Resumos
Estudo de caráter exploratório e abordagem quantitativa, objetiva analisar os aspectos éticos referidos nas pesquisas com seres humanos, publicadas por enfermeiras em coletâneas de um programa de pós-graduação de enfermagem, no período de 1998 a 2000. Utilizamos, como referência, os parâmetros éticos que devem ser adotados em todas as investigações científicas, contidos na Resolução do Ministério da Educação, que dispõe sobre pesquisa com seres humanos. Para efeito de coleta e análise de dados, esses foram dispostos em três grupos: abordagem total dos aspectos éticos, abordagem parcial e abordagem, apenas, dos aspectos operacionais para efetivação da pesquisa. Dentre as publicações, analisamos 67 trabalhos com seres humanos que relataram alguns aspectos éticos. Nestes, observamos que existem enfermeiras preocupadas com essa problemática, embora os aspectos éticos tenham sido abordados, na sua totalidade, em apenas uma pesquisa. Concluímos que o respeito a esses aspectos éticos, na realização das pesquisas, representa a possibilidade de uma assistência mais comprometida com o bem-estar do cliente.
Ética; Ética em pesquisa; Pesquisa em enfermagem
This study of exploratory character and quantitative approach looks to analyze the ethical aspects referred to in research involving human beings, published by nurses as collections for a master's program in nursing degree, during the period from 1998 to 2000. We used the ethical parameters that should be adopted in all the scientific investigations as a reference, outlined in the Resolution dealing with research involving human beings of the Ministry of Education. For collection effect and data analysis, the data was divided into three groups: total approach of the ethical aspects, partial approach, and approach of the operational aspects to execute the research. Among the publications, we analyzed 67 studies involving human beings that held some ethical aspects. In these, we observed that concerned nurses exist with the problem, although the ethical aspects have been approached in their totality, in just one study. We concluded that the respect of those ethical aspects, in the accomplishment of the research, represents the possibility of a more committed care for the customer's well-being.
Ethics; Ethics research; Nursing research
Estudio de naturaleza cuantitativa de tipo exploratorio que tiene como objetivo analizar los aspectos éticos referidos en las investigaciones con seres humanos publicado por las enfermeras de un Programa de Postgrado en Enfermería durante el período de 1998 al 2000. Fue utilizada como referencia los parámetros éticos que deben adoptarse en todos los estudios científicos contenidos en la Resolución del Ministerio de Educación sobre la investigación con los seres humanos. Para efectuar la captación y el análisis de los datos, estos fueron dispuestos en tres grupos: el abordaje total y parcial de los aspectos éticos y el abordaje solo de los aspectos operacionales para ejecutar la investigación. Entre las publicaciones fueron analizados 67 trabajos con los seres humanos que refirieron algunos aspectos éticos. En estos aspectos observamos que hay enfermeras preocupadas con este problema aunque los aspectos éticos hayan sido abordados en su totalidad en solamente una investigación. Nosotros llegamos a la conclusión que el respeto de esos aspectos éticos, para la conquista de las investigaciones representa la posibilidad de una asistencia com un mayor compromiso para el bienestar del cliente.
