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Hospital universitário da Universidade Federal de Santa Catarina: o saber-poder das enfermeiras docentes (1975-1980)1 1 Trata-se de um recorte da dissertação - Hospital Universitário da UFSC: o poder das enfermeiras na organização e implantação do Serviço de Enfermagem (1975-1990) apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem (PEN) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em 2013

Resumos

O objetivo foi historicizar a criação do Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina e o poder das enfermeiras docentes na organização da enfermagem deste hospital, a partir de seus saberes. Estudo qualitativo, abordagem sócio-histórica que utiliza história oral temática e análise documental. Foram realizadas entrevistas com cinco enfermeiras docentes e um médico. Os dados foram categorizados utilizando-se análise de conteúdo temática, com base no referencial foucaultiano. Os resultados demonstraram que o processo de construção do hospital e a organização da enfermagem foram permeados por lutas e resistências. As enfermeiras docentes exerceram o poder, garantindo conquistas, em virtude de seus saberes. Conclui-se que, a partir do saber constituído pelas enfermeiras docentes, da adequada postura profissional e da vontade de prestar uma assistência de qualidade, a enfermagem conquistou seu espaço e organizou um Serviço de Enfermagem sistematizado no referido hospital, que serviu de modelo para inúmeras instituições de saúde.

Enfermagem; História da enfermagem; Hospitais universitários; Serviço hospitalar de enfermagem


The objective of this study was to historicize the creation of the University Hospital of the Federal University of Santa Catarina and the power of nurse teachers in the organization of the nursing department of this hospital, based on their knowledge. It is a qualitative study and a socio-historical approach that utilizes oral thematic history and documentary analysis. Interviews were conducted with five nurse teachers and a doctor. Data were categorized utilizing thematic context analysis based on the Foucaultian framework. Results demonstrate that the process of construction of the hospital and the organization of the nursing were permeated with struggles and resistance. Nurse teachers exercised the power, ensuring many achievements due to their knowledge. It was concluded that, from the knowledge developed by nurse teachers, the proper professional attitude, and a willingness to provide quality care, the nursing department conquered its space and organized a nursing care systematized in the hospital, which served as a model for several health care institutions.

Nursing; History of nursing; University hospitals; Hospital nursing service


Investigación cualitativa, socio-histórica que objetivó historizar la creación del Hospital Universitario de la Universidad Federal de Santa Catarina y el poder de las enfermeras docentes en la organización de la enfermería en este hospital. Se utilizó historia oral temática y análisis documental. Se realizaron entrevistas con cinco enfermeras docentes y un médico. Los datos fueron categorizados utilizando análisis de contenido temático basado en el marco teórico de Foucault. Los resultados demuestran que el proceso de construcción del Hospital y organización de enfermería estuvieron permeados de muchas luchas y resistencias. Enfermeros docentes ejercían el poder, asegurando muchos logros, en virtud de sus conocimientos. Se concluye que a partir de conocimientos constituidos por las enfermeras docentes, la actitud profesional adecuada y la voluntad de ofrecer asistencia de calidad, la enfermería conquistó su espacio y organizó un Servicio de Enfermería sistematizado, que sirvió como un modelo para diversas instituciones de salud.

Enfermería; Historia de la enfermería; Hospitales universitarios; Servicio de enfermería del hospital


INTRODUÇÃO

Os Hospitais Universitários (HUs) foram criados com a finalidade de servir de suporte prático para o desenvolvimento do conhecimento adquirido nas aulas teóricas, ministradas nas Faculdades de Medicina do país. De acordo com a literatura pesquisada, em sete de novembro de 1922 foi inaugurado, no Rio de Janeiro, o Hospital Escola São Francisco de Assis, antigo Asilo São Francisco de Assis, sob a responsabilidade do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP).1Ministério da Educação (BR). Universidade Federal do Rio de Janeiro: Hospital Escola São Francisco de Assis. [acesso 2015 Fev 22]. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/sesu/arquivos/pdf/hefranc.pdf
http://portal.mec.gov.br/sesu/arquivos/p...
Este hospital, marcou o início da criação dos hospitais universitários no Brasil. Junto a este, pode-se citar o Hospital de Clínicas de São Paulo. Foi em 1923, que o Governo Estadual e a Fundação Rockfeller iniciaram as primeiras negociações para o planejamento e início das obras e, somente em 1944, o hospital foi inaugurado.2Hospital de Clínicas da Universidade de São Paulo. [página da Internet]. São Paulo, 2015. [acesso 2015 Fev 22]. Disponível em: http://www.hc.fm.usp.br/index.php?option=com_content&view=article&id=485&Itemid=303
http://www.hc.fm.usp.br/index.php?option...

Estes e outros hospitais universitários ganharam expressão durante as décadas de 1940 e 1950, como serviços de saúde próprios das universidades. Anteriormente, tais atividades de ensino desenvolviam-se em instituições filantrópicas que liberavam seus espaços e clientela.3Caldas Junior AL. A crise nos hospitais universitários: estratégia de privatização. Univ Soc. Brasília. 1999 Set-Dez; 9(20):133-8.

