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Motivos que levam os serviços de saúde a não permitirem acompanhante de parto: discursos de enfermeiros

Resumos

Pesquisa qualitativa, que objetivou compreender os motivos que levam os serviços de saúde de Santa Catarina a não permitirem a presença do acompanhante de escolha da mulher no processo parturitivo. Os dados foram coletados de setembro de 2011 a janeiro de 2012, por meio de entrevistas semiestruturadas com 12 enfermeiros responsáveis pelos centros obstétricos dos serviços que não permitiam ou permitiam às vezes o acompanhante. As entrevistas foram analisadas segundo o método do Discurso do Sujeito Coletivo, emergindo três temas: os profissionais são resistentes à presença do acompanhante; falta de estrutura física, recursos humanos e materiais; e a instituição é resistente na implementação da Lei do Acompanhante. Os discursos demonstram que o impedimento da presença do acompanhante está relacionado, principalmente, à decisão dos profissionais e com a inadequação da estrutura organizacional, requerendo mudanças na atitude da equipe, apoio institucional e estratégias de gestão que valorizem o apoio pelo acompanhante de escolha da mulher.

Parto humanizado; Apoio social; Direitos do paciente; Enfermagem obstétrica; Saúde da mulher


This qualitative research aimed to investigate the reasons the health services of Santa Catarina, Brazil, do not allow the presence of the birth partner of choice of women in the birthing process. The data were collected from September 2011 to January 2012 through semi-structured interviews with 12 nurses responsible for obstetric centers which did not permit, or permitted sometimes, the presence of the birth companion. The interviews were analyzed using the Discourse of the Collective Subject, in which three themes emerged: professionals' resistance to the presence of the companion; lack of physical infrastructure and human and material resources; and the institution's resistance to implementing the Companion's Law. The discourses show that impeding the presence of the companion is mainly related to the decision of the professionals and the inadequacy of the organizational structure. This requires changes in the attitude of the staff, institutional support, and management strategies to increase the support for the presence of the woman's companion of choice.

Humanizing delivery; Social support; Patient rights; Obstetric nursing; Women's health


Investigación cualitativa, que objetivó comprender los motivos que llevan a los servicios de salud de Santa Catarina, Brasil, a no permitir la presencia del acompañante elegido por la mujer en el parto. Los datos fueron recolectados de setiembre/2011 a enero/2012, por medio de entrevistas semiestructuradas con 12 enfermeros responsables por los centros obstétricos que no permitían o permitían algunas veces al acompañante. Las entrevistas fueron analizadas según la propuesta del Discurso del Sujeto Colectivo, emergiendo tres temas: los profesionales son resistentes a la presencia del acompañante; falta de estructura física, recursos humanos-materiales; falta de apoyo institucional para la implementación de la ley del acompañante. Los discursos demuestran que el no permiso del acompañante está relacionado principalmente con la decisión de los profesionales y con la inadecuada estructura organizacional, requiriendo cambios en la actitud del equipo, apoyo institucional y estrategias de gestión que valoricen el apoyo del acompañante elegido por la mujer.

Parto humanizado; Apoyo Social; Derechos del Paciente; Enfermería obstétrica; Salud de la Mujer


INTRODUÇÃO

No Brasil, desde 2005, a Lei n. 11.108, conhecida como "Lei do acompanhante", obriga os serviços de saúde a permitirem a presença de um acompanhante escolhido pela parturiente durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato.11. Brasil. Lei n. 11.108. Altera a Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990, para garantir às parturientes o direito à presença de acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS. Diário Oficial da União - 2005; 8 abr. A fim de regulamentar a presença do acompanhante no âmbito público e privado, foram publicados outros documentos para que esse direito fosse garantido a todas as parturientes.

No âmbito público, em 2005, a portaria n. 2.418, do Ministério da Saúde (MS), passou a autorizar o pagamento de despesas com o acompanhante durante o processo parturitivo, incluindo gastos com acomodação adequada e o fornecimento das principais refeições.22. Portaria n. 2.418 de 2 de dezembro de 2005. Regulamenta a presença de acompanhante para mulheres em trabalho de parto, parto e pós-parto imediato nos hospitais públicos e conveniados com o Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União (Brasília). 2005; 06 dez. Em 2008, a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) n. 36, que dispõe sobre o Regulamento Técnico para Funcionamento dos Serviços de Atenção Obstétrica e Neonatal, além de reafirmar o direito da mulher ao acompanhante, estabeleceu parâmetros para que os serviços possam assegurar uma estrutura física adequada e segura para os acompanhantes e trabalhadores.33. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (BR). Resolução da Diretoria Colegiada RDC n. 36/2008. Dispõe sobre Regulamento Técnico para Funcionamento dos Serviços de Atenção Obstétrica e Neonatal. Republicada em 11/07/2008. Brasília (DF), 2008. No setor privado, em 2010, a Agência Nacional de Saúde Suplementar definiu, através da Resolução Normativa n. 211, que os atendimentos de obstetrícia no setor privado, independente do plano, devem cobrir todas as despesas com o acompanhante.44. Agência Nacional de Saúde Suplementar (BR). Resolução normativa n. 211. Atualiza o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, que constitui a referência básica para cobertura assistencial mínima nos planos privados de assistência à saúde. Diário Oficial da União, Brasília (DF), 2010; 11 jan.

