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Quedas e capacidade funcional em idosos longevos residentes em comunidade

Resumos

O objetivo foi verificar associação entre quedas e capacidade funcional em idosos longevos residentes em comunidade. Trata-se de estudo transversal de base comunitária. A população foi composta por idosos com idade ≥80 anos, moradores da zona urbana do município de Lafaiete Coutinho-BA, Brasil. A coleta de dados, realizada em janeiro de 2011, foi domiciliar, através de questionário com informações sociodemográficas, ocorrência de quedas e capacidade funcional, pela escala de Katz. Realizou-se análise dos dados por regressão de Poisson, adotando-se nível de significância de 5%. Foram entrevistados 94 idosos, com média de 86,1 anos (±6,39), sendo 59,6% do sexo feminino. A prevalência de quedas foi de 27,7% e foram classificados como dependentes para Atividades básicas da vida diária, 19,6% dos idosos. Identificou-se forte associação entre quedas e capacidade funcional (RP=2,08; 1,17 - 3,70). Os resultados mostraram proporção de quedas significativamente maior entre idosos longevos funcionalmente dependentes do que entre idosos independentes.

Acidentes por quedas; Idoso; Idoso de 80 anos ou mais; Atividades cotidianas


The aim was to verify the association between falls and functional capacity in the oldest old dwelling in the community. This is a community-based cross-sectional study. The population was comprised of elderly citizens aged greater than 80 years, residing in the urban area of Lafaiete Coutinho, in the state of Bahia, Brazil. Data collection was carried out in January of 2011. It was based on home life, using a questionnaire capturing sociodemographic data, fall occurrences and functional capacity utilizing the Katz scale. Data analysis was done through Poisson regression, adopting a significance level of 5%. Ninety-four elderly citizens were interviewed, with an average age of 86.1 years (±6,39); 59.6% of the participants were female. The fall prevalence was 27. 7% and 19. 6% of the participants were classified as dependent for activities of daily living. A strong association was identified between falls and functional activities (RP=2.08; 1.17 - 3.70). Results showed a significantly higher proportion of falls among the functionally dependent oldest old than among the independent elderly.

Accidental falls; Aged; Aged, 80 and over; Activities of daily living


El objetivo fue verificar la asociación entre caídas y capacidad funcional en ancianos residentes en la comunidad. Se trata de estudio transversal de base comunitaria. La población fue compuesta por mayores con edad ≥80 años, habitantes de zona urbana del municipio de Lafaiete Coutinho-BA, Brasil. La recolección de datos, se dio en enero de 2011, fue domiciliar a través de un cuestionario con informaciones socio-demográficas, ocurrencia de caídas y capacidad funcional por Katz. El análisis de datos fue realizado a partir de regresión de Poisson adoptándose nivel de significancia de 5%. Fueron entrevistados 94 mayores con media de 86,1 años (±6,39), siendo 59,6% de sexo femenino. La prevalencia de caídas fue 27,7% y fueron clasificados como dependientes para actividades de vida diária 19,6% de ancianos. Se identificó fuerte asociación entre caídas y capacidad funcional (RP=2,08; 1,17 -3,70). Los resultados sugieren que la proporción de caídas es significativamente mayor entre los ancianos funcionalmente dependientes que entre adultos mayores independientes.

Accidentes por caídas; Anciano; Anciano de 80 o más años; Actividades cotidianas


ARTIGO ORIGINAL

Quedas e capacidade funcional em idosos longevos residentes em comunidade

Caídas y capacidad funcional en ancianos longevos residentes en la comunidad

Thaís Alves BritoI; Marcos Henrique FernandesII; Raildo da Silva CoqueiroIII; Cleber Souza de JesusIV

Iestre em Enfermagem e Saúde. Docente do Departamento de Saúde da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Bahia, Brasil. E-mail: thaisbrito03@yahoo.com.br

IIDoutor em Ciências da Saúde. Docente do Departamento de Saúde e do Programa de Pós-Graduação Enfermagem e Saúde da UESB. Bahia, Brasil. E-mail: marcoshenriquefernandes@bol.com.br