Durante o governo do Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira (1956-1961), o Brasil apresentou um crescimento real e marcante da economia, com o processo de industrialização acelerado. No período, houve o fortalecimento da economia dos centros urbanos, gerando uma força de trabalho a ser atendida pelo sistema de saúde. Em decorrência, o Estado passou a assumir a saúde do trabalhador, mantendo e restaurando sua capacidade produtiva. A assistência médica individualizada tornou-se dominante e a política privilegiou a privatização dos serviços e estimulou o desenvolvimento das atividades hospitalares.4 Paulus Junior A, Cordoni Junior L. Políticas públicas de saúde no Brasil. Rev Espaço para Saúde. 2006 Dez; 8(1):13-9.Nos anos de 1960 e 1970 houve uma expansão acelerada dos HUs, simultaneamente ao crescimento do número de escolas médicas, que se caracterizaram como espinha dorsal do sistema de saúde de alta complexidade ou de atenção terciária especializada do país.3Caldas Junior AL. A crise nos hospitais universitários: estratégia de privatização. Univ Soc. Brasília. 1999 Set-Dez; 9(20):133-8.

Na cidade de Florianópolis, a base da economia também começou a se modificar, principalmente a partir da década de 1960, devido ao Plano de Desenvolvimento Econômico - Programa de Metas do Governo de Juscelino Kubitschek, havendo a criação de várias instituições, entre elas, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Com a criação dessa Universidade, (lei n. 3.849 de 18/12/1960), e agregação da Faculdade de Medicina existente em Florianópolis desde 1957, passou a ser necessária a construção de um hospital. Este deveria suprir a demanda de alunos dos cursos da área da saúde (Farmácia, Odontologia e Medicina) em suas atividades práticas.5Rodrigues I. A UFSC na década de 1960: outras histórias. In: Neckel R, Kuchler ADC. UFSC 50 anos: trajetórias e desafios. Florianópolis (SC): UFSC; 2010. p.17-35.

A idealização da construção do HU/UFSC foi cogitada em 1963 pelos professores que faziam parte da Faculdade de Medicina, mas a concretização desse sonho e a inauguração do referido hospital somente vieram a acontecer em maio de 1980. Do início até a finalização das obras foram muitos momentos de paralizações, que geraram conflitos, lutas dos estudantes, dos profissionais de saúde e da sociedade civil frente à Política do Governo Federal, no período ditatorial.6Bristot LS. O Centro de Ciências da Saúde e suas histórias. In: Neckel R, Kuchler ADC. UFSC 50 anos: trajetórias e desafios. Florianópolis (SC): UFSC; 2010. p.171-89.

No que se refere as enfermeiras docentes do Departamento de Enfermagem da UFSC, estas tornaram-se visíveis desde a criação do Curso de Enfermagem em 1969, mediante a Resolução 02/69, de 24 de janeiro de 1969.7 Universidade Federal de Santa Catarina. Secretaria Geral. Divisão de Pessoal. Boletim do Pessoal. 1969 Jan-Dez; 3(25):1-2.A inserção destas, nos processos decisórios do planejamento e construção do HU/UFSC, se deu por meio da Portaria n. 418/75, do Reitor Roberto Mundell de Lacerda. Este, designou uma Comissão Multiprofissional com o objetivo de levar à frente o ideal de construção do referido hospital.8Gerges MC. Integração docente assistencial ou... entre o Departamento de Enfermagem e o Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina. Texto Contexto Enferm. 1995; 4(esp):230-7.

O planejamento, a organização e a implantação do Serviço de Enfermagem no HU/UFSC foram muito complexos e exigiram do grupo de enfermagem que atuava na Comissão de Implantação do Hospital Universitário de Santa Catarina (CIHUSC), um trabalho intenso, imediato e que fosse pautado no compromisso com a qualidade na assistência.9 Horr L, Rabello ES, Sakae SV, Cipriano ZM. Em busca de um sonho. Texto Contexto Enferm. 1995; 4(esp):210-5.Considerando a contribuição que as enfermeiras docentes do Departamento de Enfermagem da UFSC deram para a Enfermagem do HU/UFSC, o presente artigo objetiva historicizar o processo de criação do HU/UFSC e o poder das enfermeiras docentes no processo de organização do Serviço de Enfermagem deste hospital, a partir de seus saberes (1975-1980).

Justifica-se como marcador do tempo histórico, o período inicial de 1975, com a inserção e participação das enfermeiras docentes nos processos decisórios do planejamento e construção do HU/UFSC, findando em 1980, com a conclusão do respectivo hospital e a organização da enfermagem.

