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Consequências atribuídas ao transplante renal: técnica dos incidentes críticos1 1 Recorte da Dissertação - As vivências das pessoas com o transplante renal, apresentada à Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), em 2013.

Resumos

Este estudo objetivou analisar as consequências acarretadas na vida da pessoa com o transplante renal. Possui abordagem qualitativa, do tipo descritivo, utilizando a Técnica dos Incidentes Críticos, em que analisou o conteúdo das entrevistas, almejando isolar as consequências positivas e negativas advindas após o transplante renal. Diante do que o processo de transplantação proporcionou na vida das pessoas, destacaram a independência do tratamento hemodialítico, a existência de uma vida tranquila e normal e a sensação de bem-estar. Em compensação, promoveu alterações que conduziram a uma nova realidade. Embora tenham acontecido mudanças na vida da pessoa, o transplante renal não representou alterações significativas que levassem ao sofrimento.

Insuficiência renal crônica; Transplante de rim; Análise de consequências; Enfermagem


This study aimed to describe the consequences experienced in the life of a person with kidney transplantation. This is a descriptive and qualitative approach, using the Critical Incident Technique, in which the interview content was analyzed, in an attempt to isolate the consequences of the kidney transplantation, showing positive and/or negative references. When confronted with what kidney transplantation provided to people's life, the independence from the hemodialysis machine, the existence of a quiet and normal life, the sensation of well-being, and the possibility of performing activities were demonstrated. In compensation, the transplantation provided changes that led them to another reality. Although some changes in the life of these people occurred, the process of transplantation did not represent significant change, which could install suffering.

Renal insufficiency, chronic; Kidney transplantation; Consequence analysis; Nursing


Este estudio tuvo como objetivo analizar las consecuencias provocadas en la vida de las personas con trasplante de riñón. Tiene un enfoque cualitativo, descriptivo, utilizando la Técnica de Incidentes Críticos, que analizó el contenido de las entrevistas, con el objetivo de aislar las consecuencias positivas y negativas que surgen después de un trasplante de riñón. Así con todo lo que el proceso de trasplante proporcionó en las vidas de las personas, se destacaron la independencia de la hemodiálisis, la existencia de una vida tranquila y normal y la sensación de bien-estar. Aúnque, promovido cambios que llevaron a una nueva realidad. Aúnque se han producido cambios en la vida de uno, el trasplante renal no representó cambios significativos que llevarían al sufrimiento.

Insuficiencia renal crónica; Trasplante de riñón; Análisis de las consecuencias; Enfermería


INTRODUÇÃO

As doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) eram consideradas um problema de saúde em países desenvolvidos, que possuíam uma população expressiva de idosos.1Veras RP. Estratégias para o enfrentamento das doenças crônicas: um modelo em que todos ganham. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2011; 14(4):779-86. Já nos últimos anos, vêm ocupando proporções cada vez maiores, incluindo os países em desenvolvimento.2Moura EC, Silva AS, Malta DC, Morais Neto OL. Fatores de risco e proteção para doenças crônicas: vigilância por meio de inquérito telefônico, VIGITEL, Brasil, 2007. Cad Saude Publica. 2011; 27(3):486-96.

Dentre os distintos tipos de doenças, as DCNTs são as que podem acarretar significativas mudanças na vida das pessoas.3Cardoso LB, Sade PMC. O enfermeiro frente ao processo de resiliência do paciente em tratamento hemodialítico. Rev Eletr Faculdade Evangélica do Paraná [online]. 2012 [acesso 2013 Set 23]; 02(1). Disponível em: http://www.fepar.edu.br/revistaeletronica/index.php/revfepar/article/download/35/45
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Conviver com uma DCNT, pode gerar sentimentos de impotência, perplexidade, angústia e medo de morrer, além da perda do bem-estar físico e mental, dos papéis sociais e da rotina,4Daugirdas JT, Blake PG, Ing TS. Manual de diálise. 4ª ed. Rio de Janeiro (RJ): Guanabara; 2010. como acontece na insuficiência renal crônica (IRC).3 Cardoso LB, Sade PMC. O enfermeiro frente ao processo de resiliência do paciente em tratamento hemodialítico. Rev Eletr Faculdade Evangélica do Paraná [online]. 2012 [acesso 2013 Set 23]; 02(1). Disponível em: http://www.fepar.edu.br/revistaeletronica/index.php/revfepar/article/download/35/45
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A manifestação da IRC ocorre de forma lenta, progressiva e irreversível, na qual apesar de possuir tratamento, não há cura.5Fontoura FAP. A compreensão de vida de pacientes submetidos ao transplante renal: significados, vivências e qualidade de vida [dissertação]. Campo Grande (MS): Universidade Católica Dom Bosco, Programa de Mestrado em Psicologia; 2012. - 6Santana SS, Fontenelle T, Magalhães LM. Assistência de enfermagem prestada aos pacientes em tratamento hemodialítico nas unidades de nefrologia. Rev Científica ITPAC. 2013; 6(3):1-11. Ademais, possui como causa, o excesso de produtos hidrogenados (ureia sanguínea e creatinina) no sangue, tornando os rins incapazes de manter o equilíbrio do corpo humano.5Fontoura FAP. A compreensão de vida de pacientes submetidos ao transplante renal: significados, vivências e qualidade de vida [dissertação]. Campo Grande (MS): Universidade Católica Dom Bosco, Programa de Mestrado em Psicologia; 2012. Nesse contexto, a pessoa acometida por essa doença, passa a ter uma expressiva mudança em sua vida cotidiana, somando-se o tratamento doloroso que é instituído, como a hemodiálise, para que não haja precocemente a sua morte.6Santana SS, Fontenelle T, Magalhães LM. Assistência de enfermagem prestada aos pacientes em tratamento hemodialítico nas unidades de nefrologia. Rev Científica ITPAC. 2013; 6(3):1-11.

