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DESAFIOS PARA PROFISSIONAIS DA ATENÇÃO PRIMÁRIA NO CUIDADO À MULHER COM DEPRESSÃO PÓS-PARTO

RESUMO

O objetivo deste estudo foi conhecer os desafios dos profissionais da atenção primária no cuidado às mulheres com depressão pós-parto, buscando identificar quais as ferramentas utilizadas para a detecção dessas mulheres, bem como as formas de atuação para o restabelecimento da sua saúde. Trata-se de um estudo qualitativo-descritivo, realizado em unidades de saúde no município de Campina Grande, Paraíba. A coleta de dados ocorreu por observação e entrevista semiestruturada aplicada a 16 profissionais de saúde. Os resultados descrevem a dificuldade de profissionais para identificar e tratar a depressão pós-parto, pois o foco da assistência é limitado aos aspectos fisiológicos do desenvolvimento da gestação e do pós-parto. Os participantes relatam limitado conhecimento para avaliar alterações emocionais relacionadas a esse período. Os profissionais da atenção primária em saúde precisam ser capacitados para identificar e tratar mulheres com depressão pós-parto, bem como manuais e protocolos assistenciais precisam ser estabelecidos para guiar a prática baseada em evidências científicas.

Depressão pós-parto; Período pós-parto; Saúde da mulher; Enfermagem materno-infantil; Enfermagem de atenção primária

ABSTRACT

The aim of this study was to explore the challenges for primary healthcare professionals in caring for women with postpartum depression, in order to learn which tools are used for the identification of these women, as well as ways of working to restore their health. This qualitative descriptive study was conducted in healthcare units in Campina Grande, Paraíba. Data were collected by field observation and a semi-structured interview, which was administered to 16 healthcare professionals. The results describe healthcare professionals' difficulties in identifying and treating women with postpartum depression, because of the limited focus on physiological developmental aspects of gestation and postpartum. The professionals reported limited knowledge on how to assess emotional changes related to the postpartum period. Primary healthcare professionals need to be educated to identify and treat women with postpartum depression, and practice guidelines and protocols must be established to guide evidence-based practice.

Depression, postpartum; Postpartum period; Women's health; Maternal-child nursing; Primary care nursing

RESUMEN

El objetivo de este estudio fue comprender los desafíos para los profesionales de la atención primaria en el cuidado de las mujeres con depresión posparto, con el fin de identificar cuales herramientas se utilizan para la detección de estas mujeres, así como los procedimientos utilizados para reestablecer su salud. Es un estudio cualitativo descriptivo realizado en las unidades de salud del municipio de Campina Grande, estado de Paraíba. Los datos fueron reunidos mediante la observación y la realización de entrevistas semiestructuradas con 16 profesionales de salud. Los resultados describen la dificultad que enfrentan los profesionales para identificar y tratar la depresión posparto, debido al enfoque limitado de la asistencia a los aspectos fisiológicos del desarrollo de la gestación y posparto. Los profesionales describen un conocimiento limitado para evaluar las alteraciones emocionales relacionadas a este periodo. Los profesionales de atención primaria en salud deben ser capacitados para identificar y tratar a las mujeres con depresión posparto. Los manuales y protocolos de asistencia deben ser establecidos para guiar la práctica basada en la evidencia científica.

Depresión posparto; Periodo posparto; Salud de la mujer; Enfermería maternoinfantil; Enfermería de atención primaria

INTRODUÇÃO

A depressão pós-parto (DPP) é um problema de saúde frequente para mulheres durante o período puerperal, podendo se iniciar entre as primeiras quatro semanas e até um ano após o nascimento do bebê. É considerada um grave problema de saúde pública, devido sua alta prevalência, que varia de 10 a 20%, dependendo da região e dos instrumentos de mensuração utilizados.1Wisner KL, Sit DK, McShea MC, Rizzo DM, Zoretich RA, Hughes CL, et al. Onset timing, thoughts of self-harm, and diagnoses in postpartum women with screen-positive depression findings. JAMA Psychiatry. 2013; 70(5):490-8. - 2Halbreich U, Karkun S. Cross-cultural and social diversity of prevalence of postpartum depression and depressive symptoms. J Affect Disord. 2006; 91(2-3):97-111.

