 24-61, 2019.), é contraposta a uma outra, em geral vista como necessária e controlada e, por isso, justa. A percepção desse jogo de forças pode vir a ser alterada, em alguns casos, quando houver evidências de que a força policial extrapolou os limites legais (e então se torna minimamente passível de ser compreendida também como violência interditável). No entanto, as pesquisas sobre a incriminação de policiais trazem fortes indícios de que essa é uma situação rara (Misse et al., 201360 MISSE, Michel; GRILLO, Carolina; NERI, Natasha; TEIXEIRA, Cesar P. Quando a polícia mata: Homicídios por “auto de resistência” no Rio de Janeiro (2001-2011). Rio de Janeiro: Booklink, 2013.). A ideia geral é que a força dos bandidos só poderia ser freada por uma outra força equivalente em intensidade – e, ao fim e ao cabo, que a supere. Dessa forma, o uso da força por eles é geralmente compreendido em termos da ação de seres violentos e o uso pelos policiais, como discutido na seção sobre os PMs, é frequentemente visto como proteção ou justiça16 16 Werneck (2022) mostra como os actantes policial e bandido são representados nesse contexto, o que é captado pelos títulos de capa de um jornal popular. Ali, o policial é representado em sua versão ideal como um combatente, centrado na potência e na coragem na ordem do dever e com atuação técnica, afetando prioritariamente criminosos; o bandido, por sua vez, é representado idealmente como criminoso e portador da violência, movido pela força desmedida, na ordem da covardia e com atuação malandra, afetando as “pessoas de bem”. Essa “ousadia” dos bandidos também é tema de várias representações associadas à interdição de sua agência – ver, por exemplo, Rocha (2020) ou Aquino (2020). – excluindo-se as críticas de pesquisadores e movimentos sociais, estruturadas principalmente com base no uso de repertórios sociopolíticos apontando, por exemplo, para a dimensão racista e classista da letalidade policial.

Esse tipo de arranjo se repete no interior do chamado mundo do crime. Diversas pesquisas relatam como o crime também é composto por uma dimensão moral, capaz de produzir suas próprias categorizações em relação àqueles que agem em desacordo com os padrões dominantes em um dado contexto (Lyra, 201051 LYRA, Diogo A. A república dos meninos: juventude, tráfico e virtude. Rio de Janeiro: Mauad X, 2013.; Grillo, 201337 GRILLO, Carolina C. Coisas da vida no crime: tráfico e roubo em favelas cariocas. Tese (Doutorado em Ciências Humanas) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.; Teixeira, 201383 TEIXEIRA, Cesar P. A teia do bandido: um estudo sociológico sobre bandidos, policiais, evangélicos e agentes sociais. Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.) – o que implica constantes demonstrações de variação, diferenças e potenciais conflitos morais (Birckbeck; Rodríguez, 20218 BIRCKBECK, Christopher; RODRÍGUEZ, Juan Antonio. “You and your laws and us with our laws”: A murderer’s stories navigate conflicting normative domains. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 14, n. 3, p. 641-658, 2021. https://doi.org/10.4322/dilemas.v14n3.43542
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). No Rio de Janeiro, esses atores desviantes em relação ao crime são frequentemente nomeados como vacilões, categoria que abarca uma série de comportamentos, dos considerados mais leves, como incompetência na gestão de mercadorias, armas e dinheiro, aos mais graves, como traição e estupro. Os vacilões não são necessariamente vistos como seres violentos (com exceção de membros de facções rivais, também assim chamados),17 17 Isso se espraia por toda uma gama de prestações de contas praxiológicas para o uso da força no mundo crime, como mostram Feltran et al. (2022). mas são frequentemente considerados não passíveis de ser controlados – e, por isso, perigosos e, consequentemente, matáveis. A morte e o castigo físico, isto é, a força utilizada contra esses personagens, em geral são vistos como justiça e proteção, como violência justificada. No entanto, a violência contra o vacilão também é passível de crítica, isto é, de ser reconhecida como uso interditável da força, no próprio contexto do mundo do crime, o que frequentemente ocorre a partir de variados repertórios, com destaque para os religiosos, especialmente pentecostais, que descrevem esses vacilões, assim como os próprios bandidos, como pessoas que agem sob a influência de seres espirituais.

De um dos trabalhos da matriz empírica aqui refletida (Teixeira, 201383 TEIXEIRA, Cesar P. A teia do bandido: um estudo sociológico sobre bandidos, policiais, evangélicos e agentes sociais. Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.), destacamos uma experiência etnográfica que esclarece bem alguns aspectos dessa relação entre seres, violência e justiça. “É muito complicado. É muito difícil conseguir uma segunda chance. Desconfiam da gente. Acham que a gente ainda é bandido e que a gente vai morrer assim”, disse um ex-gerente geral do narcotráfico varejista de uma conhecida favela carioca em um almoço em sua casa. No mesmo momento, o noticiário televisivo vespertino anunciava dramaticamente a prisão de um suspeito de ter cometido estupro. Ao ouvir a notícia, o ex-traficante inicia um discurso indignado, criticando duramente o suspeito e emendando uma série de histórias da época em que, ainda no crime, matou muitos “estupradores”. Tudo aquilo soava bastante similar ao que o mesmo noticiário costumava dizer sobre os próprios bandidos, sobre como mereciam ser mortos. Foi feita, então, uma provocação ao interlocutor, propondo-se um exercício de simetrização: tudo aquilo que ele dissera minutos antes sobre “ter uma segunda chance” também não poderia ser aplicado àquele vacilão? O exercício fracassou enormemente e, por isso, iluminou o quanto ignorávamos a gramática em jogo. O ex-traficante respondeu sem titubear: “Não. Você não está entendendo. Eu sou uma pessoa que não teve oportunidade na vida. Esse cara é um monstro. É muito diferente. Com esses caras, é só matando mesmo, não tem jeito”.

