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Desbridamento cirúrgico e a competência legal do enfermeiro

Resumos

O estudo objetivou analisar os dispositivos legais da profissão, pertinentes à temática desbridamento cirúrgico. Trata-se de uma pesquisa documental com análise categorial dos dados. Os dados foram coletados através dos sites dos Conselhos Regionais de Enfermagem. O material foi submetido à técnica de análise de conteúdo. Como resultados revelaram-se três categorias: assunto do documento e a temática do texto, definição e classificação de desbridamento, uma diversidade de conceitos, e da conclusão dos documentos à competência legal do enfermeiro para realização do desbridamento cirúrgico. Os resultados da análise categorial mostraram a necessidade de uma política única, a partir do órgão federal, que normatize a prática do desbridamento cirúrgico conservador por enfermeiros, considerando: a padronização de termos, de modo a evitar diversas interpretações e atitudes, limites de execução, considerando inclusive indicações e contraindicações para o referido método além dos requisitos quanto à capacitação necessária.

Enfermagem; Cicatrização de feridas; Desbridamento


This study aimed at analyzing the legal responsibilities of the professional pertinent to surgical debridement. It consists of a documental study with categorical data analysis. Data were collected through the websites of the Regional Nursing Councils. The material was submitted to the content analysis technique. Results revealed three categories: document subject and text theme, definition and classification of debridement a diversity of concepts and conclusion of documents concerning the nurse's legal competence in the performance of surgical debridement. The results of this categorical analysis showed the need for a single federal organizational policy to standardize the practice of conservative surgical debridement by nurses, considering: the standardization of terms, so as to avoid different interpretations and attitudes; and limits of execution, considering indications and contraindications to the cited method, as well as prerequisites for the necessary qualification.

Nursing; Wound healing; Debridement


El estudio tuvo como objetivo analizar los dispositivos legales de la profesión, relacionados con el tema de desbridamiento quirúrgico. Esta es una investigación documental con un análisis categórico de datos. Los datos fueron recolectados a través de la web del Consejo Regional de Enfermería. El material fue sometido a la técnica de análisis de contenido. Los resultados revelaron tres categorías: El tema del documento y la temática del texto, Definición y clasificación de desbridamiento, una amplia gama de conceptos y Conclusión de documentos a la competencia legal de los enfermeros para llevar a cabo el desbridamiento quirúrgico. Los resultados de la análisis categórico mostró la necesidad de una política única de la agencia federal que regule la práctica del desbridamiento quirúrgico conservador para los enfermeros teniendo en cuenta: la normalización de los términos, para evitar diferentes interpretaciones, actitudes y límites de ejecución, teniendo en cuenta las indicaciones y contraindicaciones de este método más allá de los requisitos para la formación necesaria.

Enfermería; Cicatrización de heridas; Desbridamiento


ARTIGO ORIGINAL

Desbridamento cirúrgico e a competência legal do enfermeiro

Desbridamiento quirúrgico y competencia de los enfermeros

Isabel Cristina Ramos Vieira SantosI; Regina Célia de OliveiraII; Mailton Alves da SilvaIII

IDoutora em Ciências. Professora Adjunto da Faculdade de Enfermagem Nossa Senhora das Graças (FENSG) da Universidade de Pernambuco (UPE). Pernambuco, Brasil. E-mail: tutornad@yahoo.com.br

IIDoutora em Enfermagem. Professora Adjunto da FENSG/UFPE. Pernambuco, Brasil. E-mail: reginac_oliveira@terra.com.br

IIIEnfermeiro. Estomaterapeuta. Pernambuco, Brasil. E-mail: maylton@hotmail.com

Endereço para correspondência

RESUMO

O estudo objetivou analisar os dispositivos legais da profissão, pertinentes à temática desbridamento cirúrgico. Trata-se de uma pesquisa documental com análise categorial dos dados. Os dados foram coletados através dos sites dos Conselhos Regionais de Enfermagem. O material foi submetido à técnica de análise de conteúdo. Como resultados revelaram-se três categorias: assunto do documento e a temática do texto, definição e classificação de desbridamento, uma diversidade de conceitos, e da conclusão dos documentos à competência legal do enfermeiro para realização do desbridamento cirúrgico. Os resultados da análise categorial mostraram a necessidade de uma política única, a partir do órgão federal, que normatize a prática do desbridamento cirúrgico conservador por enfermeiros, considerando: a padronização de termos, de modo a evitar diversas interpretações e atitudes, limites de execução, considerando inclusive indicações e contraindicações para o referido método além dos requisitos quanto à capacitação necessária.