Cabe lembrar que o direito ao acompanhante já estava previsto no Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento, lançado em 2000,55. Ministério da Saúde (BR). Programa humanização do parto: humanização do pré-natal e nascimento. Brasília (DF); 2002. antes da publicação da Lei do acompanhante,11. Brasil. Lei n. 11.108. Altera a Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990, para garantir às parturientes o direito à presença de acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS. Diário Oficial da União - 2005; 8 abr. e, atualmente, é também reforçado nas diretrizes da Rede Cegonha, política de atenção à saúde da mulher, instituída em 2011.66. Portaria n. 1.459/GM, 24 de junho de 2011. Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde, a Rede Cegonha. Brasília (DF): MS; 2011.

As discussões sobre a importância de garantir à parturiente a presença de um acompanhante estão amparadas por estudos experimentais e revisões sistemáticas, realizados em diferentes países a partir da década de 1980, que apresentam os efeitos benéficos do apoio durante o trabalho de parto.77. Brüggemann OM, Parpinelli MA, Osis MJD. Evidências sobre o suporte durante o trabalho de parto/parto: uma revisão da literatura. Cad Saúde Pública. 2005 Set-Out; 21(2):1316-27. Essas pesquisas contribuíram para que a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendasse que a parturiente seja acompanhada por alguém de sua escolha e confiança, uma vez que essa prática contribui para a humanização da assistência e redução das intervenções obstétricas.88. Organização Mundial da Saúde (OMS). Maternidade segura: atenção ao nascimento normal - guia prático. Genebra (CH): Organização Mundial da Saúde, 1996. Os seus principais benefícios são: o aumento de partos vaginais espontâneos; redução da analgesia intraparto, da duração do trabalho de parto, da insatisfação sobre a experiência do nascimento, da cesariana, do parto vaginal instrumental e de recém-nascido com baixo índice de Apgar no quinto minuto de vida.99. Hodnett ED, Gates S, Hofmeyr GJ, Sakala C, Weston J. Continuous support for women during childbirth. Cochrane Database of Systematic Reviews [página na internet]. 2012, issue 10 [acesso 2014 Fev 17]. Disponível em: https://childbirthconnection.org/pdfs/CochraneDatabaseSystRev.pdf
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Cabe destacar que na revisão sistemática publicada na Cochrane Library,99. Hodnett ED, Gates S, Hofmeyr GJ, Sakala C, Weston J. Continuous support for women during childbirth. Cochrane Database of Systematic Reviews [página na internet]. 2012, issue 10 [acesso 2014 Fev 17]. Disponível em: https://childbirthconnection.org/pdfs/CochraneDatabaseSystRev.pdf
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atualizada em 2012, dos 22 ensaios clínicos randomizados analisados, seis avaliaram o apoio por acompanhante da rede social da mulher, sendo realizados em Botswana, Chile, Estados Unidos da América (New Jersey), Brasil, Nigéria e Tailândia. Os resultados do ensaio clínico desenvolvido no Brasil,1010. Brüggeman OM, Parpinelli MA, Osis MJD, Cecatti JG, Carvalhinho Neto AS. Support to woman by a companion of her choice during childbirth: a randomized controlled trial. Reprod Health [online]. 2007; 4(5):[7 screens]. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1936417/
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com 212 parturientes (105 no grupo de intervenção - com acompanhante de escolha da mulher, e 107 no grupo controle), apontaram maior satisfação global das parturientes do grupo de intervenção, com a experiência tanto no trabalho de parto quanto no parto. As parturientes ficam mais satisfeitas com o cuidado recebido no trabalho de parto (RR 1,11; IC95% 1,01-1,22), com a orientação médica durante o trabalho de parto (RR 1,14; IC95% 1,01-1,28), com o cuidado recebido no parto (RR 1,11; IC95% 1,01-1,22) e com o parto vaginal (RR 1,33; IC95% 1,02-1,74).1010. Brüggeman OM, Parpinelli MA, Osis MJD, Cecatti JG, Carvalhinho Neto AS. Support to woman by a companion of her choice during childbirth: a randomized controlled trial. Reprod Health [online]. 2007; 4(5):[7 screens]. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1936417/
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No entanto, apesar das evidências científicas77. Brüggemann OM, Parpinelli MA, Osis MJD. Evidências sobre o suporte durante o trabalho de parto/parto: uma revisão da literatura. Cad Saúde Pública. 2005 Set-Out; 21(2):1316-27. , 99. Hodnett ED, Gates S, Hofmeyr GJ, Sakala C, Weston J. Continuous support for women during childbirth. Cochrane Database of Systematic Reviews [página na internet]. 2012, issue 10 [acesso 2014 Fev 17]. Disponível em: https://childbirthconnection.org/pdfs/CochraneDatabaseSystRev.pdf
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- 1010. Brüggeman OM, Parpinelli MA, Osis MJD, Cecatti JG, Carvalhinho Neto AS. Support to woman by a companion of her choice during childbirth: a randomized controlled trial. Reprod Health [online]. 2007; 4(5):[7 screens]. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1936417/
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das recomendações da OMS88. Organização Mundial da Saúde (OMS). Maternidade segura: atenção ao nascimento normal - guia prático. Genebra (CH): Organização Mundial da Saúde, 1996. e da Lei,11. Brasil. Lei n. 11.108. Altera a Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990, para garantir às parturientes o direito à presença de acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS. Diário Oficial da União - 2005; 8 abr. em várias maternidades brasileiras, as parturientes ainda são privadas da presença de um acompanhante,1111. Holanda VR, Abreu DWM, Holanda ER, Cabral RWL. Avaliação da assistência obstétrica no Estado da Paraíba à luz das normas sanitárias. RSD. 2011 Out-Dez; 35(91):624-33. uma vez que esses novos sujeitos provocam reações negativas nos profissionais1212. Souza TG, Gaíva MAM, Modes PSSA. A humanização do nascimento: percepção dos profissionais de saúde que atuam na atenção ao parto. Rev Gaúcha Enferm. 2011 Set; 32(3):479-86. - 1313. Carvalho IS, Costa Junior PB, Nunes VMA, Macedo JBPO. Dificuldades relacionadas à presença do acompanhante durante o processo parturitivo da mulher: percepção dos enfermeiros. Rev Pesqui Cuid Fundam. 2011 Dez; (suppl:28-36). e nos serviços de saúde.1111. Holanda VR, Abreu DWM, Holanda ER, Cabral RWL. Avaliação da assistência obstétrica no Estado da Paraíba à luz das normas sanitárias. RSD. 2011 Out-Dez; 35(91):624-33.

