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A produção do conhecimento e os centros de pesquisa: a trajetória do Cedec

Resumos

No presente artigo, os autores desenvolvem temas que se destacam, na atualidade, a respeito do lugar das distintas instituições de produção de conhecimento. Consideram as novas modalidades de financiamento de pesquisa existentes e os novos padrões de avaliação e monitoramento de produção científica praticados por agências nacionais e internacionais.

centros de pesquisa; produção de conhecimento e intervenção na realidade; competitividade e complementaridade entre centros de pesquisa e universidade


This article examines some of the major themes related to the current role of various knowledge-producing institutions. The authors discuss new developments in the financing of research and the new standards employed by both Brazilian and international entities in evaluating and monitoring scientific production.

research centers; production of knowledge and intervention in reality; competition and complementarity between research centers and universities


A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO E OS CENTROS DE PESQUISA

a trajetória do Cedec

AMÉLIA COHN

TULLO VIGEVANI

Resumo: No presente artigo, os autores desenvolvem temas que se destacam, na atualidade, a respeito do lugar das distintas instituições de produção de conhecimento. Consideram as novas modalidades de financiamento de pesquisa existentes e os novos padrões de avaliação e monitoramento de produção científica praticados por agências nacionais e internacionais.

Palavras-chave: centros de pesquisa; produção de conhecimento e intervenção na realidade; competitividade e complementaridade entre centros de pesquisa e universidade.

Abstract: This article examines some of the major themes related to the current role of various knowledge-producing institutions. The authors discuss new developments in the financing of research and the new standards employed by both Brazilian and international entities in evaluating and monitoring scientific production.

Key words: research centers; production of knowledge and intervention in reality; competition and complementarity between research centers and universities.

O Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (Cedec) é uma instituição de pesquisa em ciências sociais, sem fins lucrativos, fundada em 1976. Ao longo desse período a maioria de seus pesquisadores vem praticando a "dupla militância": no geral vinculados a universidades ¾ USP, Unesp, Unicamp, PUC-SP ¾ desempenham atividades de pesquisa no Cedec. Isso significa que é impossível discutir o Cedec, ou outros centros da mesma natureza, sem ao mesmo tempo tratar da universidade. É, portanto, nessa condição que se desenvolverá tema de "qual o lugar dos centros de pesquisa como o Cedec na produção do conhecimento científico, e qual, conseqüentemente, sua especificidade".

UNIVERSIDADES E CENTROS DE PESQUISA: SUAS ESPECIFICIDADES

Desde logo é necessário esclarecer que não se trata, até porque seria simplório, de contrapor-se aqui os centros de pesquisa às universidades, como se fossem pólos opostos ou mesmo antagônicos. Nesse sentido, os itens que se seguem constituem apenas um recurso para pontuar algumas das mais destacadas questões relativas ao tema central ¾ o lugar dessas instituições de pesquisa na produção do conhecimento à luz da atual conjuntura brasileira.

A relação entre ambas as instituições não é linear nem tampouco estática. É a conjuntura histórica e sobretudo a vocação dos centros de pesquisa que definem os graus de oposição, competitividade, colaboração e complementaridade entre ambas. Tomando-se como exemplo o Cedec ¾ como antes dele é o caso do Cebrap ¾, é oportuno lembrar que a instituição foi criada não propriamente em oposição à universidade. Foi fruto de uma iniciativa de intelectuais, professores da USP em sua maioria, que a criaram buscando um lugar em que questões de ponta sobre a democracia pudessem ser objeto de reflexão e pesquisa numa conjuntura autoritária, exatamente no momento em que a própria universidade não abrangia essa linha de preocupações, acossada pelas restrições e pela censura ditatoriais.

Surge assim o Cedec, configurando-se já como um meio de reflexão e ação norteadas pela questão democrática, e também como um espaço que dá guarida a vários intelectuais aposentados pelo AI-5 para que aí continuem a desenvolver suas atividades intelectuais. Naquele momento, tanto o Cedec como outros centros similares constituem-se como espaços alternativos à universidade, contando com quadros intelectuais que a elas continuavam vinculados, associados àqueles que dela haviam sido expulsos.