A pessoa em tratamento hemodialítico sofre a imposição de novos hábitos em sua rotina diária. Ela passa mais de 40 horas mensais em uma unidade de hemodiálise, dependente de uma máquina para garantir a manutenção da sua vida, com perdas biopsicossociais que podem gerar transtornos psicológicos, como medo da morte, dependência de alguém, desfiguração da autoimagem, além de prejuízos no seu contexto social.3Cardoso LB, Sade PMC. O enfermeiro frente ao processo de resiliência do paciente em tratamento hemodialítico. Rev Eletr Faculdade Evangélica do Paraná [online]. 2012 [acesso 2013 Set 23]; 02(1). Disponível em: http://www.fepar.edu.br/revistaeletronica/index.php/revfepar/article/download/35/45
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Com a obrigatoriedade da hemodiálise, o transplante renal passa a ser muito desejado pelas pessoas com IRC, uma vez que é considerado uma maneira de se libertar da rotina do tratamento hemodialítico. Ainda podendo permitir o retorno à vida cotidiana,7Pereira LP, Guedes MVC. Hemodiálise: a percepção do portador renal crônico. Cogitare Enferm. 2009; 14(4):689-95. de modo a retomar uma rotina afetiva, familiar e psicossocial próximo da normalidade.8Persch O, Dani DM. Transplante renal intervivos: um olhar psicológico. Cad Ciênc Biol Saúde. 2013; (1):1-15.

Nesse aspecto, o transplante trata-se de uma intervenção terapêutica alternativa para a disfunção de um órgão terminal, doença fatal ou, em alguns casos, para melhorar a qualidade de vida e reduzir o risco de complicações de doenças crônicas9Abdala E, Azevedo LSF, Campos SV, Caramori ML, Costa SF, Strabelli TMV, et al. Use of hepatitis C-positive donors in transplantation. Clinics. 2012; 67(5):517-9. como a IRC. Além do mais, ele tem sido considerado a escolha preferencial, pois se trata de um procedimento que permite a reintegração da pessoa no convívio social, o retorno às práticas laborais, além de melhorar a condição física e mental.1010 Silva FS. História oral de vida de pacientes transplantados renais: novos caminhos a trilhar [dissertação]. Natal (RN): Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências da Saúde; 2011.

Embora o transplante renal seja uma modalidade terapêutica importante, a cirurgia não representa a cura da IRC, mas sim, a possibilidade de uma nova perspectiva de vida e de tratamento, o qual incluirá o acompanhamento médico contínuo, o uso de medicação imunossupressora e a adesão a um plano de cuidados que objetiva a manutenção da saúde.1111 Silva JM, Fialho AVM, Borges MCLA, Silva LMS. Perfil epidemiológico dos pacientes transplantados renais em hospital universitário e o conhecimento sobre uso de drogas imunossupressoras. JBT: J Bras Transpl. 2011; 14(1):1449-94.

Ademais, a efetivação do transplante implica em mudanças, bem como, adaptações para a realização de atividades cotidianas e sociais. Ainda, se por um lado a pessoa se vê longe da hemodiálise, por outro, ela precisa se adequar a rotina dos medicamentos e a conviver com o medo da rejeição do órgão transplantado.1212 Quintana AM, Weissheimer TKS, Hermann C. Atribuições de significados ao transplante renal. Rev Psico. 2011; 42(1):23-30.

Em meio aos inúmeros fatores, tanto positivos, quanto negativos, que permeiam o transplante renal, neste estudo, utilizou-se a Técnica dos Incidentes Críticos (TIC), a qual se acredita que permitirá visibilidade das consequências advindas na vida da pessoa com IRC, quando submetida ao transplante renal. Assim, a questão norteadora lançada foi: Quais as consequências acarretadas na vida da pessoa pelo transplante renal? Tendo como objetivo, analisar as consequências acarretadas na vida da pessoa com o transplante renal, utilizando a Técnica dos Incidentes Críticos.