Nesse contexto, torna-se importante investigar por que os serviços de saúde não adotam essa prática, que contribui para a melhoria dos indicadores de saúde maternos e neonatais, e para a satisfação da mulher com a experiência do nascimento.99. Hodnett ED, Gates S, Hofmeyr GJ, Sakala C, Weston J. Continuous support for women during childbirth. Cochrane Database of Systematic Reviews [página na internet]. 2012, issue 10 [acesso 2014 Fev 17]. Disponível em: https://childbirthconnection.org/pdfs/CochraneDatabaseSystRev.pdf
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- 1010. Brüggeman OM, Parpinelli MA, Osis MJD, Cecatti JG, Carvalhinho Neto AS. Support to woman by a companion of her choice during childbirth: a randomized controlled trial. Reprod Health [online]. 2007; 4(5):[7 screens]. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1936417/
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Assim, esse estudo teve como objetivo compreender os motivos que levam os serviços de saúde de Santa Catarina, Brasil a não permitirem a presença do acompanhante de escolha da parturiente durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato.

MÉTODO

Pesquisa qualitativa, exploratório-descritiva, integrante do macroprojeto intitulado "A inserção do acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto: a realidade do estado de Santa Catarina", com abordagem metodológica mista.1414. Creswell JW. Projeto de pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto. 2 ed. Porto Alegre (RS): Artmed; 2007. Na etapa quantitativa, realizada em 2011, identificou-se que, dos 135 serviços de saúde vinculados ao SUS, que prestam assistência ao parto em Santa Catarina, Brasil, 15 nunca permitem a presença do acompanhante de escolha da parturiente durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato e 44 permitem às vezes.1515. Brüggemann OM, Oliveira ME, Martins HEL, Alves MC, Gayeski ME. A inserção do acompanhante de parto nos serviços públicos de Santa Catarina, Brasil. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2013 Jul-Set; 17(3):432-8.

A partir dessa etapa, realizou-se a abordagem qualitativa, cuja amostra foi composta por 12 serviços de saúde (quatro que não permitiam o acompanhante e oito que permitiam às vezes), na qual foi entrevistado o enfermeiro responsável pelo setor do centro obstétrico de cada serviço. O número de serviços foi definido durante a coleta de dados pela saturação dos mesmos, ou seja, quando as informações passaram a apresentar repetição em seu conteúdo ou o acréscimo foi pouco significativo em vista dos objetivos propostos pela pesquisa.1616. Fontanella BJB, Ricas J, Turato ER. Amostragem por saturação em pesquisas qualitativas em saúde: contribuições teóricas. Cad Saúde Pública. 2008 Jan; 24(1):17-27. Na seleção dos participantes, foram contempladas seis das oito regiões do Estado. A coleta de dados foi realizada de setembro de 2011 a janeiro de 2012, por meio de entrevistas semiestruturadas, com auxílio de um roteiro temático, agendadas, previamente, por telefone e correio eletrônico. Devido à localização geográfica dos serviços, as entrevistas foram realizadas por telefone e gravadas com o auxílio de um microfone unidirecional e microcomputador equipado com programa de edição de áudio.1717. Sony Sound Forge: digital audio editor [programa de computador]. Version 9.0. Sony; 2008.

No primeiro contato, os enfermeiros foram informados sobre os objetivos, metodologia e aspectos éticos da pesquisa. Posteriormente, uma cópia do arquivo digital do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi enviada por e-mail. A entrevista iniciava com a leitura do TCLE e gravação do aceite, na qual os participantes informavam o nome completo e o número do documento de identidade. Posteriormente, o arquivo de áudio, com a anuência dos participantes, foi enviado por e-mail para cada um dos participantes.

