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Do sonho a realidade: vivência de mães de filhos com deficiência1 1 Artigo baseado na dissertação - Mães com filhos deficientes: histórias de superação com a Terapia Comunitária Integrativa, apresentada (PPGEnf) à Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em 2014.

Resumos

O presente estudo objetiva evidenciar sinais de sofrimento emocional vivenciados por mães de filhos com deficiência. Estudo compreensivo-interpretativo, realizado no município de Timbaúba/Pernambuco/Brasil, com seis mães de filhos com deficiência. O material empírico foi produzido através de entrevista, seguindo os pressupostos da História Oral propostos por Bom Meihy e, em seguida, interpretados à luz da técnica de análise temática. As narrativas das mães são marcadas por sentimentos de ambiguidade, abandono, tristeza, negação, culpa, autopiedade, desprezo por si mesma e frustrações. As histórias revelaram que as mães possuem poder de superação e que são capazes de se adaptarem à experiência de cuidar do filho deficiente. As narrativas proporcionaram reflexões acerca da complexidade do ser mãe, em especial, à temática da deficiência, evidenciando a necessidade de ações multidisciplinares para o fortalecimento pessoal e da autonomia no cuidar do filho, com vistas ao processo de reabilitação e inclusão deste na sociedade.

Relações mãe-filho; Resiliência psicológica; Enfermagem


This study aims to show signs of emotional distress experienced by mothers of children with disabilities. Comprehensive and interpretative study, conducted in the city of Timbaúba/Pernambuco/Brazil, with six mothers of children with disabilities. The empirical material was produced by interviews, following the premises of the Oral History proposed by Bom Meihy and then interpreted in the light of the thematic analysis technique. The mothers' narratives are marked by feelings of ambiguity, neglect, sadness, denial, guilt, self-pity, self-contempt and frustrations. The stories revealed that mothers have the power to overcome and are able to adapt themselves to the experience of taking care of a disabled child. The narratives provided reflections on the complexity of being a mother, in particular, the issue of disability, suggesting the need for multidisciplinary actions aimed at personal empowerment and autonomy in caring for a child, with a view to the child's rehabilitation and inclusion in society.

Mother-child relationships; Psychological resilience; Nursing


Este estudio tiene como objetivo mostrar signos de malestar emocional experimentado por las madres de los niños con discapacidades. Estudio comprensivo-interpretativo, realizado en la ciudad de Timbaúba/Pernambuco/Brasil, con seis madres de niños con discapacidades. El material empírico fue producido por encuestas, a partir de los pasos de la Historia Oral propuestos por Bom Meihy y, después, interpretados a la luz del análisis temático. Los relatos de las madres se caracterizan por sentimientos de ambigüedad, el abandono, tristeza, rechazo, culpa, la autocompasión, el desprecio por ella misma y frustraciones. Las historias revelaron que las madres tienen un gran poder de superación y se adaptaron a la experiencia de cuidar a los niños discapacitados. Los relatos han promovido reflexiones sobre la complejidad de ser madre, en particular, frente al tema de la discapacidad, lo que sugiere la necesidad de medidas disciplinarias para el empoderamiento personal y de autonomía en el cuidado de un niño, con objetivo hacia el proceso de rehabilitación e inclusión del mismo en la sociedad.

Relaciones madre-hijo; Resiliencia psicológica; Enfermería


INTRODUÇÃO

A deficiência (física e/ou mental) é um fenômeno complexo, dinâmico e multidimensional que repercute no contexto familiar, social e político. Sabe-se que há um número significativo de famílias com um parente deficiente, e que pessoas não deficientes adquirem a responsabilidade de prover suporte e cuidar de familiares e amigos com deficiências. 1Organização Mundial da Saúde. Relatório mundial sobre a deficiência. Tradução Lexicus Serviços Lingüísticos. São Paulo (SP): SEDPcD; 2011.

A Organização Mundial da Saúde (OMS), com base em estimativas da população global, afirmou que em 2010 mais de um bilhão de pessoas em todo o mundo convivia com alguma forma de deficiência e que, dentre estas, cerca de 200 milhões apresentavam significativas dificuldades funcionais, o que representava 15% da população mundial.1Organização Mundial da Saúde. Relatório mundial sobre a deficiência. Tradução Lexicus Serviços Lingüísticos. São Paulo (SP): SEDPcD; 2011.

No Brasil, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), responsável pelo censo demográfico, revelou que no ano de 2010 existia aproximadamente 45,6 milhões de pessoas com pelo menos alguma dificuldade para se locomover, ver e/ou ouvir, como também aquelas com limitações severas. Na análise por sexo, observou-se que a população feminina, representada por 26,5%(25,8 milhões), era mais afetada por pelo menos uma deficiência do que a população masculina, cujo percentual chegava a 21,2% (19,8 milhões).2Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo demográfico: Contagem Populacional 2010. Brasília (DF): IBGE; 2011.