MÉTODOS

Este estudo possui abordagem qualitativa, do tipo descritivo, em que utilizou como método de análise, a TIC. Optou-se pela abordagem qualitativa, pois há possibilidade de se aprofundar nos dados coletados. O tipo de estudo descritivo cooperou com a descrição do que foi observado. Já a TIC teve por finalidade identificar os fatores vivenciados por uma pessoa em um determinado momento. Ela consiste em um processo de coleta de incidentes para uma posterior análise e classificação, de modo a responder o objetivo do estudo. A partir dos relatos, podem-se caracterizar as situações, os comportamentos e as consequências, com referências positivas ou negativas.1313 Martins MFM. Estudo do uso do Portal da CAPES no processo de geração de conhecimento por pesquisadores da área Biomédica: aplicando a técnica do incidente crítico [dissertação]. Rio de Janeiro (RJ): Universidade Federal Fluminense; 2006.

14 Pereira MG. Conceitos básicos de epidemiologia. Rio de Janeiro (RJ): Guanabara Koogan; 2008.
- 1515 Richardson RJ, Peres JAS, Wanderley JCV, Correia LM, Peres MHM. Pesquisa social: Métodos e técnicas. 3ª ed. São Paulo (SP): Editora Atlas; 2011.

O período da coleta de dados ocorreu de maio a julho de 2013. Foram entrevistadas 20 pessoas, que atenderam aos critérios de inclusão: idade igual ou superior a 18 anos; disposição em participar do estudo, permitir a gravação da entrevista e aceitar a divulgação dos dados nos meios científicos; estar com as faculdades mentais preservadas, além de não apresentar dificuldades de comunicação verbal; estar vinculada a um serviço de nefrologia; possuir, no mínimo, um ano de realização do transplante renal, tendo sido submetida previamente a algum tratamento dialítico.

Para contatar as pessoas com o transplante renal, foi consultada uma relação cedida pelos três serviços de nefrologia, de um município localizado na região Sul do Estado do Rio Grande do Sul. Logo, foram abordadas por meio de contato telefônico e convidadas a participar do estudo, salientando-se a não obrigatoriedade e o anonimato das informações obtidas. Ao receber o aceite, a data, o horário e o local das entrevistas foram acordados.

Antes de iniciar a entrevista, foi apresentado e lido o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), objetivando esclarecer as dúvidas e os procedimentos a serem utilizados para o desenvolvimento do estudo, garantindo a participação voluntária e o direito de desistir em qualquer momento. Posteriormente, foi solicitada a assinatura em duas vias do TCLE, onde uma ficou com o entrevistado e a outra permaneceu com a entrevistadora.

Durante a coleta de dados, utilizou-se entrevista semiestruturada, havendo, portanto, dois roteiros. O primeiro com perguntas para identificar o perfil socioeconômico dos entrevistados. O segundo com perguntas semiestruturadas para a obtenção dos incidentes críticos, que englobaram questionamentos sobre a vida após a realização do transplante renal e o que foi considerado fácil e difícil. Após a coleta de dados, foi realizada a análise de conteúdo preconizado pela TIC, por meio de uma leitura detalhada, almejando isolar a consequência atribuída após o transplante renal, destacando-se referências positivas e/ou negativas.1616 Dela Coleta JA, Dela Coleta MF. A técnica dos incidentes críticos: 30 anos de utilização no Brasil na Psicologia, Administração, Saúde e Educação. Taubaté (SP): Cabral editora e Livraria Universitária; 2004.

A seguir, foram construídas categorias, envolvendo as consequências similares entre si, contendo a denominação e a definição o mais operacional possível, do que ela significou ou representou para a pessoa com o transplante renal. Para a análise por meio da TIC, as categorias foram formuladas de forma exaustiva (incluindo todos os casos obtidos), reciprocamente exclusivas (cada caso deveria pertencer a uma só categoria), definidas operacionalmente, guardando elevado grau de homogeneidade e coerência entre elas.1616 Dela Coleta JA, Dela Coleta MF. A técnica dos incidentes críticos: 30 anos de utilização no Brasil na Psicologia, Administração, Saúde e Educação. Taubaté (SP): Cabral editora e Livraria Universitária; 2004.

O projeto recebeu aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Santa Casa Misericórdia de Pelotas, sob n. 192/2013, respeitando-se os princípios da Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde1717 Ministério da Saúde (BR). Conselho Nacional de Saúde, Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. Resolução n. 422 de 12 de dezembro de 2012: diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos. Brasília (DF): MS; 2012. e os princípios da Resolução 311/2007 do Conselho Federal de Enfermagem.1818 Conselho Federal de Enfermagem [página da Internet]. Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem. Resolução COFEN 311/2007 [acesso 2012 Ago 13]. Disponível em: http://www.portalcofen.gov.br/2007/materias.asp?ArticleID=7323&sectionID=37
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A identificação dos entrevistados foi apresentada pela letra E de entrevistado, seguido do número arábico, conforme a sequência das entrevistas, acrescidos da idade (por exemplo, E1, 43 anos).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Participaram do estudo dez homens e dez mulheres, cuja idade variou entre 30 a 66 anos. De acordo com os depoimentos prestados, foram identificadas 92 consequências advindas com o transplante renal, 19 eram positivas e 73 negativas. Essas foram distribuídas em duas categorias, a primeira relacionada à vivência da nova realidade que a modalidade terapêutica proporcionou e a segunda, aos cuidados adotados com a saúde.

