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“MULHERIDADE” TRANSEXUAL E A EMERGÊNCIA PELO TRANSFEMINISMO: RETÓRICA DO HIV/AIDS À LUZ DA TEORIA QUEER

RESUMO

Objetivo:

analisar a identidade transexual feminina e a emergência pelo transfeminismo mediante o contexto de vulnerabilidade ao HIV/aids à luz da Teoria Queer.

Método:

estudo qualitativo, descritivo, exploratório, fundamentado na Teoria Queer, realizado em um Hospital de referência para HIV/aids do estado de Pernambuco, desenvolvido com seis mulheres transexuais jovens. As entrevistas realizadas foram analisadas no software IRaMuTeQ pelo método da análise de similitude.

Resultados:

ressalta-se a relação de dominação masculina mediante a subordinação da mulher transexual, que tem origem no modelo heteronormativo binário, sexista e machista. Evidencia-se o contexto de vulnerabilidade ao HIV/aids como um fenômeno naturalizado de violência à mulher “queer” jovem, sobretudo com condições precárias de vida, histórico de rejeição familiar, violência sexual e trabalho informal na prostituição. A falta de suporte da rede social e o risco iminente à violência transfóbica resultam em danos à sua integridade física e psíquica. Observou-se as seguintes categorias: Emergência por Transfeminismo mediante a violência simbólica e Identidade transexual feminina e o contexto de vulnerabilidade.

Conclusão:

os impactos sociais da política de estado mínimo, coesão das classes sociais (binarismo, sexismo, racismo e machismo), capital social desigual e cultura de abjeção à mulher transexual, reflete o contexto de acometimento pela epidemia do HIV/aids e desigualdades que resultam na vulnerabilidade individual, contextual e programática e nos fatores limitantes para o alcance da vida saudável.

DESCRITORES:
Infecções por HIV; Pessoas transgênero; Adaptação psicológica; Saúde pública; Enfermagem

ABSTRACT

Objective:

to analyze the female transsexual identity and the emergence of transfeminism through the context of vulnerability to HIV / AIDS in light of the Queer Theory.

Method:

a qualitative, descriptive, exploratory study based on the Queer Theory, carried out in a reference hospital for HIV/AIDS in the State of Pernambuco (Brazil), developed with six young transsexual women. The interviews were analyzed in the IRaMuTeQ software via the similarity analysis method.

Results:

the relation of male domination through the subordination of the transsexual woman, which originates in the binary, sexist and male chauvinistic heteronormative model, is emphasized. The context of vulnerability to HIV / AIDS is evidenced as a naturalized phenomenon of violence to the young "queer" woman, especially with precarious living conditions, history of family rejection, sexual violence and informal prostitution work. Lack of support from the social network and the imminent risk of transphobic violence result in damage to their physical and mental integrity. The following categories were observed: Emergence of transfeminism through symbolic violence and female transsexual identity and the context of vulnerability.

Conclusion:

the social impacts of the minimal state policy, social class cohesion (binarism, sexism, racism and male chauvinism), unequal social capital and culture of abjection of transsexual women reflect the context of the HIV / AIDS epidemic and inequalities that result in individual, contextual and programmatic vulnerability and in factors which limit the attainment of a healthy life.

DESCRIPTORS
HIV infections; Transgender person; Adaptation psychological; Public health; Nursing

RESUMEN

Objetivo:

analizar la identidad transexual femenina y la emergencia por el transfeminismo mediante el contexto de vulnerabilidad al HIV/SIDA a la luz de la Teoría Queer.

Métodos:

estudio cualitativo, descriptivo, exploratorio, fundamentado en la Teoría Queer, realizado en un hospital de referencia para el HIV/SIDA del estado de Pernambuco (Brazil), desarrollado con seis mujeres transexuales jóvenes. Las entrevistas realizadas se analizaron en el software IRaMuTeQ a través del método de análisis de similitud.

Resultados:

se destaca la relación de dominación masculina mediante la subordinación de la mujer transexual, que tiene su origen en el modelo de heteronormatividad binaria, sexista y machista. Se evidencia un contexto de vulnerabilidad hacia el HIV/SIDA como un fenómeno naturalizado de violencia a la mujer “queer” joven, principalmente en condiciones precarias de vida, con un historial de rechazo familiar, violencia sexual y trabajo informal en la prostitución. La falta de soporte de la red social y el riesgo inminente a la violencia transfóbica resultan en daños a su integridad física y psíquica. Se pudieron observar las siguientes categorías: Emergencia por transfeminismo mediante la violencia simbólica, e Identidad transexual femenina y el contexto de vulnerabilidad.

Conclusión:

los impactos sociales de la política de estado mínimo, la cohesión de las clases sociales (binarismo, sexismo, racismo y machismo), el capital social desigual y la cultura de abyección a la mujer transexual, refleja el contexto de acometimiento por la epidemia del HIV/SIDA y las desigualdades que derivan en la vulnerabilidad individual, contextual y programática y en los factores limitantes para el alcance de una vida saludable.