Trata-se de uma doença de etiologia multifatorial, que tem, como fatores de risco, condições socioeconômicas, relação marital difícil, gravidez indesejada, baixa escolaridade, menor idade materna, gravidez associada a fatores estressantes, entre outros.1Wisner KL, Sit DK, McShea MC, Rizzo DM, Zoretich RA, Hughes CL, et al. Onset timing, thoughts of self-harm, and diagnoses in postpartum women with screen-positive depression findings. JAMA Psychiatry. 2013; 70(5):490-8. , 3Cantilino A, Zambaldi CF, Albuquerque T, Paes JA, Montenegro AC, Sougey EB. Postpartum depression in Recife - Brazil: prevalence and association with bio-socio-demographic factors. J Bras Psiquiatr. 2010; 59(1):1-9. - 4Santos Junior HPO, Silveira MFA, Gualda DMR. Postpartum depression: a latent problem. Rev Gaúcha Enferm. 2009; 30(3):516-24. As manifestações clínicas da DPP podem incluir desânimo persistente, sentimentos de culpa, alterações do sono, ideias suicidas, medo ou pensamento recorrente de machucar o filho, diminuição do apetite e da libido, diminuição do nível de funcionamento mental e presença de ideias obsessivas ou supervalorizadas.5Beck CT. State of the science on postpartum depression: what nurse researchers have contributed-part 2. MCN Am J Matern Child Nurs. 2008; 33(3):151-6.

Devido à complexidade de diagnóstico, por ainda não haver parâmetros fisiológicos exclusivos, foram criadas escalas para medir e caracterizar os sintomas de DPP. Dentre essas escalas, a com maior uso é a Escala de Depressão Pós-Parto de Edinburgh (Edinburgh Postnatal Depression Scale, EPDS), já traduzida e validada no Brasil, contudo ainda não incorporada à rotina assistencial dos serviços públicos de atenção primária à saúde.6Santos IS, Matijasevich A, Tavares BF, Barros AJ, Botelho IP, Lapolli C, et al. Validation of the Edinburgh Postnatal Depression Scale (EPDS) in a sample of mothers from the 2004 Pelotas Birth Cohort Study. Cad Saude Publica. 2007; 23:2577-88.

Santos Junior HPO, Gualda DMR, Silveira MFA, Hall WA. Postpartum depression: the (in) experience of Brazilian primary healthcare professionals. J Adv Nurs. 2013; 69(6):1248-58.
- 8Valença CN, Germano RM. Preventing the postpartum depression in family health strategy: nurses' actions in the prenatal. Rev Rene. 2010; 11(2):129-39.

A EPDS é uma escala autoaplicável, que mede a presença de sintomas depressivos no período puerperal. Trata-se de um instrumento adequado e acessível para os profissionais rastrearem sintomas depressivos no puerpério. Uma vez rastreados, os profissionais de saúde têm a oportunidade de estabelecer estratégias de intervenção e tratamento precoce, minimizando os prejuízos que a DPP possa causar na relação mãe-bebê e no desenvolvimento infantil, restabelecendo essa mulher na vida familiar e social.9Field T. Postpartum depression effects on early interactions, parenting, and safety practices: a review. Infant Behav Dev. 2010; 33(1):1-6. Os transtornos puerperais, quando não tratados, tendem a severas complicações.Dentre as de maior gravidade estão o infanticídio e o suicídio.1010 Barr J, Beck CT. Infanticide secrets: qualitative study on postpartum depression. Can Fam Physician. 2008; 54:1716-93.