Também foi investigada a prevalência de pelo menos uma das deficiências por faixa etária, e constatou-se que nas crianças de 0 a 14 anos era de 7,5%; na população de 15 a 64 anos era de 24,9% e na população com 65 anos ou mais de idade era de 67,7%. O maior contingente, com pelo menos uma deficiência, ocorreu na população de 40 a 59 anos, correspondendo a aproximadamente 17,4 milhões de pessoas, sendo 7,5 milhões de homens e 9,9 milhões de mulheres. Concluiu-se, através do censo demográfico de 2010, que está ocorrendo um expressivo aumento no número de pessoas que declararam algum tipo de deficiência ou incapacidade.2Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo demográfico: Contagem Populacional 2010. Brasília (DF): IBGE; 2011.

Estudos realizados3Falkenbach AP, Rosa L. A formação de vínculos afetivos na relação primaria mãe/criança com deficiência. Rev Digital [online]. 2009 Jun [acesso 2014 Fev 09]; 14(133) Disponível em: http://www.efdeportes.com/efd133/relacao-primaria-mae-crianca-com-deficiencia.htm.
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Milbrath VM, Soares DC, Amestoy SC, Cecagno D, Siqueira HCH. Mães vivenciando o diagnóstico da paralisia cerebral em seus filhos. Rev Gaúcha Enferm. 2009 Set; 30(3):437-44.
- 5Thuy NTM, Berry HL. Social capital and mental health among mothers in Vietnam who have children with disabilities. Glob Health Action. 2013 Feb; 6: 1-12. mostram que houve um aumento considerável no número de famílias que acabam sendo envolvidas na relação com a deficiência e suas repercussões afetivas e emocionais. O nascimento de uma criança com deficiência traz uma série de consequências na vida, no comportamento e nas emoções de todos os membros da família e, por consequência, pode dificultar a relação mãe/criança, sendo considerado um dos acontecimentos mais significativos para um casal, com mudanças significativas em toda a estrutura familiar.5Thuy NTM, Berry HL. Social capital and mental health among mothers in Vietnam who have children with disabilities. Glob Health Action. 2013 Feb; 6: 1-12.

A família, que até determinado momento tinha segurança e sabia qual seu papel perante o nascimento de uma criança, quando se defronta com um diagnóstico de deficiência, começa a exprimir mudanças em seu comportamento e traz à tona uma série de complicações advindas de sentimentos de culpa, rejeição, negação ou desespero, modificando as relações familiares e sua própria estrutura. Após o nascimento, desencadeia-se um processo semelhante ao luto, trata-se de um luto pela perda da fantasia do filho perfeito, da criança sadia.4Milbrath VM, Soares DC, Amestoy SC, Cecagno D, Siqueira HCH. Mães vivenciando o diagnóstico da paralisia cerebral em seus filhos. Rev Gaúcha Enferm. 2009 Set; 30(3):437-44. - 5Thuy NTM, Berry HL. Social capital and mental health among mothers in Vietnam who have children with disabilities. Glob Health Action. 2013 Feb; 6: 1-12.

Nessa situação, a assistência prestada é voltada unicamente à doença da criança, pois esta é vista como único problema existente, e isso faz com que todo foco do cuidado gire em torno da melhora do seu quadro clínico. Assim, o aspecto psicológico da família, em especial da mãe, é negligenciado, ficando para a mesma apenas a função de cuidadora e de executora das ordens dos profissionais.6Gondim KM, Pinheiro PNC, Carvalho ZMF. Participação das mães no tratamento dos filhos com paralisia cerebral. Rev Rene. 2009 Out-Dez; 10(4):136-44.

O papel da mãe no contexto familiar é o de detentora do cuidado integral, ou seja, aquela que não mede esforços para proporcionar o melhor aos filhos, especialmente quando este apresenta alguma deficiência. Diante desse contexto, ela passa a sofrer uma imposição social para exercer esse papel de forma imperiosa, muitas vezes, tendo que abdicar de sua própria vida pessoal, social e profissional, a fim de contribuir da melhor maneira para o desenvolvimento saudável dos filhos.7Bastos OM, Deslandes SF. A experiência de ter um filho com deficiência mental: narrativas de mães. Cad Saúde Pública [online]. 2008 Set [acesso 2014 Fev 09]; 24(9):2141-50 Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010211X2008000900020&lang=pt.
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Em função do amor envolvido nessa relação de dependência e da necessidade de serem cuidadoras em potencial, atitude imposta pela sociedade que marginaliza e exclui, o descomprometimento das mães com o autocuidado torna-se evidente, uma vez que elas projetam suas maneiras de viver em função da deficiência que seus filhos apresentam e, por isso, são levadas ao sofrimento e ao esquecimento de si próprias desde o momento do nascimento dos filhos, prolongando-se por toda a vida. Desta forma, o esquecimento de si vivenciado por essas mães demonstra a distância que elas tomaram de sua condição de ser mulher, por se perceberem apenas mães de um filho com deficiência.

