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ASSOCIAÇÃO ENTRE VIOLÊNCIA NA INFÂNCIA E AUMENTO DO ÍNDICE DE MASSA CORPORAL ENTRE ADOLESCENTES

RESUMO

Objetivo:

analisar a associação entre violência na infância e aumento de Índice de Massa Corporal entre adolescentes.

Método:

estudo transversal, realizado com 136 adolescentes de 10 a 19 anos, em acompanhamento por um Programa de Residência Multiprofissional da Saúde do Adolescente, em unidades de saúde do município de Divinópolis-MG. Realizou-se, nos meses de março a junho de 2018, a avaliação antropométrica e coletaram-se informações referentes ao nível socioeconômico, a fatores demográficos, ao consumo alimentar e à atividade física dos participantes. A variável relativa à violência na infância foi composta por cinco blocos, obtidos a partir de uma análise fatorial. Modelos de regressão linear múltipla foram utilizados para identificação das variáveis associadas ao aumento do Índice de Massa Corporal, com um nível de significância de 5%.

Resultados:

a prevalência de excesso de peso foi de 31,8%. Os adolescentes do estudo ingeriam refrigerantes (66,2%) e alimentos industrializados (66,9%) semanalmente e se alimentavam em frente à TV diariamente (54,4%). O tipo de abuso mais prevalente foi a negligência emocional, acometendo 100% da amostra estudada. Evidenciou-se associação da negligência física na infância e do consumo de alimentos industrializados com o aumento do índice de escore z de Índice de Massa Corporal.

Conclusão:

A violência na infância e o consumo de alimentos industrializados associaram-se ao aumento de Índice de Massa Corporal entre adolescentes. Investimentos em políticas públicas para promoção da saúde integral e proteção de crianças e adolescentes são imperativos.

DESCRITORES:
Adolescentes; Violência; Obesidade; Índice de massa corporal; Maus-tratos infantis

ABSTRACT

Objective:

to analyze the association between violence in childhood and increase in the Body Mass Index among adolescents.

Method:

a cross-sectional study, conducted with 136 adolescents aged from 10 to 19 years old, monitored by a Multiprofessional Residency Program in Adolescents' Health, in health units from the municipality of Divinópolis-MG. The anthropometric assessment was conducted from March to June 2018; and information was collected referring to the socioeconomic level, demographic factors, food consumption, and physical activity of the participants. The variable related to violence in childhood was composed of five groups, obtained from a factorial analysis. Multiple regression models were used to identify the variables associated with the increase in Body Mass Index, with a significance level of 5%.

Results:

the prevalence of excess weight was 31.8%. The adolescents participating in the study consumed soft drinks (66.2%) and industrialized food products (66.9%) every week and ate in front of the TV every day (54.4%). The most prevalent type of abuse was emotional neglect, which affected 100% of the sample under study. An association was evidenced of physical neglect in childhood and intake of industrialized food products with the increase in the Body Mass Index z-score.

Conclusion:

violence in childhood and the consumption of industrialized food products were associated to the increase in Body Mass Index among adolescents. Investments in public policies for comprehensive promotion of health and protection of children and adolescents are imperious.

DESCRIPTORS:
Adolescents; Violence; Obesity; Body Mass Index; Child maltreatment

RESUMEN

Objetivo:

analizar la asociación entre violencia sufrida en la infancia y aumento del Índice de Masa Corporal entre adolescentes.

Método:

estudio transversal, realizado con 136 adolescentes de 10 a 19 años de edad, monitoreados por un Programa de Residencia Multiprofesional de la Salud del Adolescente, en unidades de salud del municipio de Divinópolis-MG. La evaluación antropométrica se realizó entre los meses de marzo y junio de 2018, y se recolectaron datos referentes al nivel socioeconómico, factores demográficos, consumo de alimentos y actividad física de los participantes. La variable relacionada con la violencia sufrida en la infancia estuvo compuesta por cinco bloques, que se obtuvieron a partir de un análisis factorial. Se emplearon modelos de regresión lineal múltiple para identificar las variables asociadas al aumento del Índice de Masa Corporal, con un nivel de significancia del 5%.

Resultados:

la prevalencia de exceso de peso fue del 31,8%. Los adolescentes que participaron del estudo ingerían refrescos (66,2%) y alimentos industrializados (66,9%) semanalmente, además de comer frente al televisor a diario (54,4%). El tipo de abuso más prevalente fue la negligencia emocional, que afectó al 100% de la muestra estudiada. Se hizo evidente la asociación de negligencia física sufrida en la infancia y consumo de alimentos industrializados con el aumento de la puntuación z del Índice de Masa Corporal.

Conclusão:

la violencia sufrida en la infancia y el consumo de alimentos industrializados presentaron una asociación con el aumento del Índice de Masa Corporal entre adolescentes. Es imperioso invertir en políticas públicas para promover la salud integral y proteger a los niños y adolescentes.

