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Avaliação das parcerias intersetoriais em saúde mental na estratégia saúde da família

Resumos

Este estudo objetivou avaliar as parcerias intersetoriais em saúde mental na Estratégia Saúde da Família. Estudo avaliativo, qualitativo, orientado pela Avaliação de Quarta Geração e aplicado em uma Estratégia Saúde da Família de um município do Estado do Rio Grande do Sul. Foram entrevistados 39 sujeitos (10 usuários, 10 familiares e 19 trabalhadores). Identificou-se que as parcerias intersetoriais são importantes na saúde mental por permitir o cuidado em liberdade às pessoas com sofrimento psíquico. Destacou-se, entre elas, a parceria com a associação dos moradores e a parceria entre a Estratégia Saúde da Família e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Apesar das dificuldades, considerou-se que a consolidação de projetos inclusivos, a partir de uma abordagem intersetorial, desponta como um novo caminho à construção de uma agenda em saúde, que seja atrelada às necessidades do território e orientada pelas premissas do Sistema Único de Saúde.

Saúde mental; Enfermagem; Saúde da família


The aim of this study was to evaluate intersectoral partnerships for mental health in the Brazilian Family Health Strategy. This was an evaluative, qualitative study guided by the Fourth Generation Evaluation framework, developed in a Family Health Strategy unit in a municipality of the state of Rio Grande do Sul. A total of 39 subjects (10 patients, 10 family members and 19 employees) were interviewed. As observed, intersectoral partnerships for mental healthcare are important, as they allow for greater freedom of patients with psychological distress. Among these, the partnership with the resident association and between the Family Health Strategy and the Federal University of Rio Grande do Sul stand out. Despite the difficulties, the consolidation of inclusive projects through an intersectoral approach is emerging as a new way to construct a healthcare agenda that is linked to the needs of the territory, and driven by the premises of the Brazilian Unified Health System.

Mental health; Nursing; Family health


Se objetivó evaluar las asociaciones intersectoriales en salud mental en la Estrategia Salud de la Familia. Estudio evaluativo, cualitativo, orientado por el referencial de la Evaluación de Cuarta Generación. Fue aplicado en una Estrategia Salud de la Familia de una ciudad del Estado del Rio Grande do Sul. Fueron entrevistados 39 personas (10 usuarios, 10 familiares de usuarios y 19 trabajadores). Se identificó que las asociaciones intersectoriales son importantes en salud mental por ayudar en el cuidado en libertad de las personas con sufrimiento psíquico. Se tornó importante la participación de la asociación de los vecinos y también la asociación entre la Estrategia Salud de la Familia y la Universidad. Se destacó que la consolidación de proyectos inclusivos intersectoriales se desnuda como un nuevo camino hacia la construcción de una agenda vinculada a las necesidades del territorio y orientada por las premisas del Sistema Único de Salud.

Salud mental; Enfermería; Salud de la familia


INTRODUÇÃO

A reforma psiquiátrica contribui para o intenso debate sobre nossos saberes e práticas no campo da saúde mental. Provocando a reorientação do modelo de atenção, a reforma vem proporcionando a incorporação de novas possibilidades de convívio e inclusão de pessoas com sofrimento mental.

A reforma é, sim, um movimento, mas também um processo; um longo caminho pelo qual transitamos e nos questionamos. As transformações que a acompanham podem ser sentidas no contexto da saúde pública, porque refletem as mudanças no pensar e no sentir da sociedade como um todo. Em particular, as mudanças foram construídas com os profissionais de saúde mental, que também foram tensionados a buscar a humanização como meta e a libertação do louco como princípio, meio e fim do cuidado, já que, durante séculos, foi deixado dentro de muros isolantes e assépticos aos olhos do mundo. Nesse sentido, a reforma exige que a diferença seja vista como parte de nós e, para isso, devemos buscar estratégias possíveis para promover saúde e vida em todo e qualquer espaço social.1Lima VBO, Branco Neto JRC. Reforma psiquiátrica e políticas públicas de saúde mental no Brasil: resgate da cidadania das pessoas portadoras de transtornos mentais. Direito & Política. 2011 Jul-Dez; 1(1):121-31.

Dentro das várias estratégias que possam contemplar as dimensões complexas do indivíduo em sofrimento psíquico, é preciso que as políticas de saúde mental sejam orientadas não apenas reduzindo o cuidado ao eixo saúde, mas ampliando-o. É nesse sentido que se destaca a intersetorialidade como estratégia para articular serviços, pessoas e políticas.

A intersetorialidade pode ser compreendida como uma política complexa, que objetiva superar a fragmentação das diferentes áreas de atuação social, tendo como desafio articular setores da sociedade para melhoria das condições de saúde.2Ministério da Saúde (BR). Conselho Nacional de Saúde. Relatório final da IV Conferência Nacional de Saúde Mental - Intersetorial. Brasília (DF): MS; 2010. Como prática de gestão, permite o estabelecimento de diálogos compartilhados entre instituições, governos e pessoas, atuando na formulação de políticas públicas que possam ter impacto positivo na saúde da população.