Essa cena mostra parte de algo que atravessa todo o contexto de violência urbana no Rio de Janeiro (e outras cidades brasileiras), um jogo complexo que envolve movimentos de aproximação e distanciamento relativos a certos, para os próprios atores, status ontológicos, os quais definem, por sua vez, os limites entre bio e necropolítica, a partir de critérios situacionais de bio e necrolegitimidade. A linha distinguindo os que devem (ou podem) morrer dos que podem viver não é totalmente definida por critérios estruturais, ainda que produzida historicamente; ela também é manuseada por diversos atores, no fluxo da vida cotidiana, a partir da mobilização de diferentes repertórios de ação, cujos limites e possibilidades de acionamento são postos por uma espécie de gramática moral da subjetividade, que opera, entre outras coisas, com uma distinção entre os seres sobre os quais a aplicação da força pode ser considerada violência interditável e aqueles sobre os quais ela seria considerada violência cabível (habitualmente por ser tratada como legítima, como justiça).

Nesse diapasão, um regime de significação toma os seres como significantes dados, naturais, de uma força incontrolável e, portanto, indesejável, a ser eliminada ou incapacitada por contraforças. Tomada como índice do mal, ela se torna rótulo (Tannenbaum, 193881 TANNENBAUM, Frank. Crime and the community. Nova York: Columbia University Press, 1938.; Becker, 20085 BECKER, Howard S. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008./1963; Werneck, 201489 WERNECK, Alexandre. O ornitorrinco de criminalização: a construção social moral do miliciano a partir dos personagens da “violência urbana” do Rio de Janeiro. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 8, n. 3, p. 429-454, 2015. https://revistas.ufrj.br/index.php/dilemas/article/view/7300
https://doi.org/10.1590/0104-423X2015000...
; García et al., 202232 GARCÍA, Germán Silva; IRALA, Fabiana; PÉREZ-SALAZAR, Bernardo. Das distorções da criminologia do Norte global a uma nova cosmovisão na criminologia do Sul. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 15, n. 1, p. 179-199, 2022. https://doi.org/10.4322/dilemas.v15n1.37961
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) habitualmente – estruturalmente, tomando por referência a linguagem das abordagens críticas (Misse, 202256 MISSE, Michel. Malandros, marginais e vagabundos: a acumulação social da violência no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Lamparina, 2022.) – colado a seres que a significariam, uma gama de figuras da cidade pensadas no plano do banditismo (e de sua associação, em geral, territorial a ele): traficantes; milicianos – quando vistos como “o mal” e não como “um mal necessário”, externamente portanto ao “mito da pacificação primitiva” (Werneck, 201589 WERNECK, Alexandre. O ornitorrinco de criminalização: a construção social moral do miliciano a partir dos personagens da “violência urbana” do Rio de Janeiro. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 8, n. 3, p. 429-454, 2015. https://revistas.ufrj.br/index.php/dilemas/article/view/7300
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); ladrões formados; pivetes; crackudos; policiais corruptos; favelados etc.

Leituras moralistas e a conclamação da força

Os comentários a matérias de jornal permitiram observar especialmente os atores sociais manifestando críticas a elementos de situações descritos em notícias cujo horizonte é a representação “violência urbana” e, nesse sentido, um agenciamento no qual se conclama ou convoca a mobilização da força.18 18 Como mostra ainda Werneck (2022, p. 764), “a presença maciça – embora não dominante – da violência urbana no noticiário não é uma exclusividade de certo jornalismo popular/sensacionalista. Os jornais tradicionais costumam mobilizá-la, tratando-a como problema público”. Comprovam esse peso trabalhos como Duarte e Araujo (2020), sobre as narrativas jornalísticas sobre a nacionalização do Primeiro Comando da Capital, maior facção criminosa de São Paulo. Para tanto, a pesquisa – mais densamente detalhada em Werneck e Talone (2022)92 WERNECK, Alexandre; TALONE, Vittorio. Combate moral: O moralismo ostentatório nos discursos sobre operações policiais e “violência urbana”. In: ENCONTRO NACIONAL DA ANPOCS, 46., 12-19 out. 2022, Campinas. Anais [...]. São Paulo: ANPOCS, 2022. – consistiu na tabulação de 100 matérias sobre operações policiais em favelas cariocas de 2019 a 2022 no jornal Extra, publicação de ampla circulação popular no Rio de Janeiro, na listagem de mais de 50 mil comentários a elas, tanto na área de comentários do site do veículo quanto em sua página na rede social Facebook, e na análise semiótica detalhada (Hodge, 201740 HODGE, Bob. Social semiotics for a complex world: Analysing language and social meaning. Londres: Polity, 2017.) de 531 comentários nos quais se manifestou o que Werneck (2021, p. 1)88 WERNECK, Alexandre. “Covid para bater boca: o moralismo ostentatório na ‘disputa de marra’ entre o presidente e governadores sobre o enfrentamento da pandemia”. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, Reflexões na Pandemia, 2021. Disponível em: https://www.reflexpandemia2021.org/texto-94
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tem chamado de moralismo ostentatório,

uma modalidade de posicionamento moral em que se aliam dois eixos: a) uma simplificação da complexidade moral do mundo em favor de uma moralidade única e em detrimento de um universo moral plural, de múltiplos mundos; e b) uma performance dessa opção como única e inegociável, nos marcos de uma ostentação da intransigência desse posicionamento.

