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Utilização de estimulação elétrica transcutânea para alívio da dor no trabalho de parto: um modo possível para o cuidado à parturiente

Use of transcutaneous electric nerve stimulation for pain relief in labour: a possible way to care the child-bearer

El uso de la estimulación eléctrica transcutánea para el alivio del dolor en el trabajo de parto: una manera posible para el cuidado a la parturienta

Resumos

Trata-se dos resultados de um ensaio controlado aleatório, no qual foram dispensados cuidados às parturientes por meio da utilização de dois tipos de estimulação elétrica transcutânea. As 60 parturientes participantes foram distribuídas em três grupos: eletrodos tipo Silver Spike Point; eletrodos tipo placa ou eletrodos falsos (controle), todos colocados na região sacral. Parturiente, equipe de saúde e pesquisadores não sabiam qual o tipo de tratamento utilizado em cada uma. O grupo que recebeu estimulação real teve sua dor aliviada em maior proporção e recebeu menos prescrições de drogas analgésicas/tranqüilizantes em relação ao grupo controle, que recebeu estimulação simulada. Não houve diferenças significativas entre os grupos quanto ao incômodo ocasionado pela estimulação e utilização de analgesia peridural. Os resultados deste estudo sugerem que a estimulação elétrica transcutânea pode aliviar a dor no trabalho de parto, sendo um método inovador para o cuidado de parturientes.

Estimulação elétrica transcutânea do nervo; Enfermagem; Cuidado; Analgesia obstétrica; Ensaio controlado aleatório


A randomized controled trial was performed with 60 parturients to evaluate the pain relief during labour with two kinds of transcutaneous electric nerve stimulation. The study participants were randomly distributed among three groups based on type of electrode: Silver Spike Point, tablet, or false electrodes (control). The external appearance of the electrode was the same. It was a double blind study, with researchers, health care personnel and participants unaware of group placement. A greater proportion of women in real stimulation groups than in the control group referred to having pain relief and received less analgesic or tranquilizer drugs. There were no differences among studied groups concerning the use of peridural analgesia or discomfort caused by stimulation. We conclude that this transcutaneous electric nerve stimulation technique can relieve pain during labour, which means more effective care and comfort for the woman during this experience.

Transcutaneous eletric nerve stimulation; Nursing; Care; Analgesia obstetrical; Randomized controled trial


Se trata de los resultados de un ensayo controlado aleatorio donde se ofrecieron cuidados a las parturientas mediante la utilización de dos tipos de estimulación eléctrica transcutánea. Las 60 parturientas fueron distribuidas en tres grupos: electródos tipo "Silver Spike Point", electródos tipo chapa o electródos falsos (control), posicionados todos en la región sacra. Tanto la parturienta, el equipo de la salud y los investigadores no sabían que tipo de tratamiento era utilizado en cada una de ellas. Las mujeres que recibieron cuidado con estímulo real obtuvieron un alivio frente al dolor en mayor proporción y estas recibieron prescripciones de medicamentos analgésicos/tranquilizantes, en menor proporción que aquellas que recibieron estímulo simulado. No hubo diferencias significativas entre los grupos con relación a la incomodidad ocasionada por el estímulo o la utilización de anestésico peridural. Los resultados sugieren que el estímulo eléctrico transcutáneo puede aliviar el dolor durante el trabajo de parto, siendo este un método innovador para el cuidado de las parturientas.

Estimulación elétrica transcutánea del nervio; Enfermería; Cuidado; Analgesia obstétrica; Ensayo controlado aleatorio


ARTIGOS ORIGINAIS

PESQUISA

Utilização de estimulação elétrica transcutânea para alívio da dor no trabalho de parto: um modo possível para o cuidado à parturiente

Use of transcutaneous electric nerve stimulation for pain relief in labour: a possible way to care the child-bearer

El uso de la estimulación eléctrica transcutánea para el alivio del dolor en el trabajo de parto: una manera posible para el cuidado a la parturienta

Roxana KnobelI; Vera RadünzII; Telma Elisa CarraroIII

IMédica obstetra. Mestre em medicina. Doutora em medicina. Aluna de pós-doutorado do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Membro do Grupo de Pesquisa Cuidando e Confortando PIPC&C/UFSC

