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Avaliação de Estratégias de Relaxamento do Distanciamento Social para o Brasil e o Estado do Rio de Janeiro

RESUMO

Neste trabalho propomos e analisamos medidas de relaxamento do distanciamento social, e seus impactos no sentido epidemiológico, a partir das simulações de um modelo matemático compartimental do tipo SEIRD (Suscetível-Exposto-Infectado-Recuperado-Morto) generalizado, que implicitamente leva em conta medidas de quarentena, considerando a estimativa da dinâmica de espalhamento da doença do coronavírus (COVID-19) sob perturbações/incertezas. O objetivo principal é avaliar os efeitos nas projeções da epidemia da COVID-19 no Brasil e, em particular, no estado do Rio de Janeiro. Diferentes estratégias de relaxamento das medidas de distanciamento social são investigadas para determinar quais delas são viáveis e menos perigosas para a população. Os resultados destacam a necessidade de manter políticas de distanciamento social para controlar a propagação da doença. Especificamente, o cenário de relaxamento abrupto do distanciamento social, implementado após a ocorrência do pico de casos diagnosticados positivamente, pode prolongar a epidemia, com um aumento significativo do número previsto de casos confirmados e de mortes. Um cenário ainda pior pode ocorrer se a política de relaxamento do distanciamento social é implementada antes da evidência do controle epidêmico, indicando a importância da escolha adequada de quando parar e começar a relaxar as medidas de distanciamento social. A abordagem empregada aqui, e as análises subsequentes aplicadas no Brasil e Rio de Janeiro, pode ser usada para outros locais.

Palavras-chave:
COVID-19; SARS-CoV-2; modelo SEIRD generalizado; distanciamento social

ABSTRACT

In this work, we propose and analyze social distancing relaxation measures and their epidemiological impacts through simulations of a compartmental mathematical model. Our generalized SEIRD model implicitly takes into account social distancing measures, considering the estimate of the spreading dynamics of COVID-19 under disturbances/uncertainties. The main objective is to assess the effects on the projections of the COVID-19 epidemic in Brazil and, in particular, in the state of Rio de Janeiro. Different relaxation strategies of social distancing measures are investigated to determine which ones are viable and less dangerous for the population. The results highlight the need to maintain social distancing policies to control the spread of the disease. Specifically, the scenario considered as abrupt relaxation measures, implemented after the peak of positively diagnosed cases has occurred, can prolong the epidemic, with a significant increase in the expected number of confirmed and death cases. An even worse scenario can occur if the relaxation policy is implemented prior to the evidence of epidemiological control, indicating the importance of the proper choice of when to stop and start to relax social distancing measures. The approach employed here, and the subsequent analyzes applied to Brazil and Rio de Janeiro, can be used for other locations.

Keywords:
COVID-19; SARS-CoV-2; generalized SEIRD model; social distancing

1 INTRODUÇÃO

No final de 2019 o mundo foi tomado pelas notícias sobre o surto de um novo coronavírus chamado SARS-CoV-2, sigla para Coronavírus da Síndrome Respiratória Aguda Grave 2, com a doença associada denominada por COVID-19 pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Em 11 de Março de 2020 a OMS declarou estado de pandemia, alertando sobre os perigos dessa nova doença. Uma linha do tempo resumida sobre as ações da OMS no estágio inicial da epidemia da COVID-19 está disponibilizada online 2525 Organização Mundial da Saúde. WHO Timeline - COVID-19. Disponível em Disponível em https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/interactive-timeline (Acessado em Agosto de 2021).
https://www.who.int/emergencies/diseases...
. Buscando mitigar a doença e a sobrecarga nos sistemas de saúde, estudos preliminares apontaram para o distanciamento social como forma de amenizar a propagação da doença e o “achatamento da curva” 1414 J. Jia, J. Ding, S. Liu, G. Liao, J. Li, B. Duan, G. Wang & R. Zhang. Modeling the control od COVID19: impact of policy interventions and meteorological factors. Electronic Journal of Differential Equations, 2020(23) (2020), 1-24.),(1616 J.R. Koo, A.R. Cook, M. Park, Y. Sun, H. Sun, J.T. Lim, C. Tam & B.L. Dickens. Interventions to mitigate early spread of SARS-CoV-2 in Singapore: a modelling study. The Lancet Infectious Diseases, 20(6) (2020), 678-688.),(3232 B. Tang, X. Wang, Q. Li, N.L. Bragazzi, S. Tang, Y. Xiao & J. Wu. Estimation of the transmission risk of the 2019-nCoV and its implication for public health interventions. Journal of Clinical Medicine, 9(2) (2020), 462.. Medidas desse tipo são denominadas políticas de intervenção não-farmacológicas 99 N. Ferguson, D. Laydon, G. Nedjati Gilani, N. Imai, K. Ainslie, M. Baguelin, S. Bhatia, A. Boonyasiri, Z. Cucunuba Perez, G. Cuomo-Dannenburg, A. Dighe, I. Dorigatti, H. Fu, K. Gaythorpe, W. Green, A. Hamlet, W. Hinsley, L. Okell, S. Van Elsland, H. Thompson, R. Verity, E. Volz, H. Wang, Y. Wang, P. Walker, C. Walters, P. Winskill, C. Whittaker, C. Donnelly, S. Riley & A. Ghani. Report 9: Impact of non-pharmaceutical interventions (NPIs) to reduce COVID19 mortality and healthcare demand. Imperial College Report, (2020)., sendo estratégias viáveis no sentido de conter a propagação de doenças contagiosas na ausência de tratamento farmacológico comprovado (ausência de vacinas, por exemplo). Em uma análise de 11 países europeus, um relatório publicado pelo Imperial College London sugere a eficácia observada do distanciamento social como medida para diminuição da propagação da COVID-19 1010 S. Flaxman, S. Mishra, A. Gandy, H. Unwin, H. Coupland, T. Mellan, H. Zhu, T. Berah, J. Eaton, P. Perez Guzman, N. Schmit, L. Cilloni, K. Ainslie, M. Baguelin, I. Blake, A. Boonyasiri, O. Boyd, L. Cattarino, C. Ciavarella, L. Cooper, Z. Cucunuba Perez, G. Cuomo-Dannenburg, A. Dighe, A. Djaafara, Dorigatti, S. Van Elsland, R. Fitzjohn, H. Fu, K. Gaythorpe, L. Geidelberg, N. Grassly, W. Green, T. Hallett, A. Hamlet, W. Hinsley, B. Jeffrey, D. Jorgensen, E. Knock, D. Laydon, G. Nedjati Gilani, P. Nouvellet, K. Parag, I. Siveroni, H. Thompson, R. Verity, E. Volz, C. Walters, H. Wang, Y. Wang, O. Watson, P. Winskill, X. Xi, C. Whittaker, P. Walker, A. Ghani, C. Donnelly, S. Riley, L. Okell, M. Vollmer, N. Ferguson & S. Bhatt. Report 13: Estimating the number of infections and the impact of non-pharmaceutical interventions on COVID-19 in 11 European countries. Imperial College Report, (2020).. Neste contexto, baseando-se na literatura científica, diversos países adotaram esse tipo de medida em algum grau. No entanto, inevitavelmente, a doença se espalhou pelo planeta (ver Figura 1) marcando a história da humanidade como uma calamidade sanitária.

