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Competências e habilidades para atuação do enfermeiro em bancos de olhos

Resumos

O estudo objetivou descrever competências e habilidades requeridas à atuação nos Bancos de Olhos, sob a óptica dos enfermeiros, e oferecer subsídios para a prática profissional de enfermagem nestes serviços. Trata-se de um estudo exploratório e descritivo, com abordagem qualitativa. Os dados foram coletados por meio de entrevista semiestruturada, com sete enfermeiros que atuam neste serviço, e analisados com o suporte da análise de conteúdo. Ao analisar os depoimentos dos sujeitos desta pesquisa verifica-se que a dimensão gerencial recebeu relevância nos depoimentos dos sujeitos. Dentre as habilidades requeridas para o trabalho nos Bancos de Olhos, sob a ótica dos enfermeiros dos serviços, destacam-se habilidades relacionadas à educação, à comunicação, à liderança para manter a união da equipe, habilidade para lidar com o cadáver e a destreza nos procedimentos técnicos envolvidos. Ficou evidente que os enfermeiros precisam dedicar maior atenção às dimensões de ensino e pesquisa. Trata-se de um novo cenário de prática para a enfermagem e requer que o enfermeiro adquira competências profissionais.

Bancos de olhos; Enfermagem; Conhecimento; Competência profissional; Transplante


The study describes the skills and abilities required for working in Eye Banks, from the perspective of nurses, and offers subsidies for professional nursing practice in these services. This was an exploratory, descriptive study with a qualitative approach. Data were collected through semi-structured interviews with seven nurses working in this service and analyzed with the support of content analysis. By analyzing the testimonies of the subjects in this study, the managerial dimension was perceived as relevant for the subjects, through their statements. Skills required to work in Eye Banks, from the perspective of nurses, included: skills related to education, communication, leadership to maintain team unity; ability to deal with the corpse; and, dexterity in the technical procedures involved. It became clear that nurses needed to devote greater attention to the dimensions of teaching and research. This is a new scenario for nursing practice and it is required that nurses acquire new professional skills.

Eye banks; Nursing; Knowledge; Professional competence; Transplantation


El estudio describe las destrezas y habilidades necesarias para el adecuado rendimiento en los Bancos de Ojos desde la perspectiva de las enfermeras y visa ofrecer subsidios para la práctica profesional de enfermería en estos servicios. Se trata de un estudio exploratorio y descriptivo con enfoque cualitativo. Los datos fueron recolectados a través de entrevistas semi-estructuradas con siete enfermeras que trabajan en este servicio y se analizaron con el apoyo del análisis de contenido. Mediante el análisis de los relatos de los sujetos de este estudio se desprende que la dimensión empresarial recibió un interés significativo en las declaraciones. Dentro de las habilidades necesarias para trabajar en los Bancos de Ojos desde la perspectiva de los servicios de enfermería se incluyen las habilidades relacionadas con la educación, comunicación, liderazgo para mantener la unidad del equipo, la capacidad para hacer frente al cadáver y destreza en los procedimientos técnicos involucrados. Se hizo evidente que las enfermeras deben prestar mayor atención a las dimensiones de la enseñanza y la investigación. Se trata de un nuevo escenario para la práctica de enfermería y requiere que las enfermeras cuenten con habilidades profesionales.

Bancos de ojos; Enfermería; Conocimiento; Competencia profesional; Trasplante


INTRODUÇÃO

Os transplantes têm se tornado mais disponíveis e seguros, constituindo alternativas à saúde. Há que se destacar que são terapias cada vez mais elegíveis à medida que oferecem oportunidade de sobrevivência e de melhor qualidade de vida. Além disso, precisamos de alternativas diante do aumento da expectativa de vida da população.11. Silva AF, Guimarães TS, Nogueira GP. A atuação do enfermeiro na captação de órgãos. Rev Bras Cienc Saúde. 2009 Jan-Mar; 7(19):71-85. - 22. Reis DJF, Vieira JDPR, Araújo DA, Torres SAS, Teles LLM. Doação e transplantes de órgãos no Brasil: filas de espera e famílias. Rev Min Educ Fis. 2010; (5):96-104.

O Brasil destaca-se por ser um dos países que mais possui programas públicos de transplantes de órgãos e tecidos, sendo o segundo país no planeta em número de transplantes, atrás apenas dos Estados Unidos da América. O Sistema Único de Saúde (SUS) financia mais de 95% dos transplantes realizados no país e também subsidia todos os medicamentos imunossupressores para os pacientes.22. Reis DJF, Vieira JDPR, Araújo DA, Torres SAS, Teles LLM. Doação e transplantes de órgãos no Brasil: filas de espera e famílias. Rev Min Educ Fis. 2010; (5):96-104.

