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REDE DE APOIO NO CICLO GRAVÍDICO-PUERPERAL: CONCEPÇÕES DE MULHERES COM DEFICIÊNCIA FÍSICA1 1 Artigo resultante da dissertação - Concepções de mulheres com deficiência física sobre a maternidade, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem (PPGENF) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), em 2014.

Resumos

Este estudo objetivou compreender a concepção de mulheres com deficiência física sobre a rede de apoio para o exercício da maternidade. Pesquisa descritivo-exploratória, de natureza qualitativa, cujos dados foram coletados por meio de entrevista semiestruturada com doze mulheres com deficiência física, realizada entre abril e junho de 2014. Utilizou-se a técnica de análise temática para o tratamento das informações e o interacionismo simbólico como referencial teórico. As entrevistadas relataram a importância do suporte do companheiro, de familiares e profissionais de saúde, durante o ciclo gravídico-puerperal, para que pudessem exercer o papel materno. A ausência de tal apoio influenciou na concepção quanto a sua capacidade nessa função. Observa-se a necessidade de promover a saúde reprodutiva da pessoa com deficiência, de modo a amenizar os estigmas, fornecendo-lhe o suporte adequado. Além disso, os profissionais de saúde devem estar capacitados para compreender holisticamente suas necessidades e direitos.

Enfermagem; Saúde reprodutiva; Pessoas com deficiência


This study aimed to investigate the conception of women with physical disability regarding the support network for the exercising of motherhood. It is descriptive-exploratory research, with qualitative approach, whose data were collected through semistructured interviews with 12 women with physical disability, undertaken between April and June 2014. The technique of thematic analysis was used for the treatment of the information, and Symbolic Interactionism was used as the theoretical framework. The interviewees reported the importance of the support of the partner, of family members, and of health professionals, during pregnancy and the postpartum, for them to be able to exercise the maternal role. The absence of this support influenced their conceptions regarding their capacity in this function. One can observe the need to promote the reproductive health of the person with a disability, so as to mitigate the stigmas and thus provide them with appropriate support. In addition to this, the health professionals must be trained to understand holistically their needs and rights.

Nursing; Reproductive health; Disabled persons


Este estudio objetivó comprender la concepción de mujeres con discapacidad física sobre la red de apoyo para el ejercicio de maternidad. Investigación exploratoria y descriptiva, con abordaje cualitativo, cuyos datos fueron recogidos a través de entrevista semiestructurada con 12 mujeres con discapacidad física, realizadas entre abril y junio 2014. Se utilizó la técnica de análisis temático para el tratamiento de los datos y el Interaccionismo Simbólico como marco teórico. Las entrevistadas informaron sobre la importancia de los apoyos de pareja, familiares y profesionales de salud durante la gestación hasta puerperio, para ejercer su papel maternal. La ausencia de este apoyo influye en su concepción sobre su capacidad en esta función. Se observa la necesidad de promover salud reproductiva de personas con discapacidad con el fin de disminuir el estigma y proporcionarlas el apoyo adecuado. Además, los profesionales de salud deben ser capaces de comprender holísticamente sus necesidades y derechos.

Enfermería; Salud reproductiva; Personas con discapacidad


INTRODUÇÃO

O censo demográfico, realizado em 2010, apontou que no Brasil há em torno de 45,6 milhões de pessoas com alguma limitação. Desse contingente, aproximadamente 50% são do sexo feminino.11. Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência (SNPD). Cartilha do Censo de 2010 - Pessoas com deficiência. Brasília (DF): SNPD; 2012. Porém, o sistema de informação atual ainda apresenta fragilidades relativas às mulheres com deficiência em idade reprodutiva no País. Dessa forma, entende-se que a ausência dos referidos dados pode dificultar a elaboração de iniciativas governamentais específicas a essas mulheres durante o ciclo gravídico-puerperal.

A vulnerabilidade da mulher com deficiência se evidencia também no contexto familiar, haja vista seus familiares acreditarem que elas são dependentes e incapacitadas. Tal entendimento leva-os a desestimular suas potencialidades, condicionando-as a atividades domésticas simples, tidas como próprias do gênero feminino, principalmente quando apresentam limitação de origem congênita ou adquirida nos primeiros anos de vida. Sob o olhar da sociedade, a mulher com deficiência não atende aos papéis de esposa, mãe e cuidadora.22. Nicolau SM, Schraiber LB, Ayres JRCM. Mulheres com deficiência e sua dupla vulnerabilidade: contribuições para a construção da integralidade em saúde. Cien Saude Coletiva [online]. 2013 Mar [cited 2013 Mai 19]; 18(3):863-72. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v18n3/32.pdf
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Mediante essa realidade, infere-se que, no contexto social e familiar, a mulher com deficiência reforça a imagem de ser frágil devido a sua limitação, sobretudo quando se refere à sexualidade e à reprodução. Percebe-se que as pessoas de convívio da mulher com deficiência têm significativa importância em sua vida, podendo apresentar barreiras ao seu papel materno. Portanto, é possível pressupor que a rede de apoio influencia a sua decisão de ser mãe e, apesar do tema em pauta ser relevante, pouco se conhece acerca da rede de apoio de mulheres com deficiência quanto à maternidade, especialmente aquelas com limitação física.