Nos comentários, leitores performam em geral sua intransigência em relação a elementos (notadamente personagens) das notícias, demonstrando indisposição para contemplar qualquer quadro moral que não seja o das chamadas “lei e ordem” e os reconhecendo, necessariamente, como os actantes traficante/bandido, ladrão/pivete e crackudo. Nessa mecânica, três camadas de significação (e de avaliação) se sobrepõem para produzir um efeito de imposição moral: 1) um plano moral dos conteúdos, no qual se dá a valoração, isto é, a eleição dos valores relevantes (Porto; Werneck, 202170 PORTO, Camille; WERNECK, Alexandre. O valor de uma existência: uma análise pragmática de valorizações da vida humana em situações envolvendo dinheiro. Sociedade e Estado, v. 36, n. 2, p. 563-589, 2021. https://doi.org/10.1590/s0102-6992-202136020009
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) concernentes à situação; 2) um plano moral da forma-ostentação, no qual aquela pauta moral é substituída por uma metonímia dela, na forma de uma avaliação de outra ordem, a da firmeza moral; e 3) um plano moral da forma-expressão, no qual comparece uma segunda metonímia, na qual a avaliação passa a ser a de uma força discursiva centrada na demonstração ostentatória da intransigência moral, em termos de três possíveis competências: a agressividade (quando se agride a alternativa moral), a graça (quando se ridiculariza essa alternativa) e o constrangimento (quando se busca evocar a culpa na opção alternativa) (Werneck, 202188 WERNECK, Alexandre. “Covid para bater boca: o moralismo ostentatório na ‘disputa de marra’ entre o presidente e governadores sobre o enfrentamento da pandemia”. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, Reflexões na Pandemia, 2021. Disponível em: https://www.reflexpandemia2021.org/texto-94
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).

Assim, por exemplo, abaixo de uma notícia de 2019 no citado jornal carioca sobre 13 mortes em uma favela do Rio de Janeiro, em relação à qual a entidade Anistia Internacional demandava apuração das ações dos policiais, lê-se comentários em que leitores buscam defender sua priorização “da lei e da ordem” sobre qualquer outro valor (como, por exemplo, os direitos humanos, a preservação da vida ou a ponderação do papel das desigualdades sociais nessa dinâmica), demonstrando firmeza por meio, em alguns caso, de ironias (e, como isso, da graça):19 19 Todos os trechos foram transcritos como apresentados nos comentários. “Acho que a Polícia deveria dar rosas ao meliantes, uma hora a criminalidade pega algum parente ou mesmo esses anistitas aí também, aí fica tudo certo” ou “Meta do Bope ta bém ruim. Só 13 os forças especiais do exercito no alemão mataram 30 num só dia. rapaziada do Bope vamos ter aula com os FE para aumentar a meta”; em outros casos, por meio de rebaixamento de grandeza da entidade, como a chamando de “ONG” (o que seria, nessa leitura, pejorativo), no caso de “A Anistia Internacional é mais uma das várias ONG de Direitos Humanos, nada além disso, sem qualquer hierarquia sobre qualquer órgão do estado”; ou ainda com agressões verbais, expressadas inclusive graficamente, como em “MAMA-DORES NAS TE-TAS DOS GOVERNOS” (com caixas altas, o que na linguagem da comunicação virtual indica algo como falar alto, gritar mesmo).