As entrevistas foram transcritas integralmente e revisadas, com a escuta repetida das gravações. Para a análise, foi utilizada a técnica de análise temática de discurso, de acordo com a proposta do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC).1818. Lefrève F, Lefrève AMC. Discurso do sujeito coletivo: um novo enfoque em pesquisa qualitativa (Desdobramentos). Caxias do Sul (RS): EDUCS; 2003. Trata-se de uma proposta metodológica, para a organização e tabulação de dados qualitativos, que parte do suposto que o pensamento coletivo pode ser visto como um conjunto de discursos sobre um dado tema. É uma estratégia discursiva que visa a dar luz ao conjunto das individualidades semânticas componentes do imaginário social, sendo assim, uma forma de fazer a coletividade falar diretamente. Após a leitura flutuante do material transcrito, foram identificadas as Expressões-chave (ECs), que revelavam a essência do depoimento e a(s) Ideia(s) Centra(is) (IC) que são uma descrição do sentido de um depoimento ou de um conjunto de depoimentos. A IC é uma palavra ou expressão lingüística, que revela e descreve de forma sintética, precisa e fidedigna, o posicionamento de um depoimento ou conjunto de depoimentos que comporão o DSC.1818. Lefrève F, Lefrève AMC. Discurso do sujeito coletivo: um novo enfoque em pesquisa qualitativa (Desdobramentos). Caxias do Sul (RS): EDUCS; 2003. Posteriormente, foram construídos os DSCs, compostos pelas ECs que têm a mesma IC, redigidos na primeira pessoa do singular. Os achados obtidos sofreram um processo de validação externa por pares do pesquisador, sendo discutidas as oposições e/ou objeções sobre os mesmos.

Todos os aspectos que envolveram a realização da pesquisa estão de acordo com a Resolução n. 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. O macroprojeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria de Estado da Saúde de Santa Catarina, protocolo n. 0026.1602/09.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os participantes dessa pesquisa possuíam idade de 23 a 48 anos, sendo majoritariamente do sexo feminino. O tempo de formado variou de dois a 24 anos, enquanto o tempo de atuação no serviço foi de sete meses a 23 anos. Dos 12 participantes, apenas um possuía especialização em enfermagem obstétrica e três estavam concluindo o curso. A experiência, em obstetrícia, da maioria dos enfermeiros, era proveniente da atuação no serviço. A maior parte deles não atuava exclusivamente no centro obstétrico, sendo responsável por outros setores da instituição.

A partir da análise das falas dos enfermeiros emergiram as ICs, que foram agrupadas em três temas: "Os profissionais são resistentes à presença do acompanhante"; "Falta de estrutura física, recursos humanos e materiais"; e, "A instituição é resistente na implementação da Lei do Acompanhante". As ICs e seus respectivos DSC foram identificados com a mesma numeração.

TEMA I - Os profissionais são resistentes à presença do acompanhante

A resistência dos profissionais de saúde à presença do acompanhante será apresentada nas cinco ICs a seguir.

IC1 - A inserção do acompanhante depende da autorização médica

DSC1 - No parto a gente tem um pouco de restrição devido a alguns médicos. Alguns deixam, alguns não deixam [...]. Aí é conversado com o médico ali no momento, e é determinado se pode ou não entrar [o acompanhante] [...] depende também do estado da parturiente. Se o médico obstetra autorizar, o familiar acompanha. [...] Tem determinados médicos que não aceitam que o acompanhante esteja junto porque ele não está pagando um convênio que cubra isso. E quando eles falam que não dá para o acompanhante entrar a gente fala 'doutor, você sabe que existe a Lei do acompanhante', mas ele fala assim: 'mas quem impõe a lei aqui sou eu hoje'. A decisão aqui é do médico.

A IC1 e o seu respectivo DSC demonstram que a decisão concentra-se no profissional médico, que determina a presença ou não do acompanhante. No discurso, observa-se que o estado clínico da parturiente e o tipo de cobertura do convênio são justificativas para a tomada de decisão. No entanto, em algumas situações, de forma arbitrária, o que prevalece mesmo é o poder hegemônico do médico, que sobrepõe o direito da mulher amparado pela Lei1 1. Brasil. Lei n. 11.108. Altera a Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990, para garantir às parturientes o direito à presença de acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS. Diário Oficial da União - 2005; 8 abr.e pelas evidências científicas.99. Hodnett ED, Gates S, Hofmeyr GJ, Sakala C, Weston J. Continuous support for women during childbirth. Cochrane Database of Systematic Reviews [página na internet]. 2012, issue 10 [acesso 2014 Fev 17]. Disponível em: https://childbirthconnection.org/pdfs/CochraneDatabaseSystRev.pdf
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A formação dos médicos obstetras, pautada no uso de técnicas intervencionistas, muitas vezes, não prioriza a humanização das práticas assistenciais.1919. Malheiros PA, Alves VH, Rangel TSA, Vargens OMC. Parto e nascimento: saberes e práticas humanizadas. Texto Contexto Enferm. 2012 Abr-Jun; 21(2):329-37. Parece haver, também, um desconhecimento da legislação, que estende o direito ao acompanhante a mulheres usuárias de todos os planos de saúde particulares de obstetrícia.44. Agência Nacional de Saúde Suplementar (BR). Resolução normativa n. 211. Atualiza o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, que constitui a referência básica para cobertura assistencial mínima nos planos privados de assistência à saúde. Diário Oficial da União, Brasília (DF), 2010; 11 jan. Nesse contexto, a legalidade e os benefícios dessa prática não são suficientes para a mudança na postura profissional.