A relevância do presente estudo está justamente em desvelar a riqueza de detalhes fornecidos pelos depoimentos das enfermeiras docentes que fizeram parte da história da organização do Serviço de Enfermagem no HU/UFSC, acrescentado ao vazio historiográfico desse período acerca do poder-saber das referidas enfermeiras. Fundamenta-se, também, na importância do HU/UFSC, ao longo de sua existência e trajetória de mais de três décadas (1980-2014), como um locus de construção e transformação de saberes, por meio da formação profissional, do desenvolvimento da assistência, do ensino e da pesquisa.

METODOLOGIA

Trata-se de uma pesquisa qualitativa com abordagem sócio-histórica que utilizou a história oral temática. Para realizar uma pesquisa histórica é necessário que o pesquisador tenha um interesse especial de conhecer e entender um acontecimento do passado. A investigação histórica objetiva "lançar luzes sobre o passado para que este possa clarear o presente, inclusive fazer perceber algumas questões futuras".10:577

Para a coleta de dados, optou-se pelo método de história oral, utilizando-se de entrevistas semiestruturadas, que foram realizadas no período de janeiro a março de 2012. A história oral é um "método de pesquisa histórica, antropológica e sociológica que privilegia a realização de entrevistas"11:18 e gera como resultado fonte de consulta para outros estudos. Além das entrevistas, foram utilizadas outras fontes documentais como: jornais, boletins informativos, portarias, atas, relatórios, leis, fotografias, documentos básicos, que serviram como subsídios para a fundamentação da presente pesquisa, possibilitando a análise e interpretação contextualizada dos dados.

Para localizar os sujeitos da pesquisa foi efetuada uma busca ativa dos telefones na Secretaria do Departamento de Enfermagem da UFSC e do HU/UFSC. Inicialmente, fez-se o contato telefônico e, posteriormente, o agendamento do dia e local mais apropriado para cada entrevistado. As entrevistas foram realizadas em locais definidos pelos próprios sujeitos do estudo (UFSC, local de trabalho atual, própria residência) e tiveram duração média 90 minutos. Estas foram direcionadas por um roteiro previamente elaborado, contendo informações sobre a criação do HU/UFSC, questões relacionadas à formação profissional, ao poder no processo de organização do serviço de enfermagem do HU/UFSC, bem como sobre as conquistas que tiveram a partir da construção de documentos que alicerçaram essa organização. As entrevistas foram gravadas, transcritas e depois validadas.

Os sujeitos selecionados foram cinco enfermeiras docentes (Rosita Saupe, Lidvina Horr, Jorge Lorenzetti, Lorena Machado e Silva e Márcia Cruz Gerges) diretoras de enfermagem no HU/UFSC, e um médico (Nelson Grisard), que foi Diretor Geral do HU-UFSC no período de 1981-1984, contribuindo de maneira expressiva na construção dos alicerces da enfermagem do respectivo hospital. Estes sujeitos foram identificados, ao longo do estudo, pelo seus respectivos sobrenomes.

Os primeiros sujeitos foram selecionados a partir de uma entrevista realizada com a professora Rosita Saupe, primeira Diretora de Enfermagem do HU/UFSC, por entender que esta entrevista deveria ser o ponto de origem do estudo, ou seja, ponto zero. Os entrevistados foram indicados, no decorrer das entrevistas realizadas, como pessoas que tiveram papel de destaque no processo de organização e implantação do Serviço de Enfermagem do HU/UFSC.

Utilizou-se análise de conteúdo temática,12 12 Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo (SP): Hucitec; 2012.que possibilita que o conteúdo proveniente das entrevistas seja ordenado e integrado nas categorias escolhidas em função dos objetivos e metas anteriormente estabelecidos e permite sua interpretação sob o enfoque da teoria que norteia o estudo. A análise e a interpretação dos dados se deram à luz do referencial teórico de Michel Foucault, ao trazer a necessidade de se estabelecer um diálogo com as bases filosóficas e históricas contemporâneas e ao pensar os acontecimentos do passado na perspectiva de iluminar a história presente.1313 Foucault M. Arqueologia do saber. Rio de Janeiro (RJ): Forense Universitária; 2012.

O projeto de pesquisa obedeceu às diretrizes e normas da Resolução n. 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Pró-Reitora de Pesquisa e Extensão da Universidade Federal de Santa Catarina, sob o n. 2420/11 - FR 483711. Os sujeitos do estudo foram orientados quanto: ao tipo de pesquisa, ao direito de participar ou não da mesma, ao sigilo de algumas de suas informações, ao uso de imagens fotográficas, vídeos e gravação de seu relato e à possibilidade de interromper a entrevista e pedir esclarecimentos, podendo desistir em qualquer fase do processo. Após os esclarecimentos e o aceite dos sujeitos, foi solicitada a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e da Carta de Cessão da entrevista.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Na análise dos dados, emergiram duas categorias temáticas: O início do Hospital Universitário de Santa Catarina - uma história de lutas e resistências; O saber-poder das enfermeiras docentes: conquistas pelo espaço da enfermagem.