Figura 1:
Distribuição mundial dos casos confirmados da COVID-19 até 12/07/2020. Dados retirados de 33 Center for Systems Science and Engineering at Johns Hopkins University. COVID-19 Data Repository. Disponível em Disponível em https://github.com/CSSEGISandData/COVID-19 (Acessado em Maio de 2020).
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No Brasil o primeiro caso de COVID-19 foi confirmado em 26 de fevereiro de 2020, em São Paulo. A evolução de casos e óbitos registrados ocorreu rapidamente em território nacional. A epidemia espalhou-se depressa pelo Brasil e seus estados. No momento em que este trabalho foi escrito, o país somava 1.613.351 casos e 65.120 óbitos, figurando como segundo país em número de casos confirmados e mortos no mundo (ver Figuras 2a e 2b). Uma breve linha do tempo da evolução desses números é apresentada na Figura 3, com dados até 12/07/20, retirados do painel dedicado à epidemia da COVID-19 elaborado pelo Ministério da Saúde 2020 Ministério da Saúde do Brasil. Painel Geral - COVID-19. Disponível em Disponível em https://covid.saude.gov.br/ (Acessado em Julho de 2020).
https://covid.saude.gov.br/...
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Figura 2:
Registros, de cada país, referentes ao número de casos confirmados e óbitos totais no cenário global até 12/07/2020. Os registros para o Brasil estão em destaque com coloração mais escura. Dados retirados de 33 Center for Systems Science and Engineering at Johns Hopkins University. COVID-19 Data Repository. Disponível em Disponível em https://github.com/CSSEGISandData/COVID-19 (Acessado em Maio de 2020).
https://github.com/CSSEGISandData/COVID-...
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Figura 3:
Linha do tempo da evolução de casos confirmados e total de óbitos para o Brasil até 12/07/20. Dados retirados de 2020 Ministério da Saúde do Brasil. Painel Geral - COVID-19. Disponível em Disponível em https://covid.saude.gov.br/ (Acessado em Julho de 2020).
https://covid.saude.gov.br/...
.

Apesar dos números alarmantes da doença no mundo, medidas de distanciamento social foram gradualmente adotadas no Brasil, em várias cidades e estados na segunda metade do mês de março de 2020, pouco tempo após a OMS classificar a COVID-19 como pandemia. No entanto, há poucas notícias de localidades onde medidas rígidas, como o lockdown adotado na província de Hubei, na China, tenham sido empregadas. Dessa forma, contando com essa estratégia de distanciamento social, o cenário brasileiro de enfrentamento nas fases iniciais da pandemia se caracterizava principalmente por:

  • Medidas moderadas de distanciamento social;