Esses movimentos conclamam a força porque a tomam como a forma de atuação coercitiva natural e a convocam em um registro que ultrapassa os limites da tecnicalidade da ação policial. Os elementos vistos nas seções anteriores – a economia da brutalização do PM, o gerenciamento por parte dos criminosos, notadamente dos ladrões (o que nos comentários é lido muitas vezes como cinismo) e a representação dos “bandidos” como seres dotados de força imensa e incontrolável – comparecem aqui como uma matriz de elementos mobilizada pelos leitores20 20 Esses “leitores” podem ser entendidos como um público no sentido de Dewey (2016/1927), mas, ao mesmo tempo, precisam ser compreendidos na forma apontada por Gualande Junior (2022) como “público disperso” e “não associativo”, o que faz diferir consistentemente sua atuação “política” de atuações coletivas tradicionais e de algo como uma participação popular em uma discussão sobre a violência urbana (Azevedo et al., 2020). diante da vida social para efetivar sua interpretação que, para eles, valoriza a lei e a ordem sobre qualquer outro valor. E essa ideia de ordem aqui valorizada é bastante circunscrita: nos comentários, o plano moral dos conteúdos expressa como “a ordem” uma configuração de elementos ligados ao “cidadão de bem” ou às “pessoas de bem” (Freire; 201029 FREIRE, Jussara. Agir no regime de desumanização: Esboço de um modelo para análise da sociabilidade urbana na cidade do Rio de Janeiro. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 3, n. 10, p. 119-142, 2010.; Misse, 202157 MISSE, Michel. “Cidadão de bem” e sujeição criminal: A exclusão do crime da normalidade cidadã. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL QUESTÕES DE MORAL, MORAL EM QUESTÃO: SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA DO BEM EM TEMPOS DESAFIADORES, I., 30 jul. 2021, Rio de Janeiro. Anais [...]. Rio de Janeiro: UFRJ, 2021. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=MLXLidkLTCE
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), alguém ao mesmo tempo trabalhador e “que paga suas contas”, não dependendo do Estado (ou, evidentemente, do crime) e que, ao mesmo tempo, segue a cartilha moral hegemônica “como se deve” (pelo menos nas aparências), portanto, exigindo limpeza e segurança na ordem urbana (representadas, em geral, por uma imagem organizada da cidade), com a exclusão, se necessário militarizada – e com recurso a práticas como a tortura, constantemente relativizada (Jesus; Gomes, 202143 JESUS, Maria Gorete M.; GOMES, Mayara de S. Nem tudo é o que parece: A disputa semântica sobre a tortura no sistema de justiça criminal. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 14, n. 2, p. 361-378, 2021. https://doi.org/10.17648/dilemas.v14n2.34139
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) –, de “tipos indesejáveis” (como “pivetes” e “crackudos”) e que se relaciona com classes mais subalternas (o que não exclui a certa subalternidade desses próprios cidadãos de bem, muitas vezes eles próprios moradores de periferias) hierarquicamente e na ordem de suas necessidades (por exemplo, quando estas estão a seu serviço). Esses atores costumam construir uma “sujeição desordeira” (Loretti, 202348 LORETTI, Pricila L. Energias da crítica: o conflito entre a Light e os moradores da Favela Santa Marta, Rio de Janeiro, em contexto de “pacificação”. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016. https://www.bdtd.uerj.br:8443/handle/1/8401
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) em relação à qual a favela/periferia é lida como antítese da ordem adequada e o termo “favelado”, como um adjetivo para expressar essa condição de desordeiro. Essa noção de ordem costuma se apresentar ainda como anti-hedonista, ou pelo menos contida em sua festividade – associando aos desordeiros os “exageros” da alegria (como quando se estigmatizam o carnaval de rua, o baile funk das favelas, o hip hop das “quebradas”). Mais recentemente, essa noção de ordem passou a incluir a “nossa liberdade” (Werneck, 202188 WERNECK, Alexandre. “Covid para bater boca: o moralismo ostentatório na ‘disputa de marra’ entre o presidente e governadores sobre o enfrentamento da pandemia”. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, Reflexões na Pandemia, 2021. Disponível em: https://www.reflexpandemia2021.org/texto-94
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), tradução de um ideal de livre manifestação do antagonismo destrutivo da alteridade contra o “politicamente correto” (como quando se reclama de “não se poder mais fazer piada” com a comunidade LGBTQIA+). Em relação a essa liberdade “liberal”, aquela proposta pelos progressistas é apresentada como “libertinagem” e, portanto, convite à desordem. Nessa chave, a força é tomada como dispositivo mais efetivo dessa ordem (ela é expressada como “vassoura”, actante que “limpa” a cidade, “varre” o indesejado, e como “mão” que permite começar de novo em uma tábula rasa reordenada) e em uma modalidade que autoriza sua mobilização sem limites – muitas vezes tratando os conflitos urbanos como guerra (Leite, 200046 LEITE, Márcia P. Entre o individualismo e a solidariedade: dilemas da política e da cidadania no Rio de Janeiro. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 15, n. 44, p. 73-90, 2000.; Grillo, 201936 GRILLO, Carolina C. Da violência urbana à guerra: repensando a sociabilidade violenta. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 12, n. 1, p. 62-92, 2019.) –, em versões arrasa-quarteirão (“Tem que matar todo mundo”, “Se passasse o trator em cima acabava o crime” etc.).

Nesse sentido, nesse regime de convocação ou conclamação, a força é tratada como ícone da vontade geral das “pessoas de bem” e um “emissário” delas; e a cidade, sua morada, o actante-chave por se tornar o espaço convertido em ambiente problemático pela desordem e pela violência dos outros. É nela que se desenrolam os conflitos que a tornam de utopia a distopia (Talone, 201580 TALONE, Vittorio. Confiança e desconfiança como dispositivos morais situacionais em trânsito: um estudo em viagens de ônibus na cidade do Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.; Werneck, 202292 WERNECK, Alexandre; TALONE, Vittorio. Combate moral: O moralismo ostentatório nos discursos sobre operações policiais e “violência urbana”. In: ENCONTRO NACIONAL DA ANPOCS, 46., 12-19 out. 2022, Campinas. Anais [...]. São Paulo: ANPOCS, 2022.; Werneck; Talone, 202292 WERNECK, Alexandre; TALONE, Vittorio. Combate moral: O moralismo ostentatório nos discursos sobre operações policiais e “violência urbana”. In: ENCONTRO NACIONAL DA ANPOCS, 46., 12-19 out. 2022, Campinas. Anais [...]. São Paulo: ANPOCS, 2022.). E essa força é tratada por esses atores como seu emissário porque serve como contraforça em relação a tudo de distópico (Talone, 201580 TALONE, Vittorio. Confiança e desconfiança como dispositivos morais situacionais em trânsito: um estudo em viagens de ônibus na cidade do Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015., 202377 TALONE, Vittorio. A força da memória: lembranças de situações de ferimento, tensão e morte. Rio de Janeiro: Mórula, 2023.) para eles – aqueles seres dignos de destruição, como vimos.