DESCRIPTORES
Infecciones por HIV; Personas transgenero; Adaptación psicológica; Salud pública; Enfermería

INTRODUÇÃO

Refere-se a representação da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (aids), doença que surgiu em 1980 nos Estados Unidos da América (EUA) e em 1982 no Brasil, como temida expressão de uma enfermidade considerada letal, que ao longo do tempo foi personificada à população de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais (LGBT) de forma estigmatizada, devido ao expressivo número de casos.1Portinari DB, Wolfgang SMBM. Imagens e marcas: um imaginário ligado à epidemia de HIV-Aids no Brasil. ALCEU[Internet]. 2017 [cited 2018 Feb 18];34(17):45-60. Available from: Available from: http://revistaalceu.com.puc-rio.br/media/alceu34_pp45-60.pdf
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Constata-se que a representação da aids está associada às diferentes formas de lidar com a cronicidade da doença. Nota-se que a síndrome para algumas pessoas ainda está centralizada em tabus sociais, no medo e finitude da vida, ancorado, por exemplo, nas imagens de ídolos contemporâneos como Cazuza. Evidencia-se, no entanto, que com os avanços dos Antirretrovirais (ARV), o controle da doença está mais presente e o estereótipo de quem (com)vive com o vírus da imunodeficiência humana (HIV)/aids vem apresentando modificações. Em meio ao sofrimento real é perceptível uma nova visão de mundo que emerge a partir do conhecimento sobre a doença, assim, destaca-se o empoderamento como principal mecanismo para o autocuidado, aceitação, adesão aos ARV e alcance da qualidade de vida.2Gomes AMT, Silva EMP, Oliveira DC. Social representations of AIDS and their quotidian interfaces for people living with HIV. Rev Latino-Am Enfermagem [Internet]. 2011Jun [cited 2018 Oct 04]; 19(3):485-92. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/S0104-11692011000300006
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-3Braga RMO, Lima TP, Gomes AMT, Oliveira DC, Spindola T, Marques SC. Social representations of HIV/AIDS for people living with the syndrome. UERJ Nurs J[Internet]. 2016 [cited 2018 Oct 04];24(2):e15123. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.12957/reuerj.2016.15123
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Evidencia-se a construção social da aids aos determinados grupos sociais divergentes da heteronormatividade e associa-se à síndrome aos estilos de vida considerados desviantes, os corpos e expressões de pessoas “queer”.4Paiva ALS. Estética da existencia em Michel Foucault, resistências ao poder e a abjeção queer. Rev Peri [Internet]. 2017 [cited 2018 Mar 23];1(8):341-56. Available from: Available from: https://portalseer.ufba.br/index.php/revistaperiodicus/article/view/21405/15533
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Considerou-se como abjeção dos seres sociais as pessoas fora dos padrões normativos, assim, originou-se o “ser e pensar queer”. Queer significa: estranho, provocador, exótico, incômodo e fascinante, inclui-se a esta expressão as mulheres transexuais como “sujeito da sexualidade desviante”.5Louro GL. Um corpo estranho. Ensaios sobre sexualidade e teoria queer. Belo Horizonte (BR): Autêntica;2017.

Ressalta-se que a perspectiva “queer” surgiu nos EUA na década de 1980 como crítica à biopolítica associada a ideia de grupos de risco para transmissibilidade do HIV, além da resistência aos movimentos gays e lésbicos deste período vinculado ao corpo gay idealizado, belo, desejável e heteronormativo, para a ampla visão dos processos de subalternidades dos corpos “queer” e crítica ao feminismo clássico estereotipado ao branco, intelectual, de classe média e elitista, para promoção da terceira onda feminista que comtempla o embate discursivo e amplo da definição de “mulher” sob o prisma da diversidade sexual, raça, etnia, classes sociais e identidade de gênero.6Butler J. Problemas de gênero: Feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro (BR): Civilização Brasileira;2017.

Associa-se a criticidade do “ser mulher”, na ótica da transfeminilidade, à forma de “mulheridade”, que iniciou-se a partir dos questionamentos de Judith Butler: “quem é o sujeito do feminismo?” e “é possível, pensar de forma categórica e universalizante em ‘mulher’?”. Essas indagações refletem de forma crítica a insuficiência, generalização e universalização da categoria “mulher”, visto que as condições para a feminilidade são insuficientes mediante as expressões e flexibilidade da feminilidade de “mulheres”, deve-se pensar em “mulheridades” e desconstrução do ideal feminino relacionado ao corpo biológico. A identidade de gênero pode divergir (transgênero) ou não (cisgênero) com o gênero que lhe foi atribuído desde o seu nascimento, no entanto, a opressão de origem sexista compõe a perspectiva das “mulheridades”, para o feminismo no enfrentamento da violência.6Butler J. Problemas de gênero: Feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro (BR): Civilização Brasileira;2017.-7Rovalho AM. Cis by Trans. Rev Estud Fem [Internet] 2017 [cited 2018 Apr 17];25(1):365-73. Available from: Available from: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9584.2017v25n1p36
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O feminismo radical não legitima as mulheres transexuais como mulheres, segrega-se a polissemia da palavra “mulher”. É importante analisar criticamente o “sentir-se mulher” e a autoidentificação como possível forma de linguagem mais acessível para explicar o que na realidade se configura em “eu sou mulher”, dessa forma, aquelas que se fizeram mulher para si e sociedade a partir do enfrentamento das imposições sociais em tentar moldar os sujeitos considerando o genital que nasceram.7Rovalho AM. Cis by Trans. Rev Estud Fem [Internet] 2017 [cited 2018 Apr 17];25(1):365-73. Available from: Available from: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9584.2017v25n1p36
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As normas criadas pela sociedade para manter as diferenças entre os sexos acabam gerando uma infinidade de implicações, dentre as quais destacam a violência e as vulnerabilidades vivenciadas pelas mulheres transexuais, estas refletem no processo de saúde-doença dos indivíduos e influenciam na qualidade de vida e da saúde das mesmas.8Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa, Departamento de Apoio à Gestão Participativa. Transexualidade e Travestilidade na Saúde. Brasília (DF): Ministério da Saúde;2016.