No contexto brasileiro, os profissionais da atenção primária em saúde na Estratégia Saúde da Família (ESF) estão em posição favorável para contribuir para o enfretamento da patologia, uma vez que eles acompanham a maioria das mulheres desde a gestação até o pós-parto, tendo, assim, maior facilidade para identificar fatores ou condições relacionados aos riscos e agravos à saúde da mulher e seu concepto, em especial, a DPP.7Santos Junior HPO, Gualda DMR, Silveira MFA, Hall WA. Postpartum depression: the (in) experience of Brazilian primary healthcare professionals. J Adv Nurs. 2013; 69(6):1248-58. - 8Valença CN, Germano RM. Preventing the postpartum depression in family health strategy: nurses' actions in the prenatal. Rev Rene. 2010; 11(2):129-39. , 1111 Hegadoren K, Norris C, Lasiuk G, Silva DGV, Chivers-Wilson K. The many faces of depression in primary care. Texto Contexto Enferm. 2009; 18(1):155-64. - 1212 Kawata LS, Mishima SM, Chirelli MQ, Pereira MJB, Matumoto S, Fortuna CM. The performances of the nurse in family health: building competence for care. Texto Contexto Enferm [online]. 2013 [cited 2014 Jul 14]; 22(4): 961-70. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-07072013000400012&script=sci_arttext&tlng=en
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010...
Diante do exposto, foi realizado est estudo com o objetivo de conhecer os desafios dos profissionais da ESF no cuidado às mulheres com DPP, buscando, particularmente, identificar quais as ferramentas utilizadas para a detecção de mulheres com DPP, bem como as formas de atuação para o restabelecimento da sua saúde.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa e descritiva,1313 Sandelowski M. What's in a name? Qualitative description revisited. Res Nurs Health. 2010; 33:7784. realizado nas unidades de saúde da ESF do município de Campina Grande, na Paraíba. Atualmente, esse município possui cobertura de 87% pela ESF. Para compor a amostra de participantes desse estudo, foram convidados enfermeiros e médicos, adotando-se os seguintes critérios de inclusão e exclusão: 1) critérios de inclusão: compor a equipe básica de saúde da família e prestar assistência direta à mulher no período gravídico-puerperal; 2) critérios de exclusão: ser profissional de nível médio/técnico ou ter menos de seis meses de experiência em equipes de saúde da família. Participaram da pesquisa 16 profissionais (12 enfermeiras e quatro médicas), identificados, no corpo deste artigo, por meio das letras "E", para enfermeiras, e "M", para médicas, seguido de número ordinal, para identificar a ordem de realização da entrevista.

A coleta de dados ocorreu por meio de roteiro de entrevista semiestruturada, observação e registro em diário de campo. As entrevistas tiveram, em média, duração de 25 minutos e foram conduzidas com base em questões abertas sobre o conhecimento e a experiência dos profissionais com a DPP. Os dados foram coletados no período de dezembro de 2011 a maio de 2012, sendo a coleta interrompida quando os pesquisadores identificaram saturação dos dados.1414 Sandelowski M. Sample size in qualitative research. Res Nurs Health. 1995; 18(2):179-83.

Para análise de dados, foi utilizada a análise temática indutiva.1515 Braun V, Clarke V. Using thematic analysis in psychology. Qual Res Psychol. 2006; 3(2):77-101. - 1616 Miles BM, Huberman AM, Saldaña J. Qualitative data analysis: a methods sourcebook. Thousand Oaks (US): SAGE Publications; 2014. As entrevistas foram transcritas por duas pesquisadoras que coletaram os dados. A seguir, essas pesquisadoras realizaram leituras das entrevistas, para familiarização do conteúdo. No passo seguinte, as pesquisadoras codificaram linha por linha das entrevistas, para identificar a percepção dos profissionais de saúde sobre o cuidado à mulheres com DPP, e identificar as estratégias utilizadas na assistência à essas mulheres. Os códigos identificados foram, em seguida, agrupados por simililaridades em categorias temáticas. Para concluir a análise, as duas pesquisadoras compararam as categorias temáticas e discutiram a concordância do conteúdo em relação as entrevistas. Os demais pesquisadores avaliaram criticamente a descrição e o conteúdo final das categorias temáticas em relação as entrevistas, para garantir a validade dos temas identificados.1616 Miles BM, Huberman AM, Saldaña J. Qualitative data analysis: a methods sourcebook. Thousand Oaks (US): SAGE Publications; 2014.

Quanto aos critérios éticos, o projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual da Paraíba e pela Secretaria Municipal de Saúde (Protocolo 0123.0.133.000-09).

RESULTADOS

A análise dos dados permitiu a identificação das seguintes categorias temáticas: 1) Dificuldade dos profissionais de saúde em identificar mulheres com DPP; 2) Ausência de cuidados durante o pré-natal direcionados à prevenção da DPP; e 3) A carência de estratégias no cuidado às mulheres com DPP.

Dificuldade dos profissionais de saúde em identificar mulheres com depressão pósparto

Apesar de as profissionais reconhecerem alguns fatores de risco e sintomas da DPP nas mulheres, falta um conhecimento sistemático para identificar esta enfermidade. Contudo, uma das enfermeiras relatou sua experiência diante de uma puérpera que apresentava sinais que considerava serem apenas indícios de DPP:

a mãe relatou que ela tinha saído da maternidade chorando muito e rejeitando o bebê. Não queria dar de mamar, não interagia em nada com a criança. Ela estava um pouquinho agressiva também. Eram picos de agressividade com picos de sensibilidade aflorada, chorando muito. Aí, eu imaginei que poderia ser a depressão pós-parto (E1).