A reestruturação das ações em saúde perpassa a compreensão das complexas nuances que a cercam. Dar conta dessa realidade exige uma atuação intersetorial e uma parceria transdisciplinar, havendo complementação e interação. Assim estaremos mais próximos da comunidade para enfrentar, junto com ela, seus problemas.3Mielke FB, Cossetin A, Olschowsky A. O conselho local de saúde e a discussão das ações de saúde mental na Estratégia Saúde da Família. Texto Contexto Enferm. 2012 Abr-Jun; 21(2):387-94.

O fortalecimento das parcerias intersetoriais tem sido o foco das últimas Conferências Nacionais de Saúde Mental, destacado na IV edição realizada em 2010.2Ministério da Saúde (BR). Conselho Nacional de Saúde. Relatório final da IV Conferência Nacional de Saúde Mental - Intersetorial. Brasília (DF): MS; 2010. O relatório aponta que é preciso investir na realização de atividades intersetoriais com a educação, a assistência social, a justiça, os projetos de cooperação social e de inclusão produtiva, respeitando-se os critérios definidos de territorialidade e regionalização, por meio da interlocução entre as equipes da rede de saúde mental e aquelas que atuam nesses outros setores.

A incorporação da intersetorialidade nas políticas públicas trouxe articulação de distintos saberes técnicos, que proporcionaram ganhos à população. Ao mesmo tempo, é preciso entender que as políticas setoriais (como a saúde) não solucionam tudo e necessitam se comunicar para evidenciar aquilo que podem ou não oferecer. Deve ser entendida, portanto, como uma estratégia racional de gestão, em vias de um projeto global, que possa superar a fragmentação dos serviços, sobretudo se ainda consideramos a cultura clientelista e localista da administração pública.4Silveira MR. Saúde mental na atenção básica: um diálogo necessário [dissertação]. Belo Horizonte (MG): Universidade Federal de Minas Gerais, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem; 2009.

No contexto da saúde mental, diante da mudança do modelo de atenção psiquiátrica, preconiza-se o retorno do usuário para o meio em que vive, ou seja, para o território. Um território que é dinâmico, onde a vida cria e se recria, onde as marcas sociais resultam de formas peculiares de relação social. O cuidado nesse território pressupõe estar atento às singularidades humanas, mas entender que é preciso acionar e ativar outros recursos e processos para atender essas singularidades.5Yasui S. A produção do cuidado no território: "há tanta vida lá fora". Textos de apoio do Ministério da Saúde [online]. 2011 [acesso 2012 Jun 30]. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/cuidadosilvioyasui.pdf
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Nesse sentido, a construção de projetos de inclusão, que envolva a incorporação de parcerias com os recursos da administração pública e da sociedade local, pode ajudar na ressignificação da loucura no imaginário social e cultural. Só que esse projeto não deve cair numa utopia asséptica de que o sofrimento seja um evento natural e limitante do potencial do outro. É um desafio ético-estético de articular serviços, formar redes, unir pessoas e desejos, num permanente confronto com "os desconhecidos" - o outro, que sofre e que reage ao seu sofrimento, de múltiplas maneiras, e nós, que enxergamos o outro e suas reações também de múltiplas maneiras.6Lancetti A, Amarante P. Saúde mental e saúde coletiva. In: Campos GWS, organizador. Tratado de saúde coletiva. São Paulo (SP): Hucitec; 2006. p.615-34.

A intersetorialidade, nesse sentido, desponta como princípio que pode incluir movimentos sociais e estimular o controle social, criando novos dispositivos de financiamento, custeio e sustentabilidade de projetos sociais inclusivos (moradia, trabalho, renda, cultura, convivência, previdência, socialização, acessibilidade, locomoção e escolarização), tendo em vista o cumprimento da integralidade do cuidado, da equidade da atenção e da desinstitucionalização em saúde mental.2Ministério da Saúde (BR). Conselho Nacional de Saúde. Relatório final da IV Conferência Nacional de Saúde Mental - Intersetorial. Brasília (DF): MS; 2010.

Entendemos que as parcerias intersetoriais são necessárias para a consolidação da reforma psiquiátrica brasileira, pois as necessidades dos sujeitos com transtorno psíquico transcendem o aspecto meramente biomédico, mas pelo contrário, abrangem outras dimensões como o acesso à educação, ao emprego, ao trabalho, à habitação, à segurança, ao lazer, à cultura, à alimentação, à vida em liberdade na sociedade, entre outros. Portanto, o cuidado em saúde mental no território exige dos profissionais de saúde em geral ações pautadas especialmente na diretriz da integralidade, pois requer que essas ações sejam eminentemente usuário-centradas (mais do que suas demandas, atender suas necessidades e buscar concretizar seus projetos de vida).

Dentre os dispositivos de saúde mental que utilizam o espaço do território como meio terapêutico, a atenção básica, especialmente a partir da Estratégia Saúde da Família (ESF), ganha grande importância, pois o habitat privilegiado para o tratamento de pessoas com doença mental, usuárias de drogas, violentadas e que convivem com algum sofrimento é o bairro, as famílias e as comunidades bem como as unidades de saúde presentes nestes territórios.6Lancetti A, Amarante P. Saúde mental e saúde coletiva. In: Campos GWS, organizador. Tratado de saúde coletiva. São Paulo (SP): Hucitec; 2006. p.615-34.