Vivência da nova realidade após o transplante renal

Em relação à vivência da nova realidade que o transplante renal proporcionou, 19 consequências foram citadas, sendo 15 positivas e quatro negativas. Por meio da análise realizada a partir dos depoimentos prestados pelos entrevistados, observou-se que tal modalidade terapêutica ofereceu uma vida independente do tratamento hemodialítico, além da pessoa conseguir programar melhor a sua vida, considerando-a como tranquila e normal, havendo ainda a sensação de bem-estar. Em contrapartida, o mesmo ocasionou mudanças nos sonhos a serem realizados e alterações nas relações interpessoais.

Quanto à independência da máquina hemodialítica, isto é, a pessoa transplantada não possui mais o dever de cumprir a rotina da hemodiálise, nota-se que houve apenas referências positivas. [...] Sim, a libertação da máquina, que termina aquela rotina de três vezes por semana ter que ir ao hospital para dialisar. Quatro horas por sessão. Isso é uma das principais coisas[...] (E3, 40 anos). [...] Só não ter aquele compromisso com a máquina, já vale muito a pena [...] (E15, 39 anos).

O transplante renal traz a independência da máquina de hemodiálise e a retomada da rotina cotidiana,1919 Gonçalves CS. As representações sociais sobre a doença renal crônica [dissertação]. Curitiba (PR): Universidade Federal do Paraná. Programa de Pós-Graduação em Enfermagem; 2012. que foi rompida após a instalação da IRC. Em virtude de o tratamento hemodialítico atender a necessidade da filtração renal, ele afeta a autonomia da pessoa, em decorrência do seu cumprimento rígido e obrigatório. Assim, o transplante renal passa a ser uma terapêutica desejada, uma vez que proporcionaria o retorno a uma vida normal.2020 Medeiros AJS, Medeiros EMD. Desafios do tratamento hemodialítico para o portador de insuficiência renal crônica e a contribuição da enfermagem. REBES. 2013; 3(1):1-10.

A respeito das atividades cotidianas realizadas após o transplante renal, consequências positivas encontradas, além da repercussão da liberdade adquirida por meio do rompimento do tratamento hemodialítico, o fato de conseguir programar melhor a sua vida. Tais depoimentos encontram-se nestas falas: [...] o efeito de poder fazer coisas que eu não fazia, de poder, assim, não ter horário, não ter essas coisas assim, a rotina da máquina e poder fazer as coisas melhores [...] (E3, 40 anos). [...] Eu acho que tu consegue programar melhor a tua vida, porque o fato de tu precisar tomar os remédios é uma coisa que não leva nem um minuto para fazer. Agora, tu ter que encaixar na tua rotina uma coisa que te toma quatro horas, três vezes por semana, é complicado (E5, 30 anos).

Em compensação, a próxima fala remete a consequência negativa, uma vez que, após o transplante renal, os sonhos foram trocados por outros. Frente às grandes expectativas, a pessoa se vê tendo que adequar seus sonhos ao que é possível, uma vez que viver com o transplante trará a vivência de uma nova realidade. [...] Mas assim, mudou, porque tu tinhas alguns sonhos que tiveram que ser trocados por outros, aí tu acaba vivendo mais dentro da realidade[...]. Os teus objetivos sim, não dá para desistir dos objetivos, mas tu tens que moderar um pouco no sonho, cair um pouco mais na realidade, que tu sabe que tu tens os teus limites. [...] Eu, antes tinha alguns sonhos assim que seria possível, mantendo o trabalho, aquela coisa toda, então tu já tem que repensar tudo de novo [...] (E11, 54 anos).

No depoimento de E5, 30 anos, nota-se que o transplante renal pode ser percebido pelas pessoas com IRC, como uma maneira de se libertar da obrigatoriedade da terapia hemodialítica, sinalizando a possibilidade de resgate do cotidiano vivido.7Pereira LP, Guedes MVC. Hemodiálise: a percepção do portador renal crônico. Cogitare Enferm. 2009; 14(4):689-95. Dessa forma, as oportunidades reconquistadas, permitem-lhes desenvolver segurança no planejamento de vida, podendo inclusive, incluir escolhas e pensar no futuro, recuperando, portanto, a autonomia perdida a partir da doença.5Fontoura FAP. A compreensão de vida de pacientes submetidos ao transplante renal: significados, vivências e qualidade de vida [dissertação]. Campo Grande (MS): Universidade Católica Dom Bosco, Programa de Mestrado em Psicologia; 2012.

Ademais, o processo de transplantação proporciona uma maior liberdade em relação à hemodiálise, o que pode acentuar a autopercepção da pessoa, quanto para a melhoria da sua vida.2121 Santos LVA, Santos AB, Costa CMA. Qualidade de vida relacionada ao domínio relação social em transplantados renais: estudo preliminar. Rev Hosp Univ Pedro Ernesto. 2011; 10(Supl.1):64-72. Tornando viável, até mesmo, a elaboração de planos concretos,2222 Barbosa KFS. A experiência em família frente à doença renal terminal e o transplante bem sucedido [dissertação]. Londrina (PR): Universidade Estadual de Londrina. Programa de Pós-Graduação em Enfermagem; 2013. mas que não fujam da realidade vivida, como destacou o depoimento prestado por E11, 54 anos.