Mesmo diante de sinais que evidenciam depressão, os profissionais se referem a isso como sendo "predisposição" para DPP.

O que nós tivemos aqui, nesta unidade, foram pessoas que nós consideramos predispostas à DPP. Uma referiu rejeição ao feto e vontade de se matar (E11).

Por outro lado, percebemos que profissionais demonstraram insegurança em afirmar que se trata de DPP quando se veem diante de mulheres que apresentam sintomas leves.

Teve assim, sintomas leves que eu não sei se poderia ser considerada depressão, assim, se surgiu num dia, outro dia ela estava bem. Foi mais assim, não sei se pode ser considerado depressão, que eu realmente não tenho conhecimento... era assim, era um sintoma de muita preocupação em relação àquele novo ser... eu acredito que talvez uma adaptação (E2).

Essa falta de percepção sobre DPP é ainda mais reforçada quando os profissionais referem os agentes comunitários de saúde ou os familiares das mulheres como sendo as pessoas que notam os sinais depressivos da puérpera e levam essa informação para a unidade de saúde:

a gente identifica pela queixa da família da pa-

ciente ou pela referência que é trazida pelo agente de saúde (E7).

[...] é o agente de saúde que tem o olho clínico muito bom e junto com a comunidade identificam algumas situações [...] (E7).

Parte dessa dificuldade para identificar casos de DPP pode estar relacionada com o desconhecimento de profissionais de saúde sobre a DPP e os meios de rastreio. As participantes relataram que desconhecem os instrumentos específicos para rastreio da patologia. Referem não ter aprendido na graduação e nem ter experiência na aplicação de escalas.

Eu não conheço nada [escalas de rastreio de DPP]. Pelo menos quando eu fiz faculdade, não me foi apresentado nada. Como eu nunca trabalhei com a depressão, eu ainda não usei nenhuma escala (E10).

Ausência de cuidados durante o pré-natal direcionados à prevenção da depressão pósparto

Apesar de o pré-natal possibilitar a identificação precoce das mulheres com maior chance de apresentar depressão puerperal, observa-se, nas narrativas, que as profissionais descrevem a prática clínica a partir dos protocolos definidos pelo Ministério da Saúde, os quais não se estendem aos cuidados direcionados aos transtornos mentais na fase gravídico-puerperal.

Eu faço a rotina do pré-natal estabelecida pelo Ministério da Saúde, solicito os exames, faço o exame físico (M3).

Nós trabalhamos com acompanhamento pré-natal, previsto pelo Ministério da Saúde. Nós fazemos, no mínimo, sete consultas de pré-natal, começando com a parte dos agentes de captação, diagnóstico da gravidez e aí acompanhamento mensal, verificação de peso, pressão, toda aquela coisa preconizada (E11).

As profissionais relatam, em sua maioria, a realização de atividades educativas por meio de grupos de gestantes. No entanto, mesmo na efetivação desses grupos, as profissionais ainda estão centradas no aspecto fisiológico da gestação e, embora refiram abordar aspectos emocionais, não tratam diretamente de aspectos emocionais, como a DPP.

Nesse posto, nós trabalhamos com um grupo de gestantes, nós chamamos de curso de gestante. [Em] cada curso, a gente programa mais ou menos dez reuniões. E, aí, a gente trata das mudanças corporais, aleitamento materno, vacinação, cuidados com o bebê recém-nascido, acompanhamento e a gente, também, fala dessa parte psicológica(E11).

A carência de estratégias no cuidado às mulheres com depressão pós-parto

Essa categoria é evidenciada por discursos que revelam as condutas adotadas pelas profissionais no puerpério e frente às mulheres com DPP. Nesse sentido, as entrevistadas não descrevem nenhuma estratégia assistencial prestada na própria unidade de saúde, ou mesmo na comunidade, além da padronizada para o puerpério. A visita domiciliar é uma delas. No entanto, não se voltam para os possíveis problemas psicológicos dessa mulher.

[...] depois do parto, a gente faz uma visita... aí a gente tem uma conversa e elas relatam como foi o parto [...] (E7).