A família é a base de tudo, é o vínculo eterno do amor e da compaixão, da amizade mais pura e do entregar-se sem cobranças, principalmente no que se refere à vivência e à troca do amor entre mães e filhos com deficiência, o que gera sentimentos e reações próprias, como superação e coragem, ao enfrentar as intempéries das situações vivenciadas de maneira diferente, haja vista que se a carência gera a competência, o sofrimento gera a capacitação.8Braga LAV, Dias MD, Ferreira Filha MO, Moraes MN, Araruna MHM, Rocha IA. Terapia comunitária e resiliência: história de mulheres. Rev Pesqui Cuid Fundam. [online]. 2011 Dez [acesso 2014 Fev 09]; (supl):251-68 Disponível em: http://www.seer.unirio.br/index.php/cuidadofundamental/issue/view/79 .
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Sendo assim, o autor traz como pressuposto para o fortalecimento psicológico dessas mães a resiliência psicológica, traduzida por ele como sendo um processo por meio do qual o indivíduo pode vencer os obstáculos da vida, graças a seu esforço resiliente.9Barreto AP. Terapia comunitária passo a passo. Fortaleza (CE): Gráfica LCR; 2008.

Para muitos estudiosos do campo da saúde, em particular, da enfermagem, a palavra resiliência ainda é nova; contudo, ela vem sendo usada por profissionais do campo da psicologia positiva e da neurociência, para ressaltar motivações que levam as pessoas a "superar" traumas e adversidades presentes na existência humana.5Thuy NTM, Berry HL. Social capital and mental health among mothers in Vietnam who have children with disabilities. Glob Health Action. 2013 Feb; 6: 1-12.

Instigada pelo desejo de conhecer as experiências resilientes e exitosas vivenciadas pelas mães de filhos com deficiência e entender o universo que tange tal relação, emergiu o questionamento que permeou a pesquisa: Como é a vivência de ser mãe de um filho com deficiência? E, na tentativa de respondê-lo, buscou-se com esse estudo evidenciar os principais sinais de sofrimento emocional vivenciados por mães de filhos com deficiência.

METODOLOGIA

Para conhecer a experiência de mães de filhos com deficiência, optou-se por trabalhar com um estudo compreensivo e interpretativo, a partir do qual se objetivou compreender os aspectos relacionados à vivência e seus significados frente aos desafios no dia a dia dessas mulheres.

O percurso metodológico do presente estudo foi norteado pelo método da História Oral (HO), mais especificamente, a História Oral Temática, cujo objetivo é esclarecer a opinião do narrador sobre algum evento definido, visto que se investigou a experiência de ser mãe de um filho com deficiência.1010 Bom Meihy JCS, Holanda F. História oral: como fazer, como pensar. São Paulo (SP): Contexto; 2011.

Este estudo foi realizado na cidade de Timbaúba-PE, nos meses de junho à agosto de 2013, tendo como cenário a Associação de Deficientes Amigos de Timbaúba (ADAT), que é uma instituição filantrópica, referência para o tratamento de deficiências para crianças na faixa etária de 0 a 16 anos, mas que recebe casos especiais, de acordo com alguns critérios internos da instituição. No período da coleta de dados, a referida instituição tinha cadastradas 80 crianças com deficiências. A escolha da instituição, enquanto cenário da pesquisa, deveu-se ao fato de ser o local onde as mães levam seus filhos para reabilitação neuropsicomotora.

Para compor o estudo, a colônia foi constituída pelas mães de filhos com deficiência que frequentavam a ADAT, as quais foram selecionadas aleatoriamente no momento em que compareciam à instituição para reuniões com grupo de mães ou para atendimento dos filhos. Portanto, a rede foi formada por seis mães que aceitaram e tiveram condições de participar do estudo.

Para a viabilização da pesquisa empírica, elegeu-se como instrumento a técnica de entrevista guiada por perguntas de corte, definidas como questões que perpassam todas as entrevistas e devem relacionar-se com a comunidade de destino, constituintes da identidade do grupo analisado.1111 Bom Meihy JCS. Guia prático de história oral. São Paulo (SP): Contexto; 2011.

As entrevistas foram previamente agendadas com as colaboradoras, sendo gravadas com autorização das participantes. Todo o processo de entrevista foi norteado por três etapas: a pré-entrevista, a entrevista propriamente dita e a pós-entrevista, para que se construíssem discursos coerentes.

Na História Oral, devido à importância da contribuição das pessoas, elas são compreendidas como colaboradores do projeto. Pode ser definido como sendo o nome do entrevistado, que tem um papel ativo na história e deixa de ser mero informante, ator ou objeto de pesquisa, e estabelece uma relação de compromisso entre as partes, passando a ser, então, sujeito da pesquisa.12 12 Dias MD. Mãos que acolhem vidas: as parteiras tradicionais no cuidado durante o nascimento em uma comunidade nordestina [tese]. São Paulo (SP): Universidade de São Paulo, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem; 2002.A HO considera o depoente um colaborador, com liberdade para dissertar sobre sua experiência pessoal e participar de todo o processo.1313 Souza KRF, Dias MD. História oral: a experiência das Doulas no cuidado à mulher. Rev Acta Paul Enferm. 2010; 23(4):493-9.