Relacionado à vida tranquila e normal, um dos entrevistados manifestou como consequência positiva, a vivência dessa, apesar das preocupações existentes, estando representada no seguinte depoimento: [...] apesar de todas as preocupações, eu tenho a minha vida tranquila, então eu devo isso ao transplante [...] (E11, 54 anos).

Por outro lado, uma entrevistada referiu que apesar da vida com o transplante ser normal, ocorreu algumas mudanças negativas, como por exemplo, se tornou uma pessoa egoísta, acarretando na sua separação matrimonial. [...] Normal, só que com algumas mudanças, que eu fiquei muito egoísta comigo mesmo. Eu estava casada há sete anos, eu me separei. [...] eu estava carregando uma criança e eu já carreguei os meus três filhos no colo, já criei e eu acho que, eu transplantada, eu tenho que cuidar mais de mim [...]. Não estou mais a fim de carregar ninguém pela mão. Deus que me perdoe que eu nunca fui assim, mas eu estou assim [...] (E13, 53 anos).

Considerar a vida normal e tranquila se trata de uma conceituação complexa e ampla, uma vez que é caracterizada de diversas formas, estando relacionada à subjetividade, podendo ser sentida por meio do bem-estar físico e psicológico e no desempenho de atividades cotidianas. De modo geral, as pessoas transplantadas se sentem realizadas com o transplante. Elas apresentam um grau de satisfação aumentado após terem passado por momentos difíceis, levando a considerar a vivência do presente como uma nova vida,2323 Aguiar MIF, Farias DR, Pinheiro ML, Chaves ES, Rolim ILTP, Almeida PC. Qualidade de vida de pacientes submetidos ao transplante cardíaco: aplicação da escala Whoqol-Bref. Arq Bras Cardiol. 2011; 96(1):60-7.o que a fazem considerar normal.

Um estudo realizado com 16 participantes evidenciou que o transplante, como tratamento de escolha, é tido como uma terapêutica potencial que melhora a saúde e promove o retorno à normalidade, além da liberdade da diálise. Geralmente representa efeito positivo sobre a vida da pessoa com a IRC, criando uma maior sensação de liberdade, permitindo voltar ao trabalho e aproveitar a vida novamente,2424 Gill P, Lowes L. Renal transplant failure and disenfranchised grief: participants' experiences in the first year post-graft failure - a qualitative longitudinal study. Int J Nurs Stud. 2014; 51(9):1271-80. possuindo muitas vezes, uma transformação, podendo significativamente melhorar a qualidade de vida.2525 Gill P. Stressors and coping mechanisms in live related renal transplantation. J Clin Nurs. 2012; 21(11-12):1622-31.

O transplante é de fato a única chance para a sobrevida de pacientes que esperam por órgãos como o coração e o fígado, já para as pessoas que possuem a IRC, podem contar com a diálise. Assim, esses sentidos de cura e de renascimento, frequentemente favorecem práticas baseadas na noção de que receber um rim novo é ficar bom. Retornar a uma condição anterior, em que os rins naturais funcionavam, possuindo dessa maneira, uma vida normal.2626 Fernandes LF. Histórias de doação de rim: explorando narrativas e repertórios interpretativos de doadores [dissertação]. Fortaleza (CE): Universidade Federal do Ceará. Programa de Pós-Graduação em Psicologia; 2011.

Um aspecto a ser salientado na vida das pessoas que passam por essa circunstância, é que o processo da doença crônica pode acarretar em mudanças nas relações interpessoais, sendo o meio familiar, o local mais frequente para os ajustamentos.5Fontoura FAP. A compreensão de vida de pacientes submetidos ao transplante renal: significados, vivências e qualidade de vida [dissertação]. Campo Grande (MS): Universidade Católica Dom Bosco, Programa de Mestrado em Psicologia; 2012. Essa ocorrência relatada pela entrevistada E13, 53 anos, faz tornar a atenção consigo, uma prioridade.

Sobre a sensação de bem-estar, dois entrevistados expressaram somente consequências positivas. O primeiro enfatiza se sentir realizado e o segundo, não possuir motivos para reclamar. [...] Eu me sinto muito bem, me sinto realizada agora [...] (E10, 46 anos). [...] Eu estou bem, me sentindo bem. Não tenho porque reclamar do meu transplante, estou me sentindo bem (E12, 45 anos).