Eu geralmente faço a visita domiciliar [...] (E5).

Quando se veem diante de uma possível DPP, algumas profissionais relatam que a única assistência que prestam é a escuta às puérperas, independentemente da gravidade da situação narrada:

[...] só ouvir mesmo o que ela tem pra falar (E11).

a gente dá o apoio, a gente dá, assim, a escuta (E12).

Além disso, as profissionais reconhecem-se despreparadas para lidar com as mães acometidas pela enfermidade. Dentre as razões enumeradas, podem-se citar a falta de capacitação e a falta de profissional especializado para atender as mulheres com DPP:

para gente fica difícil dar assistência a essas mulheres, por que eu não tenho nem capacitação e nem experiência para intervir(E10).

As participantes descrevem a referência dessas mulheres para o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) ou para o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), que são serviços especializados em atendimento psiquiátrico. As participantes referem que desconhecem um serviço específico direcionado para tal público e encaminham para os serviços de psiquiatria responsáveis por transtornos mentais graves:

[...] a gente não é psiquiatra, somos clínicos gerais, então, geralmente, a gente faz o encaminhamento (M2).

que serviço especializado a gente tem? Eu des-

conheço! Pode até existir, mas eu desconheço. Então encaminho para o CAPS mesmo (E5).

DISCUSSÃO

Os resultados do estudo mostram que as profissionais da ESF presenciam situações assistenciais nas quais mulheres estão potencialmente com DPP. Dessa experiência, os participantes do estudo elencaram possíveis fatores de risco e alguns de seus sintomas, mas, mesmo assim, constataram dificuldade na identificação da DPP, na prevenção ou na intervenção precoce, pois desconhecem os métodos de rastreio e têm intervenções limitadas diante da constatação da doença.

No que se refere aos fatores de risco associados à DPP, percebe-se que as participantes se reportam a fatores isolados que constataram na prática assistencial. A literatura aponta que os fatores de risco para DPP constituem um conjunto de fatores biológicos, obstétricos, psicológicos e sociais, que se inter-relacionam, contribuindo para a precipitação ou para o agravamento da depressão materna.17 17 Gomes LA, Torquato VS, Feitosa AR, Souza AR, Silva MA, Pontes RJS. Identifying the risk factors for postpartum depression: importance of early diagnosis. Rev Rene. 2010; 11(1):117-23.Quanto à sintomatologia, apenas alguns sinais de sofrimento psíquico, como tristeza, ansiedade e medo, foram descritos. Entretanto, a DPP é caracterizada por um amplo espectro de sintomas, dos quais pelo menos cinco devem estar presentes para o possível diagnóstico.1818 American Psychiatric Association (APA). Diagnostic and statistical manual of mental disorders.5th ed. Arlington (US): American Psychiatric Publishing; 2013.

Na maioria das falas, o que predominou foi a rejeição ao bebê. Entretanto, a rejeição, assim como o infanticídio, não pode ser considerada o principal determinante dos casos de DPP. Algumas mulheres podem apresentar comportamento obsessivo em relação à criança, no qual as mães passam o maior tempo cuidando dos bebês e não deixam outros familiares participarem desse processo.1919 Santos Jr HPO, Sandelowski M, Gualda DMR. Bad thoughts: early mothering by Brazilian women experiencing postpartum depression. Midwifery. 2014; 30(6):788-94. A DPP pode favorecer a ocorrência tanto de abuso, quanto de negligência, principalmente quando os sintomas depressivos forem persistentes e intensos.9Field T. Postpartum depression effects on early interactions, parenting, and safety practices: a review. Infant Behav Dev. 2010; 33(1):1-6. Achados como o infanticídio e o suicídio estão entre as complicações mais graves decorrentes dos transtornos puerperais sem intervenção adequada.