A aproximação da saúde mental e ESF permite o contato e acolhimento do sofrimento psíquico, apresentando respostas diferentes daquelas orientadas pelo modelo biomédico, que tem a doença como foco de intervenção. O desafio que se coloca é romper como a visão linear para ações de saúde e, abarcar uma gama plural de outros profissionais para uma prática clínica, que exige individualização do sujeito para que sua subjetividade seja escutada.4Silveira MR. Saúde mental na atenção básica: um diálogo necessário [dissertação]. Belo Horizonte (MG): Universidade Federal de Minas Gerais, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem; 2009.

Diante disso, e acreditando no potencial da ESF enquanto dispositivo de cuidado em saúde mental, este estudo tem como objetivo avaliar as parcerias intersetoriais em saúde mental no âmbito de uma Estratégia Saúde da Família. Entendemos que o mesmo pode contribuir para a reflexão dos profissionais de saúde da ESF e das equipes de matriciamento sobre a organização e prática do cuidado em saúde mental desenvolvido no território, podendo colaborar na consolidação da atenção em saúde mental na ESF.

METODOLOGIA

Este estudo é um recorte da pesquisa "Avaliação da Saúde Mental na Estratégia Saúde da Família (MENTALESF)", de natureza avaliativa, do tipo estudo de caso, desenvolvida em uma ESF do município de Porto Alegre-RS. Utilizamos a Avaliação de Quarta Geração7Guba EG, Lincoln YS. Avaliação de quarta geração. Campinas (SP): UNICAMP; 2011. como referencial teórico-metodológico do estudo. Nela, o foco central do processo avaliativo foi apreender o cotidiano do serviço, sua dinâmica, a forma com que os sujeitos interagem e os sentidos que constroem em relação à própria prática.7Guba EG, Lincoln YS. Avaliação de quarta geração. Campinas (SP): UNICAMP; 2011.

A ESF estudada atende a 1.431 famílias e é composta por duas equipes de Saúde da Família. A região é dividida em oito microáreas, abrangendo um território de aproximadamente seis mil pessoas. Cada microárea é de responsabilidade de um agente comunitário de saúde. As equipes são compostas cada uma por um médico com residência em Saúde da Família, um enfermeiro, dois técnicos de enfermagem e quatro agentes comunitários de saúde. O serviço ainda conta com uma auxiliar de serviços gerais.

Na comunidade existem duas escolas e um prédio da associação dos moradores da comunidade, onde são desenvolvidas algumas atividades em parceria com a ESF.

Participaram do estudo 39 sujeitos, vinculados a uma Estratégia Saúde da Família de um município do Estado do Rio Grande do Sul. Dos três grupos de interesse, fizeram parte 10 usuários, 10 familiares de usuários e 19 profissionais de saúde (sendo 16 trabalhadores da ESF e 03 da equipe de matriciamento em saúde mental). Tais sujeitos foram escolhidos por entendermos que sejam eles os principais protagonistas das ações de saúde mental no serviço estudado. Foram incluídos profissionais de diferentes categorias profissionais, como enfermeiros, médicos, técnicos de enfermagem, agentes comunitário de saúde, assistente social, psicólogos.

Neste estudo, trataremos dos resultados encontrados sobre as parcerias intersetoriais em saúde mental na Estratégia Saúde da Família. Utilizamos, para isso, os dados originados das entrevistas com os três grupos de interesse (usuários, profissionais e familiares).

Os integrantes da equipe foram identificados com a letra (E), seguido da ordem em que apareceram na entrevista. Exemplo: E3, E10. Usuários foram identificados com a letra (U) e familiares com a letra (F).

As entrevistas foram realizadas com a aplicação do Círculo Hermenêutico Dialético. É hermenêutico porque é interpretativo, e dialético porque representa a comparação e o contraste das visões divergentes com a visão para a realização de um alto nível de síntese.7Guba EG, Lincoln YS. Avaliação de quarta geração. Campinas (SP): UNICAMP; 2011. A questão norteadora e disparadora do círculo foi "Fale-me sobre o atendimento em saúde mental na ESF".

Desse modo, o respondente inicial R1 participa de uma entrevista aberta para determinar uma construção inicial em relação ao foco da pesquisa. É questionado e convidado a construir, descrever e comentar. Ao término da entrevista, solicita-se ao respondente que indique outro respondente, chamado R2.

Os temas centrais, concepções, ideias, valores, preocupações e questões propostas por R1 são analisados pelo pesquisador, formulando uma construção designada C1. Entrevista-se o segundo respondente (R2) e, caso alguma construção abordada por R1 não seja contemplada por R2, convida-se R2 a comentá-la. A entrevista de R2 produz informações de R2 e uma crítica da construção de R1. O pesquisador conclui a segunda análise resultando em C2, uma construção mais sofisticada e informada, e assim sucessivamente até finalizar a coleta de dados.