  • Subnotificação de casos devido ao baixo número de testagens 1818 R. Li, S. Pei, B. Chen, Y. Song, T. Zhang, W. Yang & J. Shaman. Substantial undocumented infection facilitates the rapid dissemination of novel coronavirus (SARS-CoV2). Science, 368(6490) (2020), 489-493.), (2828 Portal COVID-19 Brasil. COVID-19 Brasil. Disponível em Disponível em https://ciis.fmrp.usp.br/covid19/analise-subnotificacao/ (Acessado em Maio de 2020).
    https://ciis.fmrp.usp.br/covid19/analise...
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Do ponto de vista epidemiológico, ambos os aspectos podem apresentar complicações no combate e entendimento da epidemia. Na ausência de intervenções farmacológicas (controle por vacinas e remédios), o mecanismo mais eficiente para desacelerar a propagação de uma epidemia que se transmite por meio de interações sociais é o distanciamento social 1111 M. Gatto, E. Bertuzzo, L. Mari, S. Miccoli, L. Carraro, R. Casagrandi & A. Rinaldo. Spread and dynamics of the COVID-19 epidemic in Italy: Effects of emergency containment measures. Proceedings of the National Academy of Sciences, 117(19) (2020), 10484-10491.),(1919 B.F. Maier & D. Brockmann. Effective containment explains subexponential growth in recent confirmed COVID-19 cases in China. Science, (2020).),(2929 K. Prem, Y. Liu, T.W. Russell, A.J. Kucharski, R.M. Eggo, N. Davies & et al. The effect of control strategies to reduce social mixing on outcomes of the COVID-19 epidemic in Wuhan, China: a modelling study. The Lancet Public Health, (2020)., que pode ter sua eficácia aprimorada quando combinado com a utilização de equipamentos de proteção individual (como máscaras, por exemplo) 88 S. Feng, C. Shen, N. Xia, W. Song, M. Fan & B.J. Cowling. Rational use of face masks in the COVID19 pandemic. The Lancet Respiratory Medicine, 8(5) (2020), 434-436.), (1212 T. Greenhalgh, M.B. Schmid, T. Czypionka, D. Bassler & L. Gruer. Face masks for the public during the COVID-19 crisis. BMJ, 369 (2020).. Dessa forma, o distanciamento social se enquadra como estratégia principal para o controle da doença, com consequências deletérias se implementada de forma inadequada. A subnotificação, por outro lado, resulta na falta de conhecimento sobre o verdadeiro estágio da epidemia. Isso compromete a elaboração de políticas públicas, assim como o desenvolvimento e aplicação de modelos preditivos e realização de projeções vitais para elaborálas, prejudicando a avaliação de cenários e tomadas de decisões estratégicas. A principal causa da subnotificação é a ausência de testes em massa. Uma iniciativa de testagem mais abrangente no Brasil foi realizada pela Universidade Federal de Pelotas com o apoio do Ministério da Saúde. Os resultados da primeira fase dessa pesquisa apontaram que 1,4% da população das 90 cidades analisadas apresentavam anticorpos, o que corresponde a sete vezes mais que as estatísticas oficiais 77 EPICOVID19. COVID-19 no Brasil: várias epidemias num só país Primeira fase do EPICO- VID19 reforça preocupação com a região Norte. Disponível em Disponível em http://epidemio-ufpel.org.br/uploads/downloads/276e0cffc2783c68f57b70920fd2acfb.pdf (Acessado em Maio de 2020).
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Diante do contexto e principais problemas que envolvem a propagação e a mitigação da epidemia da COVID-19 no Brasil, algumas perguntas estratégicas podem ser levantadas:

  1. Qual seria o momento crítico da epidemia no Brasil?

  2. Existem recursos hospitalares (leitos e insumos) suficientes para todo o período da epidemia?

  3. Como tratar a subnotificação em termos práticos e também preditivos?

  4. Como lidar com as incertezas da epidemia?

  5. Dado o impacto crítico do distanciamento social, qual seria o momento apropriado para o relaxamento?

Na tentativa de contribuir para responder essas perguntas, auxiliando no enfrentamento da crise sanitária mundial provocada pelo SARS-CoV-2, apresentamos no presente texto análises referentes às questões 4 e 5 (as demais serão abordadas em trabalhos subsequentes). O tema de relaxamento das medidas de distanciamento social é de grande interesse público devido ao impacto na sociedade em vários sentidos, não apenas sanitário. Portanto, neste trabalho temos por objetivo apresentar de maneira acessível e objetiva algumas avaliações de possíveis cenários de relaxamento e estimar suas consequências. A pergunta que ainda surge é: como avaliar esses cenários? Metodologicamente, para contribuir no entendimento desses cenários, adotamos a abordagem Bayesiana para calibração e análise de um modelo compartimental espacialmente homogêneo, representado por um sistema de equações diferenciais ordinárias. Para maiores detalhes, ver 3737 D.T. Volpatto, A.C.M. Resende, L. Anjos, J.V.O. Silva, C.M. Dias, R.C. Almeida & S.M.C. Malta. Spreading of COVID-19 in Brazil: Impacts and uncertainties in social distancing strategies. medRxiv, (2020). doi:10.1101/2020.05.30.20117283. URL https://www.medrxiv.org/content/early/2020/06/03/2020.05.30.20117283.
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2 O MODELO SEAIRPD-Q

Vamos propor aqui um modelo que captura a essência da propagação de uma epidemia. Para isso, devemos observar a dinâmica da evolução da doença, sendo que para o caso da epidemia da COVID-19 sabemos que é uma doença transmitida por meio de interações entre as pessoas. Na Figura 4 exibimos um esquema ilustrativo típico da evolução da doença a partir de um indivíduo no estado suscetível. No Brasil, considerando o período da análise realizada neste trabalho, a testagem para a detecção da COVID-19 era bastante reduzida e se restringia aos casos severos da doença, nos quais os infectados sintomáticos são normalmente hospitalizados.

Figura 4:
Evolução do estado de um indivíduo inicialmente saudável/suscetível. Um indivíduo saudável pode ser infectado quando em contacto com um indivíduo infectado, que pode apresentar sintomas ou estar assintomático. A doença se manifesta após um período de exposição em que a carga viral aumenta gradativamente, podendo ser diagnosticada. O indivíduo infectado pode se recuperar ou morrer em decorrência de complicações da doença. Indivíduos assintomáticos ou com sintomas leves se recuperam da doença.