Descritores: Enfermagem. Cicatrização de feridas. Desbridamento.

RESUMEN

El estudio tuvo como objetivo analizar los dispositivos legales de la profesión, relacionados con el tema de desbridamiento quirúrgico. Esta es una investigación documental con un análisis categórico de datos. Los datos fueron recolectados a través de la web del Consejo Regional de Enfermería. El material fue sometido a la técnica de análisis de contenido. Los resultados revelaron tres categorías: El tema del documento y la temática del texto, Definición y clasificación de desbridamiento, una amplia gama de conceptos y Conclusión de documentos a la competencia legal de los enfermeros para llevar a cabo el desbridamiento quirúrgico. Los resultados de la análisis categórico mostró la necesidad de una política única de la agencia federal que regule la práctica del desbridamiento quirúrgico conservador para los enfermeros teniendo en cuenta: la normalización de los términos, para evitar diferentes interpretaciones, actitudes y límites de ejecución, teniendo en cuenta las indicaciones y contraindicaciones de este método más allá de los requisitos para la formación necesaria.

Descriptores: Enfermería. Cicatrización de heridas. Desbridamiento.

INTRODUÇÃO

O termo desbridar origina-se do Françês "débrider", significando "para dar livre curso a". Foi provavelmente empregado pela primeira vez, como termo médico, por cirurgiões, há centenas de anos atrás, em zonas de guerra, ao reconhecerem que feridas de tecidos moles grosseiramente contaminadas tinham melhor chance de cicatrização, se tecidos necrosados fossem removidos cirurgicamente.1-2

A remoção do tecido necrótico por desbridamento é benéfico por várias razões. O desbridamento remove tecidos mortos, desvitalizados ou contaminados, assim como qualquer corpo estranho no leito da ferida, ajudando a reduzir o número de microrganismos, toxinas e outras substâncias que inibem a cicatrização.2

Em países desenvolvidos como Inglaterra, Canadá e Estados Unidos existe normatização quanto ao profissional responsável pela prática do desbridamento, e apontam para a economia de recursos públicos gerados quando o desbridamento cirúrgico é realizado na comunidade por enfermeiro qualificado.1,3

No Brasil, o desbridamento cirúrgico realizado por enfermeiros é ainda um tema polêmico, suscitando dúvidas entre os profissionais da classe e entre estes e outros profissionais que, tradicionalmente, realizam o procedimento no país, quanto à competência técnica e legal para sua realização.

Deste modo, principalmente nos cuidados da Atenção Básica, o enfermeiro continua a enfrentar desarmado um grande quantitativo de portadores de lesões crônicas que poderiam evoluir satisfatoriamente e em tempo reduzido se o mesmo contasse com respaldo legal para execução desse procedimento. Casos que hoje tem sua evolução protelada e até mesmo complicada, muitas vezes, com prejuízo sobre a qualidade de vida4 por dificuldades para atendimento médico já assoberbado com outras atribuições inerentes a esse nível de atenção.

A realização do desbridamento cirúrgico por enfermeiro tecnicamente apto e legalmente assistido viria, desta forma, somar efetivamente esforços a equipe de saúde garantindo uma assistência publica de qualidade.

Diante deste pressuposto, o estudo teve como objetivos: analisar os dispositivos legais da profissão pertinentes à temática desbridamento cirúrgico, emitidos pelos Conselhos Regionais, no Brasil, e compará-los com a referência existente.