A análise e discussão do corpus documental aconteceram após a textualização, etapa da pós-entrevista, quando se rebusca o texto original, deixando-o mais coeso e estruturado, a partir de uma leitura exaustiva para a compreensão do vivido, da linguagem e dos sentidos expressados, com identificação dos tons vitais das narrativas, os quais orientam a construção dos eixos temáticos, com base nos objetivos propostos na pesquisa, dos quais se destaca o eixo aqui trabalhado.

A compreensão do material empírico foi conduzida pela técnica de análise de conteúdo temática, que "consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem uma comunicação, cuja presença ou frequência signifiquem alguma coisa para o objeto analítico visado".14:316 Essa análise proporcionou a triangulação dos dados, a partir da qual o analista realiza uma interrelação entre as suas percepções, o material produzido (corpus documental, tom vital e eixo temático) e a literatura pertinente, a fim de aprofundar o olhar sobre o fenômeno investigado.

No processo de investigação, foram adotadas as observâncias éticas contempladas nas diretrizes e nas normas da Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.1515 Ministério da Saúde (BR). Conselho Nacional de Saúde, Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. Resolução n 466 de 12 de dezembro de 2012: diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos. Brasília (DF): MS; 2012. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba (CCBS/UFPB), sendo aprovado no dia 18/06/2013, sob a CAEE 14725013.0.0000.5188.

RESULTADO E DISCUSSÃO

A vivência das mães com filhos deficientes é um fenômeno marcado pelas narrativas de dor, sofrimento e superação, resultando para muitas no fortalecimento da resiliência. Algumas das histórias retrataram a capacidade dessas mulheres de se adaptarem às experiências de um novo caminhar. Dispostas a lembrar à sociedade que o ser humano não se resume a um diagnóstico, elas compartilharam relatos de vida em comum, pontuados por momentos únicos com seus filhos.

O nascimento de uma criança com deficiência desencadeia uma repercussão complexa e imprevisível de eventos no contexto familiar. A dificuldade com o impacto da notícia revela marcas profundas nos familiares, principalmente no casal, pois eles se sentem culpados pela perda de uma criança sonhada, idealizada e planejada.1616 Falkenbach AP, Drexsler G, Werler V. A relação mãe/criança com deficiência: sentimentos e experiências. Cien Saude Colet. 2008; 13(2):2065-73.

O ser mulher carrega a obrigatoriedade do tornar-se mãe de uma criança, dentro de um padrão idealizado pela sociedade. A gestação e o nascimento bem sucedido podem ser considerados uma vitória, haja vista que a mulher tem a sensação da confirmação de sua potência/competência na tarefa de procriar. Entretanto, o nascimento de uma criança com deficiência fragmenta essa sensação de capacidade e confiabilidade, causando uma lenta e profunda ferida narcisista de difícil recuperação, que leva a família a enfrentar uma situação extremamente delicada, na qual afloram sentimentos ambíguos, frente a esse novo ser.1717 Milbrath VM, Cecagno D, Soares DC, Amestoy SC, Siqueira HCH. Ser mulher mãe de uma criança portadora de paralisia cerebral. Acta Paul Enfermagem. 2008; 21(3):427-31.

Pode-se observar a mistura de sentimentos que revelam sofrimento diante das circunstâncias e o prazer de poder ajudar seus filhos em detrimento do amor incondicional que permeia essa relação, principalmente quando falaram da descoberta da deficiência dos filhos, nos seguintes tons vitais das mães a seguir: é difícil, mais ela deu sentido a minha vida [...] (Isadora); [...] descobrir a deficiência é difícil, mas ela é um presente que Deus me deu [...] (Josefa Arlúcia).

Diante do exposto, que afirma o potencial de amar sem limites, mesmo perante a descoberta de ser mãe de um filho com deficiência, viu-se que esta foi permeada pelo medo, tristeza, dificuldade de aceitação, como é dito nos seguintes depoimentos: quando minha filha estava com cinco meses, fui percebendo que ela apresentava alguma deficiência, sendo que não sabia qual era [...]. Ao saber da noticia, [...] fiquei triste porque é muito difícil ficar sabendo que sua filha vai ser deficiente para o resto da vida. [...] (Kryllane); eu descobri que João Guilherme é especial, quando ele tinha 1 ano e 4 meses, ele apresentava dificuldade para falar, não falava nem mamãe e papai.[...] foi um grande impacto para mim quando eu escutei, uma dor muito grande, foi difícil de aceitar, pois a gente fantasia um filho perfeito [...] (Maria de Lourdes).

Observa-se, com essas falas, que a descoberta da deficiência tem um significado de perda da criança perfeita e esperada, com os sonhos fragmentados, expectativas frustradas e o futuro incerto.