O início do Hospital Universitário de Santa Catarina - uma história de lutas e resistências

O sonho da construção de um hospital de ensino em Florianópolis foi cogitado inicialmente, no final da década de 1950, pelos professores que faziam parte da Faculdade de Medicina. Esta necessidade foi percebida por estes, após verificarem que os hospitais da região não ofereciam estrutura adequada para manter ou elevar o padrão de excelência no ensino das ciências da saúde. Com a criação da UFSC em dezembro de 1960, e a incorporação da Faculdade de Medicina à UFSC (Lei 3.849),1414 Brasil. Lei n 3.849, de 18 de dezembro de 1960. Federaliza a Universidade do Rio Grande do Norte, cria a Universidade de Santa Catarina e dá outras providências. Diário Oficial da União, 21 dez 1960. este sonho passou a ser possível.1515 Neckel R, Kuchler ADC. Universidade Federal de Santa Catarina-UFSC 50 anos: trajetórias e desafios. Florianópolis (SC): UFSC; 2010.

A idealização do projeto teve como seu principal mentor o Professor Polydoro Ernani de São Thiago.6 Bristot LS. O Centro de Ciências da Saúde e suas histórias. In: Neckel R, Kuchler ADC. UFSC 50 anos: trajetórias e desafios. Florianópolis (SC): UFSC; 2010. p.171-89.Em relação à definição do nome, este hospital recebeu algumas denominações ao longo do tempo, que se define na década de 1990, conforme pode ser visualizado a seguir:

[...] o HU, inicialmente, foi chamado de Hospital das Clínicas da Universidade de Santa Catarina, depois passou a ser chamado de HU da Universidade Federal de Santa Catarina. Com a morte de seu idealizador, professor Polydoro, nós, juntamente com o Conselho Universitário, decidimos que o hospital seria batizado de Hospital Universitário Prof. Polydoro Ernani de São Thiago (Grisard).

A proposta da construção era de um hospital de ensino fundamentado em princípios éticos e científicos e que fosse cenário para o desenvolvimento de atividades de ensino, pesquisa e extensão. A partir de 1964, a Reitoria da UFSC foi motivada pela ideia quase unânime, de professores e estudantes de medicina, da construção do Hospital de Clínicas da UFSC. A obra teve início em 1964, com uma paralisação em 1971, reiniciando em 1976 e, finalmente, concluída em 1980.1616 São Thiago PE. Promovendo saúde & ensino: Hospital Universitário de Santa Catarina. Florianópolis (SC): UFSC; 1983. Este processo de construção foi muito lento e passou por diversas fases, da ascensão ao abandono total, de acordo com o depoimento do professor Jorge Lorenzetti:

[...] naquela época, final da década de 1960 e início da década de 1970, tinha um esqueleto do hospital universitário, as obras ficaram paralisadas durante muitos anos, e estava um projeto meio que abandonado (Lorenzetti).

Esse período entre 1960 e 1970 foi marcado por manifestos e lutas estudantis relacionados com as questões sociais e políticas, decorrentes da ditadura militar. Apesar do apoio irrestrito do Reitor João David Ferreira Lima, segundo palavras do professor Polydoro, em seu livro "Promovendo saúde e ensino: Hospital Universitário de Santa Catarina" e do empenho dos professores, os estudantes foram considerados agentes determinantes desta conquista,1616 São Thiago PE. Promovendo saúde & ensino: Hospital Universitário de Santa Catarina. Florianópolis (SC): UFSC; 1983. como pode ser observado no depoimento a seguir:

[...] entrei na UFSC, como estudante em 1971, já participando do movimento estudantil. Em 1972 fui eleito presidente do Centro Acadêmico de toda a área da Saúde, pois naquela época não tinha centros acadêmicos por curso, era o Diretório Acadêmico do Centro Biomédico, envolvia medicina, odontologia, enfermagem, farmácia [...]. Assumimos como prioridade do Diretório, além das bandeiras políticas gerais que eram na época já da luta contra a ditadura, da democratização do país, resolvemos fazer manifestações por meio de uma campanha pública pela conclusão do Hospital Universitário. Fizemos uma campanha com repercussão estadual, repercussão nacional, passeatas estudantis, distribuição de carta aberta à população, adesivos para carros: "Hospital Universitário é uma necessidade dos estudantes e do povo" (Lorenzetti).

[...] quando me formei, era uma época que estava fervendo a política brasileira. Estávamos sempre envolvidos com os movimentos sociais. O país estava vindo de uma ditadura, estava passando ainda por esse processo. Nós, como jovens, gostávamos de ir à luta, de buscar referências, tínhamos ideais. Naquela época, participávamos de passeatas, queríamos estar envolvidos, lutando por melhores condições de vida. Desde estudantes já participávamos da ABEN-SC, sabíamos dos nossos direitos e deveres como enfermeiros (Gerges).