MÉTODOS

Trata-se de uma pesquisa documental com abordagem descritiva, cujas fontes foram os sites dos Conselhos Regionais de Enfermagem (CORENs) e o site do Conselho Federal de Enfermagem (COFEN), bem como textos que versavam sobre o assunto no intuito de subsidiar teoricamente a pesquisa. O período de consulta aos sites se deu nos meses de fevereiro a abril de 2011.

A primeira etapa do trabalho se constituiu do acesso aos sites dos CORENs, realizado através do Portal do COFEN, e a partir daí buscaram-se as legislações sobre desbridamento no site de cada Conselho Regional.

A segunda etapa correspondeu à organização do material, processando a leitura segundo critérios da análise de conteúdo,5 baseando-se em operações de desmembramento do texto em unidades, ou seja, descobrindo os diferentes núcleos de sentido que constituem a comunicação. Após essa compreensão geral e ampla iniciamos a leitura detalhada tendo em vista seu reagrupamento em classes ou categorias. Assim, esta terceira etapa consistiu num processo de codificação, interpretação e de inferências sobre as informações contidas nos documentos, desvelando seu conteúdo manifesto.

A quarta e última etapa se deu pela sobreposição de informações de outros textos nacionais e internacionais relevantes, de modo a comparar com os textos legais e complementares, a análise sobre o tema.

A busca foi realizada na base de dados eletrônica do Portal CAPES. A seleção dos descritores utilizados foi efetuada mediante consulta aos descritores de assunto em ciências da saúde da BIREME. Nas buscas, os seguintes descritores, em língua portuguesa e inglesa, foram considerados: desbridamento, desbridamento cirúrgico, desbridamento cirúrgico conservador, desbridamento instrumental. Além destes, os termos "Brasil", "brasileiro" e "brasileira" foram utilizados para localização de manuscritos, contendo resultados de pesquisas nacionais.

APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS DOCUMENTAIS

Estão subordinados ao Conselho Federal de Enfermagem 27 Conselhos Regionais localizados em todos os Estados brasileiros. O sistema por eles formado – Sistema COFEN/CORENs, tem, dentre as suas finalidades: normatizar o exercício da profissão de enfermeiros, zelando pela qualidade dos serviços prestados pelos profissionais da classe e pelo cumprimento da Lei do Exercício Profissional.

Da busca de documentação referente à normatização da prática de desbridamento por enfermeiros, foram encontrados cinco documentos, emitidos por cinco Estados da federação, sendo quatro na forma de parecer6-9 e um na forma de deliberação.10 À procura da significação das palavras e sua força de lei apreende-se que parecer é: "opinião fundamentada sobre determinado assunto, emitida por especialista".11:1565 Enquanto deliberação, pode ser entendida como "discussão para se estudar ou resolver um assunto, [...] ou tomar uma decisão".11:15651 Percebe-se portanto que deliberação, à vista da lei, tem maior peso que o parecer.12

Segundo a localização do COREN que emitiu o documento (Quadro 1), observa-se que quase todas as regiões brasileiras se pronunciaram sobre o assunto, excetuando-se apenas a região norte. Isto demonstra uma preocupação dos enfermeiros de todo país de que o tratamento de feridas, no qual se inclui a pratica de desbridamento seja uma atividade de âmbito de sua responsabilidade profissional.


Quanto ao ano de emissão do documento, nota-se que a normatização das ações de enfermagem frente ao tratamento de lesões cutâneas é recente, decorre do início da década, sendo Minas Gerais o primeiro Estado a emitir documento legal na forma de deliberação a esse respeito.10

Vale pontuar que a problemática do tratamento de lesões cutâneas no Brasil, de fato, é recente, e apesar de não haver na literatura científica relato sobre a época precisa, estudo realizado por pesquisadores do Rio de Janeiro afirma que só a partir da década de 1990, é que o assunto passou a ser alvo de estudos e pesquisas, em especial nas universidades.13

Sobre isso, fato que ilustra a inquietação de profissionais e pesquisadores mineiros com o assunto, exemplifica-se pela realização de um curso de atualização em técnicas de curativos ministrado por equipe multiprofissional da "Continuing education network", em Belo Horizonte, no ano de 1996 (talvez o primeiro desta natureza no Brasil). O conteúdo deste curso já apresentava o desbridamento cirúrgico, discutindo assuntos como critérios, técnica, limites e avaliação dos resultados.14