Os profissionais da saúde devem ser capazes de conhecer sobre estes indivíduos e identificar suas necessidades específicas sem criar barreiras. Assim é importante que os enfermeiros conheçam a realidade vivenciadas pelas mulheres transexuais para desenvolver abordagens no processo de cuidados que reflitam a consciência e a sensibilidade no que envolve ações de saúde protetoras para esta população.9Smith FD. Perioperative Care of the Transgender Patient. AORN J [Internet]. 2016[cited 2018 Mar 17];103(2):151-163. Available from: Available from: https://doi.org/10.1016/j.aorn.2015.12.003
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Na apropriação dos atributos femininos por sujeitos sem útero que se percebe a força estruturante de gênero que opera de forma abrangente na diversidade humana. A emergência do feminismo surge como responsabilização coletiva no combate a hegemonia do feminismo em uma visão essencialmente exclusiva às mulheres biológicas.10Bento, B. Política da diferença: feminismos e transexualidade. In: Colling L, organizador. Stonewall 40 + o que no Brasil? Salvador (BA): Edufba;2011.

O presente artigo apresenta pautas das relações de gênero a partir de uma ótica transfeminista, a fim de contribuir com a visibilidade dos movimentos de mulheres transexuais na luta por direitos humanos. Busca-se neste estudo resposta à seguinte questão norteadora: como se expressa a identidade transexual feminina e a emergência pelo transfeminismo mediante o contexto de vulnerabilidade ao HIV/aids? Tendo como objetivo: analisar a identidade transexual feminina e a emergência pelo transfeminismo mediante o contexto de vulnerabilidade ao HIV/aids à luz da Teoria Queer.

MÉTODO

Estudo qualitativo, descritivo, exploratório, fundamentado na Teoria Queer. Essa teoria propõe a criticidade acerca das normatizações sociais, assim, embasa em reflexões não ancoradas aos modelos e conceitos preexistentes, mas na construção que precede a experiência do aprender acerca da problemática disciplinar dos corpos.11Miskolci R. Teoria Queer: Um aprendizado pelas diferenças. Belo Horizonte (BR): Editora Auntentica;2017.

Realizou-se o estudo com seis mulheres transexuais, jovens, dos 15 aos 24 anos de idade.12Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas . Proteger e cuidar da saúde de adolescentes na atenção básica. Brasília (BR): Ministério da Saúde;2017.Em decorrência do desenho de pesquisa, foram incluídas jovens acima dos 18 anos de idade. Desenvolveu-se o estudo em um hospital de referência para pessoas com HIV/Aids, localizado na Região Metropolitana do Recife do estado de Pernambuco, Brasil.

Elencaram-se as participantes por amostragem tipo conveniência, a partir dos seguintes critérios de inclusão: transexuais, que se identifiquem de gênero feminino, não transgenitalizadas, heterossexuais, soropositivas ou em tratamento para aids e com parceiros casuais, sendo a aproximação com os sujeitos da pesquisa obtida com o auxílio da equipe multiprofissional de saúde. Excluiu-se pessoas com as características acima mencionadas que apresentem deficiência auditiva, visto que a pesquisadora não apresenta domínio em libras.

Desenvolveu-se a pesquisa durante o período de abril a junho de 2017, realizou-se contato prévio com a instituição para a obtenção da anuência e auxílio da equipe multiprofissional. Orientou-se a equipe previamente quanto a finalidade da pesquisa, objetivo proposto e as etapas para a coleta de dados. Os profissionais da saúde auxiliaram no recrutamento das mulheres transexuais, de acordo com a sua disponibilidade, sem implicar em modificações ou prejuízos na rotina do serviço.

