QUALIDADE DA ATENÇÃO PRIMÁRIA NA PERSPECTIVA DE PROFISSIONAIS: SAÚDE DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES COM HIV ¹

RESUMO

Objetivo:

avaliar, na experiência dos profissionais, a qualidade da atenção primária à saúde de municípios de procedência de crianças e adolescentes com HIV, acompanhados em serviço especializado.

Método:

estudo transversal, com instrumento de avaliação da atenção primária, aplicado a 527 profissionais em 25 municípios do interior do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Foi utilizado o teste do qui-quadrado de Pearson, de Mann Whitney e regressão de Poisson.

Resultados:

Estratégia Saúde da Família e unidade básica de saúde apresentaram alto escore dos atributos: longitudinalidade (7,17 e 6,74), coordenação integração de cuidados (6,87 e 7,03), coordenação sistemas de informação (8,24 e 8,19) e baixo escore no atributo acesso (3,96 e 3,8). As variáveis: sexo feminino (0,009), formação clínico-geral (<0,001), vínculo estatutário (0,029), cargo de coordenador (0,087) e não possuir outro emprego (0,027) estiveram associadas ao alto escore.

Conclusão:

ampliar a cobertura de Estratégia Saúde da Família e superar carências estruturais e organizacionais de acesso.

DESCRITORES:
HIV; Atenção primária à saúde; Saúde da criança; Saúde do adolescente; Avaliação de serviços de saúde.

ABSTRACT

Objective:

evaluate, based on the professionals’ experience, the primary health care quality in home cities of children and adolescents with HIV, treated at a specialized service.

Method:

cross-sectional study involving 527 professionals in 25 interior cities in Rio Grande do Sul, Brazil, in the first semester of 2014. The Primary Care Assessment Tool was applied. Pearson’s chi-square Test, the Mann Whitney Test and the Poisson Regression were used.

Results:

the Estratégia Saúde da Família and the primary health care service presented a high score related to the essential attributes: longitudinality (7.17 and 6.74), coordination-integration of care (6.87 and 7.03) and coordination-information systems (8.24 and 8.19); and a low score for the attribute access (3.96 and 3.8). The variables: female gender (0.009), education as general practitioner (<0.001), statutory staff (0.029), coordinator position (0.087) and not having another job (0.027) were also associated with the high score.

Conclusion:

the coverage of the Estratégia Saúde da Família needs to be expanded and structural and organizational shortages in the access need to be overcome.

DESCRIPTORS:
HIV; Primary health care; Child health; Adolescent health; Health services evaluation.

RESUMEN

Objetivo:

evaluar, en la experiencia de los profesionales, la calidad de la atención primaria de salud de municipios de procedencia de niños y adolescencia con VIH, acompañados en servicio especializado.

Método:

estudio transversal con 527 profesionales de los 25 municipios del interior de la Provincia del Rio Grande del Sur, Brasil, en el primer semestre del 2014. Se utilizó el Instrumento de Evaluación de la Atención Primaria. Fueron utilizados el test ji-cuadrado de Pearson, Test de Mann Whitney y la regresión de Poisson.

Resultados:

Estratégia Saúde da Família y unidad básica de salud presentaron alta puntación cuanto a los atributos esenciales: longitudinalidad (7,17 y 6,74), coordinación integración de cuidados (6,87 y 7,03), coordinación sistemas de información (8,24 y 8,19); y baja puntuación para el atributo acceso (3,96 y 3,8). Las variables: sexo femenino (0,009), formación clínico general (<0,001), vínculo estatutario (0,029), cargo de coordinador (0,087) y no poseer otro empleo (0,027) también se mostraron asociadas a la alta puntuación.

Conclusión:

ts fundamental ampliar la cobertura de Estratégia Saúde da Família, además de superar las carencias estructurales y organizacionales indicadas por el acceso.

DESCRIPTORES:
VIH; Atención primaria de salud; Salud del niño; Salud del adolescente; Evaluación de servicios de salud.