Dentre os transplantes realizados, o de córnea é o procedimento de transplante tecidual de maior sucesso em humanos e o mais realizado. Isto ocorre, dentre outros fatores, devido ao crescimento do número de doadores, baixo índice de rejeição neste tipo de transplante e porque há um aumento no número de Bancos de Tecidos Oculares Humanos (BTOHs), mais conhecidos como Bancos de Olhos. Além disso, a organização que visa à eficácia e a eficiência destes serviços contribui para que o transplante de córnea seja um sucesso no mundo e no Brasil.33. Chalita MRC, Diazgranados EBM, Sato EH, Branco BC, Freitas D. Rejeição corneana pós transplante de córnea: análise de dados do Banco de Olhos do Hospital São Paulo - Escola Paulista de Medicina. Arq Bras Oftalmol. 2000 Jan-Fev; 63(1):55-8. - 44. Sano RY, Sano FT, Dantas MCN, Lui ACF, Sano ME, Neto AL. Análise das córneas do Banco de Olhos da Santa Casa de São Paulo utilizadas em transplantes. Arq Bras Oftalmol. 2010;73(3):254-8.

O transplante de córnea também se destaca pelo que representa na recuperação da visão de um indivíduo, visto que as doenças da córnea correspondem à segunda causa de cegueira reversível no mundo e provocam uma importante perda econômica e social. O transplante de córnea, ou ceratoplastia, pode ter finalidades diagnósticas, terapêuticas ou tectônicas (quando as córneas são usadas em transplantes de urgência). Sendo assim, podemos inferir o que o transplante pode significar para alguém que está na fila aguardando.33. Chalita MRC, Diazgranados EBM, Sato EH, Branco BC, Freitas D. Rejeição corneana pós transplante de córnea: análise de dados do Banco de Olhos do Hospital São Paulo - Escola Paulista de Medicina. Arq Bras Oftalmol. 2000 Jan-Fev; 63(1):55-8. , 55. Adán CBD, Diniz AR, Perlatto D, Hirai FE, Sato EH. Dez anos de doação de córneas no Banco de Olhos do Hospital São Paulo: perfil dos doadores de 1996 a 2005. Arq Bras Oftalmol. 2008 Mar-Abr; 71(2):176-81.

A relevância do estudo está ancorada nas premissas de que a atuação do enfermeiro nesta área é recente, com forte tendência de ampliação e impacto social expressivo. Soma-se a esta o fato de que é crescente o avanço tecnológico no campo da saúde, com expansão dos BTOH, e este se evidencia como um novo campo de trabalho para profissionais e propício para a formação de profissionais e pesquisadores. Nota-se, também, que o número de estudos a respeito das competências do enfermeiro no processo na doação de órgãos e tecidos para transplantes é incipiente, sobretudo quanto à atuação em BTOH. Desta forma, são necessárias pesquisas no campo da enfermagem para o aperfeiçoamento das metodologias utilizadas tanto na organização como na prestação dos serviços nessa área. Em especial, pesquisas que orientem o processo de trabalho do enfermeiro, sobretudo no que tange às competências e habilidades requeridas, já que representa uma área especializada e que demanda formação específica.

Mediante esse panorama, a questão que norteou o desenvolvimento deste estudo foi: quais as competências e habilidades necessárias aos enfermeiros que atuam em BTOHs? Desta forma, este artigo teve por objetivo descrever as competências e habilidades para atuação nos BTOHs, na concepção dos enfermeiros, e oferecer subsídios para a prática de enfermagem nestes serviços.

ASPECTOS METODOLÓGICOS

O presente artigo apresenta parte dos resultados da pesquisa "Banco de tecidos oculares humanos: atuação dos enfermeiros", desenvolvida na forma de uma dissertação de mestrado, no Programa de Pós-Graduação/Mestrado em Enfermagem da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Juiz de Fora. Realizou-se uma pesquisa qualitativa cujo desenho metodológico apoiou-se na hermenêutica-dialética, que representa um método de análise oriundo das ciências humanas e sociais que considera o indivíduo como ser histórico e considera o conflito e a contradição como parte da realidade.6 6. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 11ª ed. São Paulo (SP): Hucitec; 2008.Portanto, uma análise que segue os princípios da dialética busca apreender a prática social em seus movimentos contraditórios, numa realidade que não está pronta e definida, mas provisória e em constante transformação.

Os cenários de estudo foram os BTOHs de Minas Gerais (MG), excetuando o BTOH de Juiz de Fora, onde a pesquisadora trabalhou como enfermeira, parte do tempo decorrido nesta pesquisa, e o BTOH de Governador Valadares, que já estava autorizado a funcionar, mas ainda não iniciara suas atividades. Assim, constituíram como sujeitos da pesquisa o conjunto de sete enfermeiros que atuam nos BTOHs de Belo Horizonte, Uberlândia e Alfenas e que, mediante convite por telefone, aceitaram participar da pesquisa. Conforme a proposta do método adotou-se a entrevista semiestruturada como técnica de coleta de dados.

O trabalho de campo, incluindo a visita ao serviço e entrevista, foi realizado nos meses de abril a outubro de 2012, mediante o agendamento prévio por telefone ou mensagem de correio eletrônico. As entrevistas foram realizadas em local reservado nos BTOHs, ambiente de trabalho de cada sujeito, e o tempo de duração das mesmas variou entre 10 e 24 minutos.