A tônica dos depoimentos das enfermeiras docentes expressa a importância das estratégias de lutas e resistências empreendidas pelo movimento estudantil contra o autoritarismo militar e favorável à liberdade democrática. Entende-se que as estratégias de resistência e de luta devem procurar ter as mesmas características que o poder, serem: inventivas, móveis, produtivas, organizadas e se consolidarem com este, no jeito como ele se constitui.1717 Foucault M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro (RJ): Edições Graal; 2014.

Esses estudantes defendiam sua bandeira política com entusiasmo e determinação, lutando contra o regime ditatorial, contando com o apoio da comunidade civil, de instituições públicas catarinenses e da própria imprensa. A bandeira de luta, que era pela qualidade na saúde, os fez seguir até Brasília e conseguir audiência com o Ministro da Educação da época - General Jarbas Passarinho, trazendo solução para o tão criticado "fantasma com estacas", o Hospital das Clínicas.

[...] fomos à Brasília, tivemos uma audiência com o ministro da educação, na época, Jarbas Passarinho, que era um homem forte da ditadura. Era do exército, mas ele foi muito receptivo, ele disse que a culpa era da UFSC, porque não tinha projeto de conclusão do hospital lá no Ministério. Então voltamos, e falamos publicamente que a culpa era da Universidade, e que o ministro tinha falado que não tinha, nenhum projeto em Brasília, pedindo a conclusão do hospital universitário. Teve muita crítica na cidade a respeito, e repercussão na imprensa local (Lorenzetti).

Como consequência a esta resposta trazida pelos estudantes, "a Reitoria decide constituir uma comissão para estudar o caso do Hospital das Clínicas".18:8 Com a manchete "Estudantes fazem campanha em favor de hospital e comissão dá apoio", o jornal O Estado entrevistou o presidente da Comissão, professor Polydoro de São Thiago, que, na matéria, parabenizou o movimento estudantil.1919 Estudantes fazem campanha em favor de hospital e comissão dá apoio. O Estado. Florianópolis (SC); 24 Mai 1973. p.8."Em 11 de dezembro de 1975, o Reitor Roberto Mündell de Lacerda anuncia a retomada das obras da construção do Hospital, sendo este inaugurado na gestão do Reitor Caspar Erich Stemmer (1976-1980), com o nome de Hospital Universitário".20:52

Percebe-se que a luta para a conclusão das obras de construção do HU/UFSC não seguiu uma trajetória linear e consensual por todos os envolvidos e interessados nessa construção. Por parte dos médicos e da Reitoria, a luta era para a construção de um espaço terapêutico para o ensino da clínica. Além disso, havia o interesse na manutenção do poder médico hegemônico. O movimento estudantil defendia um discurso no sentido de respeitar o direito da população de acesso à saúde de qualidade e à liberdade democrática. Este encontrou ressonâncias na sociedade civil (população, imprensa, igreja, entre outras), que ainda incrementou o movimento de lutas e resistência ao poder da época.

Este discurso de lutas e resistências permeou todo o corpo social e a população, fundamentado na perspectiva de compreensão do poder em sua positividade, o que, para Foucault, significa muito mais do que uma simples força negativa, que refere: "o que faz com que o poder se mantenha e que seja aceito é simplesmente que ele não pesa só como uma força que diz não, mas que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso".17:8

O saber-poder das enfermeiras docentes: conquistas pelo espaço da enfermagem

Como dito anteriormente, as enfermeiras docentes que fizeram parte do processo de organização do Serviço de Enfermagem do HU/UFSC eram provenientes do Curso de Graduação em Enfermagem, criado em 1969. Este foi fruto da motivação das enfermeiras integrantes da Associação Brasileira de Enfermagem de Santa Catarina (ABEn-SC). A professora Eloíta Pereira Neves, que era Presidente da ABEn-SC na época, juntamente com as demais enfermeiras associadas, elaboraram um memorial justificando a necessidade da criação deste curso, com o objetivo de promover o pleno desenvolvimento da enfermagem em Santa Catarina.2121 Borenstein MS, Althoff CR. Projetando e conquistando um caminho para a formação profissional do enfermeiro. In: Borenstein MS, Althoff CR, Souza ML. Enfermagem da UFSC: recortes de caminhos construídos e memórias (1969-1999). Florianópolis (SC): Insular; 1999. p.25-64.

No Brasil, até o ano de 1949, já existiam quinze Escolas de Enfermagem, concentradas, em sua maioria, na região Sudeste, e o referido número passa para 39 escolas, no ano de 1964. Este dado reflete um momento favorável à criação de mais uma escola na Região Sul com múltiplas possibilidades.2222 Carlos DJD, Padilha MI, Villarinho MV, Borenstein MS, Maia ARCR. Escolas de enfermeiras no nordeste brasileiro (1943-1975). Rev Rene. 2014 Mar-Abr; 15(2):326-33. - 2323 Teixeira E, Vale EG, Fernandes JD, Sordi MRL. Enfermagem. In: Haddad AE, organizador. A trajetória dos cursos de graduação na área da saúde: 1991-2004. Brasília: INEP; 2006. p.142-68.