Modelos compartimentais, para os quais os estados de subpopulações de indivíduos na dinâmica da infecção estão associados a certas classes/grupos, denominados compartimentos 11 L.J. Allen, F. Brauer, P. Van den Driessche & J. Wu. “Mathematical Epidemiology”, volume 1945. Springer (2008).), (1515 M.J. Keeling & P. Rohani. “Modeling Infectious Diseases in Humans and Animals”. Princeton University Press (2011)., são amplamente empregados no estudo de epidemias, sendo os mais conhecidos aqueles do tipo SIR (Suscetível-Infectado-Recuperado), SEIR (Suscetível-Exposto-Infectado-Recuperado) e derivados 22 F. Brauer, P.d. Driessche & J. Wu. “Lecture Notes in Mathematical Epidemiology”. Berlin, Germany: Springer (2008).. Usando abordagem similar, neste estudo estamos interessados em construir um modelo capaz de representar as interações e relações entre os seguintes grupos/compartimentos:

  • Suscetíveis (S): Indivíduos que não tiveram contato prévio com a doença e não são resistentes à infecção;

  • Expostos (E): Indivíduos que tiveram contato com infectados (sintomáticos ou assintomáticos) e que carregam o vírus em período latente;

  • Infectados sintomáticos (I): Indivíduos que contraíram o vírus e exibem sintomas característicos. Podem transmitir a doença;

  • Infectados assintomáticos (A): Indivíduos que contraíram o vírus, são considerados casos subclínicos e irão se recuperar da doença. Podem transmitir a doença;

  • Positivamente diagnosticados (P): Indivíduos que foram diagnosticados como portadores do vírus da COVID-19. Apresentam sintomas severos mas não podem transmitir a doença pois estão isolados ou hospitalizados;

  • Removidos (R): Indivíduos vivos que não participam da dinâmica de infecção por terem se recuperado da doença ou por manterem distanciamento social;

  • Mortos (D): Indivíduos que faleceram devido à doença.

Com a população de uma localidade dividida nos compartimentos acima citados, propomos que as transformações ou mudanças de indivíduos entre os compartimentos ocorram de acordo com o modelo SEAIRPD-Q, assim denominado devido à sua composição. A descrição esquemática e as equações matemáticas do SEAIRPD-Q estão exibidas na Figura 5, na qual as setas representam os mecanismos que levam à mudança de indivíduos de um dado compartimento para outro, e estão indicadas as taxas envolvidas no mecanismo correspondente. Nota-se que a transformação de indivíduos suscetíveis (S) em indivíduos expostos (E) ocorre por meio de interação com indivíduos dos grupos de infectados (I e A), de acordo com os coeficientes β e µ. Os demais mecanismos são dependentes apenas de taxas, sem envolver indivíduos de outros compartimentos. É importante também observar o mecanismo que descreve a aplicação do distanciamento social, representado pela remoção de indivíduos dos compartimentos S, E, A e I à uma taxa média ω. Através desta modelagem, é possível remover indivíduos desses compartimentos da dinâmica de infecção sem incluir explicitamente um compartimento específico, o que justifica o termo −Q introduzido na identificação do nosso modelo. Modelagem similar foi adotada em [19]. Ressaltamos que optamos por fazer uma abordagem de quarentena/distanciamento social implícita, isto é, não modelamos um compartimento específico que contabiliza apenas os indivíduos em quarentena, ao contrário de outros trabalhos 1414 J. Jia, J. Ding, S. Liu, G. Liao, J. Li, B. Duan, G. Wang & R. Zhang. Modeling the control od COVID19: impact of policy interventions and meteorological factors. Electronic Journal of Differential Equations, 2020(23) (2020), 1-24.), (3232 B. Tang, X. Wang, Q. Li, N.L. Bragazzi, S. Tang, Y. Xiao & J. Wu. Estimation of the transmission risk of the 2019-nCoV and its implication for public health interventions. Journal of Clinical Medicine, 9(2) (2020), 462.. A vantagem dessa representação implícita é obter um modelo mais compacto, com menor número de equações, o que pode auxiliar na diminuição do custo computacional da simulação do modelo e na estimação dos seus parâmetros. Notamos que, pela estrutura do modelo, um indivíduo exposto ou infectado que é removido devido ao distanciamento social não desenvolve sintomas severos a ponto de necessitar hospitalização. Por outro lado, se um indivíduo apresentar sintomas severos, pode recuperar-se naturalmente ou ir à óbito. Vale também ressaltar que não estamos considerando reinfecção da doença. Para completar a formulação, um breve resumo do significado epidemiológico dos parâmetros do modelo é disponibilizado na Tabela 1.

Figura 5:
Esquema do modelo SEAIRPD-Q e seu equacionamento para o qual a dinâmica da população é descrita em sete compartimentos e o distanciamento social é modelado implicitamente (−Q).

Tabela 1:
Significado epidemiológico dos parâmetros do modelo SEAIRPD-Q.