IC2 - A inserção do acompanhante depende da avaliação da equipe médica e de enfermagem

DSC2 - [...] se a equipe concordar, o acompanhante entra. E a gente fala 'se tiver tudo tranquilo' a gente deixa, não tem problema nenhum. Logo é avaliado, tanto pela equipe de enfermagem, como pelos médicos, para ver o que acha. Geralmente ele [médico] avalia, ele faz como eu [enfermeiro] [...]. Quando o familiar está nervoso, estressado, ele [médico] realmente tira. Às vezes, na hora que ela [parturiente] entra pra sala de parto, eu [enfermeira] peço para ele se retirar, mas é porque ele [acompanhante] está muito nervoso realmente, ou alguma coisa assim.

Em algumas situações, o processo decisório é compartilhado com a equipe de enfermagem (IC2 e DSC2). Contudo, o enfermeiro, também, exerce um papel cerceador e passa a determinar quando o acompanhante deve ou não permanecer. A resistência dos profissionais é um dos obstáculos para a implementação de práticas humanizadas,1919. Malheiros PA, Alves VH, Rangel TSA, Vargens OMC. Parto e nascimento: saberes e práticas humanizadas. Texto Contexto Enferm. 2012 Abr-Jun; 21(2):329-37. e a aceitação do acompanhante depende da decisão dos profissionais de saúde.2020. Santos LM, Carneiro CS, Carvalho ESS, Paiva MS. Percepção da equipe de saúde sobre a presença do acompanhante no processo parturitivo. Rev RENE. 2012; 13(5):994-1003. - 2121. Longo CS, Andraus LMS, Barbosa MA. Participação do acompanhante na humanização do parto e sua relação com a equipe de saúde. Rev Eletrônica Enferm [online]. 2010 [acesso 2011 Set 11]; 12(2):386-91. Disponível em: http://www.fen.ufg.br/revista/v12/n2/v12n2a25.htm
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Assim, fica demonstrado que a implementação de novas práticas causa resistência por parte dos profissionais de saúde, que não entendem que as mudanças, além de necessárias, são benéficas para os clientes e seus familiares.

IC3 - A equipe receia ser avaliada pelo acompanhante

DSC3 - [...] como toda mudança, alguns profissionais acharam muito complicado, acharam que eles [acompanhantes] iam ficar avaliando eles. [...] medo de alguém de fora ver alguma coisa que tu estás fazendo, porque, digamos assim, começa a vir um pouco de sangue, para ele [acompanhante] aquilo não é 'normal', a gente sente. Às vezes [...] vai ter procedimentos que vão ser um pouco invasivos, que não vai ser um nascimento 'normal', tranquilo, [...] vai ser feito um parto de urgência, e eles dizem que o acompanhante presente criaria um constrangimento, tudo isso. Talvez isso também seja uma barreira para que não seja feito cumprir a Lei.

A resistência da equipe ao acompanhante, também, está relacionada à dificuldade de prestar assistência na sua presença, especialmente durante as intervenções, o que acentua o sentimento de estar sendo "vigiada" (IC3 e DSC3). Pode ser que isto se deva ao fato dos profissionais terem dificuldade de aceitar pessoas da rede social de apoio da mulher no cenário de assistência, ou de não se sentirem seguros para a realização de técnicas na presença de outras pessoas. A inserção desse novo personagem exige um "novo" perfil profissional, que inclua em sua prática estratégias que valorizem a subjetividade e individualidade dos sujeitos, ultrapassando a relação vertical entre profissional de saúde e usuário. A atitude autoritária e relação assimétrica entre os profissionais de saúde e os usuários contribui, negativamente, em uma perspectiva assistencial com vistas à autonomia dos sujeitos sobre sua saúde.2222. Nagahama EEI, Santiago SM. Práticas de atenção ao parto e os desafios para humanização do cuidado em dois hospitais vinculados ao Sistema Único de Saúde em município da Região Sul. Cad Saúde Pública. 2008 Ago; 24(8):1859-68.

IC4 - Profissionais com maior tempo de serviço são mais resistentes à presença do acompanhante

DSC4 - [...] Os profissionais mais antigos, eles têm uma certa resistência a essa inserção [do acompanhante]. O pessoal mais antigo não tem essa visão, de estar deixando o familiar acompanhar o parto [...] eles são um pouco mais resistentes, que atrapalha e tal, entende? Alguns, não são todos, que tem essa ideia, que atrapalha e tal. [...] eles simplesmente não aceitam.