Coletaram-se os dados a partir das entrevistas individuais realizadas com seis mulheres transexuais, convidadas para integrar à pesquisa na sala de espera do Hospital. Deu-se a inclusão progressiva das participantes que atenderam aos critérios de elegibilidade, utilizou-se como critério para o encerramento da coleta a saturação dos dados, essa ocorreu com o alcance do aprofundamento, abrangência e diversidade da problemática para a compreensão das concepções, ideias centrais significativas, atribuídas ao fenômeno elucidado à luz da teoria elegida.13Minayo MCS. Amostragem e saturação em pesquisa qualitativa: consensos e controvérsias. Revista Pesquisa Qualitativa [Internet]. 2017[cited 2018 Jun 2];5(7):1-12. Available from: Available from: https://editora.sepq.org.br/index.php/rpq/article/view/82/59
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Realizou-se entrevistas individuais, semiestruturadas, em sala reservada pela instituição para realização da pesquisa. O roteiro de entrevista compôs-se por três perguntas norteadoras sobre a história de vida e o contexto social baseado na vulnerabilidade ao HIV/aids. As entrevistas tiveram duração de, em média, 1 hora e 10 minutos, as falas foram gravadas e transcritas na íntegra para submissão à análise.

Analisaram-se os dados mediante a técnica de análise lexical, com o auxílio do software Interface de R pourles Analyses Multidimensionnelles de Texteset et de Questionnaires (IRaMuTeQ). Este software tem sido cada vez mais utilizado nas pesquisas qualitativas, visto que viabiliza o rigor metodológico e permite a realização de diversos tipos de análise, a partir de técnicas estatísticas, trata-se de uma importante ferramenta para auxiliar na interpretação dos dados empíricos. Obteve-se a análise textual dos dados pelo método da Análise de Similitude, esta baseia-se na teoria dos grafos que permite a identificação das coocorrências entre as palavras na estrutura da representação, assim, originou-se a árvore de similitude norteada pela hierarquização das conexões entre os termos e suas adjacências.14Camargo BV, Justo AM. IRAMUTEQ: Um software gratuito para análise de dados textuais. Temas Psicol [Internet]. 2013 [cited 2018 Apr 22]; 1(2):513-8. Available from: Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/tp/v21n2/v21n2a16.pdf
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Seguiu-se os trâmites éticos das normas estabelecidas pela Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde que dispõe sobre as Diretrizes e Normas que regulamentam as pesquisas envolvendo seres humanos.15Ministério da Saúde (BR), Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil. Brasília (BR): Ministério da Saúde ; 2013. Iniciou-se a coleta de dados após a aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa.

RESULTADOS

As seis mulheres transexuais vivendo com HIV/aids, tinham em média 21,6 anos de idade. O tempo médio de diagnóstico foi entre 14 a 19 anos de idade, a renda familiar mensal, variou de menos que um salário mínimo a três salários mínimos. Com relação ao nível de escolaridade duas possuíam Fundamental Incompleto, uma Fundamental Completo, duas Ensino Médio Completo e uma Superior Completo. Ressalta-se que das seis, quatro referiram ser profissionais do sexo, as demais são cabelereira e apoio pedagógico. A análise de similitude proporcionou a visualização das palavras mais frequentes para a interpretação convergente que originou as classes, a disposição das palavras viabilizou a identificação das ideias centrais, sendo possível a visualização na árvore de coocorrência (Figura 1).

Figura 1
Árvore ilustrativa da análise de similitude referente ao corpus textual das entrevistas realizadas com as jovens transexuais femininas. Recife, Pernambuco, Brasil, 2018

Emergência por transfeminismo mediante a violência simbólica

Acredita-se que o fenômeno violência não ocorre apenas em momentos excepcionais, mas é parte constituinte da vida das mulheres transexuais. Ressalta-se que a violência como fenômeno ubíquo, perpassa diversas esferas da vida mediante a naturalização da violência às pessoas “queer”, as quais destoam do padrão heteronormativo.

O caráter representacional da violência de gênero provocada por homens cisgênero contra as mulheres transexuais, sucumbe a abjeção da mulheridade transexual permeada pela vulnerabilidade e negação da identidade de gênero e dos direitos. Salienta-se que uma das entrevistadas chorou ao relatar situações de violência vivenciada com o ex-parceiro:

todo dinheiro que eu tinha eu chegava e dava a ele, botava na carteira, ele que administrava o meu dinheiro, eu vivia para ele, dava amor, dava carinho, cuidava dele, aí de repente ele chega e diz que não dá para ficar porque ele gostava de mulher e eu não era uma mulher, mesmo estando vestida e mesmo me sentindo uma mulher, ele dizia: não você não é uma mulher, você não tem uma vagina, você tem um pênis entre as pernas. Por isso que eu entrei em depressão, por isso que eu entrei no mundo das drogas, eu tenho ódio dele, porque por causa dele eu deixei de ser travesti [chorou] (E6).