Para a análise dos depoimentos dos sujeitos optou-se por utilizar a análise de conteúdo,11. Silva AF, Guimarães TS, Nogueira GP. A atuação do enfermeiro na captação de órgãos. Rev Bras Cienc Saúde. 2009 Jan-Mar; 7(19):71-85. -, 7 7. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa (PT): Edições 70; 1979.especificamente a "análise temática", enquanto técnica para tratamento do material empírico. Desta forma, posteriormente a cada entrevista, as mesmas eram transcritas, sublinhando-se os temas e questões relevantes presentes nos depoimentos relativos às competências e habilidades da enfermagem nos BTOHs, incluindo-os nas entrevistas subsequentes. Após conclusão do trabalho de campo, procedeu-se à leitura e releitura detalhada do material, iniciando-se a codificação do conteúdo, a partir de palavras-chave e temas relacionados à questão presentes nas falas, considerando-se a repetição das mesmas em cada entrevista. Os dados codificados foram agrupados segundo a afinidade temática em categorias e subcategorias, considerando-se as estruturas essenciais captadas no material empírico. Na análise do conteúdo tomou-se como referências as concepções teóricas presentes no campo de conhecimentos da enfermagem, assim como as políticas e os resultados de pesquisas atuais sobre o tema. Assim, as competências e as habilidades dos enfermeiros dos BTOHs constituíram-se em uma categoria central no âmbito desta análise.

Esta pesquisa foi aprovada no Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação Hospitalar de Minas Gerais (CEP/ADC/FHEMIG, protocolo n. 010/2012). Os entrevistados receberam detalhadamente as informações sobre a mesma, especialmente sobre o objetivo e procedimentos, garantindo-lhes ampla liberdade em aceitar ou recusar o convite. Os mesmos assinaram o TCLE, seguindo as determinações do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa.8 8. Ministério da Saúde (BR). Conselho Nacional de Saúde, Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. Resolução n. 196 de 10 de outubro de 1996: diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos. Brasília (DF): MS; 1996.Para garantir o anonimato dos sujeitos, optou-se por usar codinomes de flores.

APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

A saúde e a educação são áreas que estão diretamente envolvidas com a diversidade cultural, econômica, política e com as constantes transformações da sociedade, constituindo-se, por vezes, em cenários de conflitos, contradições, demandas e de desafios que lhes exigem definições e mudanças. Sendo assim, são chamadas continuamente à reflexão. Especialmente no campo da saúde, novas demandas sociais, políticas, econômicas, gerenciais e científicas surgem, exigindo que a enfermagem se (re)posicione e busque novas competências.99. Nascimento KC, Backes DS, Koerich MS, Erdmann AL. Sistematização da assistência de enfermagem: vislumbrando um cuidado interativo, complementar e multiprofissional. Rev Esc Enferm USP. 2008 Dez; 42(4):643-8.

O BTOH é um cenário novo para a atuação do enfermeiro e requer um saber especializado. Assim, a atuação dos enfermeiros neste cenário demanda reflexões sobre seu papel sóciopolítico e técnico-científico, de forma a compreender e ampliar as competências e habilidades necessárias, bem como garantir o espaço destes na equipe multidisciplinar.

A temática da competência profissional constitui interesse de diversos trabalhadores, administradores e pesquisadores da saúde.1010. Camelo SHH, Angerami ELS. Competência profissional: a construção de conceitos, estratégias desenvolvidas pelos serviços de saúde e implicações para a enfermagem. Texto Contexto Enferm. 2013 Abr-Jun; 22(2):552-60. Um dos principais defensores da formação centrada em competências é Philippe Perrenoud, um sociólogo suíço que se dedicou, de modo pioneiro no campo da educação, aos estudos sobre a profissionalização, baseada em competência com vistas à mobilização de saberes para gerar resultados. Para esse autor, a competência não é dada, ela se constrói. Esta construção pode iniciar-se na escola, mas quase sempre independe dela, exigindo do profissional a capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de situação, uma vivência do mundo real, com apoio de conhecimentos específicos, porém sem limitar-se a estes.1111. Perrenoud PH, Gather TM, Macedo L, Machado NJ, Allessandrini CD. As competências para ensinar no século XXI: a formação dos professores e o desafio da avaliação. Porto Alegre (RS): Artmed; 2002. No atual contexto da formação do enfermeiro em nível de graduação, dado o seu caráter generalista, a temática dos transplantes de órgãos perpassa os currículos de modo transversal, sem a intencionalidade de gerar a construção de tais competências.

O enfermeiro do BTOH deve, portanto, investir no desenvolvimento de habilidades e competências humanas e técnicas para que consiga fornecer um cuidado integral aos envolvidos no seu processo de trabalho. Dentre os apontamentos dos enfermeiros sobre competências e habilidades essenciais para seu trabalho percebemos que algo citado repetidamente foi a necessidade de conhecimentos sobre anatomia humana, fisiologia e patologia. Nos trechos a seguir, pode-se observar falas dos entrevistados:

eu acho que a gente deve estar sempre estudando. É, por exemplo, eu já vi situações de patologias que são contraindicadas e que eu não conhecia. Eu não conheci durante a graduação, mesmo durante o tempo que eu fiquei na unidade de internação, que eu não conhecia. Então a gente está sempre buscando. Então, sempre que surge uma patologia, às vezes até mesmo que não seja contraindicada, mas eu tenho que buscar conhecer, estudar ela mais, para eu saber realmente, ter essa segurança (Azaléia).

outra coisa seria conhecer a fundo a anatomia dos olhos. Saber sobre as patologias que são contraindicações relativas e absolutas (Dália).

eu acho que se a gente for pensar na nossa formação em anatomia, eu acho que é fundamental (Estrelícia).