Ética; Investigación en ética; Investigación en enfermería
ARTIGOS ORIGINAIS
PESQUISA
Abordagem ética em pesquisas publicadas por um programa de pós-graduação em enfermagem
A study of ethics in research as published by a graduate nursing program
Un abordaje ético en las investigaciones publicadas por un programa de postgrado en enfermería
Enêde Andrade da CruzI; Maria Dalva Santos AlvesII; Maria de Nazaré de Oliveira FragaIII; Marta Maria Coelho DamascenoIII
IEnfermeira. Doutora em Enfermagem. Docente da Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia
IIEnfermeira. Doutora em Enfermagem. Docente do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Ceará
IIIEnfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora Adjunto do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Ceará
Endereço Endereço: Enêde Andrade da Cruz Rua Airosa Galvão, 7, apto. 102, Edf. Guayanan 40140-180 - Barra, Salvador, Ba E-mail: enede@ufba.br
RESUMO
Estudo de caráter exploratório e abordagem quantitativa, objetiva analisar os aspectos éticos referidos nas pesquisas com seres humanos, publicadas por enfermeiras em coletâneas de um programa de pós-graduação de enfermagem, no período de 1998 a 2000. Utilizamos, como referência, os parâmetros éticos que devem ser adotados em todas as investigações científicas, contidos na Resolução do Ministério da Educação, que dispõe sobre pesquisa com seres humanos. Para efeito de coleta e análise de dados, esses foram dispostos em três grupos: abordagem total dos aspectos éticos, abordagem parcial e abordagem, apenas, dos aspectos operacionais para efetivação da pesquisa. Dentre as publicações, analisamos 67 trabalhos com seres humanos que relataram alguns aspectos éticos. Nestes, observamos que existem enfermeiras preocupadas com essa problemática, embora os aspectos éticos tenham sido abordados, na sua totalidade, em apenas uma pesquisa. Concluímos que o respeito a esses aspectos éticos, na realização das pesquisas, representa a possibilidade de uma assistência mais comprometida com o bem-estar do cliente.
Palavras-chave: Ética. Ética em pesquisa. Pesquisa em enfermagem.
ABSTRACT
This study of exploratory character and quantitative approach looks to analyze the ethical aspects referred to in research involving human beings, published by nurses as collections for a master's program in nursing degree, during the period from 1998 to 2000. We used the ethical parameters that should be adopted in all the scientific investigations as a reference, outlined in the Resolution dealing with research involving human beings of the Ministry of Education. For collection effect and data analysis, the data was divided into three groups: total approach of the ethical aspects, partial approach, and approach of the operational aspects to execute the research. Among the publications, we analyzed 67 studies involving human beings that held some ethical aspects. In these, we observed that concerned nurses exist with the problem, although the ethical aspects have been approached in their totality, in just one study. We concluded that the respect of those ethical aspects, in the accomplishment of the research, represents the possibility of a more committed care for the customer's well-being.
Keywords: Ethics. Ethics research. Nursing research.
RESUMEN
Estudio de naturaleza cuantitativa de tipo exploratorio que tiene como objetivo analizar los aspectos éticos referidos en las investigaciones con seres humanos publicado por las enfermeras de un Programa de Postgrado en Enfermería durante el período de 1998 al 2000. Fue utilizada como referencia los parámetros éticos que deben adoptarse en todos los estudios científicos contenidos en la Resolución del Ministerio de Educación sobre la investigación con los seres humanos. Para efectuar la captación y el análisis de los datos, estos fueron dispuestos en tres grupos: el abordaje total y parcial de los aspectos éticos y el abordaje solo de los aspectos operacionales para ejecutar la investigación. Entre las publicaciones fueron analizados 67 trabajos con los seres humanos que refirieron algunos aspectos éticos. En estos aspectos observamos que hay enfermeras preocupadas con este problema aunque los aspectos éticos hayan sido abordados en su totalidad en solamente una investigación. Nosotros llegamos a la conclusión que el respeto de esos aspectos éticos, para la conquista de las investigaciones representa la posibilidad de una asistencia com un mayor compromiso para el bienestar del cliente.
Palabras clave: Ética. Investigación en ética. Investigación en enfermería.
INTRODUÇÃO
Na experiência profissional em enfermagem, temos convivido com situações complexas, não só na prática como no desenvolvimento de pesquisas, na busca de elementos essenciais à aquisição e qualificação do corpo de conhecimento próprio. Dentre esses, encontram-se os aspectos éticos.
Ao tentarmos fazer uma retrospectiva histórica da evolução da enfermagem no Brasil, nesses quase oitenta anos desde a criação da Associação Brasileira de Enfermagem (ABEN), deparamo-nos com uma trajetória demarcada por muitas lutas que visavam garantir espaços dignos para atuação das enfermeiras nas áreas da educação, da prática e da regulamentação da profissão. Entretanto, conforme observamos, as vitórias não têm sido conquistadas da mesma maneira para as três áreas, o que não tem desestimulado a comunidade de enfermeiras a continuar buscando o merecido reconhecimento.