Modalidades da força, actantes e suas ações violentizadas

Para dar conta do traço comum entre essas diferentes modalidades da força, a simetrização de diferentes pesquisas lançou mão, como vimos, de uma matriz metodológica multifatorial. Ela, por sua vez, se consubstancializou em uma igualmente multifatorial matriz analítica, a fim de destacar as dimensões nas quais se apresentaram elementos relevantes para a violentização, permitindo caracterizar como diferentes regimes, diferentes formas de integração força-violência-actante. A matriz, apresentada no Quadro 1, a seguir, chamou nossa atenção para um conjunto de variáveis transversais aos casos particulares de cada frente e cujo comparecimento em cada uma guiou nosso diálogo cruzado. O primeiro par de variáveis, ancorador do restante da matriz, é formado pela ação em jogo em relação à força e pela forma de relação com a força de cada um dos tipos privilegiados da violência urbana. A relação entre esse par brota da definição de verbos específicos relativos à primeira variável, que traduzimos como substantivos de nome de ação na segunda, nomeando com eles regimes de relação com a força: o policial (que se torna ou a perde) se relaciona com a força por meio da representação; o ladrão (que a gerencia), por meio da administração; o bandido (que é tornado força), pela significação; e o cidadão (que a conclama), por meio da convocação. As outras variáveis detalham como cada um dos actantes se desdobra e como eles representam diferentes formas de qualificar força como violência, representando diferentes definições desse objeto, sempre por meio do estabelecimento de uma relação com ele, que se consubstancia na leitura desses actantes como metonímia da força:

Quadro 1
Matriz da violentização

Como vimos até aqui e revisamos a partir da matriz, o policial relaciona-se com a força ao se ver/ser representado como capaz de representá-la e como seu legítimo detentor (pela vocação de ser um representante da ordem). Em uma sociedade moderna, em que o Estado deteria o uso legítimo da força, o PM é lido como quem incorpora legitimamente a força e, de várias formas, pode perdê-la – o que dependeria de sua capacidade íntima de gerenciar os efeitos da mobilização da “violência”. Ícone do uso legítimo (denunciado como legitimado e/ou excessivo por outros entes sociais, como mencionado anteriormente), ele é lido/se lê como alguém que deve ter a capacidade de a conter e a mobilizar naturalmente, pois deteria o dom para tal. Vimos que isso se torna problemático de diferentes formas ao longo de operações de perigo, embora os agentes não questionem a justiça ou a legitimidade do uso por eles efetivado. O ladrão, por sua vez, administra a força de que pode lançar mão para atingir um fim, por ele declarado: apoderar-se dos bens de outrem com o mínimo de reação alheia. Ela se torna um recurso situado (o qual pode ser físico, verbal ou psicológico) para garantir certo andamento ideal das etapas constitutivas de um roubo – na visão dos próprios entrevistados, que, então, traduzem a força como símbolo, “criativamente” mobilizado. Dessa forma, a imagem do ladrão é distinguida (pelos próprios ladrões) daquela do bandido (Misse, 202256 MISSE, Michel. Malandros, marginais e vagabundos: a acumulação social da violência no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Lamparina, 2022.; Teixeira, 201383 TEIXEIRA, Cesar P. A teia do bandido: um estudo sociológico sobre bandidos, policiais, evangélicos e agentes sociais. Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.), personagem que – aos olhos dos outros – é a própria força, significa-a. A partir de diferentes gramáticas de subjetividade (partindo da origem, da cultura, de traços biológicos etc.), ele se torna índice da força, aquele actante que detém um montante de energia significativo e necessário para o seu uso desigual (e condenável para outros atores em análise). Eles “batem de frente” com os detentores supostamente legítimos, inclusive afetando a relação dos PMs para com a própria força. Como vimos, o bandido é interpretado por diferentes filtros, é rotulado de acordo com o contexto e com quem opera a interpretação sobre ele. Por fim, temos o cidadão que reage às notícias sobre operações policiais. Em geral, ele toma positivamente a imagem do policial como ícone da força e defende o uso indiscriminado (mas, por eles, legitimado por representar o desejo geral dos “cidadãos de bem”) dela sobre os outros actantes aqui destacados – seria um desvio da lei frouxa e da “ordem desordeira” em vias de garantir uma lei rígida e uma boa ordem. Operando a rotulação do bandido como detentor de uma força desproporcional e desumana, conclama a polícia (e eventualmente outros, como a milícia) a mobilizar um montante superior de (para eles, boa, justa) “violência” com a finalidade de eliminar um dos principais actantes a conferir à cidade seu “gene violento”. Por meio de manifestações públicas, realizam e defendem uma interpretação distópica da cidade – com cerne na actância da “sociabilidade violenta” (Machado da Silva, 200452 MACHADO DA SILVA, Luiz Antônio. Sociabilidade violenta: por uma interpretação da criminalidade contemporânea no Brasil urbano. Sociedade e Estado, v. 19, n. 1, p. 53-84, 2004. https://doi.org/10.1590/S0102-69922004000100004
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; Werneck; Talone, 201991 WERNECK, Alexandre; TALONE, Vittorio. A ‘sociabilidade violenta’ como interpretante efetivador de ações de força: Uma sugestão de encaminhamento pragmático para a hipótese de Machado da Silva. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 12, n. 1, p. 24-61, 2019.) dos “bandidos” (Talone, 2022b79 TALONE, Vittorio. O contágio como distopia realizada. In: WERNECK, A.; ARAUJO, M. (org.). Reflexões na pandemia: questões sociais, isoladas pela Covid-19. Rio de Janeiro: Lamparina, 2022b. p. 283-298.) – e convocam “a lei e a ordem” para produzir sua versão utópica.