[...] tem que ter o conhecimento teórico, você saber avaliar um globo ocular, avaliar uma córnea, se essa córnea tem condição de ser transplantada ou não. Porque o X [cita nome de um médico do Banco de Olhos] faz isso. Mas a gente que é a primeira pessoa que pega esse olho, esse globo, então eu acho assim, tem que saber a anatomia do globo ocular (Flor-de-lis).

Alguns entrevistados destacaram a necessidade de conhecimento aprofundado sobre diluição de amostra sanguínea em pacientes hemotransfundidos que são potenciais doadores:

a gente tem que ter esse conhecimento todo, de fisiologia, patologia, até para poder saber coisa de diluição de amostra sanguínea, quantidade de reposição volêmica que o paciente recebeu, quantidade de hemotransfusão, fazer essa conta para ver até que quantidade essa amostra de sangue que eu estou coletando vai ser fidedigna, até que valor de diluição que eu vou poder considerar. Então, assim, conhecimento é buscar sempre, sem dúvida (Azaléia).

[...] é a questão da hemotransfusão também, do volume sanguíneo transfundido, da questão de hemodiluição. A gente tem que conhecer isso previamente, conhecer as contraindicações da doação. Isso tem que ficar muito claro e tem que estar na ponta da língua, porque quando você é notificado por telefone, você tem que ter uma resposta imediata, porque é segurança que a outra pessoa espera do outro lado, por um serviço de MG Transplantes (Camélia).

A diluição da amostra sanguínea pode resultar em achados incompatíveis com a situação clínica do paciente, podendo comprometer a análise laboratorial e apresentar resultados inconsistentes. Sendo assim, o enfermeiro precisa conhecer a história clínica do paciente, inclusive os tratamentos realizados, para que não haja comprometimento dos tecidos doados.

Além do conhecimento sobre hemodiluição o sujeito da pesquisa destacou a importância de ter conhecimento sobre as diferentes patologias que contraindicam a doação de córneas para proporcionar agilidade ao processo, diante das notificações de óbitos recebidas. Esta necessidade também foi apontada por outro sujeito, conforme se pode notar na fala que segue:

[o enfermeiro do Banco de Olhos tem que saber] quais são algumas contraindicações, que tem aquela lista grande (Girassol).

No Brasil, a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) n. 67 da ANVISA, de 30 de setembro de 2008, regulamenta as contraindicações na utilização de córneas doadas e os exames sorológicos necessários para a liberação dos tecidos para transplantes.1212. Ministério da Saúde (BR). Resolução n. 67, de 30 de setembro de 2008. Determina normas técnicas para o funcionamento de banco de olhos . Brasília (DF): MS; 2008. Estas contraindicações devem ser investigadas no levantamento de informações acerca da história social e clínica do potencial doador. Para tanto, servem de fontes de dados o prontuário do paciente, declaração de óbito, a equipe de saúde, familiares ou pessoas relacionadas ao potencial doador, dentre outros.

É imprescindível que os enfermeiros que atuam nos BTOHs conheçam as contraindicações existentes à doação, como também estejam sensibilizados sobre a necessidade de realizar uma ampla investigação sobre os comportamentos e condições clínicas dos potenciais doadores, de modo a garantir, dentro do possível, a qualidade do serviço realizado, especialmente, do tecido doado para transplante. Trata-se de uma competência complexa, que demanda ao enfermeiro buscar conhecimentos científicos sobre a patologia de base, sobre as ferramentas, tecnologias e os processos de cuidar relacionados à captação e transplante, ebm como sobre o desenvolvimento de habilidades específicas na esfera da gestão dos BTOHs que lhe apóiem nas tomadas de decisão e que contribuam para a formação de um perfil profissional para a área.

A busca e a consolidação desses conhecimentos podem ser estimuladas desde a graduação, pois se faz necessária a formação permanente do profissional. Ressalta-se, todavia, que apenas estes conhecimentos não bastam. Abstrai-se do material empírico coletado, que é preciso aliar o desenvolvimento científico e tecnológico alcançado com o resgate dos valores do homem, de modo a se obter o cuidado humanístico, apoiado no princípio da integralidade. Este cuidado pressupõe o reconhecimento dos direitos, demandas e necessidades, bem como a variedade de tecnologias possíveis. Alguns sujeitos destacaram a necessidade dos enfermeiros conhecerem a legislação sobre doação e transplantes de órgãos e tecidos e sobre o próprio serviço:

[...] bom, primeiro conhecer a fundo a legislação... o estatuto, o regimento dos Banco de Olhos, do próprio MG Transplantes [...] (Dália).