Diante disso, questiona-se qual a concepção de mulheres com deficiência física sobre a rede de apoio ao seu ciclo gravídico-puerperal. O estudo em apreço teve o objetivo de compreender a concepção de mulheres com deficiência física sobre a rede de apoio para o exercício da maternidade.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo descritivo-exploratório, de natureza qualitativa, realizado em três organizações não governamentais localizadas em Natal, Rio Grande do Norte, Brasil. Optou-se por esses locais por serem acessíveis às mulheres com deficiência física, onde elas compartilham suas vivências.

Participaram da investigação doze mulheres com deficiência que tiveram ou não a experiência de serem mães, cuja amostra foi obtida por saturação dos dados, obedecendo aos seguintes critérios de inclusão: ter deficiência física, estar na faixa etária de 18 a 49 anos e afirmar a existência de características limitantes desde a primeira infância (zero a três anos). Considerou-se que seriam excluídas do estudo as mulheres que apresentassem dificuldade para comunicar-se, possuíssem deficiência múltipla e fossem sabidamente estéreis. A coleta de dados ocorreu no período de abril a junho de 2014, por meio de entrevista individual semiestruturada, seguindo instrumento construído para este estudo.

A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, obtendo parecer favorável n° 618.045 em março de 2014. No momento da coleta, as participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido e a autorização para gravação de voz. Para garantir o anonimato, foi atribuída a letra "E" de entrevistada, seguida de um número aleatório de 1 a 12.

O tratamento das informações ocorreu sob os preceitos da análise de conteúdo, por intermédio da técnica da análise temática.33. Blumer H. Symbolic interactionism: perspective and method. Califórnia (US): University of California Press; 1986. Assim, realizou-se leitura exaustiva para identificação das unidades de significação, as quais foram agregadas, codificadas e, de acordo com a semântica, deram origem às categorias "reconhecendo a importância do apoio" e "referindo ausência de apoio". A análise dos dados ocorreu à luz dos princípios do interacionismo simbólico,44. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa (PT): Edições 70; 2011. os quais nortearam o entendimento acerca da concepção das entrevistadas sobre a maternidade, diante da sua interação com a rede de apoio no seu meio social e familiar. A discussão teve como base os achados literários sobre a assistência à saúde da mulher no contexto da reprodução.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A idade das entrevistadas variou de 25 a 47 anos, dentre as quais se sobressaíram as de 40 anos ou mais. Além disso, constatou-se a prevalência da cor parda, da religião católica, da naturalidade natalense e da ocupação do lar. Ressalta-se que quatro eram também para-atletas. Com relação à escolaridade, destacou-se o ensino médio e, quanto à renda familiar, prevaleceu entre um e dois salários mínimos (R$ 724,00 - R$ 1448,00) vigentes no país. Além disso, o número de pessoas habitando na mesma residência que a depoente variou de zero a cinco, sendo mais comum a presença de dois a três membros no convívio domiciliar.

Em relação à deficiência, a maioria das mulheres possuía limitações em um ou ambos os membros inferiores, sendo a principal causa a Poliomielite. Dessa forma, inferiu-se que majoritariamente as deficiências na população estudada eram de origem adquirida. Fazendo referência à prole, sete mulheres eram mães (E3, E4, E5, E8, E10, E11, E12), cinco não tinham filhos até o momento da entrevista (E1, E2, E6, E7, E9). Quatro mulheres vivenciaram aborto espontâneo.

As referidas entrevistadas expressaram sua concepção acerca do suporte à mãe com deficiência física durante o período gravídico-puerperal, apresentadas em duas categorias temáticas.

Reconhecendo a importância do apoio

As participantes referiram sobre o incentivo advindo de pessoas do seu convívio durante a gestação e após o nascimento, compondo a rede de apoio construído por elas. Mesmo aquelas que não tiveram essa experiência, opinaram acerca desse assunto. O suporte familiar foi expressivo nas suas falas: até a família também pode ajudar. Eu conheço um monte de gente por aí que já tiveram [filho] e hoje em dia a família também ajuda (E1); minha mãe me chamou lá pra casa dela: 'fique aqui uns dias, não faça esforço, não arrume casa, deixa que eu cuido do menino', aquele cuidado de mãe com filha (E4); eu tenho uma família maravilhosa. Não foi tão difícil por isso. Porque o que é dos meus pais é meu, o que é meu é deles. Então, nesse termo aí foi maravilhoso (E10).

No caso dessas entrevistadas, as experiências foram positivas em relação ao auxílio recebido pelos familiares. Elas conviveram com a deficiência desde os seus primeiros anos de idade e, por isso, tiveram o apoio de familiares ao longo de sua vida. Logo, a importância do suporte desses se estendeu para a maternidade de forma complementar às suas necessidades. Adicionalmente, os familiares se fizeram presentes também em momentos críticos, como no caso de E4 que teve uma gestação de alto risco e precisou de repouso absoluto. Essa visão positiva de suporte familiar já é percebida antes mesmo de gerar um filho ao presenciar situações bem-sucedidas, como no caso de E1 que não tinha experienciado a maternidade.