IIEnfermeira. Mestre em Enfermagem. Pós-Doutora em Enfermagem. Docente do Departamento e da Pós-Graduação em Enfermagem da UFSC. Membro do Grupo de Pesquisa Cuidando e Confortando UFSC e do EDEN/UFSC

IIIEnfermeira. Mestre em Enfermagem. Pós-Doutora em Enfermagem. Docente do Departamento e da Pós-Graduação em Enfermagem da UFSC. Coordenadora do Grupo de Pesquisa Cuidando e Confortando UFSC e do EDEN/UFSC

Endereço Endereço: Roxana Knobel Rua Abílio Costa, 94 88037-150- Jardim Santa Mônica, Florianópolis, SC e-mail: rknobel@uol.com.br

RESUMO

Trata-se dos resultados de um ensaio controlado aleatório, no qual foram dispensados cuidados às parturientes por meio da utilização de dois tipos de estimulação elétrica transcutânea. As 60 parturientes participantes foram distribuídas em três grupos: eletrodos tipo Silver Spike Point; eletrodos tipo placa ou eletrodos falsos (controle), todos colocados na região sacral. Parturiente, equipe de saúde e pesquisadores não sabiam qual o tipo de tratamento utilizado em cada uma. O grupo que recebeu estimulação real teve sua dor aliviada em maior proporção e recebeu menos prescrições de drogas analgésicas/tranqüilizantes em relação ao grupo controle, que recebeu estimulação simulada. Não houve diferenças significativas entre os grupos quanto ao incômodo ocasionado pela estimulação e utilização de analgesia peridural. Os resultados deste estudo sugerem que a estimulação elétrica transcutânea pode aliviar a dor no trabalho de parto, sendo um método inovador para o cuidado de parturientes.

Palavras-chave: Estimulação elétrica transcutânea do nervo. Enfermagem. Cuidado. Analgesia obstétrica. Ensaio controlado aleatório.

ABSTRACT

A randomized controled trial was performed with 60 parturients to evaluate the pain relief during labour with two kinds of transcutaneous electric nerve stimulation. The study participants were randomly distributed among three groups based on type of electrode: Silver Spike Point, tablet, or false electrodes (control). The external appearance of the electrode was the same. It was a double blind study, with researchers, health care personnel and participants unaware of group placement. A greater proportion of women in real stimulation groups than in the control group referred to having pain relief and received less analgesic or tranquilizer drugs. There were no differences among studied groups concerning the use of peridural analgesia or discomfort caused by stimulation. We conclude that this transcutaneous electric nerve stimulation technique can relieve pain during labour, which means more effective care and comfort for the woman during this experience.

Keywords: Transcutaneous eletric nerve stimulation. Nursing. Care. Analgesia obstetrical. Randomized controled trial.

RESUMEN

Se trata de los resultados de un ensayo controlado aleatorio donde se ofrecieron cuidados a las parturientas mediante la utilización de dos tipos de estimulación eléctrica transcutánea. Las 60 parturientas fueron distribuidas en tres grupos: electródos tipo "Silver Spike Point", electródos tipo chapa o electródos falsos (control), posicionados todos en la región sacra. Tanto la parturienta, el equipo de la salud y los investigadores no sabían que tipo de tratamiento era utilizado en cada una de ellas. Las mujeres que recibieron cuidado con estímulo real obtuvieron un alivio frente al dolor en mayor proporción y estas recibieron prescripciones de medicamentos analgésicos/tranquilizantes, en menor proporción que aquellas que recibieron estímulo simulado. No hubo diferencias significativas entre los grupos con relación a la incomodidad ocasionada por el estímulo o la utilización de anestésico peridural. Los resultados sugieren que el estímulo eléctrico transcutáneo puede aliviar el dolor durante el trabajo de parto, siendo este un método innovador para el cuidado de las parturientas.

Palabras clave: Estimulación elétrica transcutánea del nervio. Enfermería. Cuidado. Analgesia obstétrica. Ensayo controlado aleatorio.