DESCRIPTORES:
Adolescentes; Violencia; Obesidad; Índice de Masa Corporal; Maltrato infantil

INTRODUÇÃO

O sobrepeso e a obesidade constituem o excesso de peso e são caracterizados pelo acúmulo anormal de gordura no organismo, podendo acarretar diversas implicações para a saúde. Em 2016, 18% das crianças e adolescentes no mundo, com idade entre 5 e 19 anos, apresentavam excesso de peso11. World Health Organization (WHO). Obesity and overweight. Geneva (CH): WHO; 2017. [cited 2016 Jul 10]. Available from: https://www.who.int/gho/ncd/risk_factors/overweight_obesity/overweight_adolescents/en/
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. Na região nordeste do Brasil, no Ceará, estudo realizado com 572 adolescentes de 10 a 19 anos evidenciou uma prevalência de excesso de peso de 20,6%22. Barbalho EV, Pinto FJM, Silva FR, Sampaio RMM, D DSG. Influência do consumo alimentar e da prática de atividade física na prevalência do sobrepeso/obesidade em adolescentes escolares. Cad Saúde Colet [Internet]. 2020 Mar [cited 2020 Nov 03];28(1):12-23. Available from: https://doi.org/10.1590/1414-462x202028010181
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. Em Minas Gerais, em pesquisa realizada com 70 estudantes com idade média de 16,4 anos, a prevalência de sobrepeso/obesidade foi de 24,3%33. Castro JM, Ferreira EF, Silva DC, Oliveira RAR. Prevalência de sobrepeso e obesidade e os fatores de risco associados em adolescentes. Rbone [Internet]. 2018 [cited 2019 Jul 19];2(69):84-93. Available from: https://pdfs.semanticscholar.org/77c4/4f04426c84619df482a8ee902539a2339ada.pdf
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Uma vez que é um dos principais fatores de risco para as doenças crônicas não transmissíveis, como por exemplo diabetes, hipertensão, doenças cardiovasculares e câncer44. Azevedo ECC, Diniz AS, Monteiro JS, Cabral PC. Padrão alimentar de risco para as doenças crônicas não transmissíveis e sua associação com a gordura corporal - uma revisão sistemática. Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2014 [cited 2019 Nov 27];19(5):1447-58. Available from: https://doi.org/10.1590/1413-81232014195.14572013
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, o excesso de peso traz diversas complicações para a saúde e grandes custos aos cofres públicos. Seus fatores determinantes são multifatoriais e envolvem fatores ambientais, genéticos e psicológicos. Com o avanço tecnológico, crianças e adolescentes permanecem muito tempo em frente à televisão e videogames, o que proporciona o aumento do sedentarismo. Além disso, nessas faixas etárias, constata-se frequentemente a existência de hábitos alimentares inadequados e a ingestão excessiva de alimentos processados, gorduras saturadas e açúcares22. Barbalho EV, Pinto FJM, Silva FR, Sampaio RMM, D DSG. Influência do consumo alimentar e da prática de atividade física na prevalência do sobrepeso/obesidade em adolescentes escolares. Cad Saúde Colet [Internet]. 2020 Mar [cited 2020 Nov 03];28(1):12-23. Available from: https://doi.org/10.1590/1414-462x202028010181
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.

A presença da violência na infância tem sido estudada como um novo determinante da obesidade entre adolescentes. De fato, no contexto da contemporaneidade, um fenômeno social recorrente é a violência. Em todo o mundo, um a quatro adultos sofreram violência na infância no ano de 2017, gerando impactos físico, social e psicológico e elevando os custos dos serviços de saúde55. World Health Organization (WHO). Child Maltreatment. Geneva (CH): WHO ; 2017. [cited 2020 Nov 10] Available from: https://www.who.int/docs/default-source/documents/child-maltreatment/child-maltreatment-infographic-en.pdf?sfvrsn=7d798249_2)
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Investigação com crianças e adolescentes irlandeses mostrou que experiências adversas na infância e baixa renda predizem, independentemente, o risco de obesidade no início da adolescência66. Gardner R, Feely A, Layte R, Willias J, McGavock J. Adverse childhood experiences are associated with an increased risk of obesity in early adolescence: a population-based prospective cohort study. Pediatr Res [Internet]. 2019 [cited 2020 June 06];86(4):522-8. Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31086283/
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. Contrariamente, pesquisadores americanos não identificaram associação entre exposição à violência na infância e excesso de peso na adolescência77. James S, Donelly L, Brooks-Gunn J, McLanahan S. Links between childhood exposure to violent contexts and risk adolescent health behaviors. J Adolescent Health [Internet]. 2018. [cited 2020 Oct 30];63(1):94-101. Available from: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S1054139X18300636
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. Ainda não há um consenso na literatura acerca da relação entre violência na infância e aumento do Índice de Massa Corporal (IMC) entre adolescentes. Além disso, as publicações sobre o tema são, em sua maioria, internacionais66. Gardner R, Feely A, Layte R, Willias J, McGavock J. Adverse childhood experiences are associated with an increased risk of obesity in early adolescence: a population-based prospective cohort study. Pediatr Res [Internet]. 2019 [cited 2020 June 06];86(4):522-8. Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31086283/
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-77. James S, Donelly L, Brooks-Gunn J, McLanahan S. Links between childhood exposure to violent contexts and risk adolescent health behaviors. J Adolescent Health [Internet]. 2018. [cited 2020 Oct 30];63(1):94-101. Available from: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S1054139X18300636
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, tornando-se imperativos estudos com adolescentes brasileiros que possam contribuir com o esclarecimento sobre a temática. Portanto, a presente investigação busca elucidar a pergunta: há associação entre violência na infância e aumento de IMC na adolescência? O objetivo deste estudo consiste em analisar a associação entre violência na infância e aumento de IMC em adolescentes.