Destaca-se que a sensação de bem-estar é individual, podendo envolver fatores culturais e sociais. Assim, o sentir-se bem, manifestado pelos entrevistados, permite crer que o transplante renal se constitui na melhor terapêutica para a IRC. Nesse contexto, cabe salientar que o bem-estar é subjetivo e influenciado, principalmente, pela percepção individual sobre os eventos vivenciados, além das interpretações que cada pessoa terá.2727 Rodrigues DM, Pereira CAA. A percepção de controle como fonte de bem-estar. Estud Pesq Psicol. 2007; 7(3):541-56. Como o bem-estar está vinculado à subjetividade humana, a relação com a saúde engloba diferentes aspectos, incluindo a saúde física, cognitiva e emocional.2828 Kinoshita LN, Melo RC, Yassuda MS, Batistoni SS, Domingues MAR, Lopes A, et al. Doenças autorrelatadas e satisfação com a vida de participantes da Universidade Aberta à Terceira Idade da Escola de Artes Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo. Rev Temática Kairós Gerontol. 2012; 15(7):107-28.

Cuidados adotados com a saúde após o transplante renal

Em relação aos cuidados adotados com a saúde após a realização do transplante renal, houve 73 consequências, quatro positivas e 69 negativas. Nota-se que há mais referências negativas do que positivas, possuindo uma diferença acentuada em cada ocorrência, uma vez que o processo de transplantação ocasionou a obrigação do uso da medicação imunossupressora, a não realização da atividade laboral, a constatação de que a durabilidade do órgão transplantado não é eterna, além da busca constante pelo conhecimento dos direitos e a maneira como as pessoas devem agir.

Assim, ao referir os cuidados com a saúde, um dos entrevistados manifestou à importância da ingesta hídrica, pois contribui para o funcionamento do órgão transplantado. [...] É para manter [a ingesta hídrica], porque o rim, ele faz a limpeza, passa o sangue e faz a limpeza. Porque o que não é bom para o organismo, despeja na urina. E sem tomar água, o que tu urina? Nada. Então eu tenho que tomar bastante água para estar sempre limpando o rim [...] (E8, 50 anos).

Em relação à consequência negativa, destacou-se o uso do medicamento imunossupressor, pois se a pessoa transplantada não utilizar, pode haver a perda da função renal. [...] Sem tomar [a medicação imunossupressora], o rim para, porque ele depende daquilo para seguir funcionando, depende dessa medicação [...] (E3, 40 anos).

A rotina diária de uma pessoa transplantada diferencia-se de uma não transplantada em decorrência dos cuidados que se necessita adotar, objetivando a prevenção de infecções, a alimentação saudável e adequada, a manutenção do peso e a administração de medicamentos, sendo rigorosamente no horário prescrito.2323 Aguiar MIF, Farias DR, Pinheiro ML, Chaves ES, Rolim ILTP, Almeida PC. Qualidade de vida de pacientes submetidos ao transplante cardíaco: aplicação da escala Whoqol-Bref. Arq Bras Cardiol. 2011; 96(1):60-7. Embora os entrevistados deste estudo demonstram consciência quanto aos cuidados a serem tomados após o transplante renal, salienta-se que a não realização pode ocorrer pela falsa ideia de cura da IRC. Nessa conjuntura, cabem aos profissionais da saúde, sobretudo, os que estão envolvidos com o processo de transplantação, promover estratégias relacionadas à educação e à orientação para as pessoas, quanto ao novo estilo de vida que essa deveria tomar. Atentando, por exemplo, para a adesão a terapia imunossupressora.2121 Santos LVA, Santos AB, Costa CMA. Qualidade de vida relacionada ao domínio relação social em transplantados renais: estudo preliminar. Rev Hosp Univ Pedro Ernesto. 2011; 10(Supl.1):64-72.

Com os riscos de rejeição envolvidos após o transplante renal, torna essencial a realização do acompanhamento ambulatorial com a finalidade de prevenir complicações que possam comprometer a sobrevida da pessoa e do órgão transplantado. Fomentar orientações sobre dieta, medicações, exercícios, prevenção de infecções e identificação de sinais e sintomas que possam levar à rejeição, são importantes para o sucesso do tratamento.2929 Albuquerque JG, Lira ALBC, Lopes MVO. Fatores preditivos de diagnósticos de enfermagem em pacientes submetidos ao transplante renal. Rev Bras Enferm. 2010; 63(1):98-103. Nesse sentido, a enfermagem precisa estar envolvida na atenção à saúde da pessoa com o transplante renal, compreendendo todo o aspecto biopsicossocial do indivíduo.

O enfermeiro possui um papel importante na equipe de saúde. Esse profissional tem como função, prestar cuidado de qualidade às pessoas, por meio da utilização de recursos tecnológicos, logísticos e humanos, compreendendo o desenvolvimento das atividades de coordenação, de assistência, de educação e de pesquisa na área dos transplantes. Nesse contexto, é importante ele possuir conhecimento dos princípios de boas práticas éticas e ter recursos disponíveis para avaliar o mérito, os riscos e as questões sociais relacionadas aos transplantes.3030 Mendes KDS, Roza BA, Barbosa SFF, Schirmer J, Galvão CM. Transplante de órgãos e tecidos: responsabilidades do enfermeiro. Texto Contexto Enferm. 2012; 21(4):945-53.

No que diz respeito à restrição em algumas atividades após o transplante renal, o único entrevistado que apontou como consequência positiva, mencionou o fato dessa não existir, salientando ainda, que a ação de se cuidar é benéfica, de modo a evitar o retorno à hemodiálise. [...] Não tem [restrição]. Mas é bom a gente se cuidar [...], para não voltar a fazer hemodiálise de novo (E17, 40 anos).