INTRODUÇÃO

A dor durante o trabalho de parto é universal: parir foi e é considerado doloroso por quase todas as culturas do mundo.1-2 Em nossa cultura, predominantemente judaico-cristã, as dores durante o parto são vistas como castigo de Deus a Eva e suas descendentes pelo pecado original: "Multiplicarei as dores de tua gravidez, será na dor que vais parir os teus filhos" (Gênesis, III, 16). Mesmo atualmente, com os avanços das técnicas analgésicas e a possibilidade de alívio, essa dor é tida como uma das mais intensas sentidas pelo ser humano: é descrita como severa ou excruciante por 50 a 70% das primigestas, como insuportável por um grande número de mulheres e certamente é temida pelas gestantes.3-4

Para cuidar da parturiente, a equipe de saúde sabe que deve preocupar-se em ajudá-la a lidar com a dor. Esse cuidado é importante porque proporciona conforto e também evita repercussões materno-fetais que a dor intensa e a ansiedade não controlada podem provocar. O stress desencadeia, na parturiente e no feto, uma série de efeitos fisiológicos, dentre os quais se destacam problemas respiratórios, circulatórios, hormonais (no eixo hipotálamo-hipofisário e na adrenal), gastrintes-tinais, metabólicos, fetoplacentários e na contratilidade uterina. As alterações citadas podem ser totalmente inócuas em uma gestação não complicada, mas são potencialmente nocivas na presença de certas complicações clínicas e obstétricas ou quando o feto tem algum comprometimento de seu bem-estar.3-4

Existe hoje uma busca por formas de cuidado menos agressivas, com menor interferência nos processos fisiológicos e que considerem o ser humano como um todo. Nesse sentido, cada vez mais se difundem as chamadas terapias alternativas ou complementares.5 No caso do trabalho de parto, destacam-se a acupuntura e as técnicas relacionadas, por exemplo, à estimulação elétrica transcutânea,4-5 a qual consideramos um modo de cuidado que pode ser utilizado junto à mulher em seu processo de parir.

Os estudos com eletrodos de superfície para esse fim apresentam resultados conflitantes; alguns autores confirmam seu efeito analgésico,6-9 enquanto outros afirmam que esse efeito não existe ou é apenas placebo.10-15

Há diversas dificuldades para avaliar o real efeito dessa intervenção em parturientes, pois os estudos diferem entre si quanto a métodos de mensuração do alívio da dor, a técnicas de estimulação, a pontos e a metodologia de pesquisa utilizada (uso de placebos, distribuição aleatória das mulheres tratadas, cuidados para cegar parturientes e equipe de saúde).

Apesar das dúvidas citadas, o interesse na analgesia do trabalho de parto com estimulação elétrica transcutânea justifica-se pelas diversas vantagens que se atribuem à sua aplicação: o estado de consciência da mulher não se altera, permitindo que a mesma participe do parto, tenha contato com o recém-nascido e inicie a amamentação precocemente.

Em todos os estudos consultados não foi relatado qualquer efeito colateral importante para a mãe ou o concepto.6-15 Embora tenha sido proposto que o uso de corrente elétrica poderia alterar o batimento cardíaco fetal, em nenhum dos estudos esse efeito foi notado, não havendo alteração alguma nos resultados perinatais11 ou nos traçados de cardiotocografias.15

Como desvantagem, pode-se citar o fato de que o efeito da estimulação elétrica varia de pessoa para pessoa e não promove analgesia em todos os casos; ou seja, para algumas mulheres, esse cuidado pode ser totalmente ineficaz, devendo haver, quando necessário, alternativas disponíveis para o alívio da dor.16-17

Atualmente, a dor durante o trabalho de parto não é mais vista como uma imposição bíblica. Também cresce o número de pessoas que desejam o retorno de um cuidado durante o trabalho de parto e um parto menos medicalizado, com menor interferência na fisiologia do processo. Assim, tanto as parturientes como os profissionais envolvidos em seu cuidado procuram alternativas mais fisiológicas, confortáveis e seguras, tornando o trabalho de parto um processo em que a mulher, ao trazer uma nova vida ao mundo, sinta-se cuidada e respeitada em sua vivência.

Sendo assim, este ensaio clínico foi realizado com o objetivo de avaliar a eficácia da aplicação de dois tipos de eletrodos de superfície na região sacral (tipo "placa" e tipo SSP Silver Spike Points) no controle da dor durante o período de dilatação em parturientes atendidas no Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina (HU-UFSC).