Claro está que a conjuntura política da época de sua fundação, associada à trajetória intelectual de seus fundadores e pesquisadores da primeira hora, já delineiam o perfil e a vocação do Cedec: voltar suas energias para a reflexão e a pesquisa vinculadas ao tema da democracia, dos direitos políticos e sociais ¾ portanto da cidadania, da pobreza e da desigualdade ¾ e dos movimentos sociais. A esses temas, com o decorrer dos anos, nas décadas de 80 e 90, acrescentaram-se outros, como reforma do Estado, o meio ambiente e as relações internacionais.

Ora, a pesquisa social, quando vinculada a esses temas, traz consigo uma estreita e indissociável relação entre as dimensões cognitiva, normativa e prescritiva do conhecimento, uma vez que o compromisso com essas questões e a efetividade de uma ordem social democrática já estão dados de antemão. No entanto, traz ainda, embora não de forma explícita, a especificidade dos centros de pesquisa e da universidade. Primeiro, pela forma distinta de financiamento de ambas, vigente até recentemente; depois, pela circunstância de que os primeiros voltavam-se quase exclusivamente às pesquisas empíricas, associadas a e enriquecidas pela formação e militância acadêmica de seu quadro de pesquisadores, enquanto a reflexão propriamente acadêmica, sem preocupação com o empírico imediato, encontrava lugar privilegiado na universidade. De todo modo, cabe registrar que essa distinção está longe de ser rígida. Na área das ciências sociais, a reflexão abstrata e teórica desenvolveu-se também nos centros de pesquisa, assim como pesquisas empíricas foram realizadas na universidade. O que assinalamos é uma tendência.

Primeiro Tempo

No momento de sua criação e durante a vigência dos governos militares a vocação dos centros de pesquisa como o Cedec consistiu em desenvolver pesquisa e reflexão cien tífica sobre direitos humanos e políticos da óptica da denúncia da violência e da arbitrariedade do Estado ditatorial. Por um lado, nesse caso, a pesquisa social articulada assim ao tema da cidadania volta-se para a questão da violência do aparato repressivo do Estado ¾ a violência política e a repressão policial e do sistema penitenciário ¾, para a violência da ordem social (os marginalizados, os meninos de rua), para a pobreza nos grandes centros urbanos e para o estudo da emergência de formas de organização e movimentos sociais que sinalizavam a revitalização da sociedade civil. Por outro lado, os pesquisadores passam a estudar e, em alguns casos, a prestar assessoria indireta ao novo sujeito social presente ativamente no cenário político do final dos anos 70 e nos anos 80 ¾ os trabalhadores e sua atuação sindical com a emergência do novo sindicalismo. Se essas questões, porém, estão circunscritas basicamente ao meio urbano, as questões rurais também não são abandonadas: a preocupação aí volta-se para os movimentos agrários de então, para sua organização sindical e a questão agrária, bem como para a emergência de um novo sujeito social destituído de seus direitos: o bóia-fria.

Em resumo, nessa fase a tônica mais prática do que teórica na pesquisa social dá destaque aos marcos estruturais das desigualdades e da violência social, tendo como alvo central a violência e a arbitrariedade do Estado. Tratava-se de fortalecer e revigorar a sociedade civil para enfrentar um Estado que ameaçava a todos, como apontou então Francisco Weffort em artigo publicado em Lua Nova.

A marca da produção nessa fase reside em trazer a público uma realidade velada, o mundo sombrio da violência política e social, apontando, no entanto, para a revitalização da sociedade civil, e para a emergência ou ressurgimento de sujeitos sociais coletivos no confronto com o Estado. Assim, a democracia política e o respeito aos direitos humanos, que suscitam o tema da cidadania, emergem como ênfase da pesquisa.

Nos anos 70 e 80, ao menos até o fim do regime militar, centros de pesquisa e universidade não disputam acir radamente as mesmas fontes de financiamento, nem os mesmos espaços institucionais para debates das grandes questões nacionais e latino-americanas. É cristalina a vocação de cada uma dessas instituições. No caso dos centros de pesquisa, todo local para realização de debates e seminários para discutir aquelas questões era bem-vindo, e sempre tinha público, até das próprias universidades. A pesquisa tinha como contraface a possibilidade de influir diretamente na sociedade. Em resumo, os centros à época faziam o que as universidades estavam impedidas de fazer.