O reconhecimento do Curso de Enfermagem se deu por meio do Decreto n. 76.853, de 17 de dezembro de 1975, do então Presidente da República, Ernesto Geisel. O Curso é criado em um momento muito específico da educação brasileira, quando a reforma das universidades já era estudada e estava em vias de se concretizar na UFSC.6Bristot LS. O Centro de Ciências da Saúde e suas histórias. In: Neckel R, Kuchler ADC. UFSC 50 anos: trajetórias e desafios. Florianópolis (SC): UFSC; 2010. p.171-89.

A partir da Reforma Universitária, criada em 1968 e em vigor em 1970, implementada pela Lei n. 5540/68, de 28 de novembro de 1968, foram instituídas mudanças referentes ao Ensino Superior Brasileiro.2424 Brasil. Lei n. 5.540, de 28 de novembro de 1968. Fixa normas de organização e funcionamento do ensino superior e sua articulação com a escola média e dá outras providências. Diário Oficial da União, 29 Nov 1968. Esse processo de reestruturação gerou diversas modificações, sendo que os cursos afins foram reunidos em Departamentos, como é possível ser constatado no depoimento a seguir:

[...] naquela época não era Departamento de Enfermagem, era Curso de Enfermagem. Depois veio a Reforma Universitária e foi criado esse sistema de departamentos (Saupe).

Com a Reforma Universitária, a enfermagem desvinculou-se da Faculdade de Medicina, ganhou autonomia para a realização de suas atividades e mais espaço para discutir assuntos relevantes à profissão, trilhando seu próprio caminho. As primeiras enfermeiras que passaram a integrar o corpo docente do Departamento de Enfermagem foram selecionadas e contratadas pela UFSC, a pedido da professora Eloita Pereira Neves, Coordenadora do Curso na época. Esta professora almejava formar uma equipe de alto nível, comprometida, engajada com os propósitos do curso e qualificada para a realização das atividades referentes à profissão. A professora Rosita Saupe, primeira diretora de enfermagem do HU/UFSC, recorda como foi o seu ingresso no Departamento:

um grupo de colegas da minha turma, Eloita Pereira Neves e a Irmgard Bruckheimer Roza, eram de Santa Catarina e, na época, aceitaram o convite para abrir o Hospital Infantil Edith Gama Ramos [...]. Passaram-se alguns anos e a Eloita foi convidada para organizar o Curso de Enfermagem na Universidade. Ela fez contato comigo e me convidou para participar do primeiro grupo de professores (Saupe).

Vale ressaltar que a escolha do corpo docente estava diretamente vinculada com a bagagem teórica e prática que cada enfermeira trazia consigo. Todas possuíam experiências anteriores muito ricas, fato que possibilitou a construção de uma enfermagem qualificada, organizada e autônoma. Esta realidade pode ser melhor visualizada a partir dos depoimentos das enfermeiras:

eu tinha uma ótima experiência profissional em maternidade, pronto-socorro, clínica médica e clínica cirúrgica [...]. Participei do 1º grupo que abriu o Hospital FEMINA lá em Porto Alegre [...]. Em Porto Alegre, fui chefe de enfermaria, sempre tive certa liderança natural (Saupe).

[...] antes de fazer a graduação em enfermagem, eu fui professora de ensino primário. Fiquei uns 12 anos na escola dando aula, fui diretora de escola lá em Rio Fortuna [...]. Também já tinha trabalhado no Hospital Servidores (Horr).

Sob a ótica foucaultiana, as enfermeiras docentes possuíam uma prática discursiva, consolidada pelos conhecimentos adquiridos na prática do cotidiano e embasados na bagagem teórica e prática apreendidas nos bancos universitários.1717 Foucault M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro (RJ): Edições Graal; 2014. Neste sentido, o saber constituído da enfermagem.

O cotidiano do Departamento de Enfermagem ocorria com a efetiva participação das enfermeiras docentes que atuavam tanto na área do ensino como administrativa. A pesquisa ainda não fazia parte da tradição da enfermagem, pois os Cursos de Pós-graduação só passaram a ser criados a partir da década de 1970. "Nos primeiros anos do Curso de Enfermagem da UFSC, o ensino foi a maior preocupação dos docentes. [...] os professores caminhavam passo a passo na construção e consolidação de um ensino de qualidade".25:119

Para garantir esse ensino de qualidade, a professora Eloita Pereira Neves estava consciente da necessidade do aperfeiçoamento e capacitação do corpo docente. Por isso, já no início das contratações, os docentes eram encaminhados a outras instituições de ensino e assistência à saúde para aprofundarem os conhecimentos na disciplina que iriam ministrar e para os futuros cargos administrativos que iriam exercer. A professora Lorena Machado e Silva retrata essa realidade em seu depoimento:

[...] o meu currículo daquela época era muito extenso. [...] eu optei por enfermagem obstétrica, e depois comecei a fazer formações de todos os tipos, quando entrei no Departamento. Eu fiz Metodologia de Ensino Superior em Porto Alegre; também muitos voltados para a área de administração e vários outros (Silva).