INTRODUÇÃO

O investimento no tratamento antirretroviral para o HIV, na década de 1990, resultou em impacto na morbimortalidade de crianças e adolescentes, implicando a necessidade de acompanhamento de saúde devido à condição crônica.¹ No entanto, os serviços de saúde no Brasil estão estruturados para o manejo clínico das condições agudas.² Isso resulta na busca pela resolução dos problemas de saúde nos serviços de especialidade. Assim, para garantir que esta população receba melhor qualidade de atenção, faz-se necessária a integração de cuidados entre os serviços de atendimento especializado e os da atenção primária à saúde (APS).³

A APS é definida como um conjunto indissociável de elementos estruturantes do sistema de serviços de saúde. Estes elementos são atributos essenciais (acesso, longitudinalidade, integralidade e coordenação), que medem potencial de capacidade e desempenho.^4-5 O acesso de primeiro contato é composto pela acessibilidade e utilização do serviço de saúde como fonte de cuidado a cada novo problema ou episódio de saúde.⁶ A longitudinalidade pressupõe a existência de uma fonte contínua de atenção e seu uso ao longo do tempo. A integralidade implica a disponibilização e a prestação de assistência, por meio de ações de prevenção, promoção, cura e reabilitação adequadas nesse contexto de atenção, para que o usuário obtenha os serviços que necessitar.⁷ A coordenação trata da integração do cuidado global do usuário nos diferentes serviços.⁵

No Brasil, a APS é uma proposta composta por serviços de Estratégia de Saúde da Família (ESF) e Unidade Básica de Saúde (UBS). A ESF é indicada pelo Ministério da Saúde para a reorientação do Sistema Único de Saúde (SUS) e ampliação desta proposta. A ESF vem demonstrando impacto positivo sobre o sistema de saúde brasileiro, evidenciado por indicadores, como menor mortalidade infantil e maior qualidade da atenção ao pré-natal e à puericultura.⁵

Neste sentido, configura-se como ponto preferencial de contato dos usuários, famílias e comunidade com o SUS. Nesses serviços são ofertados os cuidados de promoção da saúde, manutenção da saúde, a detecção precoce, o rastreamento de doenças, o tratamento e a reabilitação.^2,4

As crianças e adolescentes, com HIV, têm demandas de acompanhamento de saúde, tanto clínico quanto de desenvolvimento. Estas demandas clínicas, relacionadas à condição crônica, são solucionadas, principalmente, em serviços especializados, implicando, não só a longitudinalidade, mas também, a coordenação da atenção. Entretanto, o segmento de puericultura, que pode ser ofertado nas ESF e UBS, configura-se uma lacuna na prática assistencial brasileira. Esta limitação na rede de atenção aponta a necessidade de estruturar as ações de responsabilidade de cada serviço e, também, a comunicação intersetorial. Portanto, é imperativa a integração entre os serviços, que pode ser estabelecida por meio de um fluxo de usuários no sistema de saúde.³

Um estudo recomenda que a APS promova a saúde, considerando o contexto individual, familiar e social, podendo auxiliar na adesão ao tratamento e na resolução de queixas inespecíficas ou comorbidades. Além disso, deve manter a busca ativa dos usuários e o sistema de informações compartilhado entre os serviços,³ para que os profissionais reconheçam esta atribuição com vistas à qualificação na atenção primária à população.

Assim, o presente estudo justificou-se pela necessidade de avaliar o desempenho e a estrutura da APS, como porta de entrada preferencial do SUS. Acredita-se que a garantia do acesso de atenção à saúde, em serviços de baixa densidade tecnológica, pode qualificar as ações de manutenção da saúde.

Considerando que a presença e extensão dos atributos essenciais qualificam a atenção à saúde, propôs-se, como objetivo, avaliar, na experiência dos profissionais, a qualidade da APS de municípios de procedência de crianças e adolescentes com HIV, acompanhados em serviço especializado.

MÉTODO

Tratou-se de um estudo transversal, desenvolvido com profissionais de saúde de UBS e ESF de 25 municípios do interior do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Estes foram elencados pela procedência de crianças e adolescentes infectados com HIV, que fazem acompanhamento permanente em serviço especializado, localizado no Hospital Universitário de Santa Maria. O serviço localiza-se na área central do Estado do Rio Grande do Sul, município de médio porte, com 261 mil habitantes. Estavam cadastradas 80 crianças e adolescentes em acompanhamento ambulatorial.