Quanto às fontes de financiamento, elas eram, no geral, fundações ou instituições estrangeiras preocupadas com a questão democrática e a pobreza nos países latino-americanos, dispostas a apoiar instituições que com base em suas pesquisas e reflexões desenvolvessem ações de promoção social com influência e peso no debate público. É relevante afirmar que, à época, a existência desses centros era em si mais importante, em razão do espaço democrático que representavam, do que propriamente os projetos de pesquisa que desenvolviam. No âmbito nacional, buscavam-se recursos de instituições de financiamento de pesquisas científicas com respaldo nos currículos acadêmicos dos pesquisadores. A grande diferença, comparando-se com a situação atual, cabe à Finep, que em determinados momentos teve importante papel no financiamento de pesquisas nas áreas das ciências sociais. Cabe assinalar que, mesmo durante o regime militar, as agências de fomento à pesquisa cumpriram papel comparativamente mais significativo do que vêm cumprindo no momento, como se verá.

Segundo Tempo

Este momento, que coincide com o período da transição democrática no país, a partir de 1985, é marcado pela tônica da construção de uma nova ordem política e social. Em decorrência, o eixo central das atividades desenvolvidas pelos nossos pesquisadores volta-se fundamentalmente para o estudo da violência determinada pelas condições sociais, mais do que para a violência do Estado. Compõem a pauta dessas pesquisas e debates os temas da pobreza, das desigualdades sociais, das novas ¾ e não tão novas, mas que ganham magnitude ¾ formas de exploração do trabalho, as necessidades sociais (haja vista a já tão em voga expressão na agenda pública brasileira "resgate da dívida social"), emergindo com força duas novas linhas de pesquisa: as políticas públicas, pela óptica da superação ou reprodução da pobreza e das desigualdades sociais, e as relações internacionais, pela óptica dos interesses dos Estados pobres tentando compreender as razões internas e sistêmicas da reprodução das hegemonias.

Ocupa lugar de destaque nas preocupações da pesquisa social a questão da cidadania, conquistando maior presença a diferenciação entre mercado formal e mercado informal de trabalho; seu impacto sobre modelo brasileiro de proteção social; as políticas de saúde e educação, sempre na óptica da conquista de novos direitos sociais e na compreensão dos novos sujeitos sociais coletivos que então emergem, agora não mais mediante reação ao Estado, mas na ação junto a ele.

Dessa forma articula-se à democracia política a democracia social. Estão em questão as práticas coletivas de demandas com o Estado e da participação da sociedade na própria administração pública, a democracia representativa e a democracia direta. Essa articulação é perseguida desenvolvendo-se duas grandes linhas de investigação: uma se traduz em projetos de abrangência específica, de caráter mais micro, analisando-se experiências concretas de formulação e implementação de políticas sociais, e outra de maior abrangência em seu escopo teórico-metodológico, mas de caráter igualmente empírico. Nesse caso, destacam-se duas grandes pesquisas com ênfase na reforma do Estado: uma delas analisa comparativamente processos de reforma administrativa e política do Estado em distintos contextos contemporâneos, e outra salientando a transição política brasileira pós-64. Nesse contexto, a linha de relações internacionais volta-se para a questão da integração regional, e que busca a compreensão das possibilidades que as mudanças no ordenamento internacional poderiam oferecer, incluindo o acesso ao debate de atores não pertencentes às elites.

Nesse segundo tempo, no início dos anos 90, a relação entre centros de pesquisa e universidades torna-se relativamente menos nítida. Isso por dois motivos: enquanto aqueles seguem sua caminhada ainda fortemente marcados pelo período de sua criação, as universidades agora começam também a se abrir para os debates de caráter cognitivo, normativo e prescritivo, dialogando, ainda que timidamente, com a sociedade. Ainda permanece a distinção prevalecente no período anterior: enquanto o Cedec dedica-se a pesquisas empíricas estreitamente associadas a questões apresentadas pela realidade brasileira que demandam respostas operacionais ¾ pesquisas essas temperadas por reflexão teórica e busca de generalização ¾ cabe de forma crescente às universidades a tarefa de proporcionar as condições concretas para o exercício sistemático da reflexão de caráter mais abstrato sobre as grandes questões intelectuais do período. É claro que essas considerações estão referidas à área das ciências sociais, não abarcando as áreas das ciências exatas e biológicas.