Entende-se que um convívio familiar harmonioso propicia segurança às mães, principalmente ao vivenciarem pela primeira vez a maternidade ou quando a condição de saúde desperta cuidados distintos. Comumente, os familiares femininos se mobilizam para auxiliá-las e trocar experiências. Do mesmo modo, mães com deficiência frequentemente necessitam de orientações advindas de alguém experiente para aprender os primeiros cuidados com seu filho como também para auxiliá-la quando se sentem limitadas em realizar algumas atividades específicas à função materna.

Os achados supracitados são corroborados por uma investigação a qual apontou que 59,6% das mulheres com deficiência de sua amostra alegaram que familiares e amigos se demonstraram positivos diante de sua gravidez.5 5. Lee EO, Oh H. A wise wife and good mother: reproductive health and maternity among women with disability in South Korea. Sex Disabil [Internet]. 2005 Fall [cited 2014 Jul 01]; 23(3):121-44. Available from: http://link.springer.com/content/pdf/10.1007%2Fs11195-005-6728-y.pdf
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Estudos realizados no Nepal e em Camarões observaram a presença de familiares e vizinhos se dispondo para ajudá-las nas atividades domésticas, nas finanças e por meio de conselhos.66. Morrison J, Basnet M, Budhathoki B, Adhikari D, Tumbahangphe K, Manandhar D et al. Disabled women's maternal and newborn health care in rural Nepal: a qualitative study. Midwifery [Internet]. 2014 Nov [cited 2014 Dez 26]; 30(11):1132-9. Available from: http://www.midwiferyjournal.com/article/S0266-6138(14)00092-8/pdf
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-77. Bremer K, Cockburn L, Ruth A. Reproductive health experiences among women with physical disabilities in the Northwest Region of Cameroon. Int J Gynecol Obstet [Internet]. 2010 Mar [cited 2012 Set 02]; 108(3):211-3. Available from: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0020729209006018
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Pesquisas abordando mulheres, independente da presença ou não da deficiência, ressaltaram a importância da figura materna como auxílio durante os momentos iniciais da maternidade, quando as filhas geralmente têm a responsabilidade de cuidar tanto da casa como do filho e ainda não conseguem equilibrar suas tarefas de modo a alcançar êxito. Observaram que esse tipo de apoio permite às puérperas se sentirem mais seguras durante o período de adaptação enquanto amadurecem para o novo papel exercido.77. Bremer K, Cockburn L, Ruth A. Reproductive health experiences among women with physical disabilities in the Northwest Region of Cameroon. Int J Gynecol Obstet [Internet]. 2010 Mar [cited 2012 Set 02]; 108(3):211-3. Available from: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0020729209006018
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-88. Afiyanti Y, Solberg SM. ''It is my destiny as a woman'': on becoming a new mother in Indonesia. J Transcult Nurs [Internet]. 2014 May [cited 2014 Ago 24];Epub ahead of print. Available from: http://tcn.sagepub.com/content/early/2014/04/30/1043659614526243
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No estudo em apreço, o companheiro também foi apontado entre as participantes como apoio fundamental ao longo da gestação e após o nascimento.

Assim, porque uma pessoa que é deficiente, dependendo da deficiência, se for um cadeirante, por exemplo, precisa de um apoio de um companheiro que seja compreensivo, que passe amor tanto pra ela como para o filho. [...] Ele também tem que pensar [...] na criança e nela porque ela totalmente depende dele, pra muita coisa (E4).

Teve o tempo que eu fui ter a outra menina, aí ficou uma tia delas com a mais velha. Ficou um tempo, mas depois, quando eu me recuperei, aí foi comigo mesmo, comigo e com ele... (E8).

De acordo com essas falas, o parceiro é visto como aliado importante para a criação do filho. As entrevistadas ressaltaram a importância de saber escolhê-lo, não só para ser seu suporte no cuidado ao filho, mas também para ela própria, quando a deficiência a faz mais dependente. Assim, observa-se a predominância do desejo pela constituição de uma família tradicional e o anseio pela partilha de responsabilidades com o companheiro, esperando desse a compreensão quanto às limitações corporais que possuem.

Tais observações entram em concordância com o estudo realizado em Camarões, no qual as mulheres admitiram desejar relacionamento estável e constituir uma família composta por cônjuge e filhos.7 7. Bremer K, Cockburn L, Ruth A. Reproductive health experiences among women with physical disabilities in the Northwest Region of Cameroon. Int J Gynecol Obstet [Internet]. 2010 Mar [cited 2012 Set 02]; 108(3):211-3. Available from: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0020729209006018
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Já outras investigações, revelaram que as mulheres veem seus parceiros como fonte de apoio e segurança, diminuindo a tensão advinda da transição para a função materna.99. Fernández SB, Vizcaya-Moreno MF, Pérez-Canaveras RM. Percepción de la transición a la maternidad: estúdio fenomenológico en la província de Barcelona. Aten Primaria [Internet]. 2013 Out [cited 2014 Set 18]; 45(8):409-17. Available from: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0212656713001315
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-1010. Rodrigues BC, Mazza VA, Higarashi IH. Social support network of nurses for the care of their own children. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2014 Abr-Jun [cited 2015 Ago 19]; 23(2):460-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v23n2/0104-0707-tce-23-02-00460.pdf
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Concordando com os autores, infere-se a necessidade das mulheres com deficiência se sentirem sujeitos sociais capazes de desenvolver relações amorosas e terem vida sexual e reprodutiva ativas. No entanto, ainda segundo os pesquisadores do estudo camaronês, os membros da comunidade, na qual as mulheres estavam inseridas, incentivavam a união conjugal na perspectiva de terem alguém que lhes desse importância.77. Bremer K, Cockburn L, Ruth A. Reproductive health experiences among women with physical disabilities in the Northwest Region of Cameroon. Int J Gynecol Obstet [Internet]. 2010 Mar [cited 2012 Set 02]; 108(3):211-3. Available from: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0020729209006018
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Logo, existem ideias sociais ambíguas sobre os relacionamentos estabelecidos pela mulher com deficiência, alguns aceitam-na como ser sexuado, outros tratam-na com piedade devido à deficiência.