[...] primeiro eu acho que é a habilidade teórica, porque é uma área que é muito burocrática. A legislação [...] é, tem que ter muito cuidado. Não é só você ir lá e preservar e enuclear [...]. Eu acho que o profissional tem que conhecer bem o processo de doação e transplante (Girassol).

O agir do enfermeiro, independente da área de atuação, deve estar ancorado na legislação e na ética. A partir do momento em que o enfermeiro tem o conhecimento necessário sobre legislação ele terá uma diretriz sobre como agir e conhecerá as deficiências da lei, podendo atuar no sentido de transformá-la.

O sigilo, sabe, é prioridade nossa, tanto é que o doador, quando chega [os globos oculares e a documentação do doador] deixa de ter nome e passa a ter um número. Acho que o sigilo é prioridade aqui (Flor-de- lis).

O conhecimento e o agir sociopolítico do enfermeiro contribuem para uma visão abrangente do papel dos trabalhadores da enfermagem diante da responsabilidade e compromisso como agentes de mudança organizacional, social e política que se constituem. O modelo biomédico não responde às demandas de saúde e descontextualiza socioculturalmente o ser humano, fragmentando-o como se o mesmo fosse partes separadas e independentes. Este modelo racional, positivista, não valoriza as multidimensões dos sujeitos, tampouco sua autenticidade. Em virtude disso, algumas estratégias têm sido implementadas na busca do equilíbrio nas práticas de atenção à saúde, como a humanização da assistência.1313. Coelho EAC, Fonseca RMGS. Pensando o cuidado na relação dialética entre sujeitos sociais. Rev Bras Enferm. 2005 Abr; 58(2):214-7. - 1414. Ayres JRCM. O cuidado, os modos de ser (do) humano e as práticas de saúde. Saúde Soc. 2004 Set-Dez; 13(3):16-29.

A habilidade técnica neste serviço foi destacada nas entrevistas com os sujeitos desta pesquisa como sendo necessária aos enfermeiros que atuam nos BTOHs:

[...] eu acho também que é um pouco ligado à instrumentação, porque é coletar. Tem que ter atenção, tem que ter toda uma habilidade, toda uma delicadeza. Então eu acho que teria que ter uma coisa nesse sentido (Estrelícia).

[...] e depois a habilidade técnica, também. Porque para fazer enucleação você tem que ter a técnica e para preservar, mais ainda. Então tem que ter habilidade técnica também (Girassol).

É prudente enfatizar que é imperioso que a enfermagem encontre um ponto de equilíbrio entre o conhecimento científico e a prática do comportamento humanístico. Não se deve perder o foco da assistência de enfermagem que é o cuidar. Neste sentido, a necessidade de desenvolvimento de diferentes habilidades foi mencionada por um dos entrevistados:

[...] você não tem que ter só o conhecimento técnico. Você tem que ter todo um [...] [ficou subentendido que o enfermeiro necessita de habilidades técnicas e cognitivas para atuação neste serviço, até uma psicologia envolvida] (Azaléia).

[...] então eu acho que é assim, que além dessa habilidade técnica, que nem é a mais importante, o mais importante é ter esse controle emocional, para saber passar isso para família, e que a família tem que sentir essa segurança por parte do enfermeiro ou outro profissional que vai estar ali abordando (Azaléia).

A partir desta fala identifica-se o controle emocional diante das circunstâncias relacionadas ao trabalho como uma habilidade requerida do enfermeiro. Lidar com o cadáver e com a família enlutada são potenciais fontes geradoras de estresse para o profissional. Em especial durante a abordagem para entrevista familiar, se faz necessário um controle emocional bem como habilidades de comunicação. Diante disso, um dos sujeitos desta pesquisa disse que experiências profissionais anteriores fazem grande diferença na atuação do enfermeiro no BTOH:

oh, eu acho que primeiro você tem que ter um...você tem que ter um conhecimento prévio de ambiente hospitalar, no sentido, assim, conhecimento de diagnóstico mesmo (Camélia).

A enfermagem precisa adequar-se aos novos desafios organizacionais, administrativos e assistenciais que surgem. Certamente a aquisição de competências e habilidades contribui para a atuação do profissional em um cenário peculiar como este. Para que isso ocorra é fundamental o papel da educação. Avanços são necessários visto que as escolas de ensino superior evoluíram na concepção de saúde e, por conseguinte, de cuidado, mas mostram-se conservadoras no que diz respeito aos conteúdos abordados e aos métodos de ensino adotados. Além disso, não raro as inovações chegam mais rápido nos serviços do que no campo de ensino.1515. Silva KL, Sena RR. Integralidade do cuidado na saúde: indicações a partir da formação do enfermeiro. Rev Esc Enferm USP. 2008 Mar; 42(1):48-56.

Além do mais, as práticas de atenção à saúde passaram por transformações no que tange à concepção e à forma em que são realizadas devido à consolidação do SUS, que trouxe mudanças na forma de gerir e cuidar. As mudanças de paradigmas na organização dos serviços de saúde implicam na necessidade de mudanças no processo educacional dos profissionais de enfermagem.