A literatura destaca18 18 Barbosa MAM, Balieiro MMFG, Pettengil MAM. Cuidado centrado na família no contexto da criança com deficiência e sua família: uma análise reflexiva. Texto Contexto Enferm. 2012; 21(1):194-9.que o impacto do diagnóstico, a necessidade de adaptação à nova situação, o estigma social, a dependência e as implicações da cronicidade do quadro clínico podem produzir sobrecarga, conflitos, sentimentos de incredulidade, perda do controle e medo, podendo comprometer a capacidade de cuidar do filho deficiente, visto que a família vivencia uma situação de desgaste.

As experiências dessas mulheres são permeadas por situações de intenso sofrimento, conflitos emocionais e existenciais, pois elas se sentem abandonadas e sem forças para continuar a viver. Desejam desistir da luta que, nesse instante, sentem como demasiado dolorosa. Mostram-se vulneráveis' diante da situação vivenciada, não conseguindo apreender a facticidade de ter um filho deficiente.1919 Barbosa MAM, Chaud MN, Gomes MMF. Vivências de mães com um filho deficiente: um estudo fenomenológico. Acta Paul Enferm. 2008; 21(1):46-52.

A trajetória de dificuldades surge a partir da descoberta da deficiência do filho. Então, inicia-se uma vivência marcada por anos de confusão, medo, culpa, incertezas, autopiedade, desprezo por si, horas nos consultórios médicos, a falta de informação clara, os crescentes problemas familiares, batalhas escolares, preocupações financeiras, tensões acumuladas, brigas, as frustrações normais de uma família e a sensação de inadequação ao ver seu filho, a quem tanto ama, afastando-se cada vez mais do mundo "normal", que elas gostariam tanto de lhes dar.2020 Buscaglia L. Os deficientes e seus pais. Rio de Janeiro (RJ): Record; 2006.

Os pais, ao serem notificados sobre o nascimento de uma criança com uma síndrome ou um possível atraso no desenvolvimento, enfrentam períodos difíceis, especialmente no que tange às interações com os seus filhos, devido a fatores emocionais.4Milbrath VM, Soares DC, Amestoy SC, Cecagno D, Siqueira HCH. Mães vivenciando o diagnóstico da paralisia cerebral em seus filhos. Rev Gaúcha Enferm. 2009 Set; 30(3):437-44. Configura-se em uma perda do filho perfeito, na violação de expectativas positivas, gerando frustrações, comparadas e vivenciadas por algumas famílias como uma experiência de luto.2121 Vieira SS, Dupas G, Bevilacqua MC, Ferreira NMLA. Descoberta da deficiência auditiva pela família: vendo o futuro idealizado desmoronar. Acta Paul Enferm. 2012; 25(2):82-8.

Ao tentar compreender o que representa o nascimento de um filho para os pais, o autor2222 Góes FAB. Um encontro inesperado: os pais e seus filhos com deficiência mental. Psicol Ciênc Prof. 2006; 26(3):450-461. faz um paralelo com a nossa inquietação humana sobre a impossibilidade de conhecer verdadeiramente a origem da vida, bem como aceitar a sua finitude. Assim, ele diz que o filho aguardado pelos pais representará não somente a sua imortalidade, mas também aquele que realizará seus sonhos não realizados.

O nascimento de um filho deficiente na família é, na realidade, o nascimento da diferença. Um problema real com o qual a mesma se depara, com inúmeras tentativas de negá-lo, embora não seja possível fazê-lo. A família terá que elaborar a morte do filho idealizado. É o choque entre o ideal e a realidade que se apresenta distante do sonhado.2323 Silva KGP, Duarte LC. O excepcional na família e na instituição: deficiente ou sujeito? Relatório de estágio da disciplina Psicologia do Excepcional II, FCH-FUMEC. Belo Horizonte (MG): Ibirité-BH; 1998.

O sofrimento decorrente de uma perda é um dos processos mais difíceis e desafiadores da existência humana. Lidar com a morte do filho idealizado implica lidar com um sujeito que não se enquadra nos parâmetros de normalidade preestabelecidos. O nascimento do diferente leva à estigmatização. A família do deficiente, algumas vezes, nega ou rejeita o filho.2323 Silva KGP, Duarte LC. O excepcional na família e na instituição: deficiente ou sujeito? Relatório de estágio da disciplina Psicologia do Excepcional II, FCH-FUMEC. Belo Horizonte (MG): Ibirité-BH; 1998.