A partir do modelo compartimental SEIARPD-Q, uma das formas de avaliar a capacidade de disseminação e controle da doença é analisando o número de reprodução 3333 P. van den Driessche. Reproduction numbers of infectious disease models. Infectious Disease Modelling, 2(3) (2017), 288-303.), (3434 P. Van den Driessche & J. Watmough. Reproduction numbers and sub-threshold endemic equilibria for compartmental models of disease transmission. Mathematical Biosciences, 180(1-2) (2002), 29-48., que indica o número de indivíduos que uma pessoa infectada irá contagiar. Denotamos como 0 e (t) o número de reprodução basal e o número de reprodução efetivo, respectivamente, com t sendo a variável que representa o tempo. O 0 é um valor determinado no início da epidemia, enquanto que (t) captura os efeitos da evolução da epidemia a partir do valor inicial de (t = 0) ≡ ℛ 0. Esses números têm um significado prático muito importante. Quando (t) > 1 a epidemia continua a se propagar. Em caso contrário, quando (t) < 1 será observado o controle da epidemia, diminuindo a disseminação e, após decorrer tempo suficiente, a erradicação da doença. No presente trabalho, aplicamos o método da matriz de nova geração 66 O. Diekmann, J.A.P. Heesterbeek & M.G. Roberts. The construction of next-generation matrices for compartmental epidemic models. Journal of The Royal Society Interface, 7 (2010), 873-885. doi:10.1098/rsif.2009.0386.
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no modelo SEIARPD-Q e obtemos o número de reprodução efetivo dado pela expressão:

R t : = σ 1 - ρ μ σ + ω γ A + ω + β σ ρ σ + ω γ I + d I + ω + ε I S t . (2.1)

3 SIMULAÇÃO DE ESTRATÉGIAS DE RELAXAMENTO DO DISTANCIAMENTO SOCIAL

Nesta seção, vamos avaliar o efeito de medidas de manutenção e relaxamento da política de distanciamento social no início da pandemia no Brasil (em escala nacional) e no Estado do Rio de Janeiro, como localidades de interesse. As análises são pautadas em avaliações qualitativas dos cenários, já que incertezas e simplificações estão presentes. Não obstante, essas limitações não invalidam o estudo dos efeitos dos mecanismos que envolvem o distanciamento social aqui considerado, provendo conhecimentos que podem ser utilizados a favor de tomadas de decisões estratégicas. A solução numérica do sistema de equações diferenciais ordinárias SEAIRPD-Q é obtida utilizando o método LSODA (variante do Livermore Solver for Ordinary Differential Equations), que automaticamente seleciona entre os métodos de Adams e o Backward Differentiation Formula (BDF) de acordo com a rigidez do problema 2727 L. Petzold. Automatic selection of methods for solving stiff and nonstiff systems of ordinary differential equations. SIAM Journal on Scientific and Statistical Computing, 4(1) (1983), 136-148. doi:10.1137/0904010.
https://doi.org/10.1137/0904010...
, disponibilizado no ODEPACK 1313 A.C. Hindmarsh. ODEPACK, a systematized collection of ODE solvers. Scientific Computing, 1 (1983), 55-64. a partir da interface dada pela biblioteca SciPy 3535 P. Virtanen, R. Gommers, T.E. Oliphant, M. Haberland, T. Reddy, D. Cournapeau, E. Burovski, P. Peterson, W. Weckesser, J. Bright, S.J. van der Walt, M. Brett, J. Wilson, K.J. Millman, N. Mayorov, A.R.J. Nelson, E. Jones, R. Kern, E. Larson, C.J. Carey, İ. Polat, Y. Feng, E.W. Moore, J. VanderPlas, D. Laxalde, J. Perktold, R. Cimrman, I. Henriksen, E.A. Quintero, C.R. Harris, A.M. Archibald, A.H. Ribeiro, F. Pedregosa, P. van Mulbregt & SciPy 1.0 Contributors. SciPy 1.0: Fundamental Algorithms for Scientific Computing in Python. Nature Methods, 17 (2020), 261-272. doi:10.1038/s41592-019-0686-2.
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. O código desenvolvido para realização das análises deste trabalho foi implementado na linguagem de programação Python (versão 3.7). Referente às simulações do método de Monte Carlo, para calibração Bayesiana do modelo e a quantificação de incertezas, a biblioteca PyMC3 foi utilizada como uma estrutura de programação probabilística 3131 J. Salvatier, T.V. Wiecki & C. Fonnesbeck. Probabilistic programming in Python using PyMC3. PeerJ Computer Science, 2 (2016), e55. doi:10.7717/peerj-cs.55.
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.