SUJEITOS E MÉTODOS

Foi realizado um ensaio clínico controlado, aleatorizado e cego (parturientes, equipe de saúde e pesquisador não sabiam a que grupo cada participante pertencia). Participaram do estudo 60 parturientes com gestação a termo, admitidas em trabalho de parto no HU-UFSC, de abril a setembro de 2004.

O Hospital é de nível terciário, financiado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a maternidade tem 22 leitos e atende em média de 1.700 partos por ano. A maternidade tem instituídas várias rotinas consideradas humanizadas, como curso de preparação para o parto, direito de acompanhante, opção por parto de cócoras e alojamento conjunto. O uso de métodos farmacológicos para alívio da dor é desencorajado, mas estão à disposição da parturiente, dependendo da necessidade: analgésicos (Hiocina), opióides (Meperidina) e analgesia peridural. As condutas obstétricas do hospital não foram modificadas pelo estudo, inclusive no que se refere aos métodos analgésicos, disponíveis para todas as participantes do estudo, se houvesse necessidade.

Foram excluídas as parturientes que apresentavam indicação de cesárea prévia ao trabalho de parto, cicatriz uterina, patologias maternas graves, óbito fetal, malformação fetal, gestação gemelar, uso de medicação analgésica há menos de 6 horas da admissão ao estudo, dermatite ou qualquer infecção no local da aplicação dos eletrodos.

Selecionaram-se as parturientes na sala de pré-parto. Foi respeitada a Resolução 196/96.18 As parturientes foram informadas sobre os objetivos e métodos do estudo e puderam escolher participar ou não, sem qualquer prejuízo ao seu atendimento. Aceitando, assinaram o termo de consentimento pós-informação. O projeto desta pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFSC. O sigilo da fonte das informações foi mantido.

Para o estudo, utilizaram-se eletrodos modelo Silver Spike Point (SSP) e modelo Placa. Os eletrodos SSP são confeccionados em latão coberto de prata, com 13 mm de diâmetro, cabo (conectado ao eletroestimulador) e cone central de 6mm de diâmetro, que fica em contato com o ponto de acupuntura. O modelo Placa apresenta placa de 3 cm de diâmetro com uma face confeccionada de material adesivo e condutor de eletricidade, aderida à pele no local do ponto de acupuntura, e outra face protetora, com isolamento elétrico e conexão para o eletroestimulador modelo pain-free (emite estímulo elétrico com corrente alternada, onda espiculada e freqüência alternada de 2-15 Hz). Foram confeccionados quatro fios de conexão, dois que realmente funcionavam e dois em curto-circuito (que não passavam corrente elétrica). O aspecto externo dos fios e do tratamento era exatamente o mesmo, sendo impossível distingui-los.

Em ensaios clínicos, nem a pessoa que aplica, nem a que recebe o tratamento sabe se está recebendo o tratamento real ou não. Por isso, foi utilizado fio condutor em curto-circuito, cegando o profissional que aplica o tratamento, já que este não necessita saber qual aparelho funciona ou não.6-7, 10,12-13,15 No caso dos eletrodos de superfície, deve-se ter especial atenção, afinal o estímulo elétrico é sentido pelo paciente. Por isso, neste estudo utilizou-se uma adaptação do método da "mínima interação",16 ou seja, evitaram-se perguntas e comentários que permitissem a entrevistadores, profissionais envolvidos no cuidado, parturiente ou acompanhantes perceber se o tratamento era real ou falso.

Para assegurar o resultado confiável da pesquisa, também é extremamente importante fazer a randomização adequada dos casos. Quando a distribuição deles não é aleatória ou é feita de maneira inadequada, o erro na avaliação do tratamento pode chegar a 40%.19

Nesta pesquisa, a randomização foi realizada por meio da numeração dos fios. Para tanto, confeccionaram-se etiquetas com o número de cada fio (20 para eletrodos tipo SSP; 20 para eletrodos tipo placa; 10 para controle tipo SSP; 10 para controle tipo placa). Essas etiquetas foram colocados em 60 envelopes opacos e iguais, fechados, embaralhados e, posteriormente, numerados. Quando a parturiente solicitava o cuidado, abria-se o envelope correspondente e iniciava-se o tratamento.

A estimulação consistiu na colocação, fixação e conexão, ao eletro-estimulador, do tipo de eletrodo sorteado nos pontos localizados no primeiro e segundo forames do osso sacro, bilateralmente (pontos B31 e B32, segundo definição de meridianos da Acupuntura Clássica Chinesa).