Por outro lado, uma das consequências negativas, remete-se a pessoa não poder voltar ao ofício que era desempenhado antes da instalação da doença renal, uma vez que a função exercida não será permitida, mesmo após o transplante. [...] O meu único problema, a única diferença da minha vida normal é que eu não trabalho mais. Eu trabalhava numa escola, estou encostada [...] e o serviço que eu fazia na escola, não vai ser permitido que eu faça agora, que era carregar peso[...]. Nem ir no supermercado, eu ir lá fazer as minhas compras e trazer, não, que eu não posso carregar peso [...] (E13, 53 anos).

Uma das concepções advindas com o transplante renal é a ideia de que a pessoa com IRC poderia retornar às atividades cotidianas,5Fontoura FAP. A compreensão de vida de pacientes submetidos ao transplante renal: significados, vivências e qualidade de vida [dissertação]. Campo Grande (MS): Universidade Católica Dom Bosco, Programa de Mestrado em Psicologia; 2012. o que incluiria a realização daquelas anteriormente realizadas e com a mesma intensidade. Com base nessa crença, destaca-se no depoimento de E13, 53 anos que, mesmo considerando a sua vida atual, como normal, há o rompimento de certas atividades, em virtude das limitações físicas que necessitam ser respeitadas, visando assim, a manutenção da sua saúde. Frisa-se que, independente do tratamento renal adotado, a IRC ocasiona consequências físicas, que podem gerar transtornos psicológicos em seu cotidiano, uma vez que a pessoa poderia deixar as atividades que lhe eram comuns.3131 Gazzinelli MF, Gazzinelli A, Reis DC, Penna CMM. Educação em saúde: conhecimentos, representações sociais e experiências da doença. Cad Saude Publica. 2005; 21(1):200-6.

Em virtude do transplante não promover a cura da IRC, tampouco ser eterno, um entrevistado alegou como consequência positiva, o fato de procurar viver a sua vida da melhor forma possível para não afetar a sua saúde mental. [...] Viver da melhor forma possível, se tu vai viver com medo, tu deixa de fazer muitas coisas que em outra situação tu faria normal [...]. Mas é aquela coisa assim, se tiver que acontecer, vai fazer o quê? [...] (E14, 41 anos).

Em contrapartida, o seguinte depoimento ilustra como consequência negativa, a constatação de que não é eterno, existindo a possibilidade de perder o rim, tendo que voltar para a máquina de hemodiálise. [...] O transplante melhora a vida, mas ele pode não ser eterno. A gente pode ter ele durante um tempo e ter que voltar para a máquina. Que não adianta eu deixar isso de lado, se eu sei que existe essa possibilidade de perder, de vir a perder o rim transplantado [...] (E3, 40 anos).

A partir do depoimento de E3, 40 anos, destaca-se que, apesar do transplante renal ter sido bem sucedido, após a alta-hospitalar, a pessoa continua a portar uma doença crônica, como a IRC. Ainda, corre o risco de sofrer rejeição, que pode ocorrer de forma aguda e crônica, já que o enxerto atua como um corpo estranho no organismo.5Fontoura FAP. A compreensão de vida de pacientes submetidos ao transplante renal: significados, vivências e qualidade de vida [dissertação]. Campo Grande (MS): Universidade Católica Dom Bosco, Programa de Mestrado em Psicologia; 2012.

Muitas disciplinas científicas fazem menção ao transplante como um procedimento que possibilita a continuação da vida e representa um renascimento. O transplante salva vidas que podem ser contabilizadas e explicitadas em números e estatísticas. Logo, é considerado como um tratamento muito desejável e de grande valia, entretanto, ele não representa a cura e não ameniza todos os sintomas da IRC.2626 Fernandes LF. Histórias de doação de rim: explorando narrativas e repertórios interpretativos de doadores [dissertação]. Fortaleza (CE): Universidade Federal do Ceará. Programa de Pós-Graduação em Psicologia; 2011.

Por ser um tratamento paliativo, o transplante renal não recupera integralmente a saúde da pessoa com IRC,3232 Lira ALBC, Lopes MVO. Pacientes transplantados renais: análise de associação dos diagnósticos de enfermagem. Rev Gaucha Enferm. 2010; 31(1):108-14. passando essa a vivenciar possíveis transtornos. Consecutivamente, pode apresentar limitações cotidianas, vivenciar inúmeras perdas e mudanças psicológicas, com a possibilidade de interferência direta no modo de viver.4Daugirdas JT, Blake PG, Ing TS. Manual de diálise. 4ª ed. Rio de Janeiro (RJ): Guanabara; 2010.

Dentre outras consequências negativas observadas, destacaram-se a busca constante pelo conhecimento dos direitos e a maneira como devem agir. As pessoas transplantadas adotam estratégias a fim de sanarem tais fragilidades. Consequências essas, que poderiam ser evitadas. [...] Esses direitos se o doutor não fala para mim, lá na [nome do serviço de saúde], eu não sabia. Ele falou para mim e [...] me mandou para a Secretaria da Saúde [...]. Nós temos direitos de qualquer coisa, [...] se não der duro em cima deles, eles te passam por cima (E4, 55 anos).