Nesse entendimento, ao reconhecer a valorização atribuída por essas mulheres ao suporte advindo de atores do seu círculo íntimo, o profissional de saúde posiciona-se como mediador para estimulá-la a construir uma rede de apoio. Entretanto, a supracitada abordagem deve ser feita de forma a não caracterizá-la como incapaz. Para isso, é preciso incentivar essa mulher a ponderar sobre suas necessidades de assistência, o tipo de apoio que deseja receber e quem irá atendê-la.11 11. Smeltzer SC. Pregnancy in women with physical disabilities. JOGN Nurs [Internet]. 2007 Jan-Fev [cited 2013 Set 02]; 36(1):88-96. Available from: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1552-6909.2006.00121.x/pdf
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Ao ter essa rede fortalecida, ela se sente mais confiante em suas habilidades maternas.77. Bremer K, Cockburn L, Ruth A. Reproductive health experiences among women with physical disabilities in the Northwest Region of Cameroon. Int J Gynecol Obstet [Internet]. 2010 Mar [cited 2012 Set 02]; 108(3):211-3. Available from: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0020729209006018
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Além das pessoas de seu convivio, as depoentes também apontaram o suporte do profissional de saúde como importante para gestar, parir e criar um filho:não achei essa coisa complicada demais nem difícil [...] [os profissionais de saúde] tiveram cuidado comigo devido a minha deficiência [...] Eu achei que eles tiveram um cuidado assim diferente comigo devido a isso, a minha deficiência, aí sempre estavam ali. Qualquer coisa que eu sentisse 'ah, pode ligar pra gente' [...] (E8); eu sempre encontrei anjos na minha vida. O doutor que não me deixou sofrer nem um pouquinho [tom de riso] (E12).

A equipe de saúde foi vista como essencial em manter a saúde materno-infantil, recebendo a denotação de "anjos" devido ao sentido de proteção vinculado ao vocábulo, em estar à disposição para ampará-las. Isso ocorre porque as dificuldades parecem ser amenizadas devido ao assistencialismo e, quanto mais acessíveis esses profissionais, mais confiança eles recebem das pessoas por elas atendidas.

Os profissionais da área da saúde prestativos e atenciosos para com sua clientela tornam-se estimados e suas atitudes se revelam como referencial de qualidade da assistência oferecida.

Estudos evidenciam tal valorização recebida por eles em razão da oferta de cuidado adicional a mulheres com deficiência, inclusive adaptando-se de acordo com sua necessidade e enaltecendo o aconselhamento e diálogo.66. Morrison J, Basnet M, Budhathoki B, Adhikari D, Tumbahangphe K, Manandhar D et al. Disabled women's maternal and newborn health care in rural Nepal: a qualitative study. Midwifery [Internet]. 2014 Nov [cited 2014 Dez 26]; 30(11):1132-9. Available from: http://www.midwiferyjournal.com/article/S0266-6138(14)00092-8/pdf
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,1212. Gibson BE, Mykitiuk R. Health care access and support for disabled women in Canada - falling short of the UN Convention on the rights of persons with disabilities: a qualitative study. Women's health issues [Internet]. 2012 Jan [cited 2013 Set 02]; 22(1):e211-8. Available from: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1049386711001757#
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Contudo, outro estudo aponta que as mulheres com deficiência nem sempre são incluídas nas decisões tomadas acerca dos cuidados com sua saúde e que muitas acreditam que o profissional está agindo para seu próprio bem, confiando nele quanto às decisões adotadas, mesmo sem sua participação.1313. Phillips LJ, Phillips W. Better reproductive healthcare for women with disabilities: a role for nursing leadership. ANS Adv Nurs Sci [Internet]. 2006 Abr-Jun [cited 2013 Set 02]; 29(2):134-51. Available from: http://meta.wkhealth.com/pt/pt-core/template-journal/lwwgateway/media/landingpage.htm?issn=0161-9268&volume=29&issue=2&spage=134
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Assim, é reconhecida a ausência do estímulo para o autocuidado e para a autonomia no exercício do seu papel materno. Nesse entendimento, uma investigação realizada na Inglaterra aponta a necessidade das mães com deficiência em estabelecer comunicação de qualidade com a equipe de saúde sobre os cuidados ao recém-nascido.1414. Redshaw M, Malouf R, Gao H, Gray R. Women with disability: the experience of maternity care during pregnancy, labour and birth and the postnatal period. BMC Pregnancy Childbirth [Internet]. 2013 Set [cited 2014 Jul 01]; 13(174):1-14. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3848505/pdf/1471-2393-13-174.pdf
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Ademais, como observa-se nos achados do estudo em Serra Leoa, quando a mulher com deficiência recebe tratamento igualitário ou mesmo é atendida com mais atenção, tende a ficar satisfeita com o serviço, mesmo que esse nem sempre se mostre adequado a ela.15 15. Trani J, Browne J, Kett M, Bah O, Morlai T, Bailey N et al. Access to health care, reproductive health and disability: a large scale survey in Sierra Leone. Soc Sci Med [Internet]. 2011 Nov [cited 2013 Set 02]; 73(10):1477-89. Available from: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0277953611005594#
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A postura paternalista do profissional pode ocultar uma assistência ainda inadequada a essa população, muitas vezes causada pelo seu despreparo, pois a capacitação da equipe de saúde quanto à assistência a essas mulheres é escassa.66. Morrison J, Basnet M, Budhathoki B, Adhikari D, Tumbahangphe K, Manandhar D et al. Disabled women's maternal and newborn health care in rural Nepal: a qualitative study. Midwifery [Internet]. 2014 Nov [cited 2014 Dez 26]; 30(11):1132-9. Available from: http://www.midwiferyjournal.com/article/S0266-6138(14)00092-8/pdf
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Entende-se o treinamento desses como fundamental de modo a prover atendimento apropriado à essa clientela.