3.1 Identificação dos parâmetros do modelo e tratamento de incertezas com os dados disponíveis

Para proceder com a realização de predições, ajustando o modelo de acordo com os dados disponíveis, vamos empregar técnicas de calibração 2323 J.T. Oden, R. Moser & O. Ghattas. Computer predictions with quantified uncertainty, part I. SIAM News, 43(9) (2010).), (2424 J.T. Oden, R. Moser & O. Ghattas. Computer predictions with quantified uncertainty, part II. SIAM News, 43(10) (2010).. Neste estudo utilizamos a abordagem Bayesiana para calibração por meio de um método de Monte Carlo Transicional via Cadeias de Markov denominado Cascading Adaptive Transitional Metropolis in Parallel (CATMIP) [21]. Este método combina ideias de algoritmos genéticos e simulated annealing com Monte Carlo via Cadeias de Markov (MCMC) de forma que as cadeias de Markov favoreçam regiões de maior probabilidade. Como a tradicional família de métodos de MCMC, o CATMIP fornece as distribuições dos parâmetros do modelo e os correspondentes valores mais prováveis. Em contraste com calibrações determinísticas (como os métodos clássicos de Mínimos Quadrados), que informam apenas um valor do parâmetro ao final do procedimento, obtemos também conhecimentos adicionais sobre a probabilidade do valor do parâmetro, incorporando informações sobre sua incerteza. Para fins de reprodutibilidade, os códigos estão disponibilizados publicamente em 3636 D. Volpatto, A.C.M. Resende, L. Anjos, J.V.O. Silva, C.M. Dias, R.C. Almeida & S.M.C. Malta. pydemic: Scripts for BR/RJ social distancing study. Disponível em Disponível em https://doi.org/10.5281/zenodo.3865730 (Acessado em Maio de 2020). doi:10.5281/zenodo.3865730.
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Em nosso estudo apenas alguns parâmetros foram calibrados com base nos dados observados. Duas razões motivaram essa escolha: (i) existência na literatura de valores de parâmetros já mensurados com base em dados; (ii) dificuldades de não-identificabilidade prática de parâmetros 44 G. Chowell. Fitting dynamic models to epidemic outbreaks with quantified uncertainty: a primer for parameter uncertainty, identifiability, and forecasts. Infectious Disease Modelling, 2(3) (2017), 379-398., 3030 A. Raue, C. Kreutz, T. Maiwald, J. Bachmann, M. Schilling, U. Klingmüller & J. Timmer. Structural and practical identifiability analysis of partially observed dynamical models by exploiting the profile likelihood. Bioinformatics, 25(15) (2009), 1923-1929.. Sobre este último ponto, a principal dificuldade de identificação é a existência de muitos parâmetros no modelo enquanto poucos dados são disponíveis para a calibração. Dessa forma, a calibração não é capaz de obter um resultado único, inviabilizando a identificação dos valores mais prováveis dos parâmetros, assim como sua incerteza associada. Nesse contexto, utilizamos informações disponibilizadas na literatura sobre valores de alguns parâmetros presentes no modelo. A Tabela 2 resume os resultados obtidos na calibração e apresenta quais valores foram retirados da literatura. É importante observar que a taxa de diagnóstico (ε I ) foi definida assumindo que o diagnóstico é feito em torno de 3 dias. Cabe também lembrar que estamos considerando que apenas os infectados que apresentam sintomas severos são diagnosticados em decorrência da política de testagem vigente na época deste estudo. Apresentamos também na Tabela 2 as distribuições a priori dos parâmetros calibrados. Em todos os casos, adotamos distribuições de probabilidade a priori uniformes e função de verossimilhança Gaussiana. O número de reprodução basal ( 0) foi calculado por meio das realizações do CATMIP para as distribuições de probabilidade a posteriori obtidas para os parâmetros. Além disso, tem-se σ C o desvio-padrão para casos confirmados e σ D o desvio-padrão para total de óbitos.

Tabela 2:
Valores dos parâmetros do modelo, fixados e calibrados (valor mais provável), e condições iniciais (CIs) utilizadas, para o Brasil (BR) e o estado do Rio de Janeiro (RJ).

É importante informar que para realizar as calibrações utilizamos como dados observados séries temporais dos números acumulados de casos confirmados e de óbitos. Para tanto, consideramos que, a partir do modelo SEAIRPD-Q, a quantidade acumulada de casos confirmados pode ser computada como:

C t : = t 0 t ε I I t d t (3.1)

e a quantidade total de óbitos calculada como:

D t : = t 0 t d I I t + d P P t d t , (3.2)

sendo t 0 o dia epidemiológico inicial considerado em ambas as séries temporais. Note que, dessa forma, podemos estimar a quantidade de casos confirmados e óbitos para um dia t. Para determinar qual seria o dia t 0 selecionamos o momento em que havia mais de 5 casos confirmados, o que ocorreu nos dias 05/03/2020 e 10/03/2020 para o Brasil (BR) e o estado do Rio de Janeiro (RJ), respectivamente. Iremos nos referir a t 0 = 0 e t como dias de simulação daqui em diante. Os dados foram retirados de (20) para o BR e consideramos 63 dias de simulação na calibração, iniciando em 05/03/2020 e encerrando em 06/05/2020. Para o RJ buscamos os dados em 55 W. Cota. Monitoring the number of COVID-19 cases and deaths in Brazil at municipal and federative units level. SciELOPreprints:362, (Acessado em Maio de 2020). doi:10.1590/scielopreprints.362. URL URL https://doi.org/10.1590/scielopreprints.362 .
https://doi.org/10.1590/scielopreprints....
e simulamos um período de 53 dias, de 10/03/2020 até 01/05/2020.

3.2 Estratégias de relaxamento abrupto, gradual e manutenção do distanciamento social vigente

Para realizar as projeções levando em conta apenas que a política vigente do distanciamento social se mantém inalterada, basta projetar as simulações do modelo em uma janela temporal maior, sem modificações no modelo. Contudo, visando a avaliação de diferentes medidas de relaxamento do distanciamento social, propomos alterações no parâmetro ω, que representa a taxa de remoção devido ao distanciamento social, tomando ω como uma função de decaimento exponencial dada por:

ω t ; t d , t 1 / 2 : = ω c e - λ t - t d , (3.3)

onde

λ : = ln 2 t 1 / 2 , (3.4)

sendo ω c , t d e t 1/2 o valor calibrado mais provável de ω (ver Tabela 2), o dia do início do relaxamento e o tempo de meia-vida do decaimento exponencial, respectivamente. Dessa forma, é possível modelar medidas de relaxamento aplicadas à taxa de remoção devido ao distanciamento social por meio da utilização de valores de tempo de meia-vida correspondentes aos cenários. O tempo de meia-vida é a quantidade de dias após t d até que a taxa de remoção devido ao distanciamento social seja reduzida à metade de seu valor inicial (no caso, metade do valor mais provável obtido na calibração). Portanto, um tempo de meia-vida muito curto descreve um decaimento muito rápido de ω, enquanto um tempo de meia-vida longo resulta em um diminuição lenta do valor de ω. Logo, considerando uma situação em que o pico da epidemia (em relação à população de positivamente diagnosticados) tenha passado e que o provável controle da doença é verificado, i.e., tem-se (t) < 1, analisamos três cenários de interesse com o início do relaxamento do distanciamento social em t d = 100 dias:

  1. Relaxamento abrupto do distanciamento social: com um tempo de meia-vida de t 1/2 = 0, 1 dias;

  2. Relaxamento gradual do distanciamento social: com um tempo de meia-vida de t 1/2 =15 dias;

  3. Manutenção da estratégia de distanciamento social vigente no período analisado: neste caso mantemos o valor calibrado de ω mais provável, ω c , o que corresponde a adotar t 1/2 muito grande de forma que λ → 0 e, portanto, ω → ω c .

Nas Figuras 6 e 7 apresentamos resultados dos cenários de interesse para o BR e para o RJ, respectivamente. É evidente que, para ambos BR e RJ, um relaxamento abrupto - mesmo em uma situação de aparente controle - pode ocasionar um agravamento considerável no possível resultado a longo prazo da epidemia, aumentando o número total de casos confirmados e óbitos. Especificamente, considerando o cenário vigente 3 como referência, a Figura 6 (BR) indica aumentos nos casos confirmados de 3,77% e 19,37% e de 3,75% e 19,27% nos casos de óbitos, para t 1/2 = 15 e 0,1 dias, respectivamente. Para o RJ, estes aumentos foram, respectivamente, de 6,18%, 26,83% nos casos confirmados e de 6,08% e 25,96% nos de óbitos, como apresentados na Figura 7. Além disso, a duração da crise tem um notável prolongamento, postergando o momento em que o número de casos confirmados diários e novos óbitos se reduzem a zero ou estejam próximos dessa condição. Por sua vez, no mesmo contexto de uma situação epidêmica controlada, um relaxamento gradual do distanciamento social pode resultar em um pequeno agravamento em termos de quantidades totais de casos confirmados e óbitos, com um ligeiro aumento na duração da crise. No entanto, as distribuições comparando os cenários de distanciamento social vigente com o relaxamento gradual são similares em relação a faixa de valores e intervalos de credibilidade, o que sugere que o relaxamento gradual poderia ser aplicado no contexto analisado.

Figura 6:
Resultados para o BR dos cenários de interesse. O caso “original” refere-se ao cenário onde se mantém a estratégia de distanciamento social vigente no período analisado.

Figura 7:
Resultados para o RJ dos cenários de interesse. O caso “original” refere-se ao cenário onde se mantém a estratégia de distanciamento social vigente no período analisado.

É importante ressaltar os impactos do relaxamento do distanciamento social sobre o controle da epidemia. Adotar esse tipo de medida afeta diretamente a evolução do número de reprodução efetivo ((t)) da doença. As Figuras 8a e 8b mostram o comportamento de (t) para o BR e o RJ, respectivamente. Para ambas as localidades a aplicação do relaxamento de distanciamento social implica em uma estagnação ou diminuição muito mais lenta de (t), a partir do momento de implementação das medidas. Por já se encontrar em situação controlada ((t) < 1), a consequência associada a uma diminuição da taxa em que (t) decresce é o prolongado atraso no tempo para a erradicação da doença, não alcançado até o tempo final das simulações realizadas.

Figura 8:
Evolução temporal comparativa de (t) considerando os cenários de relaxamento do distanciamento social. As linhas tracejadas delimitam o intervalo de credibilidade (95%) de dias em que (t) = 1 pode ocorrer. As regiões sombreadas ao redor das curvas de (t) representam intervalos de credibilidade de 95%.

3.3 Impacto da escolha do momento de aplicação do relaxamento do distanciamento social

A partir dos resultados discutidos sobre os cenários de medidas de relaxamento do distanciamento social, fica evidente a relevância do grau de relaxamento adotado. Porém, os estudos mostrados anteriormente foram realizados em situação de controle epidêmico, isto é, com (t) < 1.

Um questionamento evidente é: quais seriam os impactos da adoção de medidas de relaxamento de distanciamento social quando não há indicativos de controle epidêmico ((t) > 1)?

Na prática, o valor de (t) pode ser difícil de mensurar, quando não impossível, especialmente em localidades onde há subnotificação considerável. Para ilustrar qualitativamente o impacto que medidas de relaxamento podem ocasionar quando não há controle epidêmico comprovado, simularemos os mesmos cenários da subseção anterior, porém com as medidas sendo aplicadas nos dias de simulação 61 e 60 para BR e RJ (antes dos picos de positivamente diagnosticados), respectivamente. Os resultados para o BR e o RJ são exibidos nas Figuras 9 e 10, respectivamente.

Figura 9:
Projeção de acumulado de casos confirmados e óbitos para o BR. As regiões sombreadas ao redor das curvas representam intervalos de credibilidade de 95%.

Figura 10:
Projeção de acumulado de casos confirmados e óbitos para o RJ. As regiões sombreadas ao redor das curvas representam intervalos de credibilidade de 95%.

Analisando qualitativamente os resultados, é notável que a adoção de ambas as medidas de relaxamento do distanciamento social, na ausência de evidências de controle epidêmico, ocasiona agravamento substancial no crescimento do número de casos confirmados e óbitos. Além disso, a aplicação de relaxamento gradual pode levar a um tempo de epidemia maior quando comparado com o relaxamento abrupto. Isso fica evidente pelo estágio de crescimento dos casos confirmados e de óbitos, comparando-se os resultados apresentados nas Figuras 9a e 9b (ou 10a e 10b), com a Figura 9b (ou 10b), sugerindo um direcionamento para um platô. Por outro lado, na Figura 9a (ou 10a) é possível observar tendências de aumento dos números de casos confirmados e de óbitos, sem indicativo de direcionamento a um platô.