Os critérios de inclusão foram: médico, enfermeiro e odontólogo que atuassem na APS. Foram excluídos os profissionais, que no período da coleta de dados, estavam em férias ou afastamento. Totalizaram-se 596 profissionais, dos quais 42 não atenderam aos critérios de inclusão (7,0%). Da população elegível, de 554 profissionais, houve 12 recusas e 15 não foram encontrados, totalizando 27 perdas (4,9%). Assim, a população de estudo constituiu-se de 527 profissionais de saúde.

A coleta de dados foi realizada no período de março a agosto de 2014, por auxiliares de pesquisa previamente capacitados pela coordenadora do estudo. Foram nove coletadores, dentre os quais, quatro mestrandas e cinco bolsistas de iniciação científica do curso de graduação em enfermagem. A supervisão da etapa de campo foi desenvolvida em encontros semanais do grupo de pesquisa, para discutir as facilidades e as dificuldades.

Foi realizado contato com as secretarias de município para autorizar e acessar os endereços das UBS e ESF. A coordenadora da APS de cada município providenciou o agendamento das entrevistas. Os auxiliares de pesquisa viajaram até os municípios, utilizando recursos de projetos contemplados em editais de fomento à pesquisa.

Para a caracterização dos profissionais foi utilizado um instrumento com variáveis sociodemográficas: idade (em anos; dicotômica); sexo (feminino, masculino); situação conjugal (casado, solteiro, outro); variáveis de formação acadêmica: formação, tempo de formado (em anos; dicotômica), pós-graduação (residência, especialização e mestrado), conclusão da pós-graduação (em anos; dicotômica), formação complementar (sim, não) e variáveis de situação ocupacional: vínculo (celetista, estatutário, terceirizado), tempo de serviço (em anos; dicotômica), cargo no serviço (sim, não), tipo de cargo (responsável técnico, coordenador, responsável pelos agentes comunitários de saúde), outro emprego (sim, não), totalizando 13 itens, elencados a partir da revisão de pesquisas prévias na temática.

A avaliação da qualidade da atenção à saúde (variável dependente), neste estudo, foi considerada como a presença e a extensão dos atributos essenciais da APS.⁴ Para a sua mensuração, foi aplicado o Instrumento de Avaliação da Atenção Primária (PCATool-Brasil), versão Profissionais, composto de atributos essenciais (acesso, longitudinalidade, integralidade e coordenação) e derivados (orientação familiar e comunitária).⁸ Embora esse instrumento não fosse específico à população de crianças e adolescentes vivendo com HIV, durante sua aplicação, os profissionais foram orientados a respondê-lo com foco na atenção à saúde dessa população.

Neste estudo, é apresentada a análise dos atributos essenciais. As respostas, em escala Likert, foram: “com certeza sim” (valor=4), “provavelmente sim” (valor=3), “provavelmente não” (valor=2), “com certeza não” (valor=1) e “não sei/não lembro” (valor=9). As respostas marcadas com “não sei/não lembro” foram consideradas “provavelmente não”.⁸

Para a inserção dos dados foi utilizado o programa Epi-info®, versão 7.0, com dupla digitação independente, para garantir a exatidão dos dados. Após a verificação de erros e inconsistências, a análise dos dados foi realizada no programa Statistical Analysis System (SAS) versão 9.3.

Para a análise do PCATool-Brasil, primeiramente, foram calculados os escores dos atributos essenciais da APS. Os valores que, originalmente, variavam em escala de 1 a 4, foram transformados em escala contínua, de 0 a 10, conforme a fórmula: escore de 0 a 10 do atributo X = (escore de 1 a 4 do atributo X - 1) x 10 / (4 - 1). Para a avaliação, os escores foram dicotomizados, segundo valores >6,6, para alto escore e <6,6, para baixo escore, de acordo com o manual do instrumento. O alto escore foi definido como extensão satisfatória de cada atributo e baixo escore, como insatisfatória.⁸

A análise de confiabilidade do instrumento PCATool-Brasil foi feita por meio de alfa de Cronbach (foram considerados indicadores de consistência os valores >0,7). As variáveis categóricas foram apresentadas em frequência absoluta e relativa e as variáveis contínuas, em média, desvio-padrão, quando apresentaram distribuição simétrica e em mediana e intervalo interquartil, quando assimétricas. Para todas as análises estatísticas, foi adotado o nível de significância de 5%.