Um marco importante para a América Latina foi a criação dos cursos universitários para a formação da enfermeira. A partir disso, as mudanças curri-culares têm sido freqüentes, com vistas a adequarem-se às demandas do mercado de trabalho que, num primeiro momento, exigia a contratação de graduados, posteriormente, de especialistas e, mais recentemente, de mestres e doutores.1
Para chegarmos a esse patamar, vale destacar fatos históricos relevantes à consolidação da profissão de enfermagem em nosso País, com destaque para a pesquisa. Um deles, foi a realização do Congresso Brasileiro de Enfermagem em Salvador-Bahia em 1964, abordando a temática oficial "Enfermagem e Pesquisa". Conseqüentemente, no mesmo ano, foi introduzida a disciplina Metodologia da Pesquisa nos currículos de graduação.2
Acreditamos que a efetiva entrada da pesquisa no âmbito da investigação científica ocorreu com a criação dos programas de pós-graduação, iniciando-se com os cursos de mestrado, seguidos dos de doutorado, cujas produções científicas, ao longo de quase três décadas, vêm crescendo aceleradamente no meio acadêmico.
Diante da quantidade dessas produções, é cada vez maior a preocupação dos pesquisadores quanto à necessidade de avaliar a qualidade e o alcance das pesquisas em enfermagem, as quais só podem atingir seus objetivos a partir da avaliação e retroalimentação contínua dos elementos que as constituem. Dentre esses elementos, destacamos os aspectos éticos considerados bases essenciais à fundamentação e qualificação da prática assistencial e de ensino. Além disso, existe no Brasil a Resolução 196/96,3 que determina as exigências éticas a serem adotadas em todas as pesquisas. Essas são de interesse da enfermagem, porquanto as enfermeiras realizam investigação, essencialmente, com seres humanos.
Daí nosso interesse em investigar quais os princípios éticos que vêm sendo adotados pelas enfermeiras no desenvolvimento das pesquisas com seres humanos, objetivando identificar e analisar aqueles que são abordados nas pesquisas das coletâneas de um programa de pós-graduação do Brasil, 1998-2000, tendo como parâmetros as referidas exigências da Resolução 196/96.3
Acreditamos que a divulgação desses resultados possa se constituir em uma base teórica de transformação, a ser utilizada pelos enfermeiros, como uma forma de vencer ou ultrapassar obstáculos e desafios e, assim, instrumentalizar a realização de novos estudos científicos, oferecer uma contribuição à construção do conhecimento em enfermagem, em especial à reflexão da enfermeira sobre os aspectos éticos essenciais ao desenvolvimento de investigações científicas. Estas são entendidas como um conjunto de conhecimentos ou fatos testáveis, obtidos por métodos sistematizados, os quais podem ser contestados a qualquer tempo e se referem a determinados fenômenos.4
REVISANDO OS AUTORES
Sobre pesquisa em enfermagem no Brasil, alguns aspectos marcaram historicamente esta temática desde a década de 1940 até nossos dias. Dentre esses, sobressaem as preocupações das líderes da enfermagem em utilizar estratégias adequadas para garantir espaços junto à comunidade científica.2
Por se tratar de uma profissão em ascensão, o desenvolvimento da pesquisa em enfermagem está relacionado a um espaço social e físico do qual é parte indissociável.5 Esse contexto exige a aplicação de teorias oriundas de pesquisas, com maior refinamento e aprofundamento de idéias, para dar suporte e apoio à prática, já que a enfermagem é, ainda, uma profissão nova.6 Mesmo porque, a prática deve ser renovada e alimentada, através da investigação e interpretação crítica de aspectos essenciais à sua construção, e incluir os aspectos éticos, que nunca se esgotam.7
Esta constatação possibilita entender a pesquisa como um processo em construção e em constante transformação, que vem sofrendo múltiplas influências.8 Tais influências estão relacionadas aos movimentos da própria categoria e às determinações dos órgãos federais da educação, cuja trajetória culminou com a criação do primeiro curso de Mestrado em Enfermagem em 1972 e do primeiro curso de Doutorado, após vinte anos.1-2
A consolidação desse percurso vem acontecendo mais aceleradamente nas regiões Sul e Sudeste, onde são titulados profissionais em maior número, fato que leva à inferência de que ainda há uma grande demanda potencial para realizar a pós-graduação.2 Essa demanda pode não ser reduzida, em decorrência da limitação de vagas nos cursos de pós-graduação e das exigências de proficiência em língua estrangeira, principalmente o inglês, que ainda não é usual entre o grupo de enfermeiras.