Relativo à troca de conhecimento entre o profissional e as entrevistadas, nota-se que elas admitiram buscar informações e mostraram-se conscientes quanto a sua saúde reprodutiva.

[...] Pronto, um exemplo. Você é deficiente, você casa com uma pessoa deficiente também. Aí você vai lá, engravida e tem um filho daquele homem que é deficiente também que nem você. [...] Na minha mente eu achava que, se eu tivesse um filho, ele ia vir deficiente. Mas, hoje, eu entendo que não é assim (E9).

Apesar de a participante não ter vivenciado a maternidade, colocou-se nessa posição para compreender que a transmissão genética da deficiência ao filho ocorre em condições específicas. Compreensão a qual foi construída mediante a busca por informações com outras pessoas. Vê-se que cada vez mais indivíduos com deficiência procuram apropriar-se de conhecimento em saúde e direitos, inclusive compartilhando com seus semelhantes de forma a desenvolver consciência crítica, autonomia e cidadania. Todavia, algumas mulheres com deficiência ficam relutantes em fazer questionamentos, especialmente aos profissionais de saúde.1111. Smeltzer SC. Pregnancy in women with physical disabilities. JOGN Nurs [Internet]. 2007 Jan-Fev [cited 2013 Set 02]; 36(1):88-96. Available from: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1552-6909.2006.00121.x/pdf
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Por essa razão, deve-se promover um espaço para escutá-las cuidadosamente e deixá-las confortáveis para expor suas dúvidas.

Referindo ausência de apoio

Durante o ciclo gravídico-puerperal, o suporte físico e emocional nem sempre era obtido pelas participantes do estudo. Essa incompletude ou ausência de apoio advindo de pessoas de seu convívio social as influenciaram negativamente, acentuando-se os entraves frente ao exercício do papel materno. Entre os casos de abstenção, as entrevistadas destacaram os familiares, seja por espontânea decisão seja pela imposição da instituição de saúde: a minha mãe ela era muito rigorosa. Pra ela, deficiente não poderia namorar. Aquelas cabeças de antigamente. [...] E ela quem cuidava de mim, aí eu fiquei meio assim, sabe? Eu demorei bastante pra dizer a ela que estava grávida... Medo de dizer que estava grávida [...] (E3); me subiram, deixaram meus familiares todos lá fora, sem nenhum contato, sem comunicarem nada, mandaram embora e me deixaram lá sozinha [na maternidade] (E4).

Percebe-se, nessas falas, o sentimento de desamparo dessas mulheres, balizado pela ausência de incentivo de familiares próximos diante das situações novas e inusitadas emergidas pela maternidade. No caso de E3, o medo de revelar a gravidez à sua mãe se fez presente haja vista a reprovação dessa quanto ao relacionamento amoroso e sexual de uma pessoa com deficiência, levando-a à omissão.