Tornam-se evidentes nas falas abaixo o sofrimento e a repercussão que este sentimento de perda trouxe na vida das colaboradoras: na minha mente já passou varias besteiras, às vezes eu grito, falo alto, cheguei até um ponto que eu me desesperei e disse: Meu Deus! Tira a minha vida e a vida da minha filha, porque é melhor morrer, pois eu não aguento essa vida que eu estou vivendo, não aguento mais! Eu não estou conseguindo superar [...]. Por que tu me deste uma filha especial? [...] eu não consigo ser mãe de uma criança especial, sou muito fraca para isso (Krysllane); [...] antes reclamava tanto de Deus, quando ficava chorando, pensava assim: Deus não olha por mim não! E falava: o que foi que te fiz, Deus, de tão ruim, pra passar por um sofrimento tão grande desse? (Rejane); eu não aceitava, por ser meu primeiro filho, e ficava me perguntando por que Deus tinha me dado um filho especial, e não um filho perfeito assim, aos nossos olhos. Tinha muita dificuldade de sair com ele, de lidar com as outras pessoas, assim, um certo preconceito partindo de mim mesma. A minha dificuldade em aceitar que meu filho é especial era grande, eu imaginava que ele seria perfeito, mas pude perceber que nesse mundo nada é perfeito. Tive que ter um filho especial, com as suas dificuldades e limitações, para perceber que aquilo que eu sonhei não virou realidade(Maria de Lourdes); eu tive uma gravidez saudável e me cuidei tão bem, e por quê? Por que eu? (Isadora).

Os sentimentos de tristeza, decepção e frustração faz em parte de um luto que é vivido por essas mães, pois o luto está atrelado à perda do filho perfeito e idealizado e à sensação de impotência materna, por ter gerado um filho imperfeito. Este é um sentimento que todas as mães vivenciam, diante da notícia de que seu filho irá ter um atraso no desenvolvimento, ou seja, ser deficiente.2424 Luza AR, Ceccheto FH, Silva EF. Sentimentos e dificuldades enfrentadas por mães de crianças com necessidades especiais. Rev enferm UFPE online [online]. 2011 Ago [acesso 2014 Fev 09]; 5(6):1397-402 Disponível em: http://www.revista.ufpe.br/revistaenfermagem/index.php/revista/article/viewArticle/1636 .
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O trauma psicológico é resultante de uma situação experimentada, testemunhada ou confrontada pelo indivíduo, na qual houve ameaça à vida ou a integridade física e/ou psicológica de si próprio, ou de pessoas a ele ligadas.2525 Peres J. Trauma e superação: o que a psicologia e a neurociência e a ensinam. São Paulo (SP): Roca; 2009.

A negação é um mecanismo mental operado, inconscientemente, para resolução de um conflito emocional e para o alívio da ansiedade subsequente, negando alguns elementos importantes; os sentimentos negados podem ser pensamentos, desejos, necessidades e até realidades.2626 Towsend MC. Enfermagem psiquiátrica: conceitos de cuidados. 3ª ed. Rio de Janeiro (RJ): Guanabara Koogan; 2002.

Nas falas, viu-se tal situação: [...] resolvi criá-lo como se fosse um filho normal [...]. Isso para mim era real mesmo, meu filho não era especial! (Marilene); [...] o médico falou que nem atraso ela tem mais [...] (Isadora).

Algumas das histórias aqui narradas estão entrelaçadas por situações que geraram sofrimento, e que mesmo sendo inerente à existência do ser humano, encontramos nessa rede traços comuns que compõem trajetórias semelhantes. Mas, em meio a tanta dor, negação e sofrimento, acontece o fenômeno do fortalecimento da resiliência, através do qual as colaboradoras retomam a consciência de si, fortalecem a autoestima, recuperam a autonomia perdida, seja com o apoio da espiritualidade, da família, do empoderamento ou da participação de grupos na ADAT.

A resiliência é a capacidade do ser humano de renascer da adversidade fortalecido, com mais recursos, e transformar situações de risco e de vulnerabilidade em potencialidades. É um processo ativo de resistência a reestruturação e o crescimento em resposta à crise e ao desafio, proporcionando ao indivíduo ser transformado por esses fatores potencialmente estressores, adaptando-se ou superando tais experiências traumáticas e/ou estressantes.2727 Ferreira CL, Santos LMO, Maia EMC. Resiliência em idosos atendidos na Rede de Atenção Básica de Saúde em município do nordeste brasileiro. Rev Esc Enferm USP. 2012; 46(2):328-34.

A resiliência é uma ferramenta de transformação humana fundamental, pois dá o poder aos indivíduos de se transformarem e de transformar a realidade em que vivem, além de oferecer condição de encontrar, em si mesmo e ao redor de si, todos os elementos que lhe permitem criar essa capacidade de superação.5Thuy NTM, Berry HL. Social capital and mental health among mothers in Vietnam who have children with disabilities. Glob Health Action. 2013 Feb; 6: 1-12.

Portanto, é no enfrentamento das dificuldades que as pessoas produzem um saber construtivo, formulando mecanismos de superação. Compreendemos que a resiliência esta imbuída em todo ciclo da vida, pois ela é ativa, dinâmica e possibilita a reconstrução baseada na capacidade de resistir e de crescer na adversidade, na medida em que estimula a autonomia e fortalece os vínculos interpessoais.2828 Morais FLSL. Rodas de Terapia Comunitária: espaços de mudanças para profissionais da estratégia saúde da família [dissertação]. João Pessoa (PB): Universidade Federal da Paraíba. Programa de Pós-Graduação em Enfermagem; 2010.