Para entendermos melhor esses resultados, temos que analisá-los conjuntamente com a Figura 11. No cenário de relaxamento abrupto do distanciamento social, (t) > 1 ocorre por uma maior quantidade de dias quando comparado com o relaxamento gradual, que com poucos dias alcança (t) < 1 e se estabiliza. Devido ao relaxamento abrupto continuar por mais dias, em uma situação sem controle epidêmico, a doença se espalha, aumentando o número de infectados e diminuindo o número de indivíduos suscetíveis. Dessa forma, no relaxamento abrupto a doença detém um crescimento no número de indivíduos infectados, aumentando da mesma maneira a parcela imunizada da população com o tempo, ocasionando eventualmente uma desaceleração na propagação da epidemia. É importante ressaltar que isso ocorre às custas de um número de casos confirmados e de óbitos 10 vezes maior para o relaxamento abrupto quando comparado ao gradual.

Figura 11:
Evolução temporal comparativa de (t) considerando os cenários de relaxamento do distanciamento social aplicado antes da ocorrência de (t) < 1. As linhas tracejadas delimitam o intervalo de credibilidade (95%) de dias em que (t) = 1 pode ocorrer. As regiões sombreadas ao redor das curvas de (t) representam intervalos de credibilidade de 95%.

Independentemente do cenário, é evidente a importância do momento em que se inicia uma medida de relaxamento do distanciamento social. Quando se compara qualitativamente os resultados de medidas de relaxamento em situação de epidemia com aqueles obtidos na ausência desse controle, mesmo para uma estratégia de relaxamento gradual, os números são catastróficos. É importante que essas medidas sejam analisadas e planejadas apenas quando se há evidências de controle epidêmico, seja por meio de intervenções farmacológicas ou não.

4 COMENTÁRIOS FINAIS E CONCLUSÕES

Por meio de simulações de um modelo compartimental investigamos cenários de estratégias de manutenção e relaxamento de distanciamento social no Brasil e, em particular, no estado do Rio de Janeiro. Esses cenários foram analisados tanto em situação de controle epidêmico quanto na ausência desse controle. No cenário em que há controle epidêmico, medidas de relaxamento de distanciamento social conduzidas de maneira abrupta podem levar a um aumento nos números de casos confirmados e de óbitos quando comparados com a estratégia vigente no período analisado, além de um prolongamento no tempo necessário para erradicação da epidemia. Por outro lado, uma abordagem de relaxamento gradual, no cenário de controle epidêmico, sugere ligeira diferença em relação à abordagem vigente, tanto para números de casos confirmados e de óbitos quanto para o tempo de erradicação da epidemia. Portanto, aferido o controle epidêmico, medidas de relaxamento gradual são viáveis, enquanto que as de relaxamento abrupto podem não ser favoráveis. Para a situação em que não há evidência de controle epidêmico, ambas as medidas de relaxamento do distanciamento social analisadas se mostraram desfavoráveis, com aumento significante nos números de casos confirmados e de óbitos quando comparados com a estratégia de distanciamento social vigente no período analisado.

O modelo original proposto (SEAIRPD-Q) neste trabalho não considera a possibilidade de reinfecção, tema ainda inconclusivo na literatura na época do desenvolvimento deste trabalho, o que o impede de prever uma segunda onda da doença, por exemplo. O modelo também não considera fatores sociais e demográficos, e efeitos migratórios entre localidades. Um outro fator importante, não incluído na presente modelagem, se refere à existência de subnotificação. Estes são temas a serem investigados futuramente.

Cabe também ressaltar que os modelos compartimentais locais podem não ser adequados para representar populações em regiões que tenham elevada heterogeneidade demográfica, como localidades de territórios extensos. Além disso, para a resolução do modelo proposto adotamos hipóteses para a fixação de alguns parâmetros e condições iniciais. No entanto, para os fins das análises qualitativas desse trabalho, essas limitações não comprometem as características de interesse analisadas e as conclusões obtidas.

Aspectos que abordamos neste trabalho são apresentados com maior profundidade e discussão em 3737 D.T. Volpatto, A.C.M. Resende, L. Anjos, J.V.O. Silva, C.M. Dias, R.C. Almeida & S.M.C. Malta. Spreading of COVID-19 in Brazil: Impacts and uncertainties in social distancing strategies. medRxiv, (2020). doi:10.1101/2020.05.30.20117283. URL https://www.medrxiv.org/content/early/2020/06/03/2020.05.30.20117283.
https://www.medrxiv.org/content/early/20...
. Outras questões não tratadas aqui, como o impacto das incertezas dos parâmetros do modelo sobre a dinâmica da infecção, também estão presentes em 3737 D.T. Volpatto, A.C.M. Resende, L. Anjos, J.V.O. Silva, C.M. Dias, R.C. Almeida & S.M.C. Malta. Spreading of COVID-19 in Brazil: Impacts and uncertainties in social distancing strategies. medRxiv, (2020). doi:10.1101/2020.05.30.20117283. URL https://www.medrxiv.org/content/early/2020/06/03/2020.05.30.20117283.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    22 Jul 2020
  • Aceito
    09 Set 2021
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