Além de escreverem sobre essa temática, os autores dedicados ao estudo da pesquisa em enfermagem discorrem a respeito da sua evolução histórica, marcos importantes do arcabouço científico da profissão e seu impacto na sociedade, "fundamentado no respeito e cumprimento dos direitos humanos",5,7 o que já indica uma preocupação inicial com os aspectos éticos.
Também é destacada a necessidade de sintonizar a pesquisa com os valores encontrados nas relações do nosso dia-a-dia, de forma que atenuem as exigências da ciência, as quais podem provocar uma alienação dos pesquisadores na sua produção, em virtude do poder mágico da ciência e tecnologia, passível de cegar os pesquisadores.8
Quando nos referimos aos direitos humanos, nossa intenção é destacar algumas das diretrizes, normas e leis da pesquisa em saúde, divulgadas por meio de um site da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, cujo relato histórico de cem anos situa o leitor quanto às preocupações com a ética na pesquisa com seres humanos no plano internacional e vêm subsidiando a comunidade científica ao longo de décadas.9
A ética é definida como: "estudo dos juízos de apreciação referentes à conduta humana suscetível de qualificação do ponto de vista do bem e do mal, seja relativamente a determinada sociedade, seja de modo absoluto".10:848 Essas condições são essenciais, à aplicação dos resultados das pesquisas, avaliação da qualidade e alcance dos mesmos na prática de enfermagem. Nesta, os problemas específicos de aplicação concreta estão relacionados à ética profissional, política, sexual, matrimonial e bioética.11
Dentre esses, encontramos o estudo das questões éticas nas organizações internacionais, sobressaindo como mais antigas, o Código de Nuremberg, de 1947, e a Primeira Declaração de Helsinque I, de 1964, além de suas versões posteriores, 1975, 1983 e 1989, da Associação Médica Mundial, que estabelece a necessidade de protocolos de pesquisa em todas as investigações com seres humanos.
Dentre as organizações nacionais, podemos destacar o Código de Deontologia de Enfermagem12 e a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), em vigor no Brasil desde sua aprovação, em 10 de outubro de 19963, que, de alguma forma, inicialmente nortearam a pesquisa com seres humanos.
A coordenadora do Conselho Nacional de Saúde fez uma retrospectiva histórica sobre os instrumentos legais existentes no Brasil desde a aprovação da Resolução do CNS 01/88, na qual constava: "As primeiras normas nacionais sobre ética na pesquisa com seres humanos as quais representaram, à época, avanços importantes".13:3
Em 1996, transcorridos oito anos, o CNS decidiu revisar a Resolução 01/88 e, para isto, convocou um grupo de trabalho integrado por especialistas de diversas áreas, cuja coordenação ficou sob a responsabilidade do presidente da Sociedade Brasileira de Bioética.13
METODOLOGIA
Procuramos, neste estudo, de caráter explora-tório e abordagem quantitativa, identificar e analisar os aspectos éticos abordados nas pesquisas publicadas nas coletâneas de um programa de pós-graduação do Brasil, no período de 1998-2000. Para tanto, fizemos um levantamento das pesquisas publicadas nas coletâneas editadas pelo programa, no total de seis, que representou 100% da produção, no período especificado, para investigação dos aspectos éticos. Utilizamos, como referência, os parâmetros éticos contidos na Resolução.3
Dentre as coletâneas, decidimos, como critério, pela análise das pesquisas com seres humanos desenvolvidas por enfermeiras e publicadas nesses documentos. Nessas, no período de setembro a novembro de 2000, após listagem e leitura de todas as pesquisas, estivemos atentas ao seu integral conteúdo, tentando identificar, em qualquer parte das mesmas, referências aos aspectos éticos. Também buscamos separar as pesquisas que foram realizadas até 10 de outubro de 1996, data de aprovação da Resolução 196/96, e as que aconteceram depois desta data, como possibilidade de avaliação do conhecimento da referida Resolução.