A presente investigação tem o potencial de identificar os determinantes do aumento do IMC na adolescência, especialmente no que se refere aos contextos de violência na infância, podendo contribuir com indicadores para políticas públicas de atenção à saúde de adolescentes e prevenção da violência.

MÉTODO

Trata-se de estudo quantitativo de caráter transversal, realizado na região urbana do Município de Divinópolis, MG. A população elegível constituiu-se de 250 adolescentes com faixa etária de 10 a 19 anos, conforme definição de adolescência da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde88. Ministério da Saúde (BR). Proteger e cuidar da saúde de adolescentes na Atenção Básica. Brasília, DF(BR): MS; 2018. [cited 2020 Nov 10] Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/proteger_cuidar_adolescentes_atencao_basica_2ed.pdf
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. Os participantes estavam sendo acompanhados pelo Programa de Residência Multiprofissional em Saúde do Adolescente (REMSA) da Universidade Federal de São João del Rei, em duas unidades de Estratégias Saúde da Família, no ano de 2018. Destaca-se que o REMSA atende adolescentes com diversas demandas, como odontológicas, fisioterápicas, psicoterápicas e não somente no campo nutricional. Calculou-se, por meio do Programa Open Epi (www.openepi.com), uma amostra de 136 adolescentes. Foi considerado um nível de confiança de 95%, com erro de 5% e prevalência de excesso de peso de 24%99. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (BR). Pesquisa de orçamentos familiares 2008-2009. Rio de Janeiro, RJ(BR): IBGE; 2011. [cited 2019 Apr 19] Available from: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv50063.pdf
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.

Os critérios de inclusão adotados foram: adolescentes com faixa etária de 10 a 19 anos e que estivessem sendo acompanhados pelo REMSA. Consideraram-se os critérios de exclusão: adolescentes gestantes, por interferir no desfecho do estudo, e aqueles que apresentaram condições mentais que os incapacitassem de responder aos questionários.

O recrutamento dos participantes foi realizado por meio de uma lista de adolescentes cadastrados no REMSA. Estes foram sorteados aleatoriamente, através do Programa Open Epi e convidados por contato telefônico a participar do estudo. Inicialmente, era realizada uma apresentação do projeto e, a seguir, caso o participante e seus responsáveis estivessem de acordo com a inserção do adolescente na pesquisa, era apresentado o Termo de Consentimento e Assentimento para coleta de assinaturas. Os dados foram então coletados na unidade de saúde, em uma sala reservada para a pesquisa, ou no domicílio.

Para a verificação dos fatores relacionados à obesidade, por meio de questionários validados para a população brasileira e para a faixa etária da adolescência, foram avaliados o consumo alimentar, o nível socioeconômico, o nível de atividade física e a presença de violência na infância. Para a avaliação do consumo alimentar foi utilizado o Questionário da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE). O questionário apresenta 25 perguntas, envolvendo café-da-manhã; se almoça ou janta com os familiares, se a escola oferece merenda, se há a ingestão dessa merenda escolar, sobre o consumo de feijão, alimentos fritos, verduras e legumes, guloseimas, refrigerantes, alimentos processados e fastfood1010. Duarte E, Furquim M. Editorial PeNSE 2015. Rev Bras Epidemiol [Internet]. 2018 [cited 2020 Apr 06];21(Suppl 1):e180001. Available from: https://doi.org/10.1590/1980-549720180001.supl.1
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. A avaliação do nível socioeconômico foi realizada utilizando-se o questionário da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP), que realiza a classificação da pessoa conforme a categoria do estrato socioeconômico, distribuindo-se de A a E1111. Campos CG, Muniz LA, Belo VS, Romano MCC, Lima MC. Knowledge of adolescents about the benefits of physical exercises for mental health. Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2019 [cited 2019 June 10];24(8):2951-8. Available from: https://doi.org/10.1590/1413-81232018248.17982017
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. Para determinar o nível de atividade física utilizou-se o questionário Internacional de Atividade Física (IPAQ) na forma curta. Este apresenta quatro questões que classificam o adolescente como muito ativo, ativo, irregularmente ativo e sedentário1212. Matsudo S, Araújo T, Matsudo V, Andrade D, Andrade E, Oliveira LC, et al. Questionário internacional de atividade física (IPAQ). Rev Bras Ativ Fis Saúde [Internet]. 2001 [cited 2019 Jul 09];6(2):5-18. Available from: https://doi.org/10.12820/rbafs.v.6n2p5-18
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. Para a verificação da violência foi utilizado o Childhood Trauma Questionare (CTQ), que contém 28 questões, abordando elementos traumáticos ocorridos durante a infância, como: abuso físico, abuso emocional, negligência física, negligência emocional e abuso sexual1313. Grassi-Oliveira R, Stein LM, Pezzi JC. Tradução e validação de conteúdo da versão em português do Childhood Trauma Questionnaire. Rev Saúde Pública [Internet]. 2006 [cited 2020 May 14];40(2):249-55. Available from: https://doi.org/10.1590/S0034-89102006000200010
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Foram ainda aferidas as medidas antropométricas de peso e estatura. A aferição do peso foi realizada utilizando-se uma balança digital da marca Tanitta, sendo que os adolescentes foram pesados com roupas leves. A estatura foi mensurada por um antropômetro portátil Alturexata.