Como se pode verificar no quadro 1, quatro anos após esse evento, o COREN deste Estado emite uma deliberação, cujo assunto versa sobre as "competências dos profissionais de enfermagem na prevenção e tratamento das lesões cutâneas".10:1

A mudança de paradigma, no que se refere ao ambiente propício à cicatrização de seco para úmido, com ênfase para necessidade de avaliação da ferida para prescrição de ações de limpeza, desbridamento e cobertura, introduzidas nesse curso, e a partir daí, hipoteticamente disseminadas para todo país, pode ter contribuído para maior reflexão dos enfermeiros que tomaram para classe tais responsabilidades, expressando-se legalmente, de modo temporal pelos demais documentos emitidos, que, como se observa no quadro 1, versaram especificamente sobre a realização do desbridamento.

Tendo em vista os objetivos do estudo, foram delineadas três categorias. A seguir descrevem-se separadamente cada categoria dos documentos, apresentando recortes documentais e análise contextualizada.

Categoria 1 - Assunto do documento e a temática do texto

Embora todos os cinco documentos encontrados abordem a temática do desbridamento (Quadro 1), há que se notar que existe grande variabilidade no "assunto", ou seja, no que se expressa como título do documento.

Deste modo, percebe-se que na deliberação emitida pelo COREN de Minas Gerais (COREN-MG),10 o "desbridamento" não aparece em seu enunciado, embora seja apresentado no conteúdo do documento. Esta deliberação trata, de forma ampla, das competências dos profissionais de enfermagem na prevenção e tratamento das lesões cutâneas. Portanto, trata de toda a profissão de enfermagem e não especificamente sobre a classe de enfermeiros.

Já que no Brasil, até hoje, a profissão enfermagem é exercida por duas classes ou categorias, a de enfermeiros e a de técnicos de enfermagem, ambas tem participação importante no que tange ao cuidado de lesões cutâneas, tanto a nível preventivo quanto curativo, guardando-se os diferentes níveis de complexidade de suas ações.

Deste modo, compete ao enfermeiro, segundo o documento de Minas Gerais, "realizar o desbridamento, quando necessário".10:1

Dos cinco documentos existentes até hoje no Brasil, este é o único que apresenta de forma clara a competência das duas classes de profissionais da enfermagem em relação ao tratamento de feridas, no qual se insere a prática do desbridamento.

O documento emitido pelo COREN de Santa Catarina (COREN-SC) especifica em seu titulo (assunto) a modalidade "desbridamento mecânico".6:1

O parecer pronunciado pelo COREN do Distrito Federal (COREN-DF) é o único que especificamente aponta em seu título a realização de desbridamento cirúrgico,7 enquanto os dois últimos documentos, dos CORENs de São Paulo e Pernambuco (COREN-SP e COREN-PE) assinalam apenas sobre a realização de desbridamento, diferenciando-se entre si quanto aos profissionais a que se refere, ou seja, o parecer emitido pelo COREN-SP8 enfatiza a realização do procedimento por enfermeiros, enquanto o documento elaborado pelo COREN-PE9 se refere aos profissionais de enfermagem.

Considerando que a prática de desbridamento se constitui de quatro métodos, segundo o mecanismo de ação cirúrgico ou instrumental, mecânico, autolítico e químico, uma vez que os referidos títulos não especificam nenhum dos métodos, pode levar em consideração que seu conteúdo tratará de todos, e, se tratam de todos, inclusive do cirúrgico ou instrumental, não se pode colocar como competência de todos os profissionais de enfermagem, uma vez que este método pressupõe conhecimentos técnicos mais aprofundados.

Categoria 2 - Definição e classificação de desbridamento, uma diversidade de conceitos

Três dos documentos analisados8-10 apresentam no corpo do texto a definição de desbridamento, segundo se verifica no quadro 2.