Destaque também foi dado aos registros realizados pelos enfermeiros no serviço. Isto pode ser observado nos trechos destacados:

eu sempre gosto de deixar tudo muito detalhado no prontuário [...], eu acho que quanto mais informação tiver, mais detalhe no prontuário, mais completo, ele tem menos chance de erro, menos chance de algum problema no futuro. Saber que é um documento de extrema importância e de sigilo (Azaléia).

[...] você tem que ver toda a documentação que chegou para você, a documentação que você tem (Girassol).

Após cada doação, os impressos contendo informações sobre o doador e sobre a doação são arquivados em prontuário próprio com identificação alfanumérica. Além disso, a doação deve ser registrada no livro de ocorrências da enfermagem. Todos os registros de dados do doador, dos tecidos e dos receptores são de caráter confidencial, respeitando o sigilo da identidade do doador e do receptor e são arquivados no BTOH por um período mínimo de vinte anos.

É obrigatório que o BTOH documente em livro próprio com abertura e encerramento feitos pelo órgão de Vigilância Sanitária do Estado ou do Distrito Federal ou em sistema informatizado com cópias de segurança e garantia de inviolabilidade as informações pertinentes sobre os registros de entrada, de liberação e de reingresso de tecidos oculares, conforme RDC n. 67, de 30 de setembro de 2008.12 12. Ministério da Saúde (BR). Resolução n. 67, de 30 de setembro de 2008. Determina normas técnicas para o funcionamento de banco de olhos . Brasília (DF): MS; 2008.Cabe ressaltar que deve haver registro dos tecidos oculares fornecidos para pesquisa, ensino, treinamento ou validação de processos, quando couber e que os resultados dos marcadores sorológicos também são arquivados no BTOH.

Tais registros devem ser realizados com letra legível, sem rasuras, de forma clara, objetiva e completa, identificado com data, assinatura e carimbo contendo nome completo, número de inscrição no Conselho Regional de Enfermagem (COREN) e categoria profissional de acordo com a Resolução COFEN n. 191/96.1616. Conselho Federal de Enfermagem (BR). Resolução n. 191, de 31 de maio de 1996. Dispõe sobre a forma de anotação e o uso do número de inscrição ou da autorização, pelo pessoal de Enfermagem [acesso 2012 Jan 10]. Disponível em: http://novo.portalcofen.gov.br/resoluo-cofen-1911996-revogou-resoluo-cofen-1751994_4250.html
Disponível em: http://novo.portalcofen.g...
Eles servem de base legal de defesa dos profissionais e da própria instituição, propiciam a continuidade das ações de enfermagem, além de subsidiar elementos para pesquisas e melhorias na qualidade do serviço.

Defende-se a necessidade de compreensão dos diferentes tipos de tecnologias pelos profissionais, de modo que a utilização dessas contribua para melhorias na qualidade dos serviços de saúde.1717. Merhy EE, Onocko R, organizadores. Agir em saúde: um desafio para o público. São Paulo (SP): Hucitec; 1997. - 1818. Schwonke CRGB, Lunardi Filho WD, Lunardi VL, Santos SSC, Barlem ELD. Perspectivas filosóficas do uso da tecnologia no cuidado de enfermagem em terapia intensiva. Rev Bras Enferm. 2011 Jan-Fev; 64(1):189-92. O uso inadequado das tecnologias duras e leve-duras1717. Merhy EE, Onocko R, organizadores. Agir em saúde: um desafio para o público. São Paulo (SP): Hucitec; 1997. leva o paciente ao anonimato e à despersonalização. Cabe destacar que não são as tecnologias que despersonalizam o paciente, mas sim o uso que se faz delas. Tecnologia e a humanização podem e devem ser conciliadas.

A integralidade do cuidado constrói-se na perspectiva de uma educação de profissionais que aliem competência técnico-científica e compromisso ético-político.15 15. Silva KL, Sena RR. Integralidade do cuidado na saúde: indicações a partir da formação do enfermeiro. Rev Esc Enferm USP. 2008 Mar; 42(1):48-56.Sendo assim, a integralidade do cuidado implica na assunção dos docentes e discentes como seres em formação; do conhecimento como algo inacabado, numa construção que não finda, de modo que o estímulo ao pensar crítico deve ocorrer na graduação e as práticas de ensino devem servir de ponto de partida para reflexões acerca da práxis e para as transformações que se fizerem necessárias.

O cuidado constitui a essência da enfermagem e o cuidado autêntico vai além da assistência à doença ou a partes isoladas do corpo físico. Envolve o cuidado das várias dimensões do sujeito. É necessária a reconstrução das práticas de saúde de modo a olhar o indivíduo e cuidar dele como alguém ímpar, onde o todo certamente é maior que a soma das partes. O discente deve compreender a necessidade tácita de compromisso com a profissão e com a sociedade. Se assim for, ele será um agente de mudanças no contexto onde estiver inserido.