O método utilizado exigiu que a análise e a coleta de dados fossem processos paralelos, um direcionando o outro, baseado no Método Comparativo Constante.7Guba EG, Lincoln YS. Avaliação de quarta geração. Campinas (SP): UNICAMP; 2011.

Após a coleta de dados e a organização das construções de cada grupo, realizamos a etapa da negociação. Reunimos os entrevistados e apresentamos o resultado provisório da análise dos dados, para que pudessem ter acesso à totalidade das informações e tivessem a oportunidade de modificá-las ou de afirmar a sua credibilidade.7Guba EG, Lincoln YS. Avaliação de quarta geração. Campinas (SP): UNICAMP; 2011.

A partir da negociação, procedemos à etapa final de análise dos dados. Nela, as questões surgidas foram reagrupadas, permitindo a construção de marcadores. Os marcadores são determinada categoria que foi abstraída a partir dos dados empíricos e que tem a capacidade explicativa de indicar determinado parâmetro de avaliação.8Kantorski LP, Wetzel C, Olschowsky A, Jardim VMR, Bielemann VLM, Schneider JF. Avaliação de quarta geração - contribuições metodológicas para avaliação de serviços de saúde mental. Interface - Comunic Saude Educ. 2009 Out-Dez; 13(31):343-55.

Os resultados deste artigo foram organizados a partir do marcador externo "intersetorialidade", para o qual convergiram questões relacionadas à rede de atenção em saúde mental a partir da ESF. Dentre os pontos levantados pelos entrevistados, destacamos a associação de moradores e a parceria estabelecida entre a UFRGS e a ESF estudada, como propostas de atendimento em saúde mental, com foco intersetorial.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Prefeitura Municipal de Porto Alegre, sob o parecer n. 001.056577.08.7/2008, e todos os sujeitos assinaram o Termo de Consentimento, conforme Resolução 196/1996.9Ministério da Saúde (BR). Conselho Nacional de Saúde. Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. Resolução n. 196 de 10 de outubro de 1996: diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos - versão 2012. Brasília (DF): MS; 2012.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Na comunidade estudada, existem importantes articulações entre a ESF e outros equipamentos sociais, destacando-se a associação de moradores. Além disso, a ESF mantém parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), por meio de estágios na área da saúde mental e atividades de extensão, com a participação dos acadêmicos de enfermagem da Escola de Enfermagem.

Os usuários e as famílias enfatizam que há interesse no fortalecimento das parcerias intersetoriais. No entanto, isso vem sendo gradativamente absorvido pela falta de estímulo à participação, principalmente em relação à participação na associação de moradores.

Se pede, se tenta junto com a associação de moradores aqui da região, e o colégio, o pessoal está disposto a ajudar. O pessoal do posto, eles sempre são muito ativos, fugindo um pouco da saúde médica, porque a saúde não é só médico. A saúde também é o dia a dia, ensinar a gente a viver bem, esquema de limpeza, o meio ambiente, a água, cuidado com higiene um monte de coisa (U5).

A nossa associação está caindo [...] Às vezes se pede o Centro de Tradições Gaúchas, mas pra pedir tem todo um processo também e aquela coisa toda, então não tem espaço físico, pra fazer qualquer tipo de atividade, então, aí não tem milagre [...] (U5).

Tem a associação que fica sempre jogada às moscas, ninguém usa. (F4).

A associação de moradores foi fundada em 1972 e o Conselho Local de Saúde foi criado junto com a ESF-Pitoresca, em 2004.1010 Cossetin A. Controle social na Estratégia Saúde da Família: avaliação participativa das ações em saúde mental [dissertação]. Porto Alegre (RS): Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem; 2010. - 1111 Mielke FB, Olschowsky A. Ações de saúde mental na Estratégia Saúde da Família. Online Braz J Nurs [online]. 2008 [acesso 2012 Abr 16]; 7(2). Disponível em: http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/j.1676-4285.2008.1529/355
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Durante o período de coleta de dados, contava com a participação de cinco conselheiros, todos do segmento dos usuários da ESF.

Considera-se que a associação de moradores pode funcionar como um poderoso mecanismo de estímulo à participação da população nas decisões e na construção de uma nova agenda para a saúde. Entretanto, isso só é possível quando há forte mobilização da comunidade. A associação dos moradores, como demonstram U5 e F4, parece estar esvaziando-se, o que coloca em risco a consolidação de projetos que invistam na qualidade de vida das pessoas do território.

A participação popular é um dos instrumentos que ajuda a fortalecer a abordagem intersetorial da saúde. Com ela, os profissionais dos serviços também descobrem, na comunidade, alguns aliados na defesa das melhores condições de trabalho e na garantia de processos transformadores, especialmente em localidades que sofrem com as instabilidades geradas pela transição política.1212 Feuerwerker LCM, Sena R. A construção de novos modelos acadêmicos, de atenção à saúde e de participação social. In: Ministério da Saúde, organizador. Projeto-piloto do VER-SUS Brasil. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2009. p.149-78.