Para a comparação das proporções dos escores dicotomizados dos atributos da APS, entre perfil sociodemográfico, de formação e situação ocupacional dos profissionais, foi utilizado o teste qui-quadrado de Pearson. Para a comparação dos escores dos atributos essenciais da APS atribuídos pelos profissionais da APS, segundo o tipo de serviço (ESF ou UBS) e para a comparação dos itens que compõem o atributo acesso de primeiro contato, dicotomizados em alto e baixo escore, utilizou-se o teste de Mann Whitney.

A regressão de Poisson, com variância robusta, foi aplicada para a verificação das variáveis associadas ao alto escore, sendo estimadas as razões de prevalência (RP) e os seus respectivos intervalos de confiança (IC 95%). Na análise bruta e ajustada, as variáveis independentes associadas ao alto escore, com p-valor <0,25, foram incluídas.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria (CAAE:12223312.3.0000.5346), atendendo às recomendações da Resolução 466/12. Todos os profissionais que participaram da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e foram respeitados os preceitos éticos.

RESULTADOS

Na avaliação da qualidade da APS pelos profissionais de saúde, o escore essencial da APS estimado pelo PCATool-Brasil resultou em 6,64 (desvio-padrão 1,02), sendo o escore satisfatório de orientação para a APS. Entretanto, o acesso de primeiro contato resultou em 3,89 (desvio-padrão 1,49), considerado aquém do ideal à qualidade da APS.

Na associação entre alto/baixo escore essencial e variáveis do perfil sociodemográfico e de formação dos profissionais, os itens, com significância estatística para alto escore foram: o sexo feminino; a formação profissional clínico-geral; o vínculo no serviço estatutário; o cargo de trabalho do profissional como coordenador do serviço. Para baixo escore foi: não possuir outro emprego (Tabela 1).

Tabela 1
Perfil sociodemográfico de formação e de situação ocupacional dos profissionais de saúde, de acordo com a avaliação de alto e baixo escore para o escore essencial da atenção primária à saúde de 25 municípios do Rio Grande do Sul, Brasil, 2014. (n=527 )

Variável	Categoria	Alto escore essencial (≥6,6) n (%)	Baixo escore essencial (<6,6) n (%)	p-valor†
Idade	>30 anos	53 (10,06)	54 (10,25)	0,387
	<30 anos	228 (43,26)	192 (36,43)
Sexo	Feminino	195 (37,00)	144 (27,32)	0,009
	Masculino	86 (16,32)	102 (19,35)
Situação conjugal*	Casado	177 (33,65)	165 (31,37)	0,125
	Solteiro	81 (15,40)	54 (10,27)
	Outro	22 (4,18)	27 (5,13)
Formação	Clínico geral	102 (19,35)	72 (13,66)	<0,001
	Ginecologista	15 (2,85)	23 (4,36)
	Pediatra	21 (3,98)	12(2,28)
	Enfermeiro	100 (18,98)	67 (12,71)
	Odontólogo	43 (8,16)	72 (13,66)
Tempo de formado*	<15 anos	155 (29,47)	119 (22,62)	0,109
	>15 anos	125 (23,76)	127 (24,14)
Pós-graduação‡	Não possui	67 (12,71)	71 (13,47)	0,275
	Residência	52 (9,87)	52 (9,87)
	Especialização	153 (29,03)	113 (21,44)
	Mestrado	09 (1,71)	10 (1,90)
Conclusão da pós-graduação (n=390)	<6 anos	121 (31,03)	84 (21,54)	0,103
	>6 anos	94 (24,10)	91 (23,33)
Formação complementar	Sim	238 (45,16)	207 (39,28)	0,861
	Não	43 (8,16)	39 (7,40)
Vínculo com o serviço*	Celetista	79 (15,02)	57 (10,84)	0,029
	Estatutário	198 (37,64)	178 (33,84)
	Terceirizado	03 (0,57)	11 (2,09)
Tempo de serviço*	<3anos	147 (27,95)	120 (22,81)	0,445
	>3anos	134 (25,48)	125 (23,76)
Cargo no serviço*	Sim	55 (10,46)	35 (6,65)	0,108
	Não	226 (42,97)	210 (39,92)
Qual cargo (n=87)§	Responsável Técnico	13 (14,94)	14 (16,09)	0,087
	Coordenador	40 (45,98)	17 (19,54)
	Responsável ACS	01 (1,15)	02 (22,30)
Possuir outro emprego	Sim	134 (25,43)	141 (26,76)	0,027
	Não	147 (27,89)	105 (19,92)

• * Um participante não respondeu a questão; † teste Qui-quadrado de Pearson; ‡ questão de múltipla escolha/mais de uma resposta; § três participantes não responderam a questão.