[...] E que não é muito fácil sabe, é um mundo assim, onde tu tens que interagir com as pessoas [profissionais da saúde] lá de dentro. Se tu não demonstrar que tu realmente se sente bem, que tu queres buscar, que tu está feliz, que tu está interessado na tua vida e que tu faz tudo pelo transplante, tu vai ter essa reciprocidade da tua equipe médica. Se tu fores um cara obsoleto, que não se compromete com a causa, tu não vai ter. Tu tens que buscar as coisas, como tudo na vida, mas principalmente na tua saúde, tu tens que buscar sempre. Sempre buscar e demonstrar interesse, demonstrar que tu queres realmente ficar transplantado, que tu queres viver bem, que tu queres que as coisas deem certo, aí tu vai ter toda a reciprocidade dos médicos [...] (E16, 40 anos).

Tais consequências advindas na vida da pessoa com o transplante renal poderiam ser evitadas, pois o Sistema Único de Saúde (SUS) é o maior responsável, não somente pela realização, mas pela manutenção do mesmo. Assim, há a garantia no fornecimento gratuito de medicamentos imunossupressores, diálises, acompanhamentos clínicos, exames diagnósticos, bem como hospitalizações necessárias,3333 Guerra Júnior AA, Acúrcio FA, Andrade EIG, Cherchiglia ML, Cesar CC, Queiroz OV, et al. Ciclosporina versus tacrolimus no transplante renal no Brasil: uma comparação de custos. Cad Saude Publica. 2010; 26(1):163-74. não necessitando a pessoa ter de adotar estratégias que levam a garantir os seus direitos. Perante esse contexto, é preciso reforçar que o Brasil possui um dos maiores sistemas públicos de saúde no mundo, no qual o processo de transplantação e a sua manutenção estão garantidos por lei a toda sociedade.

Por fim, os dados encontrados neste estudo, permitem inferir que, apesar das inúmeras limitações na vida da pessoa com IRC, as quais podem também advir com o transplante renal, ele continua sendo considerado a melhor opção de tratamento para a doença renal, uma vez que oferece uma melhora na qualidade de vida. Outrora, é importante lembrar que mesmo reduzindo os estressores gerados pela hemodiálise na rotina diária, as pessoas com IRC ainda convivem com uma doença crônica, necessitando, portanto, do uso de medicamentos contínuos e de acompanhamentos clínicos regulares.3434 Carvalho MTV, Batista APL, Almeida PP, Machado DM, Amaral EO. Qualidade de vida dos pacientes transplantados renais do Hospital do Rim. Motricidade. 2012; 8(Supl.2):49-57.

CONCLUSÃO

Considerando, muitas vezes, que o transplante renal possui a finalidade de promover uma melhor qualidade de vida às pessoas com IRC, este estudo procurou analisar as consequências positivas e negativas atribuídas a essa modalidade terapêutica. Assim, constatou-se que a independência do tratamento hemodialítico, o fato de conseguir programar melhor a vida, sendo ela considerada tranquila e normal, a sensação de bem-estar, a adoção de cuidados com a saúde e a inexistência de algumas restrições nas atividades a serem realizadas, contrabalancearam com fatores relacionados às mudanças nos sonhos, alterações nas relações interpessoais, obrigação do uso da medicação imunossupressora, a não realização da atividade laboral, a constatação de que a durabilidade do órgão transplantado não é eterna, além da busca constante pelo conhecimento dos direitos e a maneira como as pessoas devem agir.

Perante esses dados analisados, notou-se nos depoimentos prestados que, embora tenham acontecido mudanças na vida da pessoa, o processo de transplantação não representou alterações significativas que levassem ao sofrimento ou ao desespero. Pelo contrário, algumas consequências atribuídas almejaram um novo viver, sendo esse permeado pela melhor qualidade de vida do que quando fazia hemodiálise.

Ao refletir sobre isso, faz-se necessário o conhecimento de vivências no pós-transplante renal, de modo a contribuir, tanto para o meio científico, quanto para as pessoas transplantadas. Sobretudo para a área da enfermagem, pois essa é uma profissão que permanece o maior período próxima da pessoa com IRC. Ainda, ao ser comparada às demais categorias profissionais da saúde, ela se torna responsável por planejar meios que gerem uma boa assistência a quem está sendo cuidada, de modo que essa possua autonomia com o novo tratamento adotado.

Nesse sentido, espera-se que este estudo contribua com a construção do conhecimento relacionado à vida da pessoa após o transplante renal. E que assim, profissionais da saúde, em especial, os enfermeiros, tenham subsídios teóricos para auxiliar nessa vivência, a qual é permeada por consequências positivas e negativas.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Ago 2015
  • Data do Fascículo
    July-Sep 2015

Histórico

  • Recebido
    30 Out 2014
  • Aceito
    06 Jul 2015
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