Para a avaliação nutricional, utilizou-se o programa WHO AnthroPlus da OMS, estabelecendo como índice de avaliação o escore Z IMC por idade1414. Brognolli JS, Ceretta LB, Soratto J, Tomasi CD, Ribeiro RSV. Relação entre estado nutricional e conhecimento sobre alimentação adequada e saudável de escolares. R Bras Qual Vida [Internet]. 2018 [cited 2019 Aug 12];10(2):e7966. Available from: https://doi.org/10.3895/rbqv.v10n2.7966
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Os dados foram tabulados e o banco foi validado por meio do programa Epi Data (www.epidata.dk). As análises estatísticas foram realizadas com o auxílio do programa Statistical Package for the Social Sciences for Windows Student Version (SPSS), versão 20.0. Foi inicialmente realizada análise descritiva, mediante cálculo das distribuições de frequências absolutas e relativas.

Sobre a principal variável explicativa do presente estudo, a ocorrência de violência na infância, a partir das respostas obtidas no questionário, foi realizada uma análise fatorial. A análise fatorial objetiva reduzir um grande número de categorias de uma variável a um conjunto menor, tornando viável a realização de análises multivariadas com poder estatístico suficiente. Foram coletadas as respostas sobre 28 questões relacionadas à violência. O instrumento original propõe que essas questões se agrupem em cinco categorias: abuso emocional, abuso sexual, abuso físico, negligência física e negligência emocional. A correlação de cada variável foi realizada com as cinco categorias e a variável foi alocada na categoria com a qual ela tinha a maior correlação. Essa correlação foi superior a 0,5, caso contrário a variável foi descartada, pois não apresenta relação significativa com nenhuma categoria específica. Após esse agrupamento, cada uma das cinco variáveis criadas obteve seus valores calculados através da média dos itens que a compõem.

Dessa forma, criou-se a variável síntese, constituída por blocos nomeados pelos tipos de violência, sendo possível selecionar a melhor combinação entre as categorias de violência, uma vez que cada tipo de resposta do questionário se inseriu no fator (tipo de violência) com que ela possuía maior interação. Ao final, a variável síntese violência foi construída por quatro categorias, sendo: 1-abuso emocional; 2-abuso sexual, 3-abuso físico; 4-negligência física; 5-negligência emocional.

A associação entre violência na infância e aumento de IMC, ajustada pelas demais variáveis estudadas, foi analisada por meio de modelos de regressão linear múltipla. Inicialmente, foram inseridas todas as variáveis explicativas que tiveram valores de P menores que 0,2 na análise bivariada. A seguir, para seleção das variáveis que comporiam o modelo final foram mantidas aquelas com valores de P menores que 0,05.

Foi realizada análise da colinearidade entre as variáveis estudadas através do VIF, com ponto de corte igual a 10, ou seja, valores abaixo de 10 representam a não colinearidade.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de São João Del-Rei (UFSJ).

RESULTADOS

Foram avaliados 136 adolescentes, a maioria do sexo feminino (61,0%). Houve um predomínio de participantes na faixa etária de 15 a 19 anos (65,4 %), de cor parda (53,7%) e cursando o ensino médio (48,4). A maior parte das famílias vivia com quatro pessoas na mesma casa (37,5%), com adolescentes que trabalham (19,9%) e era classificada na classe econômica C2 (35,3%). (Tabela 1)

Tabela 1 -
Características socioeconômicas da amostra de adolescentes inseridos no REMSA, Divinópolis, MG, Brasil, 2019. (n=136)