Dessa forma, os projetos que recebem contribuições da comunidade local tendem a ser mais efetivos e a gerar resultados positivos para a população. Destaca-se, nesse bojo, as frequentes propostas de constituição de conselhos gestores locais, que lutam para manter aceso o controle social na saúde. No entanto, essas iniciativas ainda sofrem limitações importantes, como certo grau de institucionalização e dúvidas quanto ao seu real poder de interferência nas decisões locais.1212 Feuerwerker LCM, Sena R. A construção de novos modelos acadêmicos, de atenção à saúde e de participação social. In: Ministério da Saúde, organizador. Projeto-piloto do VER-SUS Brasil. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2009. p.149-78.

O controle social na ESF constitui-se um dispositivo para a inclusão dos usuários em sofrimento psíquico, principalmente porque qualifica as ações em saúde mental no contexto da atenção básica e potencializa os espaços de cidadania. Nesse sentido, entende-se que se constitui num compromisso político com a comunidade o envolvimento ativo dos profissionais da ESF, na tentativa de evitar o esvaziamento das reuniões e de fortalecer o controle social da saúde no território.

Vale ressaltar que talvez uma das maiores contribuições para a avaliação das ações de saúde mental na ESF seja a parceria estabelecida entre a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e o serviço de saúde estudado, por meio de estágios da graduação e de ações de extensão.

Na graduação em enfermagem, é na disciplina de Enfermagem em Saúde Mental II, oferecida no 5º semestre, que os alunos entram em contato com a realidade dos indivíduos em sofrimento psíquico, ao considerar as diferentes dimensões que os envolvem (sociais, econômicas, políticas e culturais).

A disciplina não desenvolve mais atividades práticas no manicômio, uma vez que não o considera como um dispositivo que possa promover integração, inclusão e autonomia às pessoas com transtorno mental. Nele, desloca-se o olhar do sujeito para a doença e tão somente para ela, privando-lhe a autonomia, a cidadania e o direito de ir e vir. Optou-se, então, por estimular o contato do aluno com a rede extra-hospitalar, como Estratégias Saúde da Família, CAPS e unidades de internação psiquiátrica em hospitais gerais.

Nas atividades junto à comunidade, ressaltamos a importância do aluno vivenciar as mudanças nas políticas públicas de atenção à saúde mental. Neste contexto, o aluno vivencia o cuidado em saúde mental a partir dos conceitos de escuta sensível, acolhimento, vínculo, integralidade, responsabilização, território e trabalho em equipe. O objetivo é que o aluno possa olhar para o sujeito pleno de subjetividade, preocupando-se com o seu cotidiano, e não apenas com a parcela pontual dos encargos da doença. Com isso, estende-se o olhar também para a família desse indivíduo e toda a rede de relações que o envolvem.

Nos estágios da graduação, uma das atividades desenvolvidas no território é a visita domiciliar, em parceria com a equipe da ESF, como demonstram os depoimentos a seguir:

[...] quando vem a professora X com os alunos do estágio também, foi uma época que levantou a minha autoestima, que eu estava péssimo, péssimo [...], eu estava me afundando na bebida [...]elas [...] me levantaram [...] me deram força, me deram moral [...] (U3).

[...] eu tive com a morte do meu marido, eu tive problemas sérios de ansiedade entende? Me encaminharam, me trouxeram, veio uma equipe da UFRGS, também pra cá pra gente conversar... interagi com eles, como também eles interagem comigo, muita coisa sabe? (U5).

[...] acho muito interessante, é um apoio, acho mútuo. É uma coisa assim que nos desonera um pouco do tempo, que às vezes a gente não tem para fazer algumas visitas e discutir alguns casos [...] até para os médicos tão dando esse apoio, além de ser a formação delas, das meninas, quando vêm aqui, é interessante porque sempre tem alguma coisa nova. Elas captam, observam no paciente a evolução do caso [...]. Então todo esse apoio da Escola de Enfermagem é importante, porque às vezes eles trazem algum fato novo [...] pelo tempo que estou aqui, só trouxe benefícios (E3).

U3 é um usuário que sofreu muito com a perda de sua mulher, há dois anos. Vivenciou calado seu sofrimento por algum tempo, e desenvolveu um quadro depressivo grave, associado ao hábito regular de beber. Circulava pouco pela região, ficando muito tempo dentro de casa. Com as visitas domiciliares, U3 foi encontrando espaço para desabafar, conversar sobre seus problemas e sobre as suas expectativas com o futuro, melhorando, dessa forma, sua autoestima.

U5, que também vivenciou o falecimento de seu companheiro, desenvolveu um transtorno de ansiedade. Durante as visitas dos alunos e dos trabalhadores da ESF, como ela mesma relatou, a ansiedade diminuía, pois eram pessoas disponíveis para conversar, interagir e aliviar os encargos do sofrimento mental.

Já E3 acredita que a incorporação das visitas domiciliares oferecidas pela Escola de Enfermagem no cotidiano do processo de trabalho da ESF ajuda a conhecer melhor o território, mapeando casos e trazendo informações muitas vezes novas para a equipe discutir e intervir, quando for o caso.