A atuação das enfermeiras docentes no HU/UFSC significava muito mais do que um simples local para a prática da assistência ao paciente, significava um espaço de constituição do saber-poder. De acordo com Foucault, o poder não é algo que se detém, nem "um lugar que se ocupa, nem um objeto que se possui, ele se exerce, se disputa. E não é uma relação unívoca, unilateral, nessa disputa ou se ganha ou se perde".17:XV Mesmo com a perspectiva foucaultiana, nas instituições e, em particular, nas de saúde, é preciso garantir o espaço por meio dos organogramas.

Em decorrência disso, houve a necessidade da luta por um espaço no organograma que possibilitasse maior autonomia nas decisões, da construção de documentos que consubstanciassem uma prática assistencial no HU/UFSC e resultassem no ensino e assistência de qualidade. Por organograma entende-se uma "representação gráfica da estrutura da organização/empresa ou serviço, que relaciona os cargos e as autoridades hierárquicas".26:58 No discurso da enfermeira docente Rosita Saupe, é notória a vontade e a determinação em implantar um serviço de enfermagem modelo:

[...] para a maioria dos médicos, a docência era um apêndice, só para ter o título de professor. Para nós, não. Éramos dedicação exclusiva e achávamos que ali [no HU/UFSC] que estava nosso futuro. Nós estávamos muito centradas em fazer um hospital do jeito que imaginávamos que funcionaria com a enfermagem com bastante poder. A qualidade viria como consequência do modelo que queríamos implantar (Saupe).

Do ponto de vista social e dos profissionais da saúde, quem detinha o poder hegemônico nas instituições de saúde, eram os médicos. Para eles, atuar na docência, caracterizava-se apenas como uma questão de status social. Enquanto que, para as enfermeiras docentes, atuar no ensino era motivo de orgulho e compromisso com a profissão. No HU/UFSC, significava criar um espaço de ensino de alto nível para os discentes e, consequentemente, uma assistência de enfermagem de qualidade à população. Estas desejavam uma enfermagem com autonomia, com poder de decisão, diferenciada, com capacidade de transformação da prática e de fortalecimento da profissão. Na época, havia pouca valorização dos profissionais e da assistência. Os profissionais exerciam suas atribuições de forma pouco politizada e até mesmo um pouco desorganizada. Esta era uma realidade que as enfermeiras docentes da UFSC queriam modificar.2727 Albuquerque GL. A luta pela identidade profissional: participação e enfermagem [tese]. Florianópolis (SC): Universidade Federal de Santa Catarina, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem; 2002.

A presença constante das enfermeiras docentes nas reuniões e discussões sobre o HU/UFSC possibilitou a conquista de espaços almejados pela enfermagem. Formularam as proposições do Departamento de Enfermagem à Comissão Especial do Hospital Universitário da UFSC, documento que trazia desde suas crenças filosóficas até a reivindicação de uma posição de autoridade no organograma.2525 Bub LIR, Mendes NTC. Os primeiros 10 anos (1969-1979). In: Borenstein MS, Althoff CR, Souza ML. Enfermagem da UFSC: recortes de caminhos construídos e memórias (1969-1999). Florianópolis (SC): Insular; 1999. p.65-126. Para as enfermeiras docentes entrevistadas, uma das primeiras e grandes conquistas da enfermagem frente ao trabalho no HU/UFSC foi a posição alcançada no organograma institucional, ficando no mesmo nível que as outras diretorias. Isto se deve a uma conquista pelo saber que passaram a implementar, e com isso o respectivo poder.

Em um estudo realizado em 2005, no Hospital Universitário da Bahia, revelou que a posição da enfermagem no organograma, no mesmo nível que a medicina e a administração, possibilitou uma maior autonomia nas tomadas de decisões. Este fato é incomum na realidade hospitalar brasileira, onde geralmente o serviço de enfermagem está subordinado ao serviço médico.2828 Perrucho M, Bulcão TN, Luedy A, Tahara ATS. Análise crítica do Serviço de Enfermagem de um Hospital Universitário. Rev Baiana Enferm. 2005; 19-20(1-2-3):53-62. Nos discursos dos entrevistados, é possível notar que esta conquista fez toda a diferença para a enfermagem, no HU e na UFSC.

[...] o aspecto mais marcante da atuação da enfermagem na Comissão de Implantação do HU foi a decisão sobre a estrutura organizacional do hospital [...]. Assumimos que era inaceitável e inadmissível do ponto de vista científico, do ponto de vista de gestão, que a enfermagem não estivesse no nível superior da estrutura [...]. A enfermagem já tinha um espaço e uma autonomia muito maior (Lorenzetti).