A avaliação da dor foi realizada antes da aplicação e após 10, 30 e 60 minutos, e novamente a cada 60 minutos. A estimulação e a avaliação da dor era interrompida se a parturiente fosse encaminhada ao banho, à sala de parto para analgesia ou parto, se fosse medicada com drogas analgésicas ou tranqüilizantes ou solicitasse a retirada do tratamento.

A variável independente foi o tipo de estimulação utilizada (eletrodos de superfície tipo placa, SSP ou controle). A variável dependente considerada foi a intensidade da dor referida pela parturiente, por meio da Escala Analógica Visual da Dor (EAV)1, que possibilita a classificação da dor de zero a dez, em que zero significa ausência de dor e dez a pior dor que se pode sentir. É de fácil entendimento, já que utiliza símbolos e não palavras escritas, e de aplicação rápida. Apesar de permitir apenas avaliação quantitativa da dor, é um método considerado muito consistente para avaliar mudanças (alívio ou piora) da dor, principalmente por curtos intervalos de tempo20. Para os dados referentes à evolução da dor segundo a EAV, os valores foram transformados em "apresentou alívio da dor" e "não apresentou alívio da dor".

Foram variáveis secundárias: uso de drogas analgésicas/tranqüilizantes no trabalho de parto; uso da analgesia peridural; avaliação do incômodo ocasionado pela estimulação no momento da aplicação e no dia seguinte ao parto.

Um questionário foi preenchido por meio de perguntas feitas à mulher e informações obtidas no prontuário médico. A pesquisadora principal, que desenvolvia o cuidado e preenchia os questionários, em nenhum momento foi informada sobre o grupo a que cada mulher pertencia. Tais questionários foram revisados para correção de eventuais erros e inconsistências, digitados e armazenados em banco de dados. Os dados foram analisados nos programas de computador EPI-INFO 2000. O nível de significância estatística considerado foi menor que 0,05.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Características das parturientes

Comparando as variáveis de controle entre os grupos de tratamento, observou-se que não havia diferenças entre elas, comprovando que a distribuição das mulheres entre os grupos de tratamento ocorreu de forma adequada (Tab. 1). A dor referida pelas parturientes (por meio da EAV) no início do cuidado atingia níveis altos: a média estava em torno de 8,5 (DP de 1,5), distribuída de maneira uniforme entre os grupos.

Avaliação do alívio da dor

Para avaliar cuidado, conforto, satisfação da parturiente e métodos analgésicos utilizados durante o trabalho de parto, é indispensável utilizar uma forma adequada de mensuração da dor. E embora seja difícil mensurá-la objetivamente3, já existem métodos testados para isso. Neste estudo, optamos pela utilização da EAV (Tab. 2).

Algumas parturientes do grupo placebo apresentaram, conforme a EAV, alívio da dor, mas o número não foi expressivo (cerca de 10%). Esses números são bem diferentes dos citados na literatura e em outros estudos, nos quais o efeito placebo varia de 30% a 80%.8-16

Houve alívio da dor em significativamente mais mulheres que receberam a estimulação real que nas que receberam a estimulação placebo. Também parece ter havido alívio maior em mulheres utilizaram eletrodos tipo SSP que naquelas que utilizam o tipo placa, embora essa diferença não tenha sido significativa). Mais da metade das mulheres que receberam tratamento real referiu algum alívio da dor.

Ao calcular a média de alívio da dor pela EAV, ou seja, a diferença entre EAV considerada e EAV inicial (exemplo: EAV aos 30 minutos EAV inicial), os valores encontrados foram pequenos: valor máximo da média de 0,6 (DP de 2,6) para o grupo de eletrodo tipo placa, valor máximo da média de 1,5 (DP de 1,7) para o grupo de eletrodo tipo SSP e valor máximo da média de 0,1 (DP de 1,29) para o grupo de controle. Ao se compararem as médias pelos testes t de Student ou Kruskal Wallis, obteve-se diferença significativa do grupo de SSP em comparação ao grupo de placebo aos 10 e 30 minutos da aplicação e do grupo de eletrodos tipo placa em comparação ao grupo placebo aos 10 minutos da aplicação. Apesar da média de alívio ser pequena, algumas parturientes obtiveram um grande alívio (de até 4 pontos da EAV). Há também que se considerar que a dor no trabalho de parto é progressiva; além disso, apenas o fato de a dor não ter piorado já demonstra alguma eficácia do cuidado dispensado.