Essa divisão de trabalho entre centros de pesquisa e universidades (agora em particular a USP), associada à dupla militância do quadro de pesquisadores dos centros de pesquisa, possibilita real colaboração e complementaridade entre ambos os tipos de instituições. Isso traduz-se, por exemplo, por uma série de grandes seminários nacionais e internacionais organizados em conjunto por ambas as instituições, tendo como base um convênio de colaboração mútua firmado entre a reitoria da USP e o Cedec em 1986, e vigente até os dias atuais. Com as outras grandes universidades paulistas, Unicamp, Unesp e PUC/SP, também há momentos de intensa colaboração, com iniciativas revertidas em resultados estimulantes, tanto do ponto de vista científico quanto de divulgação do conhecimento.

O desafio que se apresenta, para este centro de pesquisa em particular, consiste então em perseguir a preservação de sua identidade diante da USP e outras universidades, em razão do grande número de integrantes do Cedec a elas vinculados. Na realidade, algo que aparentemente para o caso específico do Cedec poderia parecer mero incidente, traduz-se no prenúncio da mudança que ocorreria em futuro próximo na relação até então estabelecida entre centros de pesquisa e universidades: a complementaridade continua a existir, mas parecem também surgir relações de competição. É o que se verá no terceiro tempo.

Neste período, a competição por recursos para financiamento das pesquisas acirra-se, não obstante já se verifiquem duas fortes tendências de mudanças nesse processo. A primeira delas diz respeito às universidades tenderem a criar seus próprios núcleos de pesquisa, como algumas já haviam feito anteriormente, e com isso passam a competir pelos recursos buscados pelos centros, partindo da condição de já contarem com infra-estrutura material e recursos humanos próprios, o que não era o caso dos centros de pesquisa. A outra mudança refere-se às alterações que se verificam nas fontes de financiamento nacionais e internacionais. Nas agências nacionais de fomento à pesquisa, verifica-se já a tendência ¾ acentuada nos anos 90 ¾ à restrição de modalidades de financiamento que contemplem centros de pesquisa na área das ciências humanas, agravado pelo fato de adotarem como modelo, para tanto, as áreas exatas e biológicas. Tem-se como conseqüência a ausência de grandes financiamentos de mais longo prazo para instituições como o Cedec, tendência que vem sendo parcialmente revertida a partir do final dos anos 90, em conseqüência de mudanças de fundo na política de ciência e tecnologia. Nas agências internacionais, embora o número delas que financiam pesquisas nas áreas sociais seja bastante significativo, a competição por seus recursos aumenta, e com isso sua especialização em determinados temas. Ao mesmo tempo, essas agências passam a financiar fundamentalmente as pesquisas a elas apresentadas e não mais as instituições, como era o caso no primeiro tempo. Acrescente-se, ainda, que essas agências em boa medida voltam-se cada vez para países muito pobres ou para projetos de ações diretas, portanto abandonando o apoio a centros de pesquisa.

Terceiro Tempo

Este corresponde aos dias atuais. Difícil datá-lo, porém abrange do final dos anos 90 até o presente. Os temas pesquisados pelo Cedec voltam-se agora para a reforma do Estado, as relações internacionais nessa conjuntura, e as políticas públicas de corte social e as de combate à corrupção. De fato, estes são os novos grandes temas que passam a compor a agenda da instituição.

Ao mesmo tempo, verifica-se profunda alteração em seu quadro de pesquisadores. É uma nova geração que começa a exercer agora a coordenação de vários desses projetos, afirmando-se no caminho da senioridade. Em seu conjunto, porém, verifica-se que o Cedec passa a destacar em suas pesquisas as políticas públicas concretas, adaptando-se, portanto, à nova agenda de financiamento das agências nacionais e internacionais, mas ao mesmo tempo enfrentando um novo concorrente seu perfil institucional que então vem-se configurando. Essa nova concorrência diz respeito tanto às universidades quanto às próprias instituições públicas dedicadas a temas correlatos.