Outro ponto destacado pelos sujeitos da pesquisa diz respeito à habilidade que os enfermeiros precisam ter para atuar junto às Comissões Intra-Hospitalares de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes (CIHDOTTs), de modo que a expansão nos investimentos e campanhas sobre a temática seja acompanhada pela sensibilização dos profissionais e fiscalização das instituições no sentido de promover efetivo funcionamento destas comissões. Um dos sujeitos fala da inexistência destas comissões em muitos hospitais, apesar de sua constituição e funcionamento serem obrigatórios, conforme a Portaria GM n. 905, de 16 de agosto de 2000.1919. Ministério da Saúde (BR). Portaria n. 905, de 16 de agosto de 2000. Estabelece que a obrigatoriedade da existência e efetivo funcionamento da Comissão Intra-Hospitalar de Transplantes passa a integrar o rol das exigências para cadastramento de Unidades de Tratamento Intensivo do tipo II e III, estabelecidos pela Portaria GM n. 3.432 de 12 de agosto de 1998 e para inclusão de Hospitais no Sistema de Referência Hospitalar em atendimento de Urgências e Emergências nostipos I, II e III fixados pela Portaria GM n. 479 de 15 de abril de 1999 . Brasília (DF): MS; 2000.

Os hospitais ao redor, a maioria não tem CIHDOTT por aqui. Então agora que está começando a ser implantado (Girassol).

Uma estratégia identificada nas entrevistas para melhorar a atuação nos BTOHs e, consequentemente, aumentar o índice de doações e a qualidade dos processos é a atuação dos profissionais junto destas comissões. Os enfermeiros reconhecem as deficiências da maioria destas comissões e citam que a atuação próxima, enquanto parceiros que devem ser, contribui para o desenvolvimento de ações impactantes na política de doação de córneas no estado e país.

Estar sempre melhorando o contato com as CIHDOTTs. Sabe, assim, porque a gente sabe que as CIHDOTTs não estão totalmente adequadas em todos os hospitais. Tem hospitais em que elas estão mais atuantes e tem hospitais em que elas estão menos [...] (Begônia).

Eu acho que o enfermeiro do Banco de Olhos, ele tinha que ser mais ativo em educação continuada. Então, assim, muitas vezes joga mais para CIHDOTT. Não conheço os outros Bancos de Olhos, eu acredito que eles fazem também, mas eu acho que a gente aqui podia fazer mais educação continuada. É talvez uma burocracia que tem das CIHDOTTs, dos próprios profissionais; teria que dar uma melhorada (Girassol).

Os profissionais dos BTOHs devem atuar junto às CIHDOTTs e esta parceria contribui para o fortalecimento da rede de saúde em nosso país, de forma que os membros destas comissões tenham o apoio e esclarecimentos necessários. Sabe-se que nem sempre é fácil a constituição da CIHDOTT. Isso pode ocorrer em virtude do desinteresse das direções e de profissionais, da falta de esclarecimento e supervisão dos gestores do serviço de transplantes nas diferentes instâncias, do número reduzido de profissionais nas instituições, da sobrecarga de trabalho de muitos profissionais, dentre outras variáveis.

Amadurecimento diante das políticas de doação e transplantes precisa ocorrer dentro das instituições e os profissionais que atuam nos serviços de doação/transplantes têm de assumir seus papéis, em especial os gestores do sistema de transplantes. Desta forma poderemos constituir CIHDOTTs efetivas e aumentar o número de doações de córneas.

Alguns entrevistados afirmaram que manter a união e a integração da equipe são habilidades prioritárias no trabalho dos enfermeiros nos BTOHs, conforme os relatos a seguir:

[...] é manter, assim, o equilíbrio e a união da equipe [...]. É principalmente essa habilidade para trabalhar em equipe, para fazer com que a equipe esteja sempre motivada, unida [...]. Sabe, eu acho que é a principal. Porque é um local onde não pode ter furo! (Azaléia).

eu acho que prioridade é a questão de uma equipe bem integrada. Eu acho que o treinamento da equipe [...]. Eu acho que a equipe, sendo sincronizada [...], eu acho que isso é o mais importante. Porque a atividade em si é uma atividade que você treina e faz (Camélia).

O investimento no capital humano é a chave para as mudanças nas organizações e o trabalho em equipe traduz-se em resultados duradouros. Na área da saúde tem-se o enfermeiro como elemento facilitador do trabalho da equipe. A partir do momento em que os colaboradores sentem-se reconhecidos e valorizados, estratégias para o trabalho são pensadas e colocadas em prática, visando melhorias no processo de trabalho. Portanto, é necessário refletirmos sobre estratégias para o desenvolvimento de lideranças e no desenvolvimento de um clima organizacional favorável à criatividade e respeito.2020. Kurcgant P, Ciampone MHT. A pesquisa na área de gerenciamento em enfermagem no Brasil. Rev Bras Enferm. 2005 Mar-Abr; 58(2):161-4.