Para proceder à análise, procuramos fazer uma leitura minuciosa e repetida dos aspectos éticos citados, nominando-os em frases e palavras de conteúdos significantes,14 para organização dos dados. Posteriormente, conforme similaridade temática, esses conteúdos foram agrupados em seis categorias aproximadas às exigências da Resolução 196/96, tais como: explícito atendimento à Resolução 196/96; ponderação de riscos benefícios; conteúdos referentes ao consentimento livre e esclarecido; consentimento livre; aprovação e autorização institucional e outros aspectos operacionais. Essas foram identificadas, respectivamente, de A a F, e constituíram as bases para a análise referente à crítica interna dos elementos de interesse.
Para proceder à categorização, utilizamos como parâmetros as exigências da Resolução 196/96 relacionadas ao consentimento livre e esclarecido a ponderação entre os riscos e benefícios, a garantia de prevenção de danos e/ou riscos previsíveis e garantia do anonimato. Esta categorização foi efetivada a partir da interpretação do que está apresentado como aspecto ético em cada pesquisa, pelo autor, através da linguagem escrita, porquanto o conhecimento acumulado transforma-se no desenvolvimento de novas experiências, mudando também as perspectivas.15 Estas são necessárias à interpretação das idéias e constituem possibilidades de abrir novas alternativas para a interpretação e compreensão do pesquisador, que traz consigo suas idéias, na busca do sentido.16
Em seguida, efetivamos a distribuição das categorias em três grupos de abordagem ética, para efeito de análise: aqueles que abordaram ou deixaram claro a totalidade dos aspectos éticos (Grupo 1); os que os abordaram de forma parcial (Grupo 2); e os que demonstraram preocupação com aspectos operacio-nais da pesquisa constantes da Resolução 196/96 (Grupo 3).
Foram levantadas 96 pesquisas. Dessas, inicialmente, foram excluídas 5,21% (5), por se tratarem de pesquisas de profissionais da área da saúde, restando 94,79% (91) de autoria de enfermeiras (os).
ANÁLISE DOS RESULTADOS
Das 91 pesquisas levantadas de autoria de enfermeiras (os), encontramos 67 executadas com seres humanos, na área de enfermagem, o que corresponde a 73,63% do total de publicações distribuídas nas seis coletâneas, nas quais buscamos a presença de citação de aspectos éticos. Dentre estas, três foram publicadas em 1998, duas em 1999 e apenas uma em 2000. Levando em consideração o total de pesquisas publicadas no período estudado por enfermeiras (os), apenas 22,38% (15) fizeram referência a algum aspecto ético (Tab. 1).
Conforme constatamos nessa tabela, a maioria das enfermeiras, 77,62% (52), não fez qualquer referência aos aspectos éticos utilizados ao realizar as pesquisas, o que merece ser mais cuidadosamente analisado, pois o fato de somente 22,38% (15) ter mencionado os preceitos éticos seguidos é preocupante e, certamente, aponta o desrespeito a tais aspectos. Entretanto cabe-nos tecer algumas considerações, porquanto a não referência aos princípios éticos pode, por um lado, representar apenas omissão no registro escrito. Por outro, pode estar relacionado ao fato de antes de 1996 não haver, ainda, uma norma que exigisse tão claramente que o pesquisador expressasse os aspectos éticos observados ao realizar pesquisa com seres humanos. Entendemos ser este um fator importante, uma vez que a coleta de dados da maioria das pesquisas analisadas foi realizada anteriormente à data de publicação da Resolução 196/96, o que pode justificar a ausência de citação desses aspectos.