Isso significa agora que as universidades também passam a ser palco de vigorosos debates intelectuais e científicos, coisa que não acontecia no primeiro tempo do Cedec e ocorria pouco durante seu segundo, fazendo que as instituições de pesquisa desse perfil agora tenham que buscar novos nichos para não se reduzirem à condição de repetir eventos universitários ou de vir a reboque deles, em razão do forte peso institucional da universidade. Por outro lado, as instituições oficiais destinadas ao levantamento de dados sobre as condições sociais da sociedade brasileira (IBGE, Ipea, por exemplo) deixam agora de dedicar-se quase tão-somente a produzir dados sobre nossa realidade para associar a essa atividade a análise deles, o que até então fazia-se com quase exclusividade, vista a acentuada maior liberdade crítica dos centros. Os próprios quadros do Ipea, por exemplo, passam agora a produzir (e em grande parte das vezes a instituição também contrata) estudos que antes eram agenda quase exclusiva de instituições de pesquisa como a nossa, e/ou dos núcleos que as universidades foram criando como forma de enfrentar os obstáculos que a administração direta impõe à gestão das pesquisas.

Da mesma forma, às universidades cabe agora também procurar recursos por conta própria, valendo-se das mesmas agências de financiamento que os centros de pesquisa recorrem, só que com uma vantagem adicional: contam com infra-estrutura financiada. Acresce-se a isso a tendência de, independentemente da natureza da instituição de pesquisa, as agências de financiamento direcionarem seu interesse em trabalhos com impacto social imediato, o que é positivo, se não deixasse a descoberto na maioria dos casos pesquisas de caráter abrangente.

Assim, o Cedec hoje defronta-se com dois desafios: a busca de sua identidade na atual conjuntura e sua viabilidade financeira. No primeiro caso, a possibilidade mais imediata consiste em manter sua trajetória, pagando um preço que já vinha sendo pago: manter a identidade crítica no desenvolvimento de sua agenda. Nesse caso, haverá dificuldades na procura de fontes nacionais de financiamento, muitas vezes voltadas para a avaliação dos programas e das políticas nacionais implementadas pelos distintos governos. Deve-se isso à tendência à busca de avaliadores dessas políticas que apresentem afinidades com o pensamento dos contratantes. Associados, esses dois desafios confluem, no caso do Cedec em particular, para a necessidade de um esforço maior de manutenção de sua identidade com relação às universidades, tanto no caso da já consolidada ao longo dos anos como da nova que se vem buscando. A principal razão disso encontra-se na circunstância de que, tal como as universidades, o centro passa a desenvolver suas pesquisas com financiamentos das agências de fomento à pesquisa que têm como referência a carreira acadêmica, tal como CNPq e Fapesp.

Diante desse quadro, resta perguntar por que, em vez de fixar-se com exclusividade na universidade, opta-se por seguir na dupla militância. As respostas são de variada natureza. No entanto, talvez a mais importante entre elas seja o fato de que instituições como o Cedec acabam constituindo-se em locais de trabalho extremamente ricos, por sua capacidade de facilitar e viabilizar grupos de pesquisa interuniversitárias e interinstitucionais, possibilitando, assim, a constituição de redes de pesquisa de forma muito mais ágil. Na área das ciências sociais, estes centros, não apenas em São Paulo, permitiram o desenvolvimento de debates e pesquisas que por sua vez proporcionaram a constituição de equipes competentes em várias áreas, como demonstram a atuação do Cebrap, do Idesp e do Cedec, em São Paulo. No entanto, numa relação sinérgica, não resta dúvida de que as universidades de origem de seus pesquisadores se beneficiam com isso, como também o debate e a produção intelectual do país. Nesse sentido, instituições como o Cedec não só se destacam na conjuntura atual como contribuem para o avanço da diversidade de perspectivas de análise e reflexão intelectual e para a produção de conhecimento no país. Elas permitem uma colaboração mais sistemática entre distintas escolas de pensamento e instituições universitárias e de pesquisa, consolidando, dessa forma, o debate no País. Retomando reflexões elaboradas no evento que comemorou os 25 anos do Cedec, teve-se, nessa ocasião a oportunidade de promover uma retomada ¾ novamente em condições desfavoráveis, em razão do já exposto ¾, de um de seus traços de origem: confirmar sua vocação crítica, o que na política se convenciona denominar como "de esquerda", buscando preencher uma lacuna no pensamento hoje predominante, "abrindo espaços para modos de se pensar o Brasil mais independentes com relação à agenda pública ditada pelas políticas governamentais" (Cohn, 2001:5-7).