Considerações finais

A operação analítica de simetrização colocada aqui em jogo permitiu dar continuidade ao desenvolvimento de uma sociologia pragmática da violência (Werneck et al., 202093 WERNECK, Alexandre; TEIXEIRA, Cesar P.; TALONE, Vittorio. An outline of a pragmatic sociology of ‘violence’. Sociologias, v. 22, n. 54, p. 286-326, 2020. http://doi.org/10.1590/15174522-96338
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) cuja base é a compreensão das diferentes formas de ajustamento entre quadros abstratos nos quais os atores explicam o mundo segundo uma forma específica de definir violência – caracterizando sociologias nativas da violência, descrições de como ela comparece na lógica da vida social – e situações concretas de mobilização de diferenças de força dignas de nota, violentizando essas situações. Neste trabalho, observamos como diferentes formas de força são interpretadas pelos atores sociais nessa operação, por meio da observação de variadas maneiras como eles associam essa força a diferentes “personagens”, referidos aqui como actantes típicos do cenário da chamada “violência urbana”, tratada analiticamente como um sistema actancial fundado em agenciamentos que passam diretamente pela qualificação dos arranjos de força nele em curso.

Esse tratamento cruzado e simetrizado permitiu observar como os diferentes actantes privilegiados relacionados à violência urbana aqui observados se relacionam/são relacionados com a força e, com isso, foi possível melhor compreender uma semiótica deste actante fundamental por meio do interpretante violência, isto é, o estatuto de como as pessoas, ao se depararem com aplicações de diferenças de força dignas de nota em interações na vida urbana classificam a situação em curso como violentas – e como constroem sociologias nativas da violência (Werneck et al., 202093 WERNECK, Alexandre; TEIXEIRA, Cesar P.; TALONE, Vittorio. An outline of a pragmatic sociology of ‘violence’. Sociologias, v. 22, n. 54, p. 286-326, 2020. http://doi.org/10.1590/15174522-96338
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) e, com base nelas, cartilhas de atuação a partir de suas efetivações. Ao observarmos como determinados seres se fazem ou perdem força, como gerenciam/administram a força, são tomados como força ou conclamam/demandam força, compreendemos, por meio desses verbos, dessas ações rotinizadas, diferentes formas como a força comparece na gestão moral de um cenário de violência urbana e como elas são expressadas. As diferenças notáveis nas aplicações de força em interações, assim, qualificadas de várias formas pelos atores nessas mesmas situações, tornam-se, com isso, índices das próprias montagens relacionais estabelecidas nesse cenário e elementos centrais das maneiras como esses atores definem as situações e nelas atuam em um contexto urbano contemporâneo em que a “violência urbana” tenha se estabelecido.