Conforme se observa, todos os três documentos definem desbridamento como a remoção de tecido desvitalizado e material estranho. Na deliberação emitida pelo COREN-MG,10 a exceção dos outros dois associa o referido procedimento à lesão traumática.

Tecido necrótico é o tecido morto, que usualmente resulta de um inadequado suprimento sanguíneo local. Contêm células mortas e detritos consequentes da fragmentação destas células. Este tecido muda de cor enquanto se torna mais desidratado. Finalmente, forma uma estrutura preta, seca, espessa e fibrosa. Este tecido pode ser visto em uma grande variedade de tipos de feridas, incluindo queimaduras e todos os tipos de feridas crônicas. Em contraste, esfacelo é um tecido amarelo fibrinoso que consiste de fibrina, pús e material proteináceo.3 O esfacelo pode ser encontrado na superfície de feridas previamente limpas e pode estar associada com atividade bacteriana. O acúmulo de tecido necrótico ou esfacelo em uma ferida crônica é da maior importância clínica, porque sua ocorrência promove colonização bacteriana e evita o reparo da ferida sendo deste modo imperativo a sua remoção.2,15

Assim, não se pode associar a indicação de desbridamento apenas às feridas traumáticas, ou seja, agudas quanto ao modo de evolução, mas a todos os tipos de feridas onde o tecido necrótico esteja presente.

No que diz respeito à classificação de desbridamento, fato que desde a análise dos assuntos (títulos) dos documentos suscita algumas dúvidas, são apresentadas a seguir (Quadro 3) as classificações expressas nos documentos analisados.


O parecer emitido pelo COREN-DF7 foi o único documento a não relacionar os métodos de desbridamento, talvez porque o assunto do referido instrumento legal já havia expressado claramente que o texto versava especificamente sobre o desbridamento cirúrgico.

Apenas o COREN-SC6 e COREN-PE9 apresentaram as definições dos quatro métodos de desbridamento, embora haja diferenças entre os termos utilizados, tais como: no documento do COREN-SC6 encontram-se os termos "desbridamento instrumental ou cirúrgico", enquanto o do COREN-PE9 designa apenas como "desbridamento cirúrgico", à semelhança do documento emitido pelo COREN-SP.8

O documento do COREN-SC6 utiliza o termo "desbridamento enzimático", enquanto o documento do COREN-PE9 denomina como "desbridamento químico ou enzimático".

Os documentos emitidos pelos CORENs de Minas Gerais,10 Santa Catarina6 e Pernambuco9 apresentam a definição do desbridamento autolítico. Embora no parecer do COREN-SP8 haja uma referência por citação a este método, o mesmo não apresenta em seu texto sua definição.

Além disso, a deliberação emitida pelo COREN-MG apresenta o "desbridamento com instrumental cortante"10:4 como categoria do método mecânico, diferenciando-se das definições dadas pelos demais CORENs.

O desbridamento mecânico consiste na aplicação de força mecânica diretamente sobre o tecido necrótico.16 Percebe-se nesta definição que o conceito de força está relacionado com as alterações da quantidade de movimento, fato que se diferencia daquele usado no desbridamento cirúrgico que tem o uso de instrumento cortante como agente da ação e que a relação de força neste caso é secundária e está condicionado à eficiência do referido instrumento.

A definição atual para desbridamento cirúrgico é a remoção de tecido necrótico ou material estranho do leito da ferida para expor tecido saudável usando um bisturi estéril, tesouras ou ambos.1 Observa-se, portanto, que a definição se apoia no tecido a ser retirado e no material ou instrumentos utilizados para isso.