Na comparação dos atributos essenciais da APS, entre os tipos de serviço avaliados, observou-se diferença significativa a favor da ESF: longitudinalidade (7,17); integralidade de serviços disponíveis (7,17) e integralidade de serviços prestados (7,66). Entre os atributos que receberam as piores avaliações, tanto na UBS quanto na ESF, destacou-se o acesso de primeiro contato (Tabela 2).

Tabela 2
Comparação dos escores dos atributos essenciais da APS em relação à atenção à saúde de crianças e adolescentes com HIV, na experiência dos profissionais de saúde de 25 municípios do Rio Grande do Sul, Brasil, 2014. (n=527)

Atributos essenciais	Unidade Básica de Saúde (n=270)			Estratégia Saúde da Família (n=257)			p-valor†
	Média (DP*)	Mediana	Mín-Máx	Média (DP*)	Mediana	Mín-Máx
Acesso de primeiro contato	3,96 (1,78)	3,33	0,74-9,63	3,80 (1,09)	3,70	1,85-9,26	0,655
Longitudinalidade	6,74 (1,34)	3,67	3,08-10	7,17 (1,24)	7,18	4,10-10	<0,001
Coordenação integração de cuidados	7,03 (1,51)	7,22	1,67-10	6,87 (1,50)	6,67	2,22-10	0,164
Coordenação sistemas de informações	8,19 (1,87)	8,89	0-10	8,24 (1,50)	8,89	3,33-10	0,502
Integralidade serviços disponíveis	6,49 (1,77)	6,67	1,54-9,74	7,17 (1,52)	7,18	2,31-10	<0,001
Integralidade serviços prestados	6,37 (2,77)	6,67	0-10	7,66 (1,96)	8,00	1,33-10	<0,001
Escore essencial da atenção primária à saúde	6,47 (1,10)	6,53	2,77-9,15	6,82 (0,88)	6,86	4,6-9	<0,001

• * DP: desvio- padrão;† teste de Mann Whitney

Na tabela 3, apresentam-se os itens que compõem o atributo acesso, dicotomizado em alto e baixo escore da APS, em relação à atenção à saúde de crianças e adolescentes com HIV, na experiência dos profissionais de saúde, por tipo de serviço (UBS e ESF).

Tabela 3
Comparação dos itens que compõem o atributo, acesso de primeiro contato, dicotomizados em alto e baixo escore, segundo o tipo de serviço, na avaliação pelos profissionais de saúde de 25 municípios do Rio Grande do Sul, Brasil, 2014. (n=524 )

Variáveis	Unidade Básica de Saúde (n=270)		p-valor*	Estratégia Saúde da Família (n=254)		p-valor*
	Alto Escore (≥6,6)	Baixo Escore (<6,6)		Alto Escore (≥6,6)	Baixo Escore (<6,6)
	n (%)	n (%)		n (%)	n (%)
Aberto sábado ou domingo (n=268)	16 (5,97)	252 (94,03)	<.0001	5 (1,97)	249 (98,03)	<.0001
Aberto pelo menos em alguns dias até as 20 horas (n=268)	45 (16,79)	223 (83,21)	<.0001	9 (3,54)	245 (96,46)	<.0001
Quando aberto alguém do seu serviço o atenderia no mesmo dia (n=268)	173 (64,55)	95 (35,45)	<.0001	190 (74,80)	64 (25,20)	<.0001
Quando aberto, aconselhamento rápido pelo telefone quando julgam ser necessário. (n=262)	85 (32,32)	178 (67,68)	<.0001	135 (53,36)	118 (46,64)	0,285
Quando fechado, existe um número de telefone para contato (n=256)	51 (19,47)	211 (80,53)	<.0001	24 (9,68)	224 (90,32)	<.0001
Quando fechado nos sábados e domingos, atendimento naquele dia por alguém do serviço (n=264)	28 (10,57)	237 (89,43)	<.0001	7 (2,77)	246 (97,23)	<.0001
Quando fechado à noite atendimento naquela noite por alguém do serviço (n=266)	27 (10,11)	240 (89,89)	<.0001	10 (3,95)	243 (96,05)	<.0001
É fácil marcar consulta de revisão de saúde (n=268)	132 (49,25)	136 (50,75)	0,807	168 (66,14)	86 (33,86)	<.0001
Esperar mais de 30 minutos para serem atendidos pelo médico ou pela enfermeira (n=268)	68 (25,37)	200 (74,63)	<.0001	42 (16,54)	212 (83,46)	<.0001
Atributo acesso de primeiro contato	24 (8,89)	246 (91,11)	<.0001	14 (5,51)	240 (94,49)	<.0001