Há, na atualidade, um processo de mudança da concepção social em relação à pessoa com deficiência, porém ainda persiste a superproteção familiar e o desconhecimento sobre sua saúde sexual e reprodutiva. Quando familiares se demonstram hostis ou duvidosos quanto a essa realidade, torna-se viável o enfermeiro intermediar o diálogo da mulher com deficiência e seus familiares em um ambiente acolhedor, de modo que as suas aptidões sejam discutidas e compreendidas entre os membros da família.1111. Smeltzer SC. Pregnancy in women with physical disabilities. JOGN Nurs [Internet]. 2007 Jan-Fev [cited 2013 Set 02]; 36(1):88-96. Available from: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1552-6909.2006.00121.x/pdf
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Em relação à depoente E4, essa enfrentou o isolamento imposto na instituição hospitalar, em virtude de seus familiares terem sido impedidos de estarem presentes por ocasião do seu internamento. A dificuldade no acesso de acompanhante nos hospitais durante o trabalho de parto e parto de mulheres com deficiência também foi constatada em outro estudo. Nele, foi destacado que as parturientes encontraram resistência dos profissionais devido à política da instituição, desapontando-as por não permitirem um acompanhante de sua confiança como sujeito de apoio.1616. Walsh-Gallagher D, Sinclair M, McConkey R. The ambiguity of disabled women's experiences of pregnancy, childbirth and motherhood: a phenomenological understanding. Midwifery [Internet]. 2012 Abr [cited 2013 Set 24]; 28(2):156-62. Available from: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0266613811000052#
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No Brasil, a presença do acompanhante de escolha da parturiente é prevista em lei.17 17. Brasil. Lei nº 11.108, de 7 de abril de 2005: altera a Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, para garantir às parturientes o direito à presença de acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, 8 abr. 2005. Seção 1, p. 1.Porém, entraves continuam existindo para sua implantação nas instituições de saúde. Em pesquisa realizada no Rio Grande do Norte, Brasil, os enfermeiros entrevistados ponderaram fatores interferentes à presença do acompanhante durante o processo do nascimento, a saber: ausência de normatização e de incentivo institucional; estrutura física da unidade de internação imprópria para comportar todos os atores envolvidos na parturição e a permissividade do profissional, sobretudo da área médica. Em suma, persiste a medicalização do parto na qual a mulher é sujeito passivo do evento e dependente dos profissionais e da instituição, deixando de prevalecer sua vontade.1818. Júnior PBC, Carvalho IS, Macedo JBPO. Unfavorable institutional conditions to the presence of the caregiver: the viewpoint of nurses. Rev Pesqui Cuid Fundam [Internet]. 2013 Out-Dez [cited 2014 Set 01]; 5(4):671-80. Available from: http://www.seer.unirio.br/index.php/cuidadofundamental/article/view/2354/pdf_945
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Devido aos entraves institucionais supracitados, a parturiente pode sofrer consequências de ordem psicoemocional, influenciando negativamente no intraparto. Segundo achados na investigação realizada na Inglaterra, 19% das mulheres com deficiência, participantes da amostra, referiram se sentir sozinhas e preocupadas durante a parturição, enquanto que entre aquelas sem limitações o percentual foi de 16%.1414. Redshaw M, Malouf R, Gao H, Gray R. Women with disability: the experience of maternity care during pregnancy, labour and birth and the postnatal period. BMC Pregnancy Childbirth [Internet]. 2013 Set [cited 2014 Jul 01]; 13(174):1-14. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3848505/pdf/1471-2393-13-174.pdf
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Além do desamparo, a fala a seguir da entrevistada E4 leva a considerar que essa se sentiu insatisfeita com o atendimento recebido, pois não foi apropriado diante da vivência da perda do filho. Tal fato se agravou pela suspeita dos profissionais de que ela tivesse provocado o aborto.

Em momento algum me colocaram em soro, não aplicaram nada. Simplesmente me subiram e me colocaram pra lá, porque tiveram aquela suspeitas que tinha feito o aborto. Então eles me fizeram como uma qualquer. [...] Aí a minha, a assistente social, na época, não sei se era assistente social, chegou e disse que meu filho iria pra uma experiência. Não perguntou se queria fazer ou se queria levar pra enterrar [...] Se na época eu tivesse o pensamento que eu tenho hoje, teria botado um processo naquele hospital, eu fui muito maltratada ali dentro, fui muito judiada. [...] Primeiro filho, você passar por tudo isso e passar mais ainda um desprezo dentro de um hospital, não é fácil, não é pra qualquer um (E4).

A vivência da depoente E4 na instituição hospitalar leva a considerar omissão de apoio assistencial e psicoemocional, atitude contrária à conduta bioética defendida nos dias atuais. Trata-se de violência institucional e de gênero contra sua condição de mulher e de pessoa com deficiência, dentro do prisma denominado violência obstétrica.

No referido contexto, o profissional de saúde coloca-se na posição hierárquica de detentor de conhecimento, fazendo valer o julgamento de valor para exercer domínio e opressão sobre a paciente vulnerável. A raiz desse problema pode estar na reprodução dos valores sociais justificados como necessários, levando à banalização da violência.1919. Aguiar JM, D'Oliveira AFPL, Schraiber LB. Violência institucional, autoridade médica e poder nas maternidades sob a ótica dos profissionais de saúde. Cad Saude Publica [Internet]. 2013 Nov [cited 2014 Out 06]; 29(11):2287-96. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csp/v29n11/15.pdf
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Apesar da informação unilateral do ocorrido, partindo do relato da entrevistada, entende-se que esse caso vai além da violência dita como obstétrica, passando a ser uma expressão punitiva ao ato abortivo.