Com essa nova inflexão na definição de sua agenda, como nos casos anteriores, a publicação Lua Nova continua desempenhando um papel fundamental. Tanto assim é que no seu início (à época do primeiro tempo) ela foi concebida como uma publicação voltada para os "multiplicadores de opinião", quando a vocação institucional cedequiana consistia em combater a ditadura militar e lutar pelo Estado de direito. No segundo tempo, a revista passa a publicar artigos de caráter mais científico, porém estreitamente ligados às questões nacionais relativas à consolidação democrática no país. E, finalmente, adquire um perfil mais acadêmico, tornando-se referência nacional, publicando artigos de natureza mais teórica, discutindo os grandes temas intelectuais presentes na literatura internacional de ponta, não deixando no entanto de abordar as questões que continuam sendo referência da pauta do Cedec: democracia, justiça, eqüidade, hegemonia e dominação, a questão republicana e as mudanças sociais e institucionais no contexto atual.

Com essa publicação o Cedec garante sua presença no debate intelectual brasileiro, ressaltando a ciência política e a filosofia política, o que, no entanto, continua refletindo ainda hoje, como no passado, a influência do maior peso da presença de cientistas políticos em seus quadros de pesquisadores (o que vem desde sua fundação), em detrimento da diversidade das outras áreas de conhecimento que também são ali desenvolvidas. E talvez seja esse viés que esteja fazendo que o Cedec encontre dificuldade em diversificar de forma mais vigorosa sua agenda de interesses científicos e intelectuais, e das fontes de financiamento. Acresce-se a isso, ao mesmo tempo, o forte impacto das características das gerações mais jovens diante de questão da construção institucional. Nesse ponto vale destacar que apesar de o Cedec vir colaborando na formação intelectual e de pesquisa de jovens pesquisadores, a instituição vem enfrentando certa dificuldade em renovar e recompor seus quadros ¾ de pesquisa e de dirigentes ¾ exatamente porque a nova geração de cientistas e de acadêmicos, muitas vezes altamente competentes, está adaptada aos novos moldes da produção científica, nos quais vigoram a competitividade e a produtividade, em detrimento da valorização do tempo e da energia gastos na construção e na manutenção institucional, questão que parece crescer em importância também nas Universidades.

Na verdade, do que se trata aqui talvez seja a idiossincrasia das instituições como o Cedec, que foram criadas em outros tempos, quando imperava a importância das instituições dessa natureza como redes de sociabilidade e de repartição da produção do conhecimento, pretendendo um refinamento socialmente útil. Essa valorização, quando comparada com os parâmetros atuais, em que impera a produtividade e a busca da internacionalização dos produtos da pesquisa como critérios fundamentais de avaliação acadêmica de seus pares, sugere claramente os impasses. Como conseqüência, instituições como essas e similares, que ainda se calcam na relevância social do conhecimento, tendo como parâmetro o questionamento ¾ e não a reafirmação ¾ do já estabelecido, talvez possam ser vistas por alguns como anacrônicas, o que explica em grande medida os constrangimentos que enfrentam atualmente para sua sobrevivência e desenvolvimento.

Não se trata de competir com as universidades na formação de jovens intelectuais e pesquisadores e na produção do conhecimento, mas aglutinar colaborações mútuas, que ao resguardar as identidades e as especificidades de ambas, possibilitem exatamente o que se quer: a colaboração e o reforço de ambas. Contudo, nesse ponto específico talvez caiba às universidades e à comunidade acadêmica ¾ que na realidade é quem define os novos parâmetros de avaliação da produção científica, e, portanto, a legitimidade e o estatuto acadêmico e científico do que seja ou não relevante ¾ o momento de repensar essa relação entre centros de pesquisa e universidades, superando o que na realidade nunca deixou de existir: a desconfiança entre ambas na luta pela conquista da legitimidade do locus por excelência de se produzir o conhecimento, quando na verdade a fertilização recíproca tem sido a regra efetiva.

AMÉLIA COHN: Socióloga, pesquisadora e atualmente presidente do Cedec e docente da Faculdade de Medicina da USP, Departamento de Medicina Preventiva.

TULLO VIGEVANI:Cientista político, pesquisador e atualmente vice-presidente do Cedec e docente da Unesp, campus de Marília.

  • COHN, A. "Abertura". Lua Nova São Paulo, Cedec, n.54, 2001.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jan 2003
  • Data do Fascículo
    Jul 2002
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