Ao se analisar as características nutricionais dos participantes do estudo, observou-se que os adolescentes comiam feijão todos os dias (58,1%), salgados fritos semanalmente (66,9%), legumes e verduras (25%), guloseimas (26,5%) e frutas (24,3%) diariamente. No que se refere aos alimentos processados e ultraprocessados, os adolescentes ingeriam refrigerante (66,2%) e alimentos industrializados (66,9%) diariamente. Destaca-se o consumo diário de fastfoods pelos participantes do estudo (1,5%). Sobre a percepção de sua saúde, a maior parte dos adolescentes considerou sua própria saúde como regular (49,9%). (Tabela 2)

Tabela 2 -
Características nutricionais e de estilo de vida da amostra de adolescentes inseridos no REMSA, Divinópolis, MG, Brasil, 2019. (n=136)

Em relação ao excesso de peso, ou seja, a soma da frequência de sobrepeso e obesidade, foi evidenciada uma prevalência de 31,8%, sendo igualmente frequente entre os sexos.

O tipo de abuso sofrido na infância mais prevalente foi a negligência emocional, acometendo 100% dos participantes. A negligência física foi o abuso menos reportado na amostra estudada (Tabela 3).

Tabela 3 -
Descrição dos participantes do estudo conforme as variáveis relacionadas à violência, Divinópolis, MG, 2019. n=136

Ao realizar-se a análise de regressão linear múltipla, observou-se que o escore z de IMC associou-se com a negligência física e o consumo de alimentos industrializados e essas duas variáveis explicam 6% da variabilidade do IMC. A cada um ponto na escala da negligência física, aumentou-se em 0,261 o Escore Z de IMC e a cada alimento industrializado consumido aumentou-se o Escore Z de IMC em 0,144. Assim, o aumento da negligência física e do consumo de alimentos industrializados aumenta o escore z de IMC. (Tabela 4)

Tabela 4 -
Modelo múltiplo final de regressão linear - variável dependente = IMC (z) dos participantes inseridos no REMSA, Divinópolis-MG, Brasil. (n=136)

DISCUSSÃO

A presente investigação, inédita com adolescentes brasileiros, sugere associação entre a violência na infância e o aumento do índice de escore z de IMC entre os participantes. Segundo a OMS, violência na infância inclui todas as formas de maus-tratos contra pessoas com menos de 18 anos de idade. A violência infantil classifica-se em abusos físico, psicológico, sexual e negligência. O primeiro consiste em atos como bater e sacudir a criança. O abuso psicológico refere-se às ações de insultar, ridicularizar e confinar. Contato sexual, exposição a atos ou materiais sexuais relacionam-se ao abuso sexual. A negligência é considerada uma falha, mesmo sem intenções, no provimento de cuidados médicos, de educação ou de elementos essenciais para o desenvolvimento saudável, afetando fisicamente e emocionalmente a criança55. World Health Organization (WHO). Child Maltreatment. Geneva (CH): WHO ; 2017. [cited 2020 Nov 10] Available from: https://www.who.int/docs/default-source/documents/child-maltreatment/child-maltreatment-infographic-en.pdf?sfvrsn=7d798249_2)
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O tipo de violência que apresentou significância neste estudo foi a negligência física, como igualmente encontrado na investigação realizada na Califórnia, Estados Unidos, onde meninas negligenciadas apresentaram maior aumento do IMC1515. Schneiderman JU, Negriff S, Peckins M, Mennen FE, Trickett PK. Body mass index trajectory throughout adolescence: a comparison of maltreated adolescents by maltreatment type to a community sample. Pediatra Obes [Internet]. 2015 [cited 2019 May 01];10(4):296-304. Available from: https://doi.org/10.1111/ijpo.258
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. Foi evidenciado também que 100% dos participantes apresentaram negligência emocional e corroborando o estudo, investigação realizada também nos Estados Unidos, com 139 adolescentes com idade média de 16,9 anos, apontou que adolescentes vítimas de negligência e abuso emocional na infância apresentaram maior chance de terem sobrepeso e obesidade1616. Zeller MH, Noll JG, Sarwer DB, Reiter-Purtill J, Rofey DL, Baughcum AE, et al. Child maltreatment and the adolescent patient with severe obesity: implications for clinical care. J Pediatr Psychol [Internet]. 2015 [cited 2019 Aug 20];40(7):640-8. Available from: https://doi.org/10.1093/jpepsy/jsv011
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. Deve-se considerar, no entanto, que apesar de o instrumento utilizado nesta e em outras pesquisas1616. Zeller MH, Noll JG, Sarwer DB, Reiter-Purtill J, Rofey DL, Baughcum AE, et al. Child maltreatment and the adolescent patient with severe obesity: implications for clinical care. J Pediatr Psychol [Internet]. 2015 [cited 2019 Aug 20];40(7):640-8. Available from: https://doi.org/10.1093/jpepsy/jsv011
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-1717. Imperatori C, Innamorati M, Lamis DA, Farina B, Pompili M, Contardi A, et al. Childhood trauma in obese and overweight women with food addiction and clinical-level of binge eating. Child Abuse Negl [Internet]. 2016 [cited 2019 June 12];58:180-90. Available from: https://doi.org/10.1016/j.chiabu.2016.06.023
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classificar negligência física separadamente da emocional, a negligência é um construto complexo e envolve simultaneamente os aspectos físicos e emocionais. Além disso, tanto as privações de ordem material quanto afetiva poderão contribuir para comprometer o crescimento e desenvolvimento da criança, podendo também justificar o aumento do IMC55. World Health Organization (WHO). Child Maltreatment. Geneva (CH): WHO ; 2017. [cited 2020 Nov 10] Available from: https://www.who.int/docs/default-source/documents/child-maltreatment/child-maltreatment-infographic-en.pdf?sfvrsn=7d798249_2)
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,1818. Magalhães JRF, Gomes NP, Campos LM, Camargo CL, Estrela FM, Couto TM. Expressão da violência intrafamiliar: história oral de adolescentes. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2017 [cited 2020 Nov 11];26(4):e1730016. Available from: https://doi.org/10.1590/0104-07072017001730016 .
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. É relevante destacar que o REMSA está inserido em bairros do município de Divinópolis de elevada vulnerabilidade social, com alta criminalidade relacionada ao tráfico de drogas, desemprego e drogadição, o que pode configurar uma incapacidade dos pais para o cuidado às crianças. De fato, estudo que investigou a violência intrafamiliar apontou na história oral de adolescentes situações de violência através da negligência, abandono, violência moral e física perpetradas por pais. Os autores argumentam que quando os pais não têm capacidade psicológica para o cuidado estão sujeitos a responder inadequadamente às necessidades dos filhos, configurando-se em um ato de negligência1818. Magalhães JRF, Gomes NP, Campos LM, Camargo CL, Estrela FM, Couto TM. Expressão da violência intrafamiliar: história oral de adolescentes. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2017 [cited 2020 Nov 11];26(4):e1730016. Available from: https://doi.org/10.1590/0104-07072017001730016 .
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.