Detalhou-se durante as entrevistas situações de violência enfrentada nas ruas, com expressões deprimidas. Abordou-se o histórico de violência sexual, esta esteve presente em um ou mais momentos da vida da maioria das jovens transexuais, ressalta-se que os agressores foram parentes ou conhecidos da vítima, com maior prevalência no âmbito familiar e nos espaços públicos:

um tio que morava ao lado da minha casa, eu cresci com ele, ele me viu crescer e com 11 anos eu não me lembro como diretamente foi, mas ele chegou a “bolinar” comigo (E6);

chegando em casa, vi esse cara lá, me chamou, e eu já tinha vontade de ficar com ele, já queria ficar, só que na hora me assustei e disse que não, e ia embora, só que aí ele puxou o revolver para minha cabeça e disse, ou tu fica ou tu fica, aí foi (E5);

Muitos homens homofóbicos, querem agredir, bater, querem roubar, é difícil, já sofri violência, quando eu era mais nova apanhei duas vezes de um grupo de quatro pessoas, caí no chão, levei muitos chutes nas costas, no meu rosto (E4).

Identidade transexual feminina e o contexto de vulnerabilidade

Evidenciou-se a vulnerabilidade das jovens transexuais em relação a exposição ao HIV/aids. Deve-se considerar os aspectos individuais, sociais e programáticos que permeiam o contexto social no qual estão inseridas, e a emergência por conhecimento e sociabilidade mediante a iniciação sexual precoce desprotegida e as susceptibilidades das condições de vida e trabalho. O trabalho na prostituição associada ao baixo grau de informação pode contribuir com riscos à saúde:

não sabia o que era essa doença, aí tinha relação com os homens, eles também não me diziam e não usavam camisinha, aí peguei e até hoje sou arrependida (E4);

os homens me procuram mais para eu ser ativo e eles passivo, eles me pagam para isso e a maioria é casado (E4);

faço programa, tenho relações sexuais oral, anal passivo e ativo... alguns que quer colocar, mas eu também não falo nada (E4).

Sabe-se que o sexo oral é a porta de entrada para a vida sexual ativa durante a juventude. Tal prática é uma das principais vias de transmissão para o HIV/aids, principalmente quando se trata de sexo oral receptivo. No entanto, o risco de contaminação no sexo oral é menor quando comparado com outras vias, em especial o sexo anal. Apesar disso, é necessário o uso do preservativo como forma de prevenção.

No contexto das práticas sexuais, é importante considerar a construção social pautada na dominação masculina diante da subordinação feminina, assim, são necessárias estratégias para fazer com que o homem aceite usar o preservativo masculino durante o ato sexual. Uma das participantes referiu resistência para a prática de sexo seguro:

eu ando com uma bolsinha, mas se eu for pegar a camisinha na bolsa, já perguntam isso é camisinha é? Já causa um espanto neles, por isso, já digo para ele ir alí na frente, já pego, já tiro, boto a camisinha na boca, já deixo na boca, para eles acharem que vou fazer sexo oral sem, a camisinha masculina fica escondida no canto da boca, na hora eu só puxo para frente e já vou colocando, quando ver, já estão, tem uns que falam: poxa, tem que botar é? (E5).

A prostituição está presente na sociedade desde os primórdios, no entanto, é contraditório o elevado consumo desta oferta de serviços numa sociedade essencialmente patriarcal e conservadora. É evidente a invisibilidade do ser feminino e de suas necessidades, sendo estas, expostas a situações em que colocam sua integridade física e moral em perigo.

Meu trabalho não é fácil, ter que ficar em pé na esquina esperando um carro parar, para entrevistar, para depois saber se vai querer transar com você ou não, é cansativo, já fui enganada, já me deixaram nos cantos, mente, me levou para fazer o programa, aí queria me pagar na volta porque ia sacar o dinheiro, na hora que desci do carro, ele disse: eita, minha carteira, e foi embora, me deixou (E1).

Já transei com mais de 20 homens por dia, você fica no quarto e lá é por horário, tinha dias que eram das 8h às 16h da tarde, aí tinha dias que eu ficava o dia todo, aí dormia, eram muitos parceiros, as vezes usava camisinha, eu sempre peço para botar, mesmo sendo ativo ou passivo, mas o risco não é na hora de colocar a camisinha, é depois, porque tem muito homem malicioso, no momento do sexo, você está de costas e no momento que eles tiram, puxam a camisinha e colocam de novo, eu já vi isso várias vezes, eles fazendo e não sabem que tenho HIV, se soubessem não fariam isso, vão tentar me matar, mas vão morrer mais ainda porque existe uma mistura de cargas (E5).

As mulheres transexuais encontram-se vulneráveis, uma vez que, seus desejos não são atendidos. Os homens exercem uma relação de poder, não permitindo a mulher adotar práticas sexuais seguras, ferindo seu direito, visto que utiliza-se de artimanhas para burlar os acordos pré-estabelecidos durante as negociações para a prática de sexo.

DISCUSSÃO

Considerou-se as mulheres como as principais vítimas do sexismo, patriarcado e das opressões de gênero, essa assume funções, responsabilidades e condutas nos relacionamentos afetivos-sexuais vinculada ao binarismo social. Percebe-se que a relação de gênero configura à mulher transexual situações de inferioridade em relação a figura masculina que são percursoras de violência e vulnerabilidade ao HIV/aids.