No Brasil, a enfermagem tem criado novos termos,6,10,17 talvez com a preocupação de distingui-lo do procedimento que tradicionalmente vem sendo executado pelo profissional médico, ou porque leva em consideração o ambiente utilizado para sua realização. No entanto, se usarmos a lógica, poderemos perceber que não existe diferença entre o termo "desbridamento cirúrgico" e outros usados pela enfermagem, tais como: "desbridamento instrumental"6 ou "com instrumental cortante".10

A literatura veiculada no Brasil, a exemplo do que se observou na documentação analisada, também utiliza denominações diferentes para o desbridamento cirúrgico. Um deles17 denomina este procedimento como "instrumental", subclassificando-o como: "conservador", reportando-se à seletividade do método, e "cirúrgico", relacionando-o ao volume do material retirado. Outros autores16 mantêm o termo "desbridamento cirúrgico", aplicando sua realização tanto ao centro cirúrgico como "à beira do leito", e encontra respaldo em instrumento técnico instrucional para equipes de saúde do Ministério da Saúde do Brasil.18

No que se refere a artigos científicos publicados em periódicos de enfermagem não foram encontrados, no Brasil, a partir da busca no Portal CAPES, nenhum estudo que discuta sobre desbridamento cirúrgico por enfermeiros e nos trabalhos internacionais, os termos: desbridamento cirúrgico,20,22 desbridamento cirúrgico seriado,19 desbridamento cirúrgico conservador,1,21 cirúrgico ou instrumental3 são utilizados para designar o desbridamento cirúrgico.

A discussão sobre o emprego de tais termos é útil e necessária na busca de uma racionalização quanto ao mais adequado com a devida padronização para o uso pelos profissionais da classe sem suscitar dúvidas sobre o procedimento a que se aplica.

Deste modo, a título de síntese desta discussão, quanto à nomenclatura do procedimento, utilizando-se a semântica, comprova-se que o emprego do termo "instrumental" não se distingue do termo "cirúrgico", uma vez que pela análise da palavra instrumental se apreende: instrumental – "que serve de instrumento, relativo a instrumentos"11:1168, e por instrumento – "objeto... que serve de agente mecânico na execução de qualquer trabalho: instrumentos cirúrgicos".11: 1168

Assim, também, o local de realização do procedimento, seja à beira do leito, no hospital ou domicílio não modifica o fato de se utilizar instrumental cirúrgico e técnica asséptica, embora com menos rigor que num centro cirúrgico.

A diferença entre os termos utilizados pela enfermagem aplica-se, portanto, apenas ao caráter seriado com que tal procedimento poderá ser realizado. Utilizando mais uma vez a semântica, se verifica que conservar significa "resguardar de dano, preservar",11:562 e aí sim, a grande vantagem do emprego deste termo, em adição ao "desbridameno cirúrgico", e de sua realização por enfermeiros, tendo em vista que apesar da falta de dados estatísticos no Brasil, as feridas acometem a população de forma geral, independente de sexo, idade ou classe socioeconômica, constituindo assim um sério problema de saúde pública, que onera os gastos públicos e prejudica a qualidade de vida da população. Diante disso, o enfermeiro capacitado tem muito a contribuir, como se discutirá na próxima categoria.

Categoria 3 - Da conclusão dos documentos à competência legal do enfermeiro para realização do desbridamento cirúrgico

O COREN-MG10 delibera que é da competência do enfermeiro a realização de desbridamento, no entanto, não especifica o método, dando margem a várias interpretações (Quadro 4).


O parecer emitido pelo COREN-SC6 no 1° item da conclusão, claramente não autoriza o enfermeiro a realizar o desbridamento cirúrgico, apesar de no 2° item normatizar a realização de tal desbridamento seguindo a técnica de slice, ou seja a remoção de finas camadas de tecido por meio de instrumento cortante,16,23 perdendo a clareza. A conclusão do parecer emitido pelo COREN-PE9 também carece de maior objetividade quanto à normatização da prática de desbridamento cirúrgico por enfermeiro.

O parecer emitido pelo COREN-DF7 é mais claro quanto ao que se trata, uma vez que, o seu título especifica que tal documento refere-se exclusivamente a esta prática e estabelece o limite do tecido a ser desbridado pelo enfermeiro até o subcutâneo. Do mesmo modo, a conclusão do parecer do COREN-SP8 também é bastante clara e, à semelhança do emitido pelo COREN-DF,7 estabelece como limite o tecido subcutâneo.

Há que se notar que, exceto os documentos do COREN-SC6 e do COREN-SP,8 nenhuma outra conclusão dos documentos analisados condiciona a prática do desbridamento cirúrgico à necessidade de algum nível de capacitação.