  • 1
    Este texto traz resultados das pesquisas Moralismo Ostentatório e Violência: Um Estudo do Papel da Crítica Acusatorial na “Violentização” dos Discursos no Rio de Janeiro, financiada pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), por meio da bolsa distintiva Jovem Cientista do Nosso Estado (processo E26/202.756/2019); Moralismo e Valorações: A Crítica Ostentatória nas Dimensões Política e Econômica, financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), por meio de sua bolsa de produtividade em pesquisa (processo 312863/2021-7); e A Acumulação Social da Violência no Rio de Janeiro: Novos Desafios, financiada pela Faperj, por meio de seu edital Temático (processo SEI-260003/001153/2020) e de sua bolsa Pós-Doutorado Nota 10 (processo E-26/202.010/2020).
  • 2
    Na abordagem de Greimas (1976/1966), um actante é um ser (humano ou não humano) que pratica ou sofre um ato, fazendo diferença em uma narrativa. Transposto para as ciências sociais por Bruno Latour (1997/1987), trata-se de um ente – pessoa, grupo(s), animal(is), coisa(s), entre outros – capaz de influenciar as ações de terceiros. A actância – a forma da agência nesse enquadramento – diz respeito à capacidade de um ser não simplesmente em termos decisórios (e, nesse sentido, de agência), mas decisivos do quadro situacional.
  • 3
    Diferentemente de outros projetos de sociologia da violência de viés pragmático baseados em Boltanski (1990)9 BOLTANSKI, Luc. L’amour et la justice comme compentences: trois essais de sociologie de l’action. Paris: Metaillié, 1990., como a de Kronborg (2015)44 KRONBORG, Mikkel. Towards a pragmatic sociology of violence. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – University of Copenhagen, 2015., que trabalham com a ideia de um regime de violência, consideramos a violência objeto controverso para os atores e não competência definidora de efetivações. Assim, tratamos a violência como um significado atribuído à força pelos atores e a ser por eles legitimado.
  • 4
    Adotamos na tipologia o sentido do termo “simbólico” na abordagem bourdieusiana – dialogando com sua ideia de “violência simbólica” (Bourdieu, 201211 BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012.) – a fim de acatar a possibilidade de os próprios atores (notadamente analistas e militantes) reconhecerem uma forma estruturada/estruturante da força/violência. Ao falarmos em “semiótica”, falaremos da força tomada, como queria Peirce, como ícone, índice ou símbolo.
  • 5
    Entretanto, apesar da solidez dessa tipologia, vale destacar que, segundo nossas pesquisas, essas formas de força podem se efetivar de maneira entrelaçada e em diferentes combinações. Nesse sentido, a tipologia colabora para se compreender o comparecimento de cada um desses tipos nas efetivações de situação.
  • 6
    Usados genericamente para se referir a usuários de crack, termos como crackudo, craqueiro ou nóia costumam se referir ao usuário comprometido pelo uso, chegando a estar em situação de rua e/ou com problemas de saúde mental. Por conta disso, o sentido em várias metrópoles brasileiras – notadamente no Rio e em São Paulo – se estendeu a quaisquer pessoas em situação de rua e/ou pedintes que, para certas pessoas, são ameaçadores. Assim, crackudo, no imaginário de violência urbana, costuma designar o estranho de aparência depauperada tratado como ameaça e assim figurará como actante analiticamente aqui.
  • 7
    Cada um desses actantes é explorado mais aprofundadamente nos outros trabalhos citados.
  • 8
    Cabe também dizer que, como actantes, cada um deles sintetiza uma vasta gama de figuras práticas dessa ordem urbana. Por exemplo, o actante cidade é a representação da própria ordem social, que oscilará entre utopia desejada e rotinizada em que se mora e distopia experimentada nos momentos de ruptura em que a violência é percebida como questão (Werneck, 202287 WERNECK, Alexandre. The force of grace, the grace of force: Joking critique of figures of “urban violence” on the covers of a tabloid newspaper as the “violentization” of public discourse. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 15, n. 3, p. 735-773, 2022.).
  • 9
    Não nos deteremos aqui nas nuances da atuação policial, em suas origens, em seus problemas ou nas variações territoriais de sua constituição, temas já mapeados em diversos estudos (Muniz, 199963 MUNIZ, Jacqueline. “Ser policial é, sobretudo, uma razão de ser”: Cultura e Cotidiano da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. Tese (Doutorado em Ciência Política) – Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1999.; Brodeur, 200412 BRODEUR, Jean-Paul. Por uma sociologia da força pública: considerações sobre a força policial e militar. Caderno CRH, v. 17, n. 42, p. 481-489, 2004. https://doi.org/10.9771/ccrh.v17i42.18507
    https://doi.org/10.9771/ccrh.v17i42.1850...
    ; Muniz; Paes-Machado, 201064 MUNIZ, Jacqueline; PAES-MACHADO, Eduardo. Polícia para quem precisa de polícia: Contribuições aos estudos sobre policiamento. Caderno CRH, v. 23, n. 60, p. 437-444, 2010. https://doi.org/10.1590/S0103-49792010000300001
    https://doi.org/10.1590/S0103-4979201000...
    ; Bellaing, 20166 BELLAING, Cédric M de. Force publique: une sociologie de l’institution policière. Paris: Economica, 2016.; Poncioni, 202168 PONCIONI, Paula. Tornar-se policial: o processo de construção da identidade profissional do policial nas academias de polícia. Curitiba: Appris, 2021.; Alves, 20222 ALVES, Jaime A. F*da-se a polícia! Formações estatais antinegras, mitos da fragilidade policial e a urgência de uma antropologia da abolição. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 15, n. 3, p. 1021-1045, 2022. https://doi.org/10.4322/dilemas.v15n3.50584
    https://doi.org/10.4322/dilemas.v15n3.50...
    ) e que ultrapassam os propósitos deste texto.
  • 10
    Como mostra uma pesquisa do Núcleo Central de Psicologia da Diretoria Geral de Saúde da PMERJ (2016), um dos maiores motivos para um policial receber licença para tratamento de saúde (LTS) são “transtornos mentais e comportamentais”. De 2013 a 2016 teriam sido 9.058 afastamentos por LTS, sendo 2.751 pela psiquiatria. Para mais dados desse período, incluindo taxas de suicídio, ver Miranda (2016)55 MIRANDA, Dayse Por que policiais se matam? Diagnóstico e prevenção do comportamento suicida na polícia militar do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Mórula, 2016. e Rocha (2013)72 ROCHA, Letícia F. Transtorno do estresse pós-traumático em policiais militares do Rio de Janeiro. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013..
  • 11
    Essa dinâmica da representação de si se espraia sobre as representações dos policiais a respeito de sua própria instituição e sobre outras forças de segurança – além de Talone (2023)77 TALONE, Vittorio. A força da memória: lembranças de situações de ferimento, tensão e morte. Rio de Janeiro: Mórula, 2023., ver Cubas et al. (2020)21 CUBAS, Viviane de O; ALVES, Renato; OLIVEIRA, André R. Tão diferentes e tão iguais: As percepções de policiais civis e militares de São Paulo sobre suas instituições. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 13, n. 3, p. 801-825, 2020. https://doi.org/10.17648/dilemas.v13n3.26235