IIIMestre em Educação Física. Docente do Departamento de Saúde da UESB. Bahia, Brasil. E-mail: rscoqueiro@uesb.edu.br

IVDoutorando do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia. Docente do Departamento de Saúde da UESB. Bahia, Brasil. E-mail: csjesus@uesb.edu.br

Endereço para correspondência

RESUMO

O objetivo foi verificar associação entre quedas e capacidade funcional em idosos longevos residentes em comunidade. Trata-se de estudo transversal de base comunitária. A população foi composta por idosos com idade ≥80 anos, moradores da zona urbana do município de Lafaiete Coutinho-BA, Brasil. A coleta de dados, realizada em janeiro de 2011, foi domiciliar, através de questionário com informações sociodemográficas, ocorrência de quedas e capacidade funcional, pela escala de Katz. Realizou-se análise dos dados por regressão de Poisson, adotando-se nível de significância de 5%. Foram entrevistados 94 idosos, com média de 86,1 anos (±6,39), sendo 59,6% do sexo feminino. A prevalência de quedas foi de 27,7% e foram classificados como dependentes para Atividades básicas da vida diária, 19,6% dos idosos. Identificou-se forte associação entre quedas e capacidade funcional (RP=2,08; 1,17 - 3,70). Os resultados mostraram proporção de quedas significativamente maior entre idosos longevos funcionalmente dependentes do que entre idosos independentes.

Descritores: Acidentes por quedas. Idoso. Idoso de 80 anos ou mais. Atividades cotidianas.

RESUMEN

El objetivo fue verificar la asociación entre caídas y capacidad funcional en ancianos residentes en la comunidad. Se trata de estudio transversal de base comunitaria. La población fue compuesta por mayores con edad ≥80 años, habitantes de zona urbana del municipio de Lafaiete Coutinho-BA, Brasil. La recolección de datos, se dio en enero de 2011, fue domiciliar a través de un cuestionario con informaciones socio-demográficas, ocurrencia de caídas y capacidad funcional por Katz. El análisis de datos fue realizado a partir de regresión de Poisson adoptándose nivel de significancia de 5%. Fueron entrevistados 94 mayores con media de 86,1 años (±6,39), siendo 59,6% de sexo femenino. La prevalencia de caídas fue 27,7% y fueron clasificados como dependientes para actividades de vida diária 19,6% de ancianos. Se identificó fuerte asociación entre caídas y capacidad funcional (RP=2,08; 1,17 -3,70). Los resultados sugieren que la proporción de caídas es significativamente mayor entre los ancianos funcionalmente dependientes que entre adultos mayores independientes.

Descriptores: Accidentes por caídas. Anciano. Anciano de 80 o más años. Actividades cotidianas.

INTRODUÇÃO

O envelhecimento populacional é uma realidade na maioria dos países, tornando-se temática relevante do ponto de vista científico e de políticas públicas, inquietando e mobilizando pesquisadores e promotores de políticas sociais, na discussão dos desafios que este processo de transição está colocando para as sociedades.

O aumento da longevidade é um fenômeno mundial, e a faixa etária mais crescente no mundo é a de indivíduos com 80 anos e mais. No Brasil, enquanto a taxa média geométrica de crescimento anual da população idosa geral (≥ 60 anos) é de aproximadamente 3,3%, entre os idosos mais velhos é de 5,4%, sendo uma das mais altas do mundo.1

O aumento nessa proporção de idosos traz à tona a discussão a respeito de eventos incapacitantes nessa faixa etária, dos quais se destaca a ocorrência de quedas, bastante comum e temida pela maioria das pessoas idosas, por consequências como fraturas, restrição de atividades, declínio na saúde e risco de institucionalização.2-4

A queda pode ser definida como um deslocamento não-intencional do corpo para um nível inferior à posição inicial, com incapacidade de correção em tempo hábil, determinado por circunstâncias multifatoriais que comprometem a estabilidade.5 Essas circunstâncias podem ser agrupadas em fatores intrínsecos e extrínsecos. Entre os primeiros, encontram-se as alterações fisiológicas relacionadas ao envelhecimento, a doenças e os efeitos causados por uso de fármacos e, entre os segundos, fatores que dependem de circunstâncias sociais e ambientais que criam desafios ao idoso.6