Sinais de exaustão e depressão são comumente avaliados como normais da maternidade pelos profissionais de saúde, o que possibilita iatrogenias em suas práticas. Outras pesquisas sobre transtornos psíquicos no período gravídico-puerperal também revelam que os sintomas depressivos não são comumente diagnosticados ou percebidos por parte dos profissionais da atenção primária em saúde.7Santos Junior HPO, Gualda DMR, Silveira MFA, Hall WA. Postpartum depression: the (in) experience of Brazilian primary healthcare professionals. J Adv Nurs. 2013; 69(6):1248-58. , 1919 Santos Jr HPO, Sandelowski M, Gualda DMR. Bad thoughts: early mothering by Brazilian women experiencing postpartum depression. Midwifery. 2014; 30(6):788-94. - 2020 Alves EP, Silva PMC, Azevedo EB, Filha MOF. The knowledge of family health nurses' about psychological disorders along the postpartum time. Rev Eletr Enfern [Internet]. 2011 [cited 2014 Feb 16]; 13(3):529-36. Available from: http://www.fen.ufg.br/revista/v13/n3/v13n3a19.htm
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É imprescindível identificar as mulheres com fatores de risco, por meio do acompanhamento durante o pré-natal. Vale destacar a importância de o enfermeiro conhecer os múltiplos fatores de risco e os sintomas relacionados à DPP, bem como as estratégias assistenciais de rastreio dessa sintomatologia depressiva. Estratégias de detecção precoce podem revelar a existência de sinais e sintomas de sofrimento psíquico que podem ser investigados desde o início do período gravídico.4Santos Junior HPO, Silveira MFA, Gualda DMR. Postpartum depression: a latent problem. Rev Gaúcha Enferm. 2009; 30(3):516-24. , 8Valença CN, Germano RM. Preventing the postpartum depression in family health strategy: nurses' actions in the prenatal. Rev Rene. 2010; 11(2):129-39. , 2020 Alves EP, Silva PMC, Azevedo EB, Filha MOF. The knowledge of family health nurses' about psychological disorders along the postpartum time. Rev Eletr Enfern [Internet]. 2011 [cited 2014 Feb 16]; 13(3):529-36. Available from: http://www.fen.ufg.br/revista/v13/n3/v13n3a19.htm
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O atendimento pré-natal de gestantes, realizado por equipe multiprofissional, conjugando esforços e conhecimentos de diferentes profissionais, é uma excelente oportunidade para prevenir, detectar e tratar transtornos afetivos e, consequentemente, minimizar os negativos efeitos da DPP na relação mãe-filhos.2121 Ministério da Saúde (BR). Prenatal and postpartum: qualified and humanized assistance [Internet]. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2006. [cited 2014 Feb 16]. Available from: http://bvsms.saude. gov.br/bvs/publicacoes/manual_pre_natal_ puerperio_3ed.pdf
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Contudo, no que diz respeito às condutas assistenciais pré-natais para prevenir a DPP, esse estudo aponta que os profissionais baseiam a assistência nos protocolos definidos pelo Ministério da Saúde, sintetizados no Manual Técnico de Pré-natal e Puerpério. Esse documento expõe a importância da atenção aos aspectos emocionais durante a gestação, parto e puerpério, porém de forma reduzida, apesar de considerar que as ações fundamentadas apenas nos aspectos físicos não são suficientes. No entanto, o manual não oferece orientações e protocolos assistenciais para serem implementados na rotina clínica, ainda que destaque a importância da escuta ativa e proponha a realização de atividades educativas individuais e em grupos.2121 Ministério da Saúde (BR). Prenatal and postpartum: qualified and humanized assistance [Internet]. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2006. [cited 2014 Feb 16]. Available from: http://bvsms.saude. gov.br/bvs/publicacoes/manual_pre_natal_ puerperio_3ed.pdf
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Grupos de gestantes podem ser pensados como momentos para uma abordagem precoce sobre a DPP, através da avaliação da autoestima, da rede de suporte social e dos sentimentos das futuras mães. A disponibilidade para ouvir a gestante, a partir de uma postura de acolhimento, é uma medida indispensável para esta avaliação. Por meio da interação, o profissional pode identificar, também, variações de humor, pensamento e comportamento que sejam sugestivas de eventual transtorno psiquiátrico.2222 Silva FCS, Araújo TM, Araújo MFM, Carvalho CML, Caetano JA. Postpartum depression in puerperal women: knowing the interactions among mother, son and family. Acta Paul Enferm. 2010; 23(3): 411-16. - 2323 Sousa DD, Prado LC, Piccinini CA. Representations concerning motherhood in postpartum depression context. Psicol Refl Crit. 2011; 24(2):335-43. Pudemos observar que poucas participantes desta pesquisa adotam essa prática e, mesmo na efetivação desses grupos, as profissionais ainda estão centradas no aspecto fisiológico e, embora refiram abordar aspectos emocionais, não tratam diretamente da DPP. As falas dos participantes desta pesquisa revelam que não é comum a inclusão de informações e discussão sobre os aspectos emocionais e psicológicos da gravidez nas atividades de grupo.