Na análise da Tabela 1, verificamos ainda que, embora tenhamos encontrado o mesmo percentual de citação dos aspectos éticos, de 7,46% (5), considerando o total de trabalhos publicados, ao analisarmos as investigações publicadas por ano (Tab. 2), observamos que a proporção de observância desses aspectos, apesar da manutenção do número 5 no total de pesquisas anuais, representa um aumento progressivo nas investigações. Estas apresentaram os percentuais de 16,67% em 1998, 23,80% em 1999 e 31,25% em 2000.
Ainda a partir da Tabela 2, cabe-nos afirmar que é preciso maior divulgação dos termos da Resolução 196/96 entre enfermeiras(os) que realizam pesquisas com seres humanos, pois, desta forma, as determinações desse documento poderão ser aplicadas, já que as transformações geradas por essa produção científica são consideradas indispensáveis à qualificação da produção do conhecimento e, conseqüentemente, da prática assistencial.
Essa constatação leva-nos a inferir que existe certa preocupação das enfermeiras com esses aspectos nas pesquisas com seres humanos. Demonstra também o despertar de um compromisso e respeito com os sujeitos da pesquisa e a qualidade da mesma.
Para efeito de análise, sem pretensão de esgotar o tema, enfocamos os aspectos éticos abordados nas pesquisas com seres humanos, publicadas nas referidas coletâneas, considerando os grupos definidos e as categorias correspondentes (Quadro 1).
Iniciamos a análise da categoria incluída no grupo 1, que abordou ou deixou claro a totalidade dos aspectos éticos. Neste grupo, encontramos apenas uma pesquisa do tipo estudo de caso incluída na categoria A, a qual abrangeu a profundidade dos aspectos técnico-científicos, culturais, sociais e morais, considerando os hábitos e costumes do sujeito e da família. Nesta, a comunicação foi intensificada para viabilizar o atendimento às suas necessidades, cujos benefícios foram concretizados na interação, envolvimento e apoio à família, no processo de cuidar ancorado pela educação em saúde.
No grupo 2, destacamos aquelas investigações que abordaram parcialmente os aspectos éticos. Neste, incluem-se as categorias B, C e D, com oito pesquisas no total.
A pesquisa incluída na categoria B, referente às medidas adotadas na pesquisa que possam se constituir em malefícios para os clientes, apresentou a ponderação entre riscos e benefícios, através de testes estatísticos, demonstrando que o autor está comprometido com os sujeitos da pesquisa e que os mesmos estariam submetidos ao máximo de benefícios e mínimo de riscos. Entretanto, segundo observamos em duas tabelas isoladas por grupos de variáveis, no grupo controle e no grupo experimental, os mesmos testes não foram realizados. Isto daria maior garantia de segurança para os sujeitos da referida pesquisa, por se tratar de um estudo experimental com grupo controle de sujeitos vulneráveis.
As quatro pesquisas da categoria C, ainda do grupo 2, se constituíram de estudos exploratórios fundamentados em dados, utilizados para desvendar problemas de determinada área, em que predomina o método indutivo, primeiro nível de pesquisa, cuja abordagem parte das constatações particulares através de observação, em um processo ascendente que subsidia o planejamento da assistência de enfermagem.
Nessas situações, incluem-se grupos e/ou instituições com problemas sérios, cuja reputação ou status social podem ser afetados. No entanto parece não ter trazido maiores implicações para os sujeitos, visto que os pesquisadores propiciaram condições para a interação, envolvimento, apoio e confiança entre cliente, família e equipe.