Percebe-se nos depoimentos a importância da visita domiciliar como espaço de trocas e acolhimentos. Ela permite o fortalecimento dos diálogos, a escuta atenta aos problemas das pessoas e também facilita a aproximação do serviço à realidade do usuário.

Além das atividades na graduação, a Escola de Enfermagem desenvolve ações de extensão na comunidade, inclusive em período não letivo. Dentre elas, pode-se destacar o "Grupo Evolução", composto por usuários com algum tipo de sofrimento psíquico e seus familiares. É coordenado por uma das professoras supervisoras do estágio.

As famílias e a equipe consideram que o "Grupo Evolução" é uma importante ferramenta de cuidado em saúde mental no território, conforme os relatos a seguir:

[...] eu acho que eles convivem uns com os outros, com vocês [alunos da enfermagem da UFRGS], são outras pessoas ali [...] vocês, principalmente, que vem, 'oh a X [professora da enfermagem da UFRGS] vem?' É uma preocupação para eles, saber que tal dia, porque eles sabem o dia certinho [do grupo de saúde mental] (F1).

[...] o grupo que é da saúde mental, que é o Evolução. Eu já participei [...]. Eles conversam, adoram. E é muito importante, porque não é só ele [usuário], é também para o cuidador [...]. E aí também é bom, assim, para os estudantes que tão chegando, que conhecem também (E10).

[...] então, esse grupo é bem legal porque eles conseguem um resultado bem bom, bem interessante, eles querem saber quando que vai ter o próximo, eles não querem que parem, querem que continuem (E3).

Pode-se observar que, se por um lado as visitas domiciliares têm proporcionado o encontro de sujeitos com a realidade do sofrimento do usuário, em que o respeito e a convivência com as diferenças têm sido seu maior enfoque, por outro, cabe ressaltar que o Grupo Evolução serve de oportunidade de convivência e sociabilidade, além de ser um espaço de formação profissional para os alunos da graduação em enfermagem, nos moldes da reforma psiquiátrica.

Tradicionalmente, o locus dos estágios tem sido o hospital, que é sede de atenção especializada e com métodos terapêuticos centrados na alta tecnologia. Com isso, o aluno pode ser induzido a uma especialização precoce de sua carreira e a ter uma visão distorcida da própria rede de serviços de saúde em si, centrada no hospital.1313 Macedo MCS, Romano RAT, Henriques RLM, Pinheiro R. Cenários de aprendizagem: interseção entre os mundos do trabalho e da formação. In: Pinheiro R, Ceccim RB, Mattos RA, organizadores. Ensinar saúde: a integralidade e o SUS nos cursos de graduação na área de saúde. Rio de Janeiro (RJ): IMS/UERJ; 2005. p.229-50.

A inserção de estudantes nas redes cujas profissões não estão estabelecidas nos serviços de saúde pode ampliar a possibilidade do cuidado nos serviços e reorganizar os mesmos. Em outras palavras, a presença da universidade pode mobilizar a criação de novos espaços de intervenção nos serviços, como a proposição de grupos, a criação de materiais educativos, a participação em instâncias gestoras locais, entre outros.1414 Pontes ALM, Silva Júnior AG, Pinheiro R. Ensino da saúde e a rede de cuidados nas experiências de ensino-aprendizagem. In: Pinheiro R, Ceccim RB, Mattos RA, organizadores. Ensinar saúde: a integralidade e o SUS nos cursos de graduação na área de saúde. Rio de Janeiro (RJ): IMS/UERJ; 2005. p.251-74.

Desse modo, as experiências de formação profissional têm mostrado que ao modificar o lugar de formação, ou seja, não mais predominantemente em torno do leito, mas no espaço do território, ajuda aos alunos a desenvolverem competências mais abrangentes ou generalistas e pertinentes à realidade social dos usuários.1515 Butti G. Formação e desinstitucionalização em saúde mental. In: Amarante P, Cruz LB, organizadores. Saúde mental, formação e crítica. Rio de Janeiro (RJ): LAPS; 2008. p.51-63.

Compreende-se que a parceria estabelecida entre a ESF e a universidade permite o crescimento e desenvolvimento mútuo de suas prerrogativas básicas, ou seja, enquanto a primeira tem por objetivo principal a operacionalização do cuidado em saúde (ações de prevenção de doenças, de recuperação e de promoção da saúde aos indivíduos, famílias e comunidade), a segunda busca, dentre outros aspectos, realizar a formação de profissionais e de pesquisadores que atendam a essas necessidades.