• *teste do qui-quadrado de Pearson.

Na tabela 4, a regressão de Poisson bruta e ajustada mostra a associação das variáveis independentes ao alto escore da APS, em relação à atenção à saúde de crianças e adolescentes com HIV, na experiência dos profissionais de saúde.

Tabela 4
Regressão bruta e ajustada para o escore essencial da atenção primária à saúde, na avaliação pelos profissionais de saúde de 25 municípios do Rio Grande do Sul, Brasil, 2014. (n=527 )

Variáveis	Alto Escore
	RPb*	IC95%†		p	RPa‡	IC95%†		p
		Mínimo	Máximo			Mínimo	Máximo
Pós-graduação
Especialização	0,906	0,785	1,046	0,180	0,914	0,791	1,055	0,217
Não possui	0,926	0,799	1,073	0,308	0,930	0,803	1,077	0,333
Residência	0,963	0,083	1,121	0,629	0,952	0,818	1,108	0,522
Mestrado	ref§				ref§
Possuir outro emprego
Sim	1,060	1,018	1,103	0,004	1,049	1,006	1,094	0,025
Não	ref§				ref

• *RPb= regressão de Poisson bruta; †IC 95% = intervalo de confiança de 95%; ‡RPa= regressão de Poisson ajustada por: pós-Graduação e possuir outro emprego; §ref =valor de referência.

DISCUSSÃO

Os resultados apresentados apontaram que, na experiência dos profissionais médicos, enfermeiros e odontólogos, os serviços de APS, considerando-se a avaliação geral dos atributos essenciais, mostraram-se satisfatórios (6,64) para a qualidade da atenção prestada nos municípios de procedência de crianças e adolescentes com HIV. Em outros estudos realizados com profissionais, a avaliação do escore essencial também apresentou bom resultado em consonância com a APS.^9-11

As características sociodemográficas evidenciaram maiores frequências de profissionais do sexo feminino, que convergiram com os resultados encontrados em outras pesquisas.^9,11 Isto pôde ser atribuído ao desempenho das profissões relativas ao cuidado, que são atribuídas ao universo feminino.¹²

O estímulo, por parte das organizações, ao desenvolvimento das potencialidades e capacidades das mulheres pode refletir na satisfação no trabalho.¹³ Ainda, a valorização e o reconhecimento profissional,¹² podem ter contribuído para este achado.

A formação dos profissionais destacou-se em clínico-geral. No entanto, este achado diverge do encontrado em outros estudos que apontaram a melhor avaliação da APS por profissionais de saúde com especialidade nesta área.^9,11 A especialização possibilita a construção de uma sistemática de avaliação dos cuidados prestados.¹⁰ Isto pode favorecer o pensamento crítico na avaliação das próprias ações nos serviços de saúde.

Quanto ao vínculo com o serviço, ser estatutário esteve associado ao alto escore essencial. Este resultado foi convergente com o estudo realizado na microrregião de Alfenas-MG, no qual, sendo estatutário, o profissional apresentou um tempo de atuação maior no serviço.¹⁴ Isto pode ter contribuído para a avaliação satisfatória pelos profissionais do presente estudo. No entanto, as variáveis: possuir outro emprego e cargo de coordenador não foram investigadas em outras pesquisas.