Comparando os nossos resultados, avaliamos que a maioria dos ensaios clínicos não apresentou diferenças significativas entre os grupos,10-15 sendo os resultados discordantes com os encontrados nesta pesquisa. Contudo é difícil comparar os resultados entre si e com os obtidos nesta pesquisa, pois a técnica empregada e o tipo de estímulo elétrico são diferentes. Em 1997 realizou-se uma revisão sistemática sobre o assunto e o autor concluiu que o uso de estimulação elétrica transcutânea não pode ser considerado eficaz para alívio da dor no trabalho de parto, no entanto ele mesmo afirma faltarem estudos com metodologia adequada.21

Outra forma utilizada para avaliar o alívio da dor proporcionado por um cuidado como o proposto é mensurar a necessidade de utilização de drogas ou técnicas analgésicas adicionais, sendo este um resultado secundário. Para ser utilizado como parâmetro de alívio da dor, deve-se partir do pressuposto de que todas as possibilidades analgésicas adicionais estavam disponíveis para as participantes do estudo a qualquer momento que fossem consideradas necessárias.21 Neste estudo, observou-se menor utilização de medicação nos grupos que utilizaram estimulação real (Tab. 3). Tais dados confirmam os apresentados na tabela 2, e parecem apontar para uma eficácia da técnica. As parturientes que utilizaram estimulação real, sentindo-se mais confortáveis, tiveram necessidade de medicação em menor proporção que o grupo de controle.

Pelo mesmo motivo, avaliou-se o uso de analgesia peridural, prescrita apenas quando a equipe médica considera necessária (para procedimento cirúrgico ou alívio da dor). Nesta análise, o número de mulheres em cada grupo de tratamento é menor, pois as submetidas à cesárea foram excluídas, para diminuir possíveis fatores confundidores, o que tornou o número de mulheres participantes baixo, dificultando qualquer generalização dos resultados.

A avaliação secundária do alívio da dor pelo uso de medicações e/ou analgesia é utilizada.6-8,10-11,13 mas a comparação entre os estudos é difícil, pois os cuidados terapêuticos analgésicos diferem, dependendo do país e do serviço onde se realiza a pesquisa. Autores que compararam grupos para avaliar a eficácia da técnica não encontraram diferenças significativas.10-11 Das pesquisas que encontraram diferenças entre os grupos, chamam a atenção os altos índices de necessidade de analgesia, citados tanto para o grupo de tratamento real (40 a 50%) quanto para o de controle (100%),6-7 muito diferente dos encontrados nesta pesquisa (30%, aproximadamente, para todos os grupos), o que provavelmente se deve às rotinas humanizadas de cuidado e conforto já implementadas no hospital onde foi feito este estudo.

Das 60 mulheres que participaram do estudo, 25 foram submetidas a cesárea, e a distribuição delas foi igual entre os grupos de estimulação real e de controle. É um número alto (mais de 40%), especialmente se se considerar que foram excluídas as mulheres com indicação de cesárea prévia ao trabalho de parto e as de alto risco gestacional.

Avaliação do incômodo do cuidado proposto

As referências a efeitos colaterais e incômodos ocasionados pelo cuidado com acupuntura ou eletrodos de superfície são raríssimas, sendo em sua maioria descrições de complicações raras ou estudos retrospectivos.21 Nesta pesquisa, mais de 50% das mulheres relataram algum incômodo na utilização de eletrodos do tipo SSP e 25% na utilização de eletrodos tipo placa (Tab. 4). Na aplicação da estimulação, nenhuma mulher referiu incômodo, em nenhum dos grupos de estudo. Para avaliar a efetividade desse cuidado, portanto, são necessárias pesquisas que revelem a opinião da mulher sobre o método.