Assim, o conceito de saúde, para este grupo populacional, não pode se basear apenas no parâmetro de completo bem-estar físico, psíquico e social preconizado pela Organização Mundial de Saúde, mas deve se reger pelo paradigma da capacidade funcional proposto pela Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa (PNSPI). A independência e a autonomia, pelo maior tempo possível, são metas a serem alcançadas na atenção à saúde da pessoa idosa.7

As alterações fisiológicas pelas quais passa o idoso interferem progressivamente em sua capacidade funcional, sendo as Atividades Básicas da Vida Diária (ABVDs) medidas frequentemente utilizadas para avaliá-la. As ABVDs consistem nas tarefas de autocuidado, como tomar banho, vestir-se e alimentar-se. Em geral, quanto maior o número de dificuldades que uma pessoa tem nas ABVDs, mais severa é a sua incapacidade.

O comprometimento da capacidade funcional do idoso tem implicações importantes para a família, a comunidade, para o sistema de saúde e para a vida do próprio idoso, uma vez que a incapacidade ocasiona maior vulnerabilidade e dependência, contribuindo para a diminuição do bem-estar e da qualidade de vida dos idosos.8

No Brasil, poucos estudos abordam quedas e seus determinantes na população de idosos longevos (80 anos ou mais) vivendo em comunidade. Ressalta-se, assim, o interesse no estudo de quedas, saúde e suas múltiplas dimensões para esta população que vêm aumentando proporcionalmente, e de modo muito mais acelerado, alterando a composição etária dentro do próprio grupo. Acrescenta-se a este aspecto, a relevância do estudo com idosos avaliados em seu cotidiano e ambiente domiciliar, uma vez que esta é a realidade da maior parte dos idosos brasileiros. Portanto, há uma necessidade de investigações que possam contribuir para o preenchimento dessa lacuna no conhecimento.

Nesse contexto, o objetivo deste estudo foi verificar a associação entre quedas e capacidade funcional em idosos longevos residentes em comunidade.

MATERIAIS E MÉTODOS

Trata-se de um recorte da pesquisa transversal de base populacional e comunitária intitulada "Estado nutricional, comportamentos de risco e condições de saúde dos idosos de Lafaiete Coutinho-BA". O município possuía, no período da coleta de dados, uma população de 4.162 habitantes, sendo, destes, 3,1% (131) correspondente ao número de idosos longevos. Lafaiete Coutinho tem baixos indicadores sociodemográficos e educacionais, fato que pode ser observado pelas baixas escolaridade e condição socioeconômica da população.

Um censo foi conduzido, em janeiro de 2011, a partir da listagem dos idosos cadastrados na Estratégia de Saúde da Família (ESF), que cobre 100% da população do município, para a identificação de todas as pessoas com idade igual ou superior a 80 anos, não institucionalizados e residentes na zona urbana. Dessa forma, dos 131 idosos, 31 residiam na zona rural, quatro recusaram-se a participar e dois não foram localizados no domicílio, após três visitas em dias alternados. Portanto, a população do estudo foi composta por 94 idosos.

Foi utilizado um formulário próprio, recorte do questionário usado na Pesquisa Saúde, Bem-estar e Envelhecimento (SABE) realizada em sete países da América Latina e Caribe,9 constando de variáveis sociodemográficas, ocorrência de quedas, capacidade funcional e número de doenças crônicas. Acrescentou-se a este formulário o Questionário Internacional de Atividades Físicas (IPAQ), forma longa, versão brasileira10 para avaliação do nível de atividade física. Um estudo-piloto foi realizado em um município vizinho, por equipe previamente treinada, o que possibilitou testar o instrumento da pesquisa e adequá-lo.