A ESF apresentou escores significativamente maiores do que os atributos da UBS em: “longitudinalidade”, “integralidade - serviços disponíveis” e “integralidade - serviços prestados”. Estes resultados também foram identificados em outros estudos.^9,11

A ESF representa o serviço indicado para o acompanhamento longitudinal e resolutivo da maioria dos problemas de saúde das crianças. Além disso, por localizar-se próxima à comunidade, favorece a comunicação e o vínculo com os profissionais. Isto permite que a situação de saúde dessa população seja mais bem reconhecida.⁷ Ainda, a elevada oferta de educação continuada e de especialistas na área de APS, proporciona à ESF capacidade para identificar e manejar, de maneira integral, os problemas de saúde comuns em sua população, com melhor desempenho dos profissionais de saúde.¹¹

Para atenção à saúde da criança e do adolescente com HIV, é preciso uma fonte regular de atenção, que prime por ações de promoção da saúde e prevenção da doença, características da atuação da ESF. A longitudinalidade, no Brasil, tem sido considerada o traço central e exclusivo da APS.⁴ Este atributo está relacionado à boa comunicação, que tende a favorecer o acompanhamento do usuário, a continuidade e a efetividade da atenção.¹⁵ A integralidade, por sua vez, implica na oferta de serviços curativos e preventivos, favorecendo a qualidade da atenção a crianças e adolescentes.^3,16

No presente estudo, os componentes: “coordenação-integração de cuidados” e “coordenação-sistemas de informação” apresentaram alto escore nos dois serviços. Este resultado condiz com outros estudos que utilizaram o PCATool-Brasil, versão profissionais.^9,11 Um elemento que contribuiu para este atributo foi o sistema informatizado nos resultados de exames laboratoriais disponibilizados, on-line no prontuário ou na marcação de consultas.¹¹

Em contrapartida, o acesso foi o atributo com baixo escore, tanto na UBS quanto na ESF. Observando outros estudos que utilizaram o PCATool, verificaram-se resultados convergentes na experiência de profissionais.^9-11 Dentre estes, um estudo realizado em Chapecó-SC apontou a fragilidade quanto ao acesso de primeiro contato (escore 3,6), indicando que se deve ter cautela ao se considerar apenas a experiência dos profissionais na avaliação.¹⁰

Há estudos realizados com cuidadores de crianças (escore 4,72) que apresentaram semelhança na avaliação deste atributo na APS,¹⁷ assim como em adultos (escore 3,8).¹⁸ Estes resultados revelaram que, independente do ator social (profissional, adulto ou cuidador), o acesso de primeiro contato à APS tem sido avaliado de modo insatisfatório.

Um estudo realizado em João Pessoa-PB corroborou com o achado da avaliação deste atributo e relacionou as barreiras que dificultaram o acesso ao comprometimento na formação do vínculo, insatisfação e descrédito, com o serviço de saúde, principalmente, pelo fato de que a condição crônica exigia tratamento prolongado e complexo em relação à terapêutica e aos determinantes desencadeadores do agravamento à saúde da criança.¹⁶

Além do atributo acesso de primeiro contato ter sido avaliado com baixo escore, tanto na UBS como na ESF, na comparação dos itens que o compõem, foi considerado dicotomizado em alto e baixo escore, segundo o tipo de serviço (UBS ou ESF). O escore geral do atributo acesso mostrou-se associado ao baixo escore em ambos. Isto indicou que, na experiência dessa população, estes elementos foram considerados indisponíveis ou de difícil obtenção nos seus serviços de APS, dificultando o acesso ao serviço de saúde às crianças e aos adolescentes com HIV, quando necessitaram ou consideraram este acesso conveniente.