Numerosos estudos1-3,20-24 têm atestado para o impacto terapêutico e econômico deste método de desbridamento para o cuidado de feridas. Sua prática por enfermeiro pode potencialmente evitar admissões hospitalares ou diminuir a duração do internamento, além de diminuir o tempo dos cuidados de enfermagem, infecção e os custos com o tratamento de feridas, enquanto promove a cicatrização e a melhoria da qualidade de vida dos pacientes.

Em todo o mundo a diversidade no cuidado do portador de feridas tem resultado na formação de sociedades e associações internacionais com o objetivo de definir e unificar termos comuns, bem como estabelecer orientações abrangentes para construção de parâmetros universais nesse campo.

Enquanto o desbridamento de feridas, de modo geral, é definido dentro do domínio da enfermagem, o desbridamento cirúrgico é um nível especializado do cuidado de feridas, requerendo preparo educacional, supervisão prática e um processo regulatório de avaliação de competência para que o enfermeiro possa desempenhar a atribuição com segurança e eficiência, além de estar apto para lidar com complicações.1,20-21

Embora se pense que o desbridamento cirúrgico conservador seja seletivo, pode ocorrer algum dano ao tecido viável, e provável sangramento.2

Competência significa ter a habilidade ou autoridade para fazer o que se requer e aceitar a responsabilidade pelo trabalho feito. Muitos autores destacam potenciais problemas legais da realização dessa prática e enfatizam a importância da competência não apenas baseada em habilidade prática envolvida na remoção de tecidos desvitalizados, mas também no conhecimento anatômico necessário das estruturas subjacentes.1-3,20-22

No Reino Unido o desbridamento cirúrgico é mais frequentemente realizado por enfermeiros, particularmente na atenção à comunidade.3 Nos Estados Unidos os enfermeiros registrados podem realizar o desbridamento cirúrgico após certificação por curso reconhecido com prática clínica supervisionada.3 Do mesmo modo, no Canadá, nas províncias de Alberta e Quebec, e no território de Yukon, os enfermeiros registrados são autorizados a executar o desbridamento cirúrgico conservador.1

Deste modo, se apreende que o conhecimento fornecido pelos cursos de graduação não são suficientes a essa prática e há que se deliberar seja entre as associações competentes, seja entre os órgãos legais requisitos mínimos necessários ao credenciamento de enfermeiros para execução desse procedimento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O domínio clínico o qual inclui o manejo de riscos, auditoria e prática baseada em evidências objetivam ajudar os enfermeiros a melhorar a qualidade e salvaguardar os padrões de assistência e procura assegurar que esta classe tenha o direito de capacitação, habilidades e competências para prestar o cuidado necessário aos pacientes.

Formar enfermeiros especialistas no cuidado ao portador de feridas, certificados por cursos reconhecidos, disponíveis para o mercado, responsáveis para realização de desbridamento cirúrgico conservador, facilitará sem dúvida de modo custo-efetivo os resultados do tratamento de portadores de feridas.

Ambos, coletivamente, através dos órgãos de classe, e individualmente, enfermeiros devem ser responsáveis por seus padrões técnicos. Antes que realizem o desbridamento, devem se assegurar que têm a competência técnica necessária, que tal habilidade está incluída no escopo da regulamentação profissional e que exista uma política que os apóie.

Os resultados deste estudo mostraram a necessidade de uma política única, a partir do órgão federal, que normatize a prática do desbridamento cirúrgico conservador por enfermeiros, considerando a padronização do termo, alicerçado na semântica e na lógica científica, de modo a evitar diversas interpretações e atitudes, estabelecer limites de execução, diminuindo os riscos, considerando inclusive indicações e contra-indicações para o referido método, além dos requisitos quanto à capacitação necessária.

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  • Correspondence:

    Isabel Cristina Ramos Vieira Santos
    Rua Teles Junior, 475, ap. 201
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Abr 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 2013

    Histórico

    • Recebido
      21 Mar 2012
    • Aceito
      20 Set 2012
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