[...] os organogramas sempre foram pontos que lutamos muito. [...] Naquele organograma antigo, a enfermagem era subordinada ao serviço médico. Eu tive uma conversa com o Doutor Polydoro. Ele disse bem feliz: 'oh, professora, depois de todas as nossas discussões, aqui está o nosso organograma'. Então eu vi e disse: 'professor, nós aqui vamos ter uma responsabilidade muito diferenciada. Nós vamos ter que ter enfermeiras em todas as unidades, porque é um hospital de ensino. Temos que mostrar o modelo de administração de enfermagem que nós preconizamos'. Ele disse: 'a senhora está querendo que a enfermagem fique no mesmo nível da diretoria médica?' Eu disse: 'é isso mesmo que nós queremos, achamos que merecemos. Nós temos feito um trabalho aqui e queremos mostrar ao povo de Santa Catarina, aos usuários, que vamos honrar nossa posição, e vocês vão ter ótimas condições de trabalho com esta enfermagem'. E com isso, conseguimos! (Saupe).

[...] quando o hospital universitário estava prestes a abrir, eu disse para o doutor Stemmer: 'não pode abrir sem uma Diretoria de Enfermagem!' Porque eles queriam abrir a Diretoria de Administração e uma outra que eu não me lembro. Eu disse para o doutor Stemmer: 'o maior número de pessoas que o hospital universitário vai ter é o da enfermagem, e tem que ter uma estrutura, tem que ter alguém que dirija isso ali'. [...] então a Universidade, uma vez aprovado o regimento interno, abriu um espaço que nos deu o mesmo poder dos outros com a Diretoria de Enfermagem (Horr).

Os depoimentos revelam que a enfermagem conseguiu ocupar um espaço no HU/UFSC de poder, não em posição inferior no organograma, mas junto à direção, e foi isso que aconteceu, pelo saber apresentado, a enfermagem permaneceu como Diretoria. Todo o espaço que as enfermeiras docentes conquistaram e sua participação no planejamento e organização da enfermagem, do espaço terapêutico e da sistematização da assistência eram legitimados em decorrência dos seus saberes. Das suas constantes buscas de conhecimento e aperfeiçoamento, como pelo poder instituído pela instituição para ocupar os cargos de direção em todos os níveis.

Essas lutas das enfermeiras para garantir espaço e posição no organograma e articulação para tornar viável a organização da enfermagem e da assistência do cuidado no HU/UFSC estão de acordo com o pensamento filosófico de Foucault. O autor problematiza as relações de poder no espaço organizacional. Reconhece a força que está embutida nas relações de poder e as formas como ela se reveste para produzir efeitos, propondo uma perspectiva de positividade, de produtividade e de subjetividade.1717 Foucault M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro (RJ): Edições Graal; 2014.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo possibilitou conhecer a realidade vivenciada pelas enfermeiras docentes da UFSC, em uma época política conturbada da ditadura militar, e com movimentos sociais intensos, reivindicações, lutas e resistências.

O discurso das enfermeiras docentes expressa a vontade de implantar uma enfermagem organizada, sistematizada e pautada em princípios éticos e científicos no HU-UFSC que servisse de modelo para a enfermagem catarinense. As referidas enfermeiras estavam credenciadas a lutar pelo poder-saber que as constituía, por meio das experiências profissionais de docência, de gestão e de cursos de formação realizados anteriormente. Assim, a história dessas enfermeiras, baseada na perspectiva foucaultiana, demonstrou que o poder resultou de luta contínua e difusa que se propagou no decorrer do processo de construção do HU/UFSC nas novas relações de saber-poder.

Isto pode ser verificado a partir da comprometida participação das enfermeiras docentes nas reuniões das comissões de implantação, do conhecimento trazido e saber constituído por elas, da postura profissional e da confiança decorrente de uma enfermagem diferenciada. Assim a profissão conquistou seu espaço no HU/UFSC. Essa Enfermagem, que inicialmente possuía uma posição subordinada diretamente à direção geral e que firmemente, após esforços genuínos, conseguiu estabelecer a organização de um Serviço de Enfermagem sistematizado no HU/UFSC, e serviu de modelo para inúmeras instituições de saúde estaduais e até mesmo nacionais, dando maior visibilidade para as enfermeiras e a enfermagem da UFSC.

Este estudo exibe o início de uma história que ainda necessita ser desvelada, uma história de grandes desafios, de conquistas dos frutos gerados pelo trabalho de um pequeno grupo de jovens enfermeiras docentes idealistas, que possuíam uma visão transformadora. A presença destas, no espaço do HU/UFSC mostrou a clínica como um campo de saber, prática, experiência e espaço disciplinado de saber-poder, poder-saber para além da enfermagem, acenando para a construção de um saber multiprofissional.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Ago 2015
  • Data do Fascículo
    July-Sep 2015

Histórico

  • Recebido
    17 Abr 2015
  • Aceito
    13 Jul 2015
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