Antes de iniciar a entrevista foi realizado screening cognitivo através da versão modificada e validada do Mini Exame do Estado Mental, procurando avaliar a preservação da memória recente para responder as questões propostas.11 O ponto de corte adotado foi ≥ 13 pontos (não comprometido) e ≤ 12 pontos (comprometido).

Para aqueles idosos que atingiram pontuação igual ou inferior a 12 pontos, a pesquisa foi continuada com auxílio de um informante. Considerou-se como informante, pessoa que residisse na mesma casa e soubesse oferecer informações sobre o idoso entrevistado. Ao informante foi aplicado o questionário de Pfeffer para atividades funcionais, continuando a entrevista com este, caso a soma do questionário fosse seis ou mais, e com o idoso, caso a soma fosse cinco ou menos.12

A queda (variável dependente) foi obtida a partir do quesito "teve alguma queda nos últimos 12 meses? (não, sim)". A capacidade funcional (variável independente) foi mensurada a partir da escala que avalia as ABVDs, relacionadas ao autocuidado como alimentar-se, banhar-se, vestir-se, arrumar-se, mobilizar-se e manter controle sobre suas eliminações.13 A variável ABVDs foi dicotomizada, utilizando-se ponto de corte 4/5,14 de maneira que foram considerados independentes nas ABVDs os idosos com pontuação igual ou inferior a quatro pontos, e dependentes aqueles com escore maior que quatro pontos.

Foram investigadas como variáveis sociodemográficas: sexo; saber ler e escrever um recado (sim e não); renda familiar per capita dividida em tercil (≤R$255, ≤R$510 e >R$510); estado civil (com união e sem união); e participação em atividades religiosas (sim e não), avaliada através da identificação de alguma religião.

Categorizaram-se com nível de atividade física insuficientemente ativo os idosos que realizavam menos de 150 minutos semanais de atividades físicas moderadas ou vigorosas, e ativo, aqueles que realizavam 150 minutos ou mais por semana.15 Em relação ao número de doenças crônicas foi questionado ao idoso se algum profissional de saúde já havia referido diagnóstico de alguma dessas enfermidades: hipertensão, diabetes, osteoporose, câncer, doença do pulmão, doenças cardíacas e circulatórias, artrite/artrose e, em seguida, categorizadas em nenhuma, uma e duas ou mais doenças crônicas.

Procedeu-se análise descritiva das variáveis, calculando-se as frequências absolutas e relativas, bem como média e desvio-padrão. Em seguida, como medida de associação estimou-se razão de prevalência (RP) e intervalos de confiança a 95% (IC95%), a partir da regressão de Poisson, com variância robusta, e tempo sob risco igual a 1 para cada indivíduo.16 As variáveis de ajuste que apresentaram significância de pelo menos 20% (p ≤ 0,20) nas análises brutas foram incluídas na análise múltipla. O melhor ajuste do modelo foi avaliado a partir do teste de Hosmer-Lemeshow (Goodness-of-fit).

Os dados foram tabulados e analisados no The Statistical Package for Social Sciences - SPSS para Windows (SPSS. 15.0). Neste estudo o nível de significância foi fixado em 5%.

O protocolo do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (nº 064/2010). A participação foi voluntária, e todos os indivíduos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS

A população do estudo consistiu de 56 mulheres (59,6%) e 38 homens (40,4%). A média de idade foi de 86,1 anos (DP=6,39), sendo a idade máxima de 105 anos. A tabela 1 mostra a distribuição dos idosos de acordo com variáveis sociodemográficas, condições de saúde e fatores comportamentais. Foram classificados como dependentes para atividades básicas da vida diária 19,6% dos idosos. A figura 1 mostra a prevalência de quedas nos idosos longevos.


A tabela 2 mostra os resultados da análise bruta entre quedas e as variáveis de ajuste do estudo. É possível observar que queda não foi associada a nenhuma das variáveis, entretanto sexo, estado civil, atividade física e número de doenças crônicas atingiram significância estatística suficiente (p ≤ 0,20) para serem incluídas no modelo múltiplo.