Observamos, através das narrativas, frases que expressam os sentimentos das colaboradoras no tocante ao fortalecimento da resiliência: foi a melhor coisa que Deus me deu (Krysllane); ela deu significado a minha vida" (Isadora); é um presente que Deus me deu (Josefa); ser mãe de um filho especial é uma superação (Maria de Lourdes).

Nas falas observadas, foram percebidos aspectos importantes para se desenvolver a capacidade resiliente, pois revelam o poder de superação que cada uma das colaboradoras apresenta, perante suas histórias de vida. O resiliente, que gera a superação, advém do sofrimento e da vontade de mudar a realidade, característica tão peculiar à espécie humana. Posto que, "uma ostra que não foi ferida, não produz pérola. As pérolas são respostas às agressões. Por isso, precisamos estar precavidos para reagir e sair, não de um momento desconfortável para outro, mas em busca de superação e de crescimento".8:3467

Mas, para chegar ao estágio da superação, ou seja, despertar o poder resiliente, essas mães passaram por um processo de aceitação, que é o mecanismo no qual os indivíduos já elaboraram os comportamentos associados aos outros estágios, tais como a negação, tristeza, anulação e aceitação da perda, ou resignação a ela.2626 Towsend MC. Enfermagem psiquiátrica: conceitos de cuidados. 3ª ed. Rio de Janeiro (RJ): Guanabara Koogan; 2002.

Pode-se perceber nas falas abaixo como se manifestaram as reações de aceitação das colaboradoras, frente à descoberta da deficiência de seus filhos: só depois que comecei a fazer a pós-graduação, foi que me interessei, comecei a pesquisar mais sobre a doença dele, então hoje vejo que meu filho realmente é uma criança especial... (Marilene); estou conseguindo conviver com isso agora, não estava conseguindo viver antes [...] (Krysllane); mais hoje em dia não choro mais, Deus sabe que era porque não tinha o entendimento que tenho hoje [...] (Rejane); com o passar do tempo, eu já consigo aceitar melhor o jeito que ele é [...] Hoje, eu tenho uma maneira diferente de pensar referente há um tempo [...] (Maria de Lourdes).

A aceitação expressa por essas mães é o caminho da construção de um vínculo formado entre o binômio mãe/filho que, até o momento, estava fragilizado devido ao processo de luto que elas e seus familiares estavam vivenciando. A partir da aceitação, a mãe e a família começam a incluir essa criança na sociedade, quebrando paradigmas e preconceitos que são impostos a esses seres tão indefesos que, desde cedo, adquirem uma força e uma garra para lutar e vencer, diante dos obstáculos que a sociedade capitalista impõe. Sociedade esta que é arraigada em preceitos mercantilistas, que só se interessa pelo que o indivíduo pode fazer e produzir e que, quando esses não se enquadram nesse padrão, são excluídos, segregados, vivendo a deriva.

Contudo, a partir do momento em que os pais dão o primeiro passo e aceitam seus filhos, passam a amá-los e incluí-los na sociedade. Eles são vistos com outros olhos. Novas formas de vencer os preconceitos são construídas, alicerçadas em confiança e autoestima, resultando no empoderamento.

O empoderamento nasce na medida em que tomamos consciência da nossa força de superação, que é a resiliência. Ele emerge quando compreendemos e aceitamos ser um sujeito ativo na sociedade, aprendendo com nossa história e não tendo vergonha de nossas origens, de nossos valores culturais, constituídos por nossos ancestrais.8Braga LAV, Dias MD, Ferreira Filha MO, Moraes MN, Araruna MHM, Rocha IA. Terapia comunitária e resiliência: história de mulheres. Rev Pesqui Cuid Fundam. [online]. 2011 Dez [acesso 2014 Fev 09]; (supl):251-68 Disponível em: http://www.seer.unirio.br/index.php/cuidadofundamental/issue/view/79 .
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Diante dessa noção de empoderamento, percebeu-se o quanto essas mães se fortaleceram psicologicamente, enfrentando os momentos de dores e dificuldades vivenciadas com o filho, superando barreiras e incluindo seus filhos na sociedade.

O indivíduo se insere na sociedade, a partir do momento em que ele é participante ativo da construção do cotidiano da comunidade. As atividades do dia a dia de cada pessoa estão relacionadas com as atividades de sua família, amigos, colegas de trabalho, constituindo uma trama de relações sociais vinculadas a essas diferentes atividades. Ser incluído nesse meio social requer a organização de uma vida cotidiana capaz de conduzir a uma continuidade, em interação com os outros a sua volta e com o modo de produção da sociedade.2929 Salles MM, Barros S. Vida cotidiana após adoecimento mental: desafio para atenção em saúde mental. Acta Paul Enferm [online]. 2009 [acesso 2014 Fev 09]; 22(1):11-6 Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ape/v22n1/a02v22n1.pdf .
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Diante do exposto, as mães vivenciam momentos de partilha com o filho deficiente, quando eles se tornam eternos aprendizes e diminuem a distância que os separa e as condições negativas da vida, ou seja, quando juntos aprendem a buscar o caminho da felicidade, instigados pelo desejo de se locupletarem, vencendo as barreiras impostas por essa sociedade pós-moderna, líquida e fragilizada.