As participantes expuseram, ainda, que desconhecem meios de rastreio da DPP, defendendo que o conhecimento de instrumentos específicos para rastreio da patologia e a avaliação mais apurada são de responsabilidade de profissionais especialistas em saúde mental. As participantes desconhecem que existem escalas, como a EPDS, que podem ser implementadas na rede pública de saúde, devido à simplicidade, à rapidez de aplicação e ao baixo custo, e que podem ser utilizadas por qualquer profissional da área de saúde.2424 Autin MP, The Marcé Society Position Statement Advisory Committee. Marcé International Society position statement on psychosocial assessment and depression screening in perinatal women. Best Pract Res Cl Ob. 2014; 28(1):179-87.

As falas dos profissionais de saúde revelam que elas carecem de estratégias para a detecção precoce de mulheres com risco de DPP, bem como para a adoção de condutas no serviço para o atendimento dessas mulheres que já apresentem sintomas da patologia, resultando no encaminhamento para outros serviços de saúde. Assim, as participantes descrevem a referência dessas mulheres para os serviços psiquiátricos. Destarte, a sua conduta segue a lógica do encaminhamento, sem envolvimento e acompanhamento das mulheres com este tipo de sofrimento, para as unidades de saúde da ESF.20 20 Alves EP, Silva PMC, Azevedo EB, Filha MOF. The knowledge of family health nurses' about psychological disorders along the postpartum time. Rev Eletr Enfern [Internet]. 2011 [cited 2014 Feb 16]; 13(3):529-36. Available from: http://www.fen.ufg.br/revista/v13/n3/v13n3a19.htm
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Algumas participantes referem escutar e apoiar as mulheres, porém só iniciam essa conduta quando os sinais depressivos são identificados pelos agentes comunitários de saúde e familiares das mulheres. Contudo, trata-se de uma escuta não sistemática, pois os profissionais referem não ter nenhum conhecimento sobre as possíveis formas de atuação. O manejo da DPP inclui programas psicoeducacionais, psicoterapia e medicamentos, que ainda precisam ser amplamente estudados e adaptados para o contexto brasileiro.

A falta de conhecimento sobre a saúde mental da paciente resulta em limitada assistência às mulheres e seus familiares durante o período pós-parto. Nesse sentido, a inclusão de componentes curriculares relacionados à saúde mental no puerpério poderia servir como instrumento de qualificação de enfermeiros e médicos para lidar com mulheres com DPP. Dessa forma, as estratégias descritas anteriormente como atendimento pré-natal, grupos de gestantes ou puérperas, poderiam ser utilizadas de maneira mais consciente, para fortalecer a rede de apoio à mulher. Essa qualificação facilitaria a comunicação dos profissionais da ESF no diálogo que é preciso ser mantido com outros níveis assistenciais, principalmente quando há necessidade de realizar referência e contrarreferência das mulheres dentro do sistema de saúde.

CONCLUSÃO

Embora as participantes do estudo estejam situadas na atenção primária e tenham oportunidade de observar as mulheres desde o período gestacional, o foco da assistência pré-natal é por elas relatado como limitado aos aspectos fisiológicos do desenvolvimento da gestação e do pós-parto. Essa carência de ações e intervenções integradas provoca atrasos na detecção da mulher com depressão e encaminhamentos indevidos a serviços de referência que podem levar ao agravamento da condição clínica da gestante e puérpera, ocasionando prejuízos para a mulher, para o filho, para a família e para seu entorno.

A realidade mostra a complexidade do problema, seja pela lacuna do Ministério da Saúde, em não elaborar protocolos assistenciais para esta morbidade na atenção primária, seja pela deficiência da formação dos profissionais de saúde, além do modelo de atenção, que não prioriza os fenômenos da dimensão psicossocial.

Pesquisas são necessárias para determinar formas de treinar os profissionais da ESF e estabelecer protocolos viáveis para que o sistema de saúde brasileiro possa identificar e tratar mulheres com DPP no nível da atenção primária, possibilitando ações que garantam a promoção de sua saúde e amenizem potenciais sequelas nas relações familiares e no desenvolvimento dos bebês.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    July-Sep 2015

Histórico

  • Recebido
    03 Dez 2014
  • Aceito
    24 Jul 2015
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