Evidencia-se que no campo da visibilidade feminina a primeira onda do feminismo ficou conhecida por “Sufragista” sendo pautada na garantia do voto e políticas públicas para as mulheres. A segunda onda explicitou a condição de feminilidade no conjunto de características sociais que determinam o feminino, influenciada pela socialização e luta por direitos, por igualdade de gênero, foi marcado pela expressão: “ninguém nasce mulher, torna-se”.16 A terceira onda reivindica a generalização e recai sobre os marcadores sociais de raça, classe, orientação sexual e identidade de gênero e opressão do machismo que permeia todas as mulheres sob divergentes faces.4Paiva ALS. Estética da existencia em Michel Foucault, resistências ao poder e a abjeção queer. Rev Peri [Internet]. 2017 [cited 2018 Mar 23];1(8):341-56. Available from: Available from: https://portalseer.ufba.br/index.php/revistaperiodicus/article/view/21405/15533
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Repercutiu-se a natureza da violência contra a mulher que reitera o feminino ao determinismo configurado a dominação e poder. Refere-se, por exemplo, o estuprador como a “mulherzinha dos presos” a partir da ideia de vingança que reproduz as nuances da violência contra o feminino, a posição de passividade e subalternidade mesmo que atrelado ao corpo masculino. O acesso das mulheres transexuais as Delegacias Especiais de Atendimento às Mulheres, com fundamento na Lei Maria da Penha revela as relações sociais do feminino, sobretudo ao “feminino abjeto” (mulheres transexuais, transexuais, homens e meninos femininos) para além da construção dos corpos.10Bento, B. Política da diferença: feminismos e transexualidade. In: Colling L, organizador. Stonewall 40 + o que no Brasil? Salvador (BA): Edufba;2011.

Reitera-se a passividade construída a partir de ideias sexistas e binárias, em relacionamentos heterossexuais, que coloca a mulher transexual em posição de inferioridade e vulnerabilidade. A relação de poder do homem sobre a mulher transexual remete a ideia de Foucault acerca dos corpos dóceis, moldado de forma sutil pelo poder da heteronormatividade.17Foucault M. Em defesa da sociedade. São Paulo(BR): Martins Fontes;1999.

Cerca de 90% das mulheres transexuais brasileiras encontram-se na prostituição, tendo em vista, que desde o momento que relevam sua identidade de gênero, diferente do sexo biológico, são excluídas de seu núcleo familiar, da educação formal, encontrando na prostituição um meio de aceitação e fonte de renda.18Licciardi N, Waitmann G, Oliveira, MHM. A discriminação de mulheres travestis e transexuais no mercado de trabalho. Rev Científica Hermes [Internet]. 2015 [cited 2018 Mar 10];(14):201-18. Available from: Available from: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=477647161011
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Destaca-se no Brasil o elevado quantitativo de assassinatos de pessoas transexuais, esses dados representam, em média, 40% de todos os assassinatos reportados em todo o mundo desde 2008.19Fedorko B, Berredo L. O círculo vicioso da violência: pessoas trans e gênero-diversas, migração e trabalho sexual. Transgender Europe [Internet]. 2017 [cited 2018 Feb 18]. Available from: Available from: http://transrespect.org/wp-content/uploads/2018/01/TvT-PS-Vol19-2017.pdf
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Os relatos das mulheres transexuais fazem alusão a violência sofrida no decorrer de sua trajetória, dando início ao cenário que identificam como violento.

Pode-se comparar as experiências de vulnerabilidade ao HIV, violência e estigma referidos pelas participantes com outros estudos realizados nos Estados Unidos da América (EUA), Brasil e Índia. As mulheres transexuais que são profissionais do sexo estão expostas a situações de violência física, sexual e abuso mediante a negociação para o uso do preservativo. Além disso, estes estudos enfatizam a violência e opressão nos âmbitos comunitários, laborais e policial. Percebe-se que a sobreposição de identidades sociais marginalizadas das mulheres transexuais, que são profissionais do sexo, somada as desigualdades sociais (falta de habitação, emprego, pobreza e preconceito) são fatores que contribuem com a vulnerabilidade ao HIV/aids.20Smith LR, Yore J, Triplett DP, Urada L, Nemoto T, Raj A. Impact of sexual violence across the lifespan on hiv risk behaviors among transgender women and cisgender people living with HIV. Acquir Immune Defic Syndr [Internet]. 2017 [cited 2018 Jun 22];75(4):408-16. Avaliable from: Avaliable from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/28653970
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2865...
-22Silva GWS, Souza EFL, Sena RCF, Moura IBL, Sobreira MVS, Miranda FAN. Situações de violência contra travestis e transexuais em um município do nordeste brasileiro. Rev Gaúcha Enferm [Internet]. 2016 [cited 2018 Mar 12];37(2):e56407. Avaliable from: Avaliable from: http://www.scielo.br/pdf/rgenf/v37n2/0102-6933-rgenf-1983-144720160256407.pdf
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Ressalta-se que por vezes a fetichização construída sobre os corpos das mulheres transexuais resulta em fator de vulnerabilidade ao HIV/aids, visto que estas são consideradas produtos de comercialização sexual. Este contexto as tornam susceptíveis a todos os tipos de violência.21Ganju D, Saggurti N. Stigma, violence and HIV vulnerability among transgender persons in sex work in Maharashtra, India. Cult Health Sex [Internet]. 2017 [cited 2018 May 22];19(8):903-17. Avaliable from: Avaliable from:https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/28132601
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O que confunde a sociedade e desestabiliza a normatização é a compreensão das vivências, as diversidades, visto que as experiências subjetivas não atendem a coerência e continuidade entre sexo, gênero, desejo e prática sexual.6Butler J. Problemas de gênero: Feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro (BR): Civilização Brasileira;2017.