A tabela 3 apresenta o resultado da análise bruta e ajustada para queda e ABVDs. Os resultados mostraram forte associação entre queda e capacidade funcional, mesmo após ajuste para fatores sociodemográficos, atividade física e doenças crônicas. O modelo de regressão múltipla sugere que, independentemente do sexo, idade, estado civil, nível de atividade física e número de doenças crônicas, a probabilidade de sofrer queda em um período de 12 meses é, aproximadamente, duas vezes maior (RP=2,08) entre os idosos dependentes para ABVDs do que entre os independentes.

DISCUSSÃO

O crescimento no número de idosos longevos vem ocorrendo de forma rápida. A produção científica acerca desse grupo populacional, entretanto, não vem acompanhando com a mesma velocidade esse ritmo de crescimento, sendo ainda incipiente. Este é o primeiro estudo populacional, de base domiciliar, realizado exclusivamente com idosos brasileiros de 80 anos ou mais, a verificar a associação entre quedas e capacidade funcional.

Em uma coorte de 1667 idosos de 65 anos ou mais vivendo na comunidade, que apresentou resultados para a faixa etária de 75 a 84 anos, verificou-se que para os idosos que necessitam de ajuda nas atividades de vida diária, a probabilidade de cair foi 14 vezes maior quando comparada a pessoas independentes da mesma idade.17

Outra investigação verificou que cerca de 30% dos idosos brasileiros sofrem quedas pelo menos uma vez ao ano.4 Uma pesquisa com amostra composta por 4003 indivíduos de 65 anos ou mais, em sete Estados brasileiros, apontou uma prevalência de quedas de 34,8 %.18 Valor significativamente maior foi encontrado em Brasília (51,8%), mas a amostra desse estudo, porém, foi composta apenas por idosas.19 Algumas dessas publicações categorizam os idosos por faixa etária incluindo àqueles com 80 anos ou mais, contudo, nenhuma trata com especificidade dos idosos longevos.

A prevalência de quedas encontrada (27,7%) apresenta valor semelhante ao de investigações internacionais, como a realizada na Turquia, com 3.231 idosos comunitários com idade acima de 60 anos (31,9%),20 e nos Estados Unidos (EUA), com idosos de 70 anos ou mais (35%).21 Entretanto, pesquisas realizados na Espanha, com idosos de 65 anos ou mais22 e na Grã-Bretanha, com idosas entre 60 e 79 anos23 apontam menores prevalências, 17,9% e 16,9%, respectivamente.

Nessa perspectiva, o presente estudo confirma a magnitude das quedas como fenômeno de saúde pública que, devido ao impacto na vida dos idosos e de seus familiares, bem como para o sistema de saúde, representam custos sociais e econômicos.

A dependência funcional para ABVDs observada por outros autores variou de 15%24 a 25%25 entre os idosos com mais de 60 anos, a 45%26 entre os idosos com 80 anos ou mais. A divergência encontrada na proporção da dependência funcional entre idosos longevos e o presente estudo pode ser justificada por diferenças entre os critérios metodológicos como população do estudo (zona rural) e o instrumento utilizado.

A partir dos 80 anos, mesmo com um envelhecimento saudável, espera-se algum grau de comprometimento fisiológico na capacidade de realização das ABVDs. A frequência e a intensidade deste comprometimento são muito variadas, dependendo das condições gerais de saúde, ao longo da vida, e do modo de vida em cada contexto histórico, social, econômico e cultural.27

Com o envelhecimento, o corpo humano entra em processo de declínio fisiológico, com a diminuição da densidade óssea e da massa muscular, instabilidade postural e o déficit de equilíbrio.28-30 Assim, a capacidade funcional tende a diminuir e essas mudanças podem conduzir a uma maior vulnerabilidade e/ou propensão a quedas. Neste estudo, pôde-se identificar uma associação de grande magnitude entre quedas e capacidade funcional, e esse resultado, ponderadas as diferenças metodológicas, é semelhante ao observado em outras pesquisas conduzidas no Brasil.6,17,31-33