É importante ressaltar a necessidade dos profissionais de saúde adentrarem nesse universo de exclusão e preconceitos, trabalhando em prol da inclusão desses indivíduos nessa sociedade, mediante o cuidado voltado especificamente para suas necessidades e anseios e, acima de tudo, ajudando as mães a aceitarem seus filhos com suas deficiências mas, sobretudo, com suas possibilidades.

Estudo realizado na Itália corrobora com essa assertiva, ao avaliar o relacionamento entre 581 recém-nascidos prematuros com deficiência neuromotora e/ou sensória severa e a saúde mental das mães e revelar alto sofrimento psíquico em 31% das mães com a condição da criança, apontando para a importância do apoio a essas pelos profissionais de saúde.3030 Cacciani L, Di Lallo D, Piga S, Corchia C, Carnielli V, Chiandotto V, et al. Interaction of child disability and stressful life events in predicting maternal psychological health. Results of an area-based study of very preterm infants at two years corrected age. Res Dev Disabil. 2013; 34(10):3433-41.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O nascimento de uma criança com deficiência representa um universo de desafios para os pais. São inúmeras as situações que colaboram de maneira positiva ou negativa para o convívio familiar. Muitas são as dificuldades experimentadas, como os cuidados cansativos ao lidar com a criança, enfrentar o preconceito da sociedade, e tantos outros desafios que se apresentam para essas famílias.

No estudo, houve revelações inusitadas e, muitas vezes, conflitantes em relação aos sentimentos emergidos nas relações entre as mães com filhos deficientes e a difícil e árdua tarefa de cuidar e doar-se integralmente a eles. Muitas mães revelaram sentimentos de ambiguidade, abandono, tristeza, negação, culpa, autopiedade, desprezo por si próprias e frustrações, porém revelaram que foi a partir dos momentos de dor e das dificuldades enfrentadas com seus filhos, que aprenderam a superar as barreiras e os preconceitos, amadurecendo e aprendendo a se transformarem em pessoas fortes e credoras de um mundo melhor, bem como de uma sociedade mais inclusiva e menos preconceituosa.

A construção deste estudo proporcionou reflexões que caracterizam a complexidade do ser mãe, em especial, à temática da deficiência. Ao longo do processo de construção, apresentaram-se determinações relevantes, as quais são merecedoras de resgate e reafirmação.

Seus discursos deram lições de vida e de superação, por serem mulheres marcadas por uma vida de dedicação exclusiva e entrega total aos seus filhos, descobrindo a cada dia como lidar com o sofrimento e a exclusão, construindo laços indissolúveis, permeados pelo verdadeiro amor que só existe entre mães e filhos, mesmo que numa sociedade repleta de relações superficiais e fluidas, longe do desejado e esperado para laços afetivos eternos.

Consideramos que o presente estudo apresentou algumas limitações, principalmente em relação ao numero de mães entrevistadas, e também pelo fato de ser um estudo local. Vale salientar também que o estudo, apesar de abordar o sofrimento emocional vivenciado pelas mães de crianças com deficiência, não se trata de uma realidade absoluta para todas as que estão convivendo com essa condição. Contudo, nos permitiu traçar considerações acerca da complexidade da temática da deficiência, envolvendo a relação mãe e filho.

Nesse contexto, a investigação contribuiu significativamente para que a enfermagem possa voltar o seu olhar clínico e, sobretudo, humanizado para o cuidado diferenciado a essas mães, pautado numa abordagem holística, sob a ótica da inclusão social, que possibilite conhecer um pouco o universo dessas mulheres, que mostre o sofrimento vivenciado por elas, que por se perceberem apenas mães de um filho com deficiência, afastam-se de sua condição de ser mulher, esquecendo-se de si mesmas e do cuidado de si.

Sendo assim, cabe à enfermagem envolver-se mais em questões dessa natureza, adentrando no mundo da inclusão e, então, nele plantar novas sementes de um cuidado particular, diferenciado e, acima de tudo, permeado de muito amor, sem medo de enfrentar as adversidades e encarar novos desafios, como o de trabalhar com binômios como o de mãe-filho em situação de exclusão, assim como outros potencialmente vulneráveis e/ou fragilizados e marginalizados.

A partir dos resultados deste estudo, espera-se contribuir para o desenvolvimento de novas pesquisas que tenham como foco de investigação as histórias de mães com filhos deficientes, desde a descoberta até o processo de aceitação e superação, proporcionando, dessa maneira, a consolidação de uma prática de cuidado voltada para mãe, com ações multidisciplinares para o fortalecimento pessoal e da autonomia no cuidar do filho, com vistas ao processo de reabilitação e inclusão deste na sociedade.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    15 Jun 2014
  • Aceito
    02 Set 2014
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