Nesse contexto, parece que os motivos apontados anteriormente nas ICs intensificam-se com o passar dos anos de atuação profissional na obstetrícia, ilustrados no DSC4, uma vez que aumenta a resistência para mudanças nas condutas assistenciais. Possivelmente, a formação desses profissionais, anterior às políticas de humanização55. Ministério da Saúde (BR). Programa humanização do parto: humanização do pré-natal e nascimento. Brasília (DF); 2002. e à prática baseada em evidências, contribui para a manutenção do modelo assistencial centrado no profissional. A formação dos profissionais ainda está distante de um modelo assistencial humanizado e integral, demonstrando deficiências tanto na formação acadêmica2222. Nagahama EEI, Santiago SM. Práticas de atenção ao parto e os desafios para humanização do cuidado em dois hospitais vinculados ao Sistema Único de Saúde em município da Região Sul. Cad Saúde Pública. 2008 Ago; 24(8):1859-68. - 2323. Busanello J, Kerber NPC, Fernandes GFM, Zacarias CC, Cappellaro J, Silva ME. Humanização do parto e a formação dos profissionais da saúde. Cienc Cuid Saúde. 2011 Jan-Mar; 10(1):169-75. como na educação permanente dos trabalhadores de saúde.77. Brüggemann OM, Parpinelli MA, Osis MJD. Evidências sobre o suporte durante o trabalho de parto/parto: uma revisão da literatura. Cad Saúde Pública. 2005 Set-Out; 21(2):1316-27. , 2121. Longo CS, Andraus LMS, Barbosa MA. Participação do acompanhante na humanização do parto e sua relação com a equipe de saúde. Rev Eletrônica Enferm [online]. 2010 [acesso 2011 Set 11]; 12(2):386-91. Disponível em: http://www.fen.ufg.br/revista/v12/n2/v12n2a25.htm
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22. Nagahama EEI, Santiago SM. Práticas de atenção ao parto e os desafios para humanização do cuidado em dois hospitais vinculados ao Sistema Único de Saúde em município da Região Sul. Cad Saúde Pública. 2008 Ago; 24(8):1859-68.
- 2323. Busanello J, Kerber NPC, Fernandes GFM, Zacarias CC, Cappellaro J, Silva ME. Humanização do parto e a formação dos profissionais da saúde. Cienc Cuid Saúde. 2011 Jan-Mar; 10(1):169-75. O investimento em programas de formação, voltados à humanização das práticas de saúde e atenção ao usuário é importante para o aprimoramento profissional, revelando-se necessário para a transformação do paradigma biomédico assistencial, presente nos serviços de saúde.2222. Nagahama EEI, Santiago SM. Práticas de atenção ao parto e os desafios para humanização do cuidado em dois hospitais vinculados ao Sistema Único de Saúde em município da Região Sul. Cad Saúde Pública. 2008 Ago; 24(8):1859-68.

IC5 - O acompanhante atrapalha a equipe do centro obstétrico

DSC5 - Eles [médicos] acham que o acompanhante incomoda. [...] que o acompanhante vai ver, vai falar, eles acham que o acompanhante na verdade atrapalha. [...] vai dar trabalho para equipe, no momento, para dar atendimento para aquela pessoa [acompanhante] que de repente está passando mal por ver o sangue [...]. Eles [equipe do centro obstétrico] dizem [...] que como muitas pessoas que eram acompanhantes acabavam se sentindo mal, [...] acabava incomodando invés de está lá, auxiliando na hora do parto. [...] acaba estressando também a equipe que está trabalhando. Eles [equipe do centro obstétrico] acham que o tempo deles não é para isso, para estar humanizando mesmo, para estar orientando.

A IC5 e seu DSC demonstram que a presença do acompanhante atrapalha os profissionais do centro obstétrico. Muitas vezes, os profissionais de saúde carregam ideias negativas preconcebidas acerca de sua presença no cenário do nascimento.66. Portaria n. 1.459/GM, 24 de junho de 2011. Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde, a Rede Cegonha. Brasília (DF): MS; 2011. Para a equipe, o acompanhante aumenta a demanda de trabalho, já que, segundo ela, ele vem despreparado,2020. Santos LM, Carneiro CS, Carvalho ESS, Paiva MS. Percepção da equipe de saúde sobre a presença do acompanhante no processo parturitivo. Rev RENE. 2012; 13(5):994-1003. desconhecendo a fisiologia do parto ou estranhando os procedimentos realizados à parturiente no cenário de cuidado. Essa percepção está associada com o modelo tecnocrático de assistência, consagrado a partir da institucionalização do parto, o qual obedece a uma padronização nos cuidados e segue uma linha de trabalho, que não permite que se "atrapalhe" a ordem e a rotina hospitalares.1111. Holanda VR, Abreu DWM, Holanda ER, Cabral RWL. Avaliação da assistência obstétrica no Estado da Paraíba à luz das normas sanitárias. RSD. 2011 Out-Dez; 35(91):624-33. , 2020. Santos LM, Carneiro CS, Carvalho ESS, Paiva MS. Percepção da equipe de saúde sobre a presença do acompanhante no processo parturitivo. Rev RENE. 2012; 13(5):994-1003. O fato dos profissionais considerarem que o acompanhante "atrapalha" pode estar relacionado com o modelo assistencial vigente, centrado no profissional, que não promove o protagonismo da mulher e a participação da sua rede social de apoio.

TEMA II - Falta de estrutura física, recursos humanos e materiais

As IC e as ECs, que resultaram na construção dos discursos, apontam que os serviços de saúde possuem limitações relacionadas à ambiência, que limitam a presença do acompanhante.