Isso quer dizer que os espaços de aprendizagem devem ser lugares de construção de conhecimento, de vivências e desenvolvimento de atitudes que produzam criticamente formas de atuar em saúde e de se relacionar com os usuários. Isso quer dizer que os cursos devem incorporar estágios em setores diversos, para além da área da saúde, oportunizando aos estudantes exercitarem a negociação com outras instâncias e conhecer outros espaços, como Organização Não Governamentais, escolas, conselhos de saúde, praças públicas, organizações comunitárias, outras secretarias municipais, etc. Esse incentivo pode gerar compromisso social e ajudar no fortalecimento das premissas do Sistema Único de Saúde.1414 Pontes ALM, Silva Júnior AG, Pinheiro R. Ensino da saúde e a rede de cuidados nas experiências de ensino-aprendizagem. In: Pinheiro R, Ceccim RB, Mattos RA, organizadores. Ensinar saúde: a integralidade e o SUS nos cursos de graduação na área de saúde. Rio de Janeiro (RJ): IMS/UERJ; 2005. p.251-74.

Na realidade social estudada, percebe-se que a universidade tem contribuído nessa formação, pois essa articulação intersetorial com a ESF vem possibilitando aos alunos exercitarem reflexões e ações mais amplas sobre essa mesma realidade. Assim, embora a universidade ainda precise sair mais "de seus muros", algumas estratégias, como essas, têm possibilitado romper com o modelo tradicional de estágios na área de saúde mental, ainda focados nas instituições hospitalares.

Com isto pretende-se provocar na universidade a sua desinstitucionalização,1515 Butti G. Formação e desinstitucionalização em saúde mental. In: Amarante P, Cruz LB, organizadores. Saúde mental, formação e crítica. Rio de Janeiro (RJ): LAPS; 2008. p.51-63. ou seja, frente às conquistas no campo político, da organização de serviços e de práticas em saúde, repensar o seu compromisso e seu papel transformador da sociedade. Em relação à formação em saúde mental, as universidades devem estar atentas para responder aos interesses dos usuários e das famílias, defendidos tanto nas conferências nacionais de saúde mental, como pelos movimentos de reforma sanitária e psiquiátrica.

No que se refere aos serviços, vale lembrar que a proposta de territorialização, que rompeu com o paradigma médico e hospitalocêntrico, trouxe à tona a importância de rediscutir e enfrentar os problemas regionais da população. No caso da saúde mental, esses problemas estão muitas vezes relacionados a demandas individuais ou coletivas, tensionando as equipes de saúde a fazer diferente sempre. É dizer que esse "fazer diferente" não é apenas ver o serviço de saúde como um "lugar que trata", que está na comunidade, mas que deve prover os cuidados básicos (medicação, orientações sobre lazer, alimentação, etc). É ver o serviço como um "lugar que cuida", que está comprometido com o outro, que conhece a sua realidade e que compreende suas limitações.1616 Yasui S, Costa-Rosa A. A estratégia atenção psicossocial: desafio na prática dos novos dispositivos de saúde mental. Saúde Debate. 2008 Jan-Dez; 32(78/80):27-37.

Um "novo serviço", acessível, comprometido. Um serviço sensível às questões mais íntimas que, muitas vezes, atrapalham o cotidiano de vida dos moradores do território. Formador de opiniões, que capitaliza esforços coletivos em torno de um projeto único e que se preocupa com a negociação, com a contratualidade e com o respeito mútuo. Um processo de trabalho que valoriza a experiência de vida e as trocas é aquele que modifica a maneira de pensar e agir das equipes, centrando-se, cada vez mais, nas demandas dos usuários.1717 Pinho LB, Hernández AMB, Kantorski LP. Concepção de clientela: análise do discurso da benevolência no contexto da reforma psiquiátrica brasileira. Rev Bras Enferm. 2010 Mai-Jun; 63(3):377-84.

É dizer que os serviços de saúde devem oferecer espaços que compartilhem e acolham o outro. É preciso estar atento aos problemas trazidos pelas pessoas, pois nenhum indivíduo procura um serviço de saúde se não estiver com alguma necessidade. O serviço precisa ser indutor de novas capacidades e articulador com outros dispositivos previstos no território, pois assim é possível construir projetos de vida que incluam, desenvolvam a autonomia, respeitem o outro, proporcionem a liberdade e o exercício de sua condição cidadã.1818 Merhy EE. Em busca do tempo perdido: a micropolítica do trabalho vivo em saúde. In: Merhy EE, Onocko R, organizadores. Agir em saúde: um desafio para o público. São Paulo (SP): Hucitec; 2006. p.71-112. - 1919 Pinho LB. Análise crítico-discursiva da prática de trabalhadores de saúde mental no contexto social da reforma psiquiátrica [tese]. Ribeirão Preto (SP): Universidade de São Paulo. Programa de Pós-Graduação em Enfermagem Psiquiátrica; 2009.

Diante disso, entende-se que a parceria estabelecida entre a ESF e a UFRGS possibilita repensar o cuidado a indivíduos com transtornos mentais na comunidade, sendo uma autêntica possibilidade de estabelecer trocas e reciprocidade, compatíveis com a postura intersetorial de ver a saúde no cotidiano. No relato de E13, isso se materializa na visita domiciliar, no Grupo Evolução e no matriciamento. No depoimento de F8, somente isso não seria suficiente, pois há outros setores que devem ser envolvidos:

[...] eu acho que no conjunto da obra o matriciamento, a equipe da enfermagem da UFRGS e o grupo Evolução são recursos que, com certeza, contribuem. No sentido de poder aparelhar o profissional, de saber que tu tem mais com quem contar. Não porque é de fora que qualificou, mas eu acho que é porque tu tem essa possibilidade de dialogar com outras frentes (E13).