Quanto à categoria D, incluída no grupo 2, também do tipo exploratório, embora mais restritas às exigências da Resolução 196/96, três pesquisas contemplam os aspectos de relevância social, ficando claro que os sujeitos foram beneficiados com orientações capazes de minimizar os riscos dos sujeitos vulneráveis, melhorando a qualidade de vida dos mesmos.
No grupo 3, destacamos as categorias E e F, com um total de seis pesquisas que demonstraram preocupação com os aspectos operacionais da pesquisa. Ressaltamos, porém, as duas pesquisas incluídas na categoria E que atenderam à Resolução 196/96, quanto aos aspectos de operacionalização da pesquisa que também exigem a necessidade do controle institucional ou comitê similar para a revisão ética prévia da pesquisa.17 Estas autoras referem como indispensável a preocupação das pesquisadoras com as condições administrativas para realização das pesquisas.
Na categoria F, encontramos quatro pesquisas. Nestas, foi registrada a garantia de anonimato com uso do pseudônimo e/ou codinomes, o que sugere respeito à dignidade e defesa da vulnerabilidade dos sujeitos, conforme prevê a Resolução 196/96. A normatização dos Comitês de Ética em Pesquisa (CEP) nas instituições, entretanto, parece estar se desenvolvendo lenta e restritamente, ao longo dos quatro anos, após a implantação da referida resolução.
Outro ponto a ser destacado é o período de coleta de dados (Tab. 3), pois verificamos que a maioria das investigações com seres humanos não se refere ao período investigado 47,76% (32) dos resultados. Este fato pode ser atribuído ao processo lento de divulgação da resolução. Na seqüência, 35,82% (24) apresentaram dados coletados após outubro de 1996. Esta situação não justifica a ausência dos aspectos éticos, mas pode decorrer da pouca divulgação da Resolução 196/96.
Vale destacar que, dentre aquelas investigações que citaram aspectos éticos, 2,99% (2) coletaram os dados até outubro de 1996, demonstrando que as pesquisadoras já estavam interessadas na abordagem desses aspectos em seus estudos e que estão preocupadas com o respeito aos direitos de todo cidadão.
Poderíamos, então, nos perguntar: Será que o aumento de citações de aspectos éticos na referida coletânea estaria relacionado a uma maior divulgação da Resolução 196/96 pelas instituições e seguimento das normas pelos pesquisadores, ou estes têm, na sua prática, a preocupação em referir estes aspectos?
Os resultados deste estudo não nos permitem afirmar que aqueles que citaram os aspectos éticos o fizeram com base na Resolução 196/96. Supomos, entretanto, que tal atitude integra a conduta inerente à prática das pesquisadoras.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Considerando o objetivo proposto, os aspectos éticos abordados nas pesquisas evidenciam uma realidade constrangedora, uma vez que apontam para a reduzida utilização desses aspectos, tão essenciais à prática da pesquisa. Até mesmo as investigações que citaram os referidos aspectos, abordaram-nos de forma tão parcial que não demonstraram todos os elementos que indicam a utilização desse conhecimento. Por outro lado, observamos a existência de enfermeiras (os) preocupadas (os) com esse tema.
Tais resultados levam-nos a indagar: estão as (os) enfermeiras (os), independentemente de referirem aspectos éticos nos seus trabalhos, respeitando os direitos humanos de liberdade, autonomia e justiça inerentes a todo cidadão? Apesar de a enfermeira ter o direito de pesquisar, constitui mérito para ela desenvolver pesquisas sem considerar os aspectos éticos exigidos? Quais os motivos reais que levaram a maioria dos pesquisadores a não referirem os aspectos éticos nos seus trabalhos?