    https://doi.org/10.17648/dilemas.v13n3.2...
    .
  • 12
    Algo muito temido pelos PMs, pois muitos morrem ou são feridos assim (Rocha, 201372 ROCHA, Letícia F. Transtorno do estresse pós-traumático em policiais militares do Rio de Janeiro. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.; Miranda, 201655 MIRANDA, Dayse Por que policiais se matam? Diagnóstico e prevenção do comportamento suicida na polícia militar do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Mórula, 2016.).
  • 13
    Em nossa argumentação, achamos mais cabível falar em contenção em vez de economia, no sentido de não pensar na força como um recurso escasso, mas como uma energia idealizada sempre disponível e que precisa ser controlada/comedida.
  • 14
    Isso não implica um posicionamento acrítico ou a recusa do reconhecimento desses excessos, já documentados e explorados por vários trabalhos relevantes, alguns deles aqui citados – ver, mais recentemente, Morellato e Santos (2020)61 MORELLATO, Ana Carolina B; SANTOS, André Filipe P. R. dos. Intervenção federal e a guerra contra os pobres na cidade do Rio de Janeiro. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 13, n. 3, p. 711-736, 2020. https://doi.org/10.17648/dilemas.v13n3.23016
    https://doi.org/10.17648/dilemas.v13n3.2...
    , Alves (2022)2 ALVES, Jaime A. F*da-se a polícia! Formações estatais antinegras, mitos da fragilidade policial e a urgência de uma antropologia da abolição. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 15, n. 3, p. 1021-1045, 2022. https://doi.org/10.4322/dilemas.v15n3.50584
    https://doi.org/10.4322/dilemas.v15n3.50...
    ou, no caso do Judiciário, Gonçalves (2020)34 GONÇALVES, Vitor S. O sistema de justiça juvenil na perspectiva sociológica: Entre frouxa articulação e linha de montagem. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 13, n. 3, p. 781-799, 2020. https://doi.org/10.17648/dilemas.v13n3.25800
    https://doi.org/10.17648/dilemas.v13n3.2...
    . A questão é a ênfase no caráter cognitivo dessa operação, associado a uma ideia de gestão de si como força.
  • 15
    Sobre a tese da necropolítica no quadro da violência urbana, ver ainda Rodrigues (2021)74 RODRIGUES, Eduardo de O. Necropolítica: uma pequena ressalva crítica à luz das lógicas do “arrego”. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 14, n. 1, p. 189-218, 2021. https://doi.org/10.17648/dilemas.v14n1.30184
    https://doi.org/10.17648/dilemas.v14n1.3...
    .
  • 16
    Werneck (2022)92 WERNECK, Alexandre; TALONE, Vittorio. Combate moral: O moralismo ostentatório nos discursos sobre operações policiais e “violência urbana”. In: ENCONTRO NACIONAL DA ANPOCS, 46., 12-19 out. 2022, Campinas. Anais [...]. São Paulo: ANPOCS, 2022. mostra como os actantes policial e bandido são representados nesse contexto, o que é captado pelos títulos de capa de um jornal popular. Ali, o policial é representado em sua versão ideal como um combatente, centrado na potência e na coragem na ordem do dever e com atuação técnica, afetando prioritariamente criminosos; o bandido, por sua vez, é representado idealmente como criminoso e portador da violência, movido pela força desmedida, na ordem da covardia e com atuação malandra, afetando as “pessoas de bem”. Essa “ousadia” dos bandidos também é tema de várias representações associadas à interdição de sua agência – ver, por exemplo, Rocha (2020)73 ROCHA, Rafael L. S. Sobre a gramática moral do crime: a mobilização de justificativas e acusações em homicídios na Zona Leste de Belo Horizonte. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 13, n. 3, p. 737-757, 2020. https://doi.org/10.17648/dilemas.v13n3.23152
    https://doi.org/10.17648/dilemas.v13n3.2...
    ou Aquino (2020)3 AQUINO, Jânia Perla D. de. Violência e performance no chamado “novo cangaço”: Cidades sitiadas, uso de explosivos e ataques a polícias em assaltos contra bancos no Brasil. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 13, n. 3, p. 615-643, 2020. https://doi.org/10.17648/dilemas.v13n3.31668
    https://doi.org/10.17648/dilemas.v13n3.3...
    .
  • 17
    Isso se espraia por toda uma gama de prestações de contas praxiológicas para o uso da força no mundo crime, como mostram Feltran et al. (2022)28 FELTRAN, Gabriel; LERO, Cecília; CIPRIANI, Marcelli; MALDONADO, Janaina; RODRIGUES, Fernando de J.; SILVA, Luiz Eduardo L.; FARIAS, Nido. Variações nas taxas de homicídios no Brasil: Uma explicação centrada nos conflitos faccionais. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 15, Especial n. 4, p. 311-348, 2022. https://doi.org/10.4322/dilemas.v15nesp4.46920
    https://doi.org/10.4322/dilemas.v15nesp4...
    .
  • 18
    Como mostra ainda Werneck (2022, p. 764)87 WERNECK, Alexandre. The force of grace, the grace of force: Joking critique of figures of “urban violence” on the covers of a tabloid newspaper as the “violentization” of public discourse. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 15, n. 3, p. 735-773, 2022., “a presença maciça – embora não dominante – da violência urbana no noticiário não é uma exclusividade de certo jornalismo popular/sensacionalista. Os jornais tradicionais costumam mobilizá-la, tratando-a como problema público”. Comprovam esse peso trabalhos como Duarte e Araujo (2020)23 DUARTE, Thais L; ARAÚJO, Isabela Cristina A. PCC em pauta: Narrativas jornalísticas sobre a expansão do grupo pelo Brasil. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 13, n. 2, p. 505-532, 2020. https://doi.org/10.17648/dilemas.v13n2.23020
    https://doi.org/10.17648/dilemas.v13n2.2...
    , sobre as narrativas jornalísticas sobre a nacionalização do Primeiro Comando da Capital, maior facção criminosa de São Paulo.
  • 19
    Todos os trechos foram transcritos como apresentados nos comentários.
  • 20
    Esses “leitores” podem ser entendidos como um público no sentido de Dewey (2016/1927)24 DEWEY, John. The public and its problems: An essay in political inquiry. Athens, GA: Swallow, 2016/1927., mas, ao mesmo tempo, precisam ser compreendidos na forma apontada por Gualande Junior (2022)39 GUALANDE JUNIOR, Ailton. O transporte coletivo como ‘grande problema sem resolução’: O não associativismo e a contestação pública de mazelas. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 15, n. 1, p. 225-249, 2022. https://doi.org/10.4322/dilemas.v15n1.35972
    https://doi.org/10.4322/dilemas.v15n1.35...
    como “público disperso” e “não associativo”, o que faz diferir consistentemente sua atuação “política” de atuações coletivas tradicionais e de algo como uma participação popular em uma discussão sobre a violência urbana (Azevedo et al., 20204 AZEVEDO, Nilo; CAMPOS, Mauro; LIRA, Rodrigo. Por que os conselhos não funcionam? Entraves federativos para a participação popular no Brasil. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 13, n. 2, 439-461, 2020. https://doi.org/10.17648/dilemas.v13n2.21870
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    31 Mar 2023
  • Aceito
    31 Out 2023
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