A omissão de suporte dos profissionais também foi encontrada em outros estudos, nos quais as participantes relataram dificuldades quanto ao esclarecimento de suas dúvidas e ao fornecimento de apoio adequado, principalmente àquelas com deficiência sensorial e mental, suscitando sentimento de solidão.77. Bremer K, Cockburn L, Ruth A. Reproductive health experiences among women with physical disabilities in the Northwest Region of Cameroon. Int J Gynecol Obstet [Internet]. 2010 Mar [cited 2012 Set 02]; 108(3):211-3. Available from: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0020729209006018
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,16 16. Walsh-Gallagher D, Sinclair M, McConkey R. The ambiguity of disabled women's experiences of pregnancy, childbirth and motherhood: a phenomenological understanding. Midwifery [Internet]. 2012 Abr [cited 2013 Set 24]; 28(2):156-62. Available from: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0266613811000052#
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A supressão de assistência, seja de forma intencional ou não, impacta a saúde sexual e reprodutiva das mulheres com deficiência, deixando de detectar possíveis problemas no decorrer da gravidez e parturição.1313. Phillips LJ, Phillips W. Better reproductive healthcare for women with disabilities: a role for nursing leadership. ANS Adv Nurs Sci [Internet]. 2006 Abr-Jun [cited 2013 Set 02]; 29(2):134-51. Available from: http://meta.wkhealth.com/pt/pt-core/template-journal/lwwgateway/media/landingpage.htm?issn=0161-9268&volume=29&issue=2&spage=134
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No caminhar da discussão sobre a ausência de apoio, o parceiro também foi mencionado nas falas das mulheres com deficiência que vivenciaram a maternidade: [...] às vezes você tem um filho com ele [parceiro], alguns já largam você. Porque acha que você não tem capacidade de ser mãe, com a deficiência que você tem, acha que você não é ninguém [...]. Que você não vai ser uma mãe boa por sua deficiência física, não tem a mente no lugar de ser mãe. De dar um ensinamento melhor pro seu filho (E9); criar ela não é fácil porque depois de oito meses, o pai dela se separou. Então eu tive que batalhar, honestamente, lógico. Trabalhando, pra poder criar ela (E10); quando eu engravidei não gostei porque não morava com o pai dele, meu menino, nesse tempo, aí ficou mais difícil ainda (E3).

Nos depoimentos supracitados, as mulheres expressaram dificuldades em levar a maternidade adiante sem o apoio do pai de seu filho. A separação do companheiro se mostrou mais difícil entre as mulheres com deficiência e o significado da ausência desse suporte é mais forte entre as que precisam desempenhar, sozinhas, o papel de mãe e provedora. Além disso, uma das entrevistadas aponta preconceitos advindos do parceiro, haja vista sua deficiência e a dúvida gerada diante de sua capacidade. Desse modo, o estigma social também influencia seus relacionamentos e desestrutura a construção familiar.

O relacionamento amoroso estável é desejado pelas mulheres, todavia, elas podem se sentir limitadas após o matrimônio, não só pela deficiência, mas pelo isolamento social ocorrido, por vezes, diante do preconceito de pessoas de sua comunidade.77. Bremer K, Cockburn L, Ruth A. Reproductive health experiences among women with physical disabilities in the Northwest Region of Cameroon. Int J Gynecol Obstet [Internet]. 2010 Mar [cited 2012 Set 02]; 108(3):211-3. Available from: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0020729209006018
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Diante disso, considera-se que o profissional da área da saúde pode trazer para a consulta o companheiro, a fim de que ele participe junto à mulher das decisões relativas ao desejo de ter um filho e ao seu papel na gestação, parto e paternidade. Ademais, faz-se necessário promover diálogos e ações com outros setores sociais, objetivando amenizar a estigmatização entre os membros comunitários quando se trata da saúde sexual e reprodutiva da população em apreço.

Ainda acerca da ausência de suporte, as pessoas as quais as mulheres com deficiência física têm algum vínculo de intimidade também se apresentaram como outra importante fonte de omissão de incentivo quanto a sua capacidade de ser mãe. Muitas vezes, essa ocorrência foi percebida por meio de expressões de surpresa e de descrença, como descritos nos seguintes depoimentos: foi como aconteceu com minha primeira gravidez. Quando eu engravidei, que a barriga começou a crescer, todo mundo... Era difícil uma pessoa assim pra eu não ter contato, a não ser o pessoal da família que... nunca tiveram isso. Mas, o pessoal do trabalho, pra onde eu saía, todo mundo dizia 'mas você grávida? Você deficiente grávida?! Como é que você, e quando esse bebê vai crescer, nascer, ele vai ter uma deficiência também?' (E11); até porque as pessoas lá do interior quando eu voltava lá eu falava assim 'Ah, vou casar'. 'Ah [tom de surpresa] como vai casar?! É deficiente!? Como vai ter filho? Como vai carregar a barriga?' (E12); [...] 'E você vai poder cuidar?'. A resposta que dou, eu fico calada, pronto, não respondo. Porque se for responder pra mim vai ser ignorância. Por isso prefiro ficar calada. Muita gente pensa assim... 'Devido ela nascer assim ela não vai poder fazer nada na vida' (E1).

As entrevistadas relataram sobre as respostas recebidas dos colegas de trabalho, conhecidos da sua cidade natal e do cotidiano quando depararam com sua decisão de ser mãe. A reação diante da realidade da mulher com limitações em assumir a maternidade remeteu a um significado negativo a sua vontade. A descrença na sua capacidade pode gerar desgaste emocional e até mesmo dúvidas quanto a sua escolha.