Diante do exposto, cabe-nos recomendar às pesquisadoras de enfermagem a necessidade de despertarem para a importância de buscar esses aspectos na efetivação de suas pesquisas que, basicamente, têm como sujeitos seres humanos, os quais exigem respeito à sua integridade, individualidade e direito de cidadania. Também às instituições e programas de formação e de Pós-graduação, que busquem formalizar a exigência desses aspectos em todas as pesquisas. Na aplicação prática, o respeito a esses valores representa a busca de uma assistência comprometida, fortalecida pela competência técnica e política com vistas ao bem-estar do cliente e pode significar assistência ética.
REFERÊNCIAS
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12 Brasil. Lei n. 7498, de 25 de junho de 1986. Dispõe sobre a regulamentação do exercício da enfermagem e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, 26 jun 1986. Seção I, p. 9273-5.
13 Nunes FA. Apresentação. In: Fundação Nacional de Saúde(BR). Diretrizes e normas regulamentadoras da pesquisas envolvendo seres humanos. Inf Epidemiol SUS. 1996 Abr-Jun;5(2):3-49.
14 Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 1977.
15 Moreira RVO, Barreto JAE, Esmeraldo AJ, Frota MP. A hermenêutica filosófica da Gadamer. In: Barreto JAE, Moreira RVO, organizadores. O elefante e os cegos. Fortaleza: Casa José de Alencar. Programa Editorial; 1999. p. 47-71.
16 Mora JF. Dicionário de filosofía. Madrid: Alianza Editorial; 1990.
17 Polit DF, Hungler BP. P. Nursing research: principles and methods. 6th ed. Philadelphia: Lippincott; 1999.
Artigo original: Pesquisa
Recebido em: 15 de agosto de 2004
Aprovação final: 06 de dezembro de 2004
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1Moterrosa E de, Lange I, Chompré RR. Educación de enfermeria em América Latina: metas e suplementación. In: Monterrosa E de, Lange I, Chomprè RR. Enfermeria del siglo XXI em América Latina. [S.l.]: Fundación K. Kellogg; 1991. p.15-21.
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2Almeida MCP de, Rufino MC, Luis MAV, Mamede MV, Rodrigues R. A Universidade e suas responsabilidades na produção do conhecimento técnico-científico em enfermagem. 9º Seminário Nacional de Pesquisa em Enfermagem; 1997; Vitória, Brasil. Vitória: ABEn; 1997. p.116-25.
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3Ministerio da Saúde(BR). Resolução nº196/1996. Dispõe sobre pesquisa envolvendo seres humanos. Bioética. 1996; 4(2 Supl):5-25.
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4Lakatos EM, Marconi MA. Metodologia do trabalho científico. 4aed. São Paulo: Atlas; 1992.
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5Elsen I, Nitscke RG. Pós-graduação, pesquisa e ética: um tema acima de qualquer questionamento. Texto Contexto Enferm. 1994 Jan-Jun;39(1):7,10.
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6Meleis AI. Theoretical nursing development and progress. 3th ed. Philadelphia: Lippincot; 1997.
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7Demo P. Metodologia do conhecimento científico. São Paulo: Atlas; 2000.
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8Oliveira MLC. O desafio bioético e a pesquisa na área de enfermagem. In: Anais do 10º SENPE; 1999 Maio; Gramado, Brasil. Gramado: ABEn; 1999. p. 51-4.
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9Goldim JR. Breve histórico das diretrizes, normas, leis em pesquisa em saúde [citado 1999 Set 6]. Disponível em: http://www.hcpa.ufrgs.br/gppg/histpesq.htm
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10Ferreira ABH. Dicionário Aurélio escolar da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; 1988. Ética; p. 28.
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12Brasil. Lei n. 7498, de 25 de junho de 1986. Dispõe sobre a regulamentação do exercício da enfermagem e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, 26 jun 1986. Seção I, p. 9273-5.
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13Nunes FA. Apresentação. In: Fundação Nacional de Saúde(BR). Diretrizes e normas regulamentadoras da pesquisas envolvendo seres humanos.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
17 Mar 2009 -
Data do Fascículo
Mar 2005
Histórico
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Recebido
15 Ago 2004 -
Aceito
06 Dez 2004