[...] eu acho que o conhecimento geral, porque saúde pública, como eu digo, é um todo. Eu vejo muito que nós estamos [...] soltos no ar e não é isso. Eu acho que tem que fazer um trabalho todo de educação e tem que envolver não só o posto. Teria que fazer um trabalho integrado com todos os órgãos da prefeitura, fazer um trabalho de meio ambiente e de educação como um todo. Falta, a comunidade carece, ela responde, ela dá resposta, porque quando eu vim para cá eu fiz um trabalho assim de meio ambiente e tive respostas, muita resistência, mas, ao mesmo tempo, muito gratificante. Eu fiz, me gratifica pelo resto da vida. Como se diz, fiz a minha parte, eu acho que o posto pode fazer, mas tem que trabalhar integrado. Eu sou da opinião que tudo tem que ser integrado, nada sozinho. Uma andorinha só faz verão, mas não muito (F8).

Nos depoimentos de F8 e E13, nota-se a necessidade de empenho para construir um trabalho articulado em saúde, envolvendo outros setores da sociedade civil e também os serviços da administração pública com a ESF estudada.

Embora o familiar reconheça que há dificuldades para articular e desenvolver esses trabalhos intersetoriais, ele ressalta que, além de ser gratificante, esse tipo de trabalho mostra resultados concretos na vida das pessoas. Assim, fica o desafio aos profissionais da ESF e gestores de que "uma andorinha só faz verão, mas não muito". Ou seja, a iniciativa, mesmo que tímida e isolada, são importantes, entretanto, precisam de apoio (pessoal e/ou institucional) para se sustentarem ao longo do tempo.

Em saúde mental, essas estratégias fora dos muros dos serviços também possuem o papel de ressignificar a assistência psiquiátrica tradicional, focada no isolamento e na reclusão. Um trabalho que parece totalmente compatível com a proposta de desconstruir saberes cristalizados sobre a loucura como doença, já que são dispositivos que acompanham o usuário e prestam suporte à sua família, na tentativa de reaproximar sujeitos para construir novos projetos de vida.2020 Silva CMC, Teixeira ER, Sabóia VM, Valente GSC. Visita domiciliar na atenção à saúde mental. Cienc Enferm. 2011 Dez; 17(3):125-36.

Os depoimentos dos usuários, da equipe e dos familiares também permitem avaliar o potencial do serviço de estimular esses espaços de inclusão. Ao valorizarem a presença do aluno e também a necessidade de parceria com os serviços públicos, indiretamente estão avaliando o trabalho em saúde desenvolvido pela ESF e o próprio serviço. A flexibilidade e o interesse deles em conhecer melhor os indivíduos e suas famílias reafirmam o potencial cuidador e o modus operandi da equipe, usuário-centrada.

Finalmente, a parceria entre a UFRGS, os demais setores públicos e a ESF, mesmo com suas dificuldades, traz uma nova dimensão às práticas em saúde. Valoriza dois setores específicos da sociedade (saúde e educação) que ainda se distanciam muito e dialogam pouco. Sob nosso entendimento, uma nova maneira de mostrar que a saúde depende dos esforços desses diálogos, para romper com posturas cristalizadas e fragmentárias que ainda insistem em rondar os serviços de saúde.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como foi possível observar, os grupos de interesse referiram-se à construção de projetos de inclusão, em parceria com os setores da administração pública, como educação, cultura, meio ambiente, segurança e outros. Usuários, familiares e equipe discutiram que a comunidade estudada possui um importante recurso de articulação dessas demandas, como a Associação dos Usuários e a parceria existente entre a UFRGS e a ESF.

Apesar das dificuldades vividas no cotidiano, como o esvaziamento da associação de usuários, destacou-se uma das maiores contribuições para o fortalecimento das ações de saúde mental na ESF: a parceria estabelecida entre a UFRGS e a ESF, por meio dos estágios práticos na área da saúde mental, desenvolvidos pela Escola de Enfermagem. Como um dos campos de estágio, a ESF oferece oportunidade para alunos e professores conviverem com as demandas complexas de saúde mental do território, discutindo casos em conjunto e planejando o cuidado com base nessas demandas.

Uma nova maneira de enxergar as complexas demandas vividas por indivíduos em sofrimento psíquico. Se antes eram pessoas excluídas do seio familiar e trancadas em instituições especializadas, hoje elas podem conviver com seus amigos, vizinhos e frequentar os serviços de saúde existentes na comunidade. Ter a oportunidade de mostrar ao aluno essas diferentes possibilidades de vida, através da consolidação de parcerias intersetoriais, desponta como um novo caminho voltado à construção de uma agenda em saúde que seja mais atrelada às necessidades do território e orientada pelas premissas do SUS.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2014

Histórico

  • Recebido
    06 Jun 2012
  • Aceito
    28 Fev 2013
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