Por vezes, a oferta restrita de ações a determinado público desfavorece o acesso. Alguns serviços restringem o acesso na recepção, por meio do fornecimento de senhas de acesso às consultas médicas. Tais fichas são adquiridas por intermédio de filas organizadas, por ordem de chegada, em dias específicos, e a determinado grupo populacional. Além disso, a ausência de profissionais e de serviços torna a APS uma porta estreita e sem acolhimento.¹⁹ Entretanto, estudos relataram que o encaminhamento pelos agentes comunitários de saúde é uma estratégia que favoreceu o acesso à marcação de consultas nos serviços.^20-21

O atendimento domiciliar é uma modalidade assistencial alternativa para o acesso dos usuários ao serviço, garantindo o direito de atendimento àqueles que apresentam limitação ou impossibilidade.²² Do mesmo modo, têm-se a estratégia da oferta de contato telefônico, possibilitando o agendamento de consultas e o acesso à atenção em áreas remotas.²³ Já, o longo tempo de espera, tanto previamente quanto durante a consulta com o profissional de saúde, prejudica o acesso e a satisfação de usuários com o serviço.²⁴

O acesso pode ser favorecido pela presença de ESF, visto que a expansão desta estratégia é essencial para a eficácia, equidade e racionalidade da atenção à saúde, por meio do cuidado clínico e prevenção/promoção da saúde.²⁵ Para tanto, há a necessidade de superação das barreiras de acesso que, muitas vezes, inviabilizam o papel da ESF como porta de entrada abrangente do SUS, apesar de haver uma ampla cobertura desse modelo de APS. Com isto, a comunidade adscrita poderá reconhecer-se vinculada à determinada equipe de profissionais.²⁶

A garantia do acesso aos serviços de saúde deve se dar na perspectiva da integralidade a quem busca o sistema de saúde. Entretanto, observa-se a fragmentação do cuidado e a carência de comunicação entre os serviços, no que se refere à população com HIV.²⁷ No caso das crianças e adolescentes, um estudo apontou que a APS era utilizada para consultas e prescrições de rotina e a equipe especializada, para cuidados específicos ao HIV. Dessa forma, é preciso investimento para um cuidado integral na APS, de modo a atender as demandas específicas da condição sorológica e da fase de crescimento e desenvolvimento.²⁸

Com base nos resultados obtidos, espera-se que a APS possa promover a saúde das crianças e adolescentes com HIV, considerando o contexto familiar e social. Nesse sentido, a APS deve ampliar a detecção de novos casos de infecção pelo HIV, transferindo os pacientes diagnosticados ao serviço especializado para o acompanhamento clínico específico, mantendo o acompanhamento na APS. Este pode ser realizado por meio da puericultura e atenção às modificações pubertárias, queixas inespecíficas ou comorbidades; cumprimento do calendário de imunizações; apoio à família na adesão ao tratamento; realização de busca ativa e manutenção de um sistema de informações compartilhado entre os serviços. Estas ações podem ser efetivadas considerando o potencial expresso pelos profissionais desses serviços, no alto escore dos atributos: longitudinalidade, coordenação integração de cuidados e coordenação sistemas de informação.

Como limitação deste estudo, aponta-se que o instrumento não é específico à população com HIV, impossibilitando a avaliação de peculiaridades. Além disso, é preciso ressaltar a possível ocultação de diagnóstico de soropositividade ao HIV, por parte dos usuários que, por vezes, dificulta a identificação e a avaliação da atenção às demandas que poderiam ser resolvidas pelos profissionais da APS.

CONCLUSÃO

Na experiência dos profissionais, a avaliação da qualidade da APS está aquém do desejado, no que se refere ao atributo, acesso de primeiro contato, o que significa a evidência da necessidade de estratégias de atuação multiprofissional e de descentralização da atenção, além do planejamento das ações realizadas pelos profissionais, tanto na APS quanto no serviço especializado.

No que se refere ao planejamento reforçamos que o atendimento no mesmo dia e a facilidade em marcar consulta, foram itens avaliados positivamente pelos profissionais; entretanto, as dificuldades de acesso aos serviços de saúde, muitas vezes, impossibilitam a continuidade do cuidado, uma vez que distanciam os usuários dos serviços. Isso pode inviabilizar a construção do vínculo com os profissionais, o que prejudica a relação de confiança fundamental para a realização das intervenções em saúde.

Ainda, o reconhecimento das fragilidades dos atributos avaliados, aponta a necessidade de investimento na expansão do horário de funcionamento da APS e no preparo do profissional para oferecer atendimento de forma organizada e resolutiva a essa população.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  2017

Histórico

• Recebido
  01 Abr 2016
• Aceito
  03 Out 2016