Uma possível explicação para a relação entre violência ocorrida na infância e aumento de IMC na adolescência centra-se no modelo psicopatológico proposto por Skinner. Sua teoria denominada condicionamento operante, em síntese, defende que o ambiente determina o comportamento humano1919. Overskeid D. Do we need the environment to explain operant behavior? Front Psychol [Internet]. 2018 [cited 2020 Nov 11];9:373 Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5870395/pdf/fpsyg-09-00373.pdf
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. Nessa direção, as experiências adversas na infância impactam de forma negativa no processo de maturação do cérebro em seu desenvolvimento. Os maus tratos na infância influenciam as redes de circuitos de cognição social de controle executivo que irão atuar nos comportamentos e motivações dos indivíduos, como por exemplo, os comportamentos alimentares, sendo esses afetados pelos mecanismos de recompensa, levando à compulsão alimentar. Talvez esse fenômeno contribua para a compreensão da relação violência na infância e aumento de IMC1717. Imperatori C, Innamorati M, Lamis DA, Farina B, Pompili M, Contardi A, et al. Childhood trauma in obese and overweight women with food addiction and clinical-level of binge eating. Child Abuse Negl [Internet]. 2016 [cited 2019 June 12];58:180-90. Available from: https://doi.org/10.1016/j.chiabu.2016.06.023
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.