Sabe-se que a utilização de hormônios no processo de transformação do corpo, pode causar disfunção erétil e aumento da probabilidade da mulher transexual em assumir papel receptivo durante as relações sexuais, é evidente as dificuldades em negociar o uso do preservativo, geralmente uma decisão masculina. O sexo anal desprotegido constitui em elevado risco de transmissão do HIV, além disso, o parceiro sexual insertivo geralmente detém o controle para uso do preservativo. Apresenta-se elevado o quantitativo de mulheres transexuais que se sentem limitadas a impelir o uso do preservativo durante as relações sexuais com homens.

Evidencia-se a necessidade de medidas de empoderamento das mulheres transexuais para que estas não sejam alvo de fetiches e desejos que contribuem com atos de violência, sobretudo para reivindicação da abjeção transexual feminina e domínio sobre os corpos, saúde e a vida.

Deve-se indagar o pensamento social que segrega as vidas que importam em detrimento das que são excluídas, incômodas e invisíveis. No âmbito da Enfermagem, ciência composta majoritariamente por pesquisadoras e atrelada ao cuidado técnico feminino desde sua origem, tende a favorecer a expressão binária do cuidado, como atributo essencialmente da mulher. O desafio de “queerizar” essa ciência lança a pauta da ampliação das práticas de cuidado sob o prisma da diversidade projetada ao sujeito do cuidado.23Souza LL, Peres WS, Araújo DB. Problematizações de gêneros no campo da enfermagem: diálogos com feminismos e a teoria queer. Rev NUPEM [Internet]. 2015 [cited 2018 Apr 3];7(13):121-42. Avaliable from: Avaliable from: http://www.fecilcam.br/revista/index.php/nupem/article/viewFile/690/604
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Acredita-se que análise das relações de gênero e vulnerabilidade de mulheres transexuais com HIV/aids à luz da Teoria Queer tem o potencial de compreender os aspectos sociais atrelados a cultura que perpetua a violência, o ódio e a abjeção dos seres vulneráveis. O presente estudo irá viabilizar a criticidade acerca das construções dicotômicas, sexistas e binárias mediante a precarização de vidas a fim de romper barreiras do conservadorismo opressor.

A análise da construção social que permeia a aids constitui em fundamento para o planejamento de ações e cuidado de enfermagem com atenção às especificidades, mediante a diversidade do ser para além da dimensão biomédica, mas considerando os aspectos biopsicossociais que constituem a vida dos indivíduos e grupos sociais. Diante disso, o protagonismo da enfermagem, de forma contínua e qualificada, demanda da construção de vínculo e conhecimento do contexto de vulnerabilidades que permeiam o processo saúde-doença para o enfrentamento da epidemia, qualidade de vida e empoderamento das pessoas que vivem com o HIV/aids.24Bezerra EO, Pereira MLD, Maranhão TA, Monteiro PV, Brito GCB, Chaves ACP, et al. Structural analysis of social representations on aids among people living with Human Immunodeficiency Virus. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2018 [cited 2018 Aug 08];27(2):e6200015. Avaliable from: Avaliable from: http://dx.doi.org/10.1590/0104-070720180006200015
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O mapeamento das vulnerabilidades apresentado permite demonstrar as formas de violências sofridas pela população de transexuais e destaca que as barreiras dos serviços de saúde necessitam ser rompidas para além do acesso, mas sob a ótica integral da assistência à saúde.25Bonassi BC, Amaral MS, Toneli MJF, Queiroz MA. Vulnerabilidades mapeadas, violências localizadas: experiências de pessoas travestis e transexuais no Brasil. Quaderns de Psicologia [Internet]. 2015 [cited 2018 May 30];17(3):83-98. Avaliable from: Avaliable from: https://doi.org/10.5565/rev/qpsicologia.1283
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A moral sexual rígida marcada pela dominação sexual masculina e as relações opressoras de gênero apresentam a vulnerabilidade marcada por preconceito, discriminação, ausência de igualdade e equidade de direitos na qual conduzem à um conjunto de condições que expõe a população transexual à não utilização de preservativos bem como tratamento inadequado.26Nardi H. Diversidade sexual e políticas públicas: compreendendo os vetores da subjetivação e as transformações no dispositivo da sexualidade. In: Brizola AL, Zanella AV, Gesser M, organizadores. Práticas sociais, políticas públicas e direitos humanos. Florianópolis (BR): ABRAPSO; 2013.