IC6 - A estrutura física do hospital não é adequada para a inserção do acompanhante

DSC6 - A estrutura física do hospital é antiga [...] é muito pequena, não tem um uma sala para acomodação dentro ali durante o trabalho de parto para o acompanhante. O espaço não permite que tenha uma privacidade para as parturientes, que podem ficar constrangidas com os outros acompanhantes. Daí, às vezes, o acompanhante é um homem, entende? [...] até a CCIH [Comissão de Controle de Infecção Hospitalar] acha que às vezes não é compatível, que já tem muita gente dentro do bloco. [...] a estrutura física que, a meu ver, não é apropriada para esse tipo de procedimento. [...] não é apropriada pra cumprir essa Lei.

As limitações físicas dos serviços são fatores que dificultam a inserção do acompanhante.2424. Frutuoso LM. Percepções do acompanhante acerca da experiência e dos aspectos organizacionais relacionados à sua permanência no centro obstétrico. Florianópolis. [Dissertação]. Florianópolis (SC): Universidade Federal de Santa Catarina; 2011. Os prédios de alguns hospitais possuem uma estrutura, cujo plano original não permite ampliação, não prevendo a permanência de outra pessoa, além da parturiente. A distribuição dos espaços, também, interfere na privacidade das parturientes que, segundo o discurso dos enfermeiros, podem sentir-se constrangidas com a presença de acompanhante do sexo masculino.22 22. Nagahama EEI, Santiago SM. Práticas de atenção ao parto e os desafios para humanização do cuidado em dois hospitais vinculados ao Sistema Único de Saúde em município da Região Sul. Cad Saúde Pública. 2008 Ago; 24(8):1859-68.Em alguns serviços, são permitidos somente acompanhantes do sexo feminino, limitando as possibilidades de escolha das parturientes.1212. Souza TG, Gaíva MAM, Modes PSSA. A humanização do nascimento: percepção dos profissionais de saúde que atuam na atenção ao parto. Rev Gaúcha Enferm. 2011 Set; 32(3):479-86. Outras pesquisas apontam que a inadequação da estrutura física é uma das barreiras à implementação de práticas humanizadas durante o processo parturitivo.1212. Souza TG, Gaíva MAM, Modes PSSA. A humanização do nascimento: percepção dos profissionais de saúde que atuam na atenção ao parto. Rev Gaúcha Enferm. 2011 Set; 32(3):479-86. , 2323. Busanello J, Kerber NPC, Fernandes GFM, Zacarias CC, Cappellaro J, Silva ME. Humanização do parto e a formação dos profissionais da saúde. Cienc Cuid Saúde. 2011 Jan-Mar; 10(1):169-75. , 2525. Corrêa ACP, Arruda TM, Mandú ENT, Teixeira RC, Arantes RB. Humanização da assistência à puérpera: concepções de profissionais de enfermagem de um hospital público. Cienc Cuid Saúde. 2010 Out-Dez; 9(4):728-35. Por outro lado, para os acompanhantes, dificuldades relacionadas ao espaço físico, e outros aspectos de ambiência, não representam obstáculos para sua permanência e participação junto à parturiente, quando não permanecem um longo período no serviço.2424. Frutuoso LM. Percepções do acompanhante acerca da experiência e dos aspectos organizacionais relacionados à sua permanência no centro obstétrico. Florianópolis. [Dissertação]. Florianópolis (SC): Universidade Federal de Santa Catarina; 2011.

Em 2008, por meio da RDC n. 36, os serviços de saúde brasileiros receberam um prazo de 180 dias para adequar a estrutura física para acomodar a mulher e seu acompanhante, a fim de promover privacidade e segurança, de acordo com os princípios da humanização.33. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (BR). Resolução da Diretoria Colegiada RDC n. 36/2008. Dispõe sobre Regulamento Técnico para Funcionamento dos Serviços de Atenção Obstétrica e Neonatal. Republicada em 11/07/2008. Brasília (DF), 2008. Entretanto, o discurso dos enfermeiros demonstra que os hospitais ainda não conseguiram adequar-se às diretrizes. Entende-se, desse modo, que os serviços investigados, além de não terem reformado, nem adequado a sua estrutura física para receber o acompanhante, utilizam esse fato como justificativa para impedirem sua inclusão.

A crença no fato de que o acompanhante, dentro do espaço hospitalar, pode aumentar o risco de infecções, também, é utilizada como justificativa para limitar a sua presença, embora não existam evidências que corroborem com essa informação. As principais causas de infecções hospitalares estão relacionadas com medidas ineficazes de higienização e procedimentos invasivos relacionados com a assistência obstétrica e a cesariana.2626. Benicasa BC, Walkerl C, Cioba C, Rosa CCS, Martins DE, Dias E, et al. Taxas de infecção relacionadas a partos cesáreos e normais no Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Rev HCPA. 2012; 32(1):5-9. Assim, a equipe de saúde tem importante papel na orientação dos acompanhantes sobre ações preventivas de infecção e de efeitos adversos, como a higienização das mãos.2727. Allegranzi B, Pittet D. Role of hand hygiene in healthcare-associated infection prevention. J Hosp Infect. 2009; 73(4):305-15.