Isso também foi observado no estudo em Camarões, quando os membros comunitários demonstraram preocupação e choque devido à gravidez de mulheres com deficiência. Tais reações afetaram as gestantes, levando-as a interagirem menos com a comunidade. O contexto social de reprovação as influenciaram negativamente, respondendo a essa manifestação por meio de isolamento e sofrimento.77. Bremer K, Cockburn L, Ruth A. Reproductive health experiences among women with physical disabilities in the Northwest Region of Cameroon. Int J Gynecol Obstet [Internet]. 2010 Mar [cited 2012 Set 02]; 108(3):211-3. Available from: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0020729209006018
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Ademais, achados de outros autores revelaram que as pessoas de convívio das mulheres com deficiência podem considerá-las egoístas por almejarem a maternidade, diante da possibilidade de transmissão hereditária.1212. Gibson BE, Mykitiuk R. Health care access and support for disabled women in Canada - falling short of the UN Convention on the rights of persons with disabilities: a qualitative study. Women's health issues [Internet]. 2012 Jan [cited 2013 Set 02]; 22(1):e211-8. Available from: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1049386711001757#
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O julgamento social é inevitável diante do estigma, suscitando concepções de vulnerabilidade, incapacidade e dependência. Porém, observa-se que a funcionalidade da parentalidade entre pessoas com deficiência não difere em relação àqueles sem limitações.2020. Frohmader C, Ortoleva S. The sexual and reproductive rights of women and girls with disabilities. In: International Conference on Human Rights, 2013 Jul 1-18; Países Baixos: ICPD; 2013.-2121. Signore C, Spong CY, Krotoski D, Shinowara NL, Blackwell SC. Pregnancy in women with physical disabilities. Obstet Gynecol [Internet]. 2011 Abr [cited 2013 Set 02]; 117(4):935-47. Available from: http://www.scopus.com/record/display.url?eid=2-s2.0-79953175637&origin=resultslist&sort=plf-f&src=s&st1=Pregnancy+in+Women+With+Physical+Disabilities
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Logo, é notável que o desconhecimento acerca da saúde sexual e reprodutiva intensifica o estigma.

Diante do ceticismo das pessoas, as entrevistadas do estudo em pauta insistiram em realizarem-se como mães, assegurando perante aos outros a sua aptidão materna e feminina. Contudo, vale ressaltar que os próprios medos e a desaprovação social são capazes de interferir em sua decisão.2121. Signore C, Spong CY, Krotoski D, Shinowara NL, Blackwell SC. Pregnancy in women with physical disabilities. Obstet Gynecol [Internet]. 2011 Abr [cited 2013 Set 02]; 117(4):935-47. Available from: http://www.scopus.com/record/display.url?eid=2-s2.0-79953175637&origin=resultslist&sort=plf-f&src=s&st1=Pregnancy+in+Women+With+Physical+Disabilities
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-2222. Rogers J. The disabled woman's guide to pregnancy and birth. 2ª ed. Nova York (US): Demos Medical Publishing; 2010.

Portanto, entende-se que as opiniões negativas das pessoas acerca de ser mãe com deficiência podem contribuir para a mulher rever o próprio significado da maternidade. A influência externa de pessoas de relação íntima ou de convivência se mostra importante na sua concepção de ser mulher e pessoa com deficiência. Assim, ocorre o processo interno de reconsiderações sobre sua concepção, o que reconduzirá sua própria conduta e sua decisão definitiva quanto ao papel materno.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir das falas analisadas, observa-se que as entrevistadas possuem uma rede de apoio a qual possibilita amenizar os sentimentos adversos, bem como contribui no exercício da função materna, quando ela se encontra limitada pela sua condição morfofuncional. Contudo, por vezes, esse suporte pode estar ausente, causando impactos negativos em torno da maternidade e contribuindo para a mulher rever o próprio significado do evento em pauta.

Aquelas que não vivenciaram a maternidade apresentaram ter a mesma concepção das demais acerca da importância do suporte das pessoas de seu convívio. Desse modo, o significado da rede de apoio é construído antes da maternidade e se concretiza diante de sua vivência. Além disso, as mulheres com deficiência interagem entre si e trocam experiências que influenciam na significação construída sobre a maternidade.

Nesse contexto, o enfermeiro junto à equipe pode promover a saúde reprodutiva da pessoa com deficiência perante a população, ao integrá-la nas ações desenvolvidas pelos serviços de saúde, especialmente na Atenção Primária. Ao compreender os contextos socioculturais e a importância da família e da comunidade na decisão da mulher com deficiência em ser mãe, o enfermeiro pode, no seu processo de trabalho, abranger a rede de apoio no âmbito da assistência reprodutiva.

Para isso, os cursos de graduação da área biomédica e os serviços de saúde devem promover conhecimento acerca da mulher com deficiência que deseja a maternidade, no intuito de formar/aperfeiçoar profissionais de saúde habilitados em assisti-la holisticamente. Desse modo, o estudo em apreço pode contribuir para a mudança de conduta necessária. Além disso, faz-se necessário o advento de políticas públicas voltadas especificamente às necessidades desse contingente populacional.

Como limitação da pesquisa, ressalta-se que a escolha das mulheres com deficiência física se restringiu àquelas associadas em organizações não-governamentais. Isso é justificado pela ausência de dados em sistema de informação, que subsidiariam a localização de possíveis participantes em outras instituições. Ademais, não houve distinção entre mulheres que eram mães das que não tinham vivenciado esse papel. Portanto, implica-se em ampliar o estudo relacionado à referida população no intuito de contribuir para a saúde reprodutiva, sobretudo, na área da Enfermagem, inclusive abrangendo outros tipos de limitação morfofuncional, de modo a fornecer novos subsídios para a qualidade da atenção à mulher com deficiência.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    13 Mar 2015
  • Aceito
    11 Set 2015
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