Abordagens adequadas da população transexual devem inicialmente ser construídas pelas normas e regulamentos das profissões da saúde, buscando o respeito para com estes usuários do serviço de saúde, indicando que devem ser compreensivos e livres de discriminação. Também requer o mesmo cuidado sensível, imparcial que deve ser fornecido a qualquer usuário de saúde, independentemente de raça, sexo, idade ou religião.9Smith FD. Perioperative Care of the Transgender Patient. AORN J [Internet]. 2016[cited 2018 Mar 17];103(2):151-163. Available from: Available from: https://doi.org/10.1016/j.aorn.2015.12.003
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No âmbito da formação acadêmica da Enfermagem, percebe-se a necessidade em priorizar a dimensão moral do cuidado. O enfermeiro deve considerar a identidade e cultura dos sujeitos envolvidos no processo do cuidar, a fim de superar o tecnicismo binário e contemplar a diversidade do ser como um exercício de cidadania à dimensão ética da profissão. Recomenda-se a simulação da vivência da realidade profissional nas disciplinas para abordagem teórica, teórico-prática e prática.27Lima MM, Reibnitz KS, Kloh D, Silva KL, Ferraz F. The pedagogical relationship in practical-reflexive education: characteristic elements of teaching integrality in nurse education. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2018 [cited 2018 Aug 08];27(2):e1810016. Avaliable from: Avaliable from: http://dx.doi.org/10.1590/0104-070720180001810016
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O enfermeiro precisa estar apto a realizar cuidado integral mediante a problemática das relações de gêneros e o cotidiano de vulnerabilidade das mulheres transexuais. Destaca-se a importância da construção de estratégias de educação em saúde, escuta qualificada, formação de grupos operativos e ações da rede de apoio deste público. É imprescindível o estímulo ao diálogo, a problematização e compartilhamento experiências vivenciadas sob o crivo de grande pesar relacionado ao contexto de vulnerabilidade e dicotomias sociais, para o estímulo da autonomia.

O estudo apresentou por limitações as dificuldades para a operacionalização da pesquisa e alcance de verbalizações com maior profundidade e detalhamento, visto que a temática ainda está permeada aos tabus sociais, o que pode ter contribuído com restrições nos resultados. Compreende-se que o fenômeno em estudo está inserido em um contexto histórico, social, cultural e assistencial em saúde ancorado ao preconceito relacionado às identidades de gênero, ao HIV/aids e os aspectos das subalternidades sociais. Sugere-se mais pesquisas sobre a temática, sobretudo no âmbito da Enfermagem, de forma ao transpor as barreiras do conservadorismo a fim reorientar o cuidado integral às pessoas transexuais.

CONCLUSÃO

Analisou-se a identidade transexual feminina a partir dos impactos produzidos pela organização política de Estado mínimo, que contribui com a coesão das classes sociais (binarismo, sexismo, racismo e machismo), capital social desigual e cultura de abjeção à mulher transexual. Evidenciou-se o contexto de acometimento pela epidemia do HIV/aids a partir das vulnerabilidades de origem individual, contextual e programática, além da emergência pelo transfeminismo, que surge mediante a demanda pela garantia de direitos à “mulhereridade” transexual no enfrentamento das vulnerabilidades em saúde que limitam o alcance à vida saudável e digna.

Evidenciou-se a necessidade da adoção de medidas que visem minimizar as injustiças acometidas às transexuais femininas que desde cedo sofrem estigmas e preconceito, em todos os ambientes sociais no qual estão inseridas. Destacou-se a demanda por empoderamento e protagonismo das mulheres transexuais, que encontram-se oprimidas e à margem da sociedade.

Deve-se promover debates acerca da inclusão das transexuais femininas nos espaços políticos, educacionais, mercado de trabalho e serviços de proteção. O Estado precisa assegurar políticas de inclusão dessas pessoas aos serviços de saúde que atendam as demandas deste público, além da adoção de campanhas de prevenção e promoção da saúde, visando diminuir a taxa de infecção pelo HIV/aids, conscientizando, as mesmas acerca dos riscos e levando-as, a adotarem práticas sexuais seguras.

Os enfermeiros devem estar aptos a acolher, escutar e atender às especificidades, além de pactuar com a rede social para promover o cuidado integral. A Enfermagem possui em sua essência o cuidado ao ser humano, do nascimento ao morrer, não devendo negligenciar o cuidado às jovens transexuais, visto que o cuidado envolve o olhar ampliado em saúde, sobretudo para o respeito às diversidades e demandas inerente ao outro.

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NOTAS

  • ORIGEM DO ARTIGO

    Artigo extraído da dissertação - Representações sociais de mulheres transexuais jovens sobre o HIV/aids, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Pernambuco, em 2018.
  • APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

    Aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Pernambuco, Certificado de Apresentação para Apreciação Ética: n° 65790717.4.0000.5208.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jul 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    11 Ago 2018
  • Aceito
    23 Out 2018
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