O presente estudo parece também indicar que há significância entre o aumento do índice de escore z de IMC e o consumo de alimentos industrializados pelos adolescentes, com prevalência de 66,9%. Corroborando a investigação, pesquisa realizada com 100 adolescentes com idades entre 14 e 17 anos em Flores da Cunha /RS, apontou prevalência do consumo de alimentos industrializados de 48,6%, valor menor que no presente estudo2020. Silva AB, Alves MK, Pereira FB. Estado nutricional, consumo alimentar e aproveitamento escolar de alunos do ensino médio de escola estadual. Adolesc Saúde [Internet]. 2016 [cited 2019 Aug 12];13(4):73-80. Available from: https://s3-sa-east-1.amazonaws.com/publisher.gn1.com.br/adolescenciaesaude.com/pdf/v13n4a10.pdf
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. De fato, está em ascensão o aumento do consumo de alimentos industrializados, processados e ultraprocessados, sendo que esse fenômeno associa-se, cada vez mais, com desfechos negativos para a saúde de jovens, envolvendo as doenças crônicas não transmissíveis2121. Bielemann RM, Motta JVS, Minten GC, Horta BL, Gigante DP. Consumption of ultra-processed foods and their impact on the diet of young adults. Rev Saúde Pública [Internet]. 2015 [cited 2019 Dec 29];49:28. Available from: https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2015049005572
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Foi encontrada prevalência de 31,8% de excesso de peso entre os adolescentes deste estudo, sendo maior do que investigação em Goiás com adolescentes de 12 a 18 anos, que apresentou prevalência de 21,2% de excesso de peso2222. Carneiro CS, Peixoto MRG, Mendonça KL, Póvoa TIR, Nascente FMN, Jardim TSV, et al. Overweight and associated factors in adolescents from a Brazilian capital. Rev Bras Epidemiol [Internet]. 2017 [cited 2019 Nov 27];20(2):260-73. Available from: https://doi.org/10.1590/1980-5497201700020007
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. Outra pesquisa, realizada em Campinas/SP, com jovens entre 15 a 19 anos, apresentou prevalência de 25,2% de excesso de peso2323. Brevidelli MM, Coutinho RMC, Costa LFV, Costa LC. Prevalência e fatores associados ao sobrepeso e obesidade entre adolescentes de uma escola pública. Rev Bras Promoç Saúde [Internet]. 2015 [cited 2019 Aug 29];28(3):379-86. Available from: https://periodicos.unifor.br/RBPS/article/view/3454/pdf
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Destaque para o fato de que mais da metade dos participantes da presente investigação ingerem alimentos em frente à televisão. Resultados similares foram encontrados em estudo com adolescentes paulistas2424. Francisqueti FV, Nascimento AF, Corrêa CR. Obesidade, inflamação e complicações metabólicas. Nutrire [Internet]. 2015 [cited 2019 Apr 29];40(1):81-9. Available from: Available from: Available from: https://doi.org/10.4322/2316-7874.016213
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, reforçando práticas alimentares inadequadas e que favorecem o consumo exacerbado de ultraprocessados e, em consequência, o excesso de peso2121. Bielemann RM, Motta JVS, Minten GC, Horta BL, Gigante DP. Consumption of ultra-processed foods and their impact on the diet of young adults. Rev Saúde Pública [Internet]. 2015 [cited 2019 Dec 29];49:28. Available from: https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2015049005572
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. Esse, por sua vez, responde por severas implicações, como hipertensão, diabetes, doenças cardiovasculares, dislipidemia, doenças hepáticas, e alguns cânceres, certamente comprometendo a qualidade de vida dos adolescentes2424. Francisqueti FV, Nascimento AF, Corrêa CR. Obesidade, inflamação e complicações metabólicas. Nutrire [Internet]. 2015 [cited 2019 Apr 29];40(1):81-9. Available from: Available from: Available from: https://doi.org/10.4322/2316-7874.016213
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De fato, adolescentes têm preferência por alimentos mais gordurosos, de rápida preparação, com mais açúcar e mais palatáveis, como no caso dos alimentos ultraprocessados, trazendo um alerta para o aumento do risco do desenvolvimento de doenças crônicas2525. Silva JG, Ferreira MA. Diet and health in the perspective of adolescents: contributions for health promotion. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2019 [citado 2019 Nov 29];28:e20180072. Available from: https://doi.org/10.1590/1980-265x-tce-2018-0072
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Com relação à prática de atividade física, investigação realizada no Piauí com adolescentes na faixa etária de 13 a 19 anos identificou que o nível de atividade física caracterizado como ativo foi de 12,6%2626. Dumith SC, Santos MN, Teixeira LO, Cazeiro CC, Mazza SEI, Cesar JA. Prática de atividade física entre jovens em município do semiárido no Brasil. Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2016 [cited 2019 Nov 27];21(4):1083-93. Available from: https://doi.org/10.1590/1413-81232015214.18762015
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, menor que na presente investigação. Acredita-se que a prática cada vez mais frequente do lazer sedentário e o rápido desenvolvimento tecnológico ocorrido nos últimos anos, marcados pelo aumento do tempo gasto com jogos eletrônicos, computadores, televisões e celulares, diminuem o interesse de adolescentes por atividades que propiciam o gasto energético22. Barbalho EV, Pinto FJM, Silva FR, Sampaio RMM, D DSG. Influência do consumo alimentar e da prática de atividade física na prevalência do sobrepeso/obesidade em adolescentes escolares. Cad Saúde Colet [Internet]. 2020 Mar [cited 2020 Nov 03];28(1):12-23. Available from: https://doi.org/10.1590/1414-462x202028010181
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,2727. Silva CS, Góis MIS, Lima MAT, Sousa MMF. Determinantes da obesidade em crianças acompanhadas poruma entidade de assistência social em Itabuna-BA. Inova Saúde [Internet]. 2018 [cited 2019 Apr 12];7(1):130-40. Available from: https://doi.org/10.18616/is.v7i1.4260
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. É importante ressaltar que a prática de atividade física entre adolescentes implica na melhoria do bem-estar geral, saúde mental e prevenção de doenças crônicas não transmissíveis, sendo indispensáveis medidas governamentais e de toda a sociedade para a prevenção do sedentarismo entre a população jovem22. Barbalho EV, Pinto FJM, Silva FR, Sampaio RMM, D DSG. Influência do consumo alimentar e da prática de atividade física na prevalência do sobrepeso/obesidade em adolescentes escolares. Cad Saúde Colet [Internet]. 2020 Mar [cited 2020 Nov 03];28(1):12-23. Available from: https://doi.org/10.1590/1414-462x202028010181
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Considerando os resultados apresentados no presente estudo, faz-se necessário discutir sobre estratégias de prevenção e combate da violência e, por conseguinte, do excesso de peso na adolescência. Uma importante medida para o enfrentamento da violência centra-se na notificação deste agravo pelos profissionais da educação, saúde, assistência social e segurança pública, favorecendo a obtenção de indicadores locais para implementação de ações específicas e resolutivas. Além disso, é relevante compreender que a escassez de aplicação de recursos nesta área, a flexibilidade da justiça, a incapacidade técnica dos gestores e a incipiência de políticas públicas fazem com que haja um aumento da violência. Nessa direção, investimentos efetivos nesse campo são imperativos2828. Vieira LJES, Oliveira AKA, Moreira DP, Pereira AS, Catrib AMF, Lira SVG. Relatos de gestores da assistência social, educação e segurança pública sobre o enfrentamento da violência. Cad Saúde Colet [Internet]. 2015 [cited 2020 May 14];23(3):231-8. Available from: https://doi.org/10.1590/1414-462X201500030118
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Sabe-se que em diferentes regiões do Brasil, no ano de 2012, de todas as ocorrências hospitalares e ambulatoriais, apenas 1/3 dos atendimentos envolvendo a violência são notificados, ocultando a magnitude do problema2929. Quadros MN, Kirchner RM, Hildebrandt LM, Leite MT, Costa MC, Sarzi DM. Situação da violência contra crianças e adolescentes no Brasil. Enferm Global [Internet]. 2016 [cited 2019 Jul 17];44:174-85. Available from: http://scielo.isciii.es/pdf/eg/v15n44/pt_docencia2.pdf
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. Tal subnotificação potencializa os desafios para o controle desse complexo fenômeno social.