Evidências sugerem que o risco de queda em pessoas idosas pode ser reduzido por meio de ações integradas. Em um estudo de intervenção com 301 idosos de 70 anos ou mais, residentes em comunidade e inscritos em uma organização de saúde em Connecticut (EUA),34 pôde-se concluir que muitos dos fatores de risco para quedas contribuem também para imobilidade e declínio funcional. As intervenções do estudo, realizadas por enfermeiros e fisioterapeutas, estavam relacionadas à: alterações ambientais, recomendações comportamentais, educação e revisão no uso de medicamentos, treinamento de marcha e transferências; exercícios de fortalecimento, resistência e equilíbrio. Houve diferença significativa (p=0,04) entre o grupo de intervenção e o grupo controle, na proporção dos idosos que sofreram quedas, com 35% para o primeiro grupo e 47% para o segundo. Além disso, também foi relatada melhora da capacidade funcional, o que possivelmente contribuiu para a redução na incidência de queda.

Um estudo realizado com 72 idosos em uma comunidade de baixa renda do Rio de Janeiro, verificou que o medo de voltar a cair passou a fazer parte da vida do idoso e foi referido por 88,5% dos 26 idosos que tiveram alguma consequência da queda. Dentre essas, se destacaram o abandono de certas atividades (26,9%), a modificação de hábitos (23,1%) e a imobilização (19%).35

O medo após a queda pode vir acompanhado não somente do medo de novas quedas, mas também de hospitalizações, de imobilizações, declínio de saúde ou dependência de outras pessoas para o autocuidado. Esse sentimento pode trazer importantes modificações emocionais, psicológicas e sociais, tais como: perda de autonomia e independência para ABVDs, diminuição de atividades sociais, sentimento de fragilidade e insegurança.36 Além disso, quando o idoso cai, há uma tendência à diminuição de suas atividades diárias, seja pelo medo de expor-se ao risco de nova queda ou por atitudes protetoras de familiares e cuidadores.

Além do sentimento de medo que pode justificar a associação entre quedas e capacidade funcional, sabe-se que a alteração de força muscular nos idosos, que acomete principalmente a musculatura dos membros inferiores,37 pode afetar a realização das atividades de vida diária e também no equilíbrio. Em função dessas alterações aumenta a probabilidade de que­das associada à diminuição da capacidade funcional.

Observa-se na literatura que a diminuição da capacidade funcional é apresentada ora como determinante causal ora como consequência da ocorrência de quedas. Compete acrescentar, como limitação da presente pesquisa, que a complexidade do processo de determinação da ocorrência de quedas, da capacidade funcional e a limitação dos estudos transversais impossibilitam a identificação da precedência temporal dos fatores estudados, comprometendo as evidências de relação causal.

No que se refere à interpretação dos resultados, as informações derivadas da escala de Katz são autorreferidas e, portanto, podem sofrer influência de funções cognitivas, culturais, da linguagem utilizada e da escolaridade. Em contrapartida, as medidas autorreferidas fornecem informações sobre a limitação funcional de idosos em um determinado contexto social. Ressalta-se ainda que a coleta de dados no domicílio do idoso confere maior fidedignidade às informações.

CONCLUSÃO

Sugere-se que o estudo de fatores associados à ocorrência de quedas em idosos, considerado importante problema de saúde pública, possa inquietar e mobilizar para a elaboração de políticas de prevenção em saúde que possam retardar o desenvolvimento de doenças e incapacidades. Dessa forma, características intrínsecas do indivíduo, como a sua funcionalidade para ABVDs, devem ser consideradas em programas de prevenção da ocorrência de eventos de quedas, mesmo quando realizados em fases mais avançadas da vida. Este grupo etário não apresenta apenas características biológicas diferenciadas de outros indivíduos, mas possuem também particularidades psicológicas, culturais, socioeconômicas e epidemiológicas que devem ser particularmente estudadas.

Diante dos resultados do estudo conclui-se que existe associação entre a ocorrência de quedas e dependência funcional nas atividades básicas da vida diária para idosos longevos residentes em comunidade.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Abr 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 2013

    Histórico

    • Recebido
      26 Ago 2011
    • Aceito
      18 Set 2012
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