Um profissional disse que a administração é prioritária para atuação no BTOH, tanto a gestão do serviço geral quanto a do serviço de enfermagem:

a atividade maior nossa é a retirada, a enucleação, que consiste na primordial. Mas as nossas atividades são inúmeras, desde todas as administrativas, a distribuição, o acompanhamento junto com os médicos, da preservação das córneas, da conferência de materiais, da distribuição, da entrega, da remessa, [...] abastecimento de material, [...] principalmente abordagem (Begônia).

Ainda, este profissional ressalta que é de grande importância a habilidade para lidar com o cadáver, bem como a destreza nos procedimentos técnicos envolvidos. A fala a seguir ilustra a relevância da habilidade profissional para atuar na especificidade envolvida na doação de córnea:

é essa habilidade de saber lidar com o cadáver em si [...], porque muitas vezes não tem essa habilidade, lida muito bem no bloco, muitas vezes em cirurgias até mais complexas que a nossa, mas não consegue lidar bem com o cadáver em si [...] e ter uma destreza, uma destreza boa e uma facilidade na punção (Begônia).

Tal relato destaca a importância da habilidade técnica, em alguns procedimentos envolvidos no processo de doação de córneas, assim como o equilíbrio emocional necessário ao desempenho das atividades com o cadáver e os familiares.

Por fim, cabe ressaltar que a formação e a práxis do enfermeiro devem abarcar as dimensões cuidadora, gerencial, educadora e de investigação científica, e estas estão respaldadas na Lei do Exercício Profissional da Enfermagem.2121. Brasil. Lei n. 7.498, de 25 de julho de 1986. Dispõe sobre a regulamentação do exercício da enfermagem e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília (DF), 26 Jul 1986. Seção 1. Algumas destas dimensões foram mencionadas pelos enfermeiros e outras não, conforme os depoimentos apresentados. Isto demonstra que a atuação do enfermeiro como educador e pesquisador requer maior atenção.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Uma primeira consideração acerca dos achados desta pesquisa assenta-se sobre como este novo cenário de atuação do enfermeiro tem se consolidado, com bases nos conhecimentos que emanam do cotidiano vivo das práticas, com suas demandas específicas, rico em conflitos internos, contradições, requerendo novas habilidades do profissional, como por exemplo, a do lidar político aliado ao saber e ao fazer técnico-científico.

Abstrai-se que a atuação dos enfermeiros nos BTOHs é essencial, e que a mesma requer tanto objetividade como subjetividade no decurso das ações orientadoras do processo de trabalho. Reconhece-se que o enfermeiro, enquanto sujeito histórico e social, deve ser capaz de problematizar a realidade, refletir sobre o cuidado que oferta à população para que recrie a realidade de trabalho e desenvolva intervenções comprometidas com as necessidades dos seres humanos. Além disso, o processo educativo precisa ser contínuo, para além dos muros das universidades, tornando-se transformador e apoiado no contexto social dos sujeitos envolvidos.

Destaca-se que o equilíbrio emocional constitui-se, na ótica dos enfermeiros pesquisados, em uma importante habilidade a ser desenvolvida para o trabalho nos BTOHs. Outras habilidades são as relacionadas à educação; de liderança para manter a união e a integração da equipe; de saber lidar com o cadáver e, ainda, a destreza nos procedimentos técnicos envolvidos.

Dentre as competências captadas nos discursos dos enfermeiros identifica-se a de gerenciar a equipe de enfermagem e, por vezes, o serviço como um todo. Possivelmente seja uma primeira competência a ser construída ao se ingressar neste serviço, já que nos depoimentos dos sujeitos identificou-se uma exaustiva repetição sobre ações de natureza gerencial. Tanto no sentido de gerenciamento (burocrático) do serviço, no que requer planejamento e avaliação, quanto no que diz respeito à habilidade de liderança. Ficou evidente que uma demanda que reconhecem e entendem que doravante devem dedicar atenção são as dimensões relacionadas à formação e à pesquisa, sobretudo para o reconhecimento e avanços do trabalho na área.

A práxis transformadora favorece um conhecimento emancipador, contribuindo para o empoderamento da enfermagem nos diferentes cenários de atuação. Nos BTOHs não é diferente. Trata-se de um novo cenário de prática para a enfermagem e requer que o enfermeiro adquira competências técnicas e humanas. Não se nega, ao final, a importância do conhecimento técnico-científico para a atuação dos enfermeiros nestes cenários, contudo ele sozinho não responde todas as necessidades apresentadas no quotidiano laboral. Cada vez mais as políticas de transplantes e as organizações precisam reconhecer isso e agir em prol de melhorar os processos de trabalho desenvolvidos, entre eles, os relacionados aos BTOHs.

A enfermagem não deve aguardar de modo passivo que lhe sejam prescritas quais as ações os profissionais devem se incumbir, mas de modo proativo, lançar-se na compreensão e desenvolvimento das competências requeridas a cada nova demanda social, a partir do conhecimento acumulado, dos saberes e práticas que lhes são próprias. Defende-se, finalmente, que a educação é o caminho para a evolução da enfermagem em quaisquer áreas, incluindo a área de doação e transplantes de córneas.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2014

Histórico

  • Recebido
    26 Fev 2013
  • Aceito
    19 Ago 2013
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