CONCLUSÃO

Existe uma tendência mundial de avanço tecnológico e científico que mostra uma enorme fragilidade no que se refere ao cuidado. Tecnologias avançadas tentam substituir e, por vezes, substituem o cuidado humanizado.22,23 Essa tendência pode ser claramente observada na obstetrícia moderna. A hospitali-zação do parto, que leva as pessoas a considerá-lo um evento médico-cirúrgico, resultou em um modelo de cuidado tecnicista, que prima pela racionalidade e carece de princípios humanísticos2,24. Esse modelo, acrescentado à percepção cultural de que toda dor é um sintoma de doença e deve ser suprimida, resulta da crença de que a dor no parto é dispensável e sem valor e deve ser "curada" com equipamentos e tecnologia apropriados.2

Apesar desse forte apelo cultural, muitas mulheres demonstram o desejo de ter seu trabalho de parto sem intervenções farmacológicas. Isso se deve ao medo de efeitos colaterais que possam afetar a criança, considerando-se que a mulher passa a gestação inteira sendo alertada quanto aos perigos, para seu filho, do uso de qualquer medicação. Essa atitude também resulta do desejo de reduzir a interferência no processo fisiológico do nascimento, de "estar no controle", de ter escolhas, de ser encorajada a confiar no corpo para superar a barreira da dor por seu próprio ritmo natural2. Uma vantagem da utilização de cuidados com eletrodos de superfície, e que colabora para garantir a segurança do seu uso, é que a fisiologia não é modificada.17

Ao considerar o cuidado e o conforto durante o trabalho de parto, não se deve levar em conta apenas o alívio da dor, afinal "o cuidado não pode ser prescrito, não segue receitas, mas é sentido, vivido, exercitado".23

Sabe-se que um alívio total da dor não implica, necessariamente, uma experiência de parto mais satisfatória.4 Acredita-se, também, que a parturiente amparada, orientada e segura terá uma experiência de parto mais tranqüila. Atualmente as mulheres não temem apenas a dor no parto; elas sentem medo de como serão atendidas, já que as experiências hospitalares estão repletas de cuidados impessoais e distantes.24

A palavra obstetrícia é de origem latina, derivada da palavra obstetrix, originária do verbo obstare, que tem o significado de ficar-ao-lado ou em-face-de.25 A obstetrícia atual parece ter perdido seu objetivo de "estar ao lado" da parturiente. O Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina, ao implementar diretrizes de humanização do nascimento, colabora para a formação profissional, incluindo no ensino a importância do cuidado integral humanizado às parturientes. No entanto, quando faltam alternativas para mitigar a dor e há pouca informação a respeito de como esse cuidado mais próximo pode por si só ajudar, o profissional tende a se afastar da mulher. Talvez a utilização dos eletrodos de superfície seja uma das possibilidades para aproximar a equipe de cuidado e a parturiente.

Este estudo vem preencher uma lacuna de ensaios clínicos e randomizados para avaliar o efeito dos cuidados com eletrodos de superfície no alívio da dor no trabalho de parto em um hospital com rotinas de humanização já implementadas.

Os resultados deste estudo sugerem que as técnicas de estimulação elétrica transcutânea testadas podem aliviar a dor no trabalho de parto, sendo uma alternativa para o cuidado das parturientes. Os resultados deste estudo trazem novas perspectivas para o sistema de saúde, a equipe profissional que cuida e a parturiente, por ser um método barato (treinamento de pessoal e equipamento) e seguro (ausência de efeitos colaterais), além de aumentar o número de opções não farmacológicas para diminuir a dor. Pode ser uma alternativa para mulheres que não desejam ou têm contra-indicações para utilização de outros métodos analgésicos, contribuindo para um trabalho de parto mais fisiológico, tranqüilo e humanizado.

Estudos futuros, com maior número de casos e revisões sistemáticas a respeito do assunto serão importantes para elucidar quais técnicas melhor atuam nesse processo, quais os fatores associados a uma resposta melhor ou pior ao tratamento. Também consideramos fundamental que sejam realizados estudos avaliando a opinião das parturientes sobre os métodos e cuidados empregados.

8 Knobel R. Técnicas de acupuntura para alívio da dor no trabalho de parto ensaio clínico [tese]. Campinas (SP): UNICAMP; 2002.

Recebido em: 15 de novembro de 2004

Aprovação final: 5 de maio de 2005

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Ago 2008
    • Data do Fascículo
      Jun 2005

    Histórico

    • Recebido
      15 Nov 2004
    • Aceito
      05 Maio 2005
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