Ressalta-se, por fim, que além dos fatores que corroboram a existência da violência, a velocidade do cotidiano do mundo do trabalho e acadêmico, o atravessamento das tecnologias e as mudanças de hábitos de vida na contemporaneidade influenciam no estado nutricional. Nessa direção, ações globais, de responsabilidade não somente governamental, mas também da sociedade como um todo, são indispensáveis para a prevenção e o combate da obesidade. Um sistema complexo de estratégias de tripla ação é indicado, como por exemplo, a promoção da alimentação saudável, políticas para a redução da pobreza e fortalecimento da segurança alimentar e agricultura sustentável. Tais ações devem priorizar os direitos à saúde, à alimentação, ao ser criança, ao pleno exercício da cultura e o direito de viver em ambientes saudáveis3030. Swinburn BA, Kraak VI, Allender S, Atkins VJ, Baker PI, Boagard JR, et al. The global syndemic of obesity, undernutrition and climate change: the lancet commission report. Lancet [Internet] 2019 [cited 2019 Aug 30];393(101730):791-846. Available from: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(18)32822-8
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.

A presente investigação possui limitações referentes ao seu delineamento. Estudos transversais têm limitações relacionadas à temporalidade, tornando inviável obter a relação causa e efeito. Além disso, o modelo estatístico aqui apresentado tem um poder explicativo de apenas 6% da variabilidade do IMC. São necessários novos estudos sobre o tema, como do tipo longitudinal e que possam trazer maior força de associação entre as variáveis de interesse.

No entanto, essa pesquisa, pioneira no Brasil, aponta resultados que caminham na indicação de um elemento que pode se incorporar no conjunto de determinantes do excesso de peso em adolescentes, portanto, sinaliza a necessidade de novas investigações e de medidas de prevenção da violência contra a criança e proteção.

CONCLUSÃO

Os resultados deste estudo sinalizam que negligência na infância e consumo de alimentos industrializados apontam para o aumento de IMC na adolescência. No contexto dos determinantes do excesso de peso entre adolescentes, o estudo contribui para uma reflexão acerca da necessidade de outros estudos que possam gerar maior esclarecimento sobre o tema e que incorporem os aspectos relacionados ao consumo alimentar e, especialmente, à violência nos modelos causais do sobrepeso e da obesidade. Além disso, esses achados sugerem a relevância de estratégias de promoção da alimentação saudável juntamente com ações para proteção da criança, prevenção e combate da violência infantil, principalmente no que se refere à negligência.

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NOTAS

  • ORIGEM DO ARTIGO

    Extraído da dissertação - Associação entre violência na infância e índice de massa corporal entre adolescentes, apresentada ao Programa de Pós-Graduação Mestrado Acadêmico em Enfermagem, da Universidade Federal de São João Del Rei, em 2019.
  • FINANCIAMENTO

    Universidade Federal de São João del Rei.
  • APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

    Aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de São João Del-Rei (UFSJ) com parecer número: 3.130.499 e CAAE:96066318.2.0000.5545.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    07 Jun 2020
  • Aceito
    08 Dez 2020
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