IC7 - Falta de funcionários dificulta a inserção do acompanhante

DSC7 - É, a gente trabalha com o número mínimo de funcionários [...] e a gente não consegue dar a atenção necessária a esse acompanhante. [...] para a mulher, a gente consegue dar atenção e tudo, mas, de repente, o acompanhante não esteja preparado pra isso... Se estiver muito movimentado naquele período, a equipe fica de acordo que não dá para entrar. É só a questão de ter o pessoal, a quantidade de pessoal adequada, pode ser implantada tranquilo, não vai ter nenhum outro problema.

A previsão de recursos humanos é ancorada no atendimento às necessidades biológicas que envolvem o nascimento. Assim, o número de funcionários é insuficiente para que sejam contempladas necessidades psicossociais da parturiente, afastando o acompanhante do cenário de nascimento (IC7 e DSC7). Esse aspecto, também, é apontado em outro estudo,1313. Carvalho IS, Costa Junior PB, Nunes VMA, Macedo JBPO. Dificuldades relacionadas à presença do acompanhante durante o processo parturitivo da mulher: percepção dos enfermeiros. Rev Pesqui Cuid Fundam. 2011 Dez; (suppl:28-36). no qual a equipe reduzida foi um dos obstáculos para a inserção do acompanhante no centro obstétrico. O discurso vigente é que a partir do momento em que haja aumento no número de profissionais, pode haver uma melhor aceitação na inclusão do acompanhante.

IC8 - Falta de roupas dificulta o acompanhante na cesariana

DSC8 - A gente tem um enxoval ainda pequeno, tanto para o funcionamento do hospital, hotelaria, cirurgia. Então, deixar o acompanhante entrar no parto é ter que tirar de uma outra parte do hospital que precisa [...] a gente não tem roupa suficiente para estar disponibilizando para outras pessoas que vão estar entrando no centro cirúrgico. Por causa de roupa, às vezes tem muita cirurgia junto, daí não tem como acompanhar. [...] então, às vezes, não entra nas cesáreas.

A falta de recursos materiais aparece como um dos motivos que limitam a presença do acompanhante, especialmente, durante as cesarianas, que requer a paramentação com aventais (IC8). O DSC8 exemplifica que existem outras prioridades dentro do serviço, sendo que a presença do acompanhante é entendida como menos importante e dispensável diante de outros aspectos da assistência. Assim, fica claro que esses serviços, além de estarem descumprindo a Lei, não estão reconhecendo os benefícios dessa prática para a mulher e o neonato.

TEMA III - A instituição é resistente na implementação da Lei do Acompanhante

As ICs alusivas a esse tema referem-se ao posicionamento dos gestores frente à presença do acompanhante no cenário do cuidado.

IC9 - A instituição nunca promoveu discussão sobre a Lei do acompanhante

DSC9 - Nós não tivemos momento de sentar e discutir, ainda não. Nunca foi conversado. Eles não aceitam nem que se comente. Não sei se algum dia eles sentaram e conversaram a respeito. A gente já pensou em se reunir, mas a gente não fez isso.

Apesar dos profissionais de saúde possuírem importante papel na implementação da assistência humanizada, a participação dos gestores é necessária para a efetivação dessas práticas nos serviços de saúde.2222. Nagahama EEI, Santiago SM. Práticas de atenção ao parto e os desafios para humanização do cuidado em dois hospitais vinculados ao Sistema Único de Saúde em município da Região Sul. Cad Saúde Pública. 2008 Ago; 24(8):1859-68. A discussão sobre a Lei no espaço institucional poderia ser uma das estratégias para facilitar a inserção do acompanhante nos serviços e, consequentemente, contribuir para a satisfação das parturientes.1010. Brüggeman OM, Parpinelli MA, Osis MJD, Cecatti JG, Carvalhinho Neto AS. Support to woman by a companion of her choice during childbirth: a randomized controlled trial. Reprod Health [online]. 2007; 4(5):[7 screens]. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1936417/
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles...

A ausência de encontros coletivos, que promovam o diálogo sobre a inclusão desse novo personagem durante o processo parturitivo, conforme destacado na IC9 e no seu respectivo DSC, reflete a falta de posicionamento institucional para implementar a Lei11. Brasil. Lei n. 11.108. Altera a Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990, para garantir às parturientes o direito à presença de acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS. Diário Oficial da União - 2005; 8 abr. e as diretrizes do MS,33. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (BR). Resolução da Diretoria Colegiada RDC n. 36/2008. Dispõe sobre Regulamento Técnico para Funcionamento dos Serviços de Atenção Obstétrica e Neonatal. Republicada em 11/07/2008. Brasília (DF), 2008. que estão, atualmente, amparadas na atual estratégia de atenção à saúde da mulher.66. Portaria n. 1.459/GM, 24 de junho de 2011. Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde, a Rede Cegonha. Brasília (DF): MS; 2011. Essa situação revela-se preocupante, uma vez que o gestor tem papel fundamental na promoção de mudanças institucionais que possam contribuir para a incorporação de práticas assistenciais humanizadas.

IC10 - Falta de apoio e diretrizes institucionais

DSC10 - Eu acho que tem muito a parte [...] da administração do hospital. Porque eles acham que se vai ter um acompanhante, é mais gasto [...]. A gente tem discussões [...] que é um direito [...] mas a gente tem situações em que o convênio não dá o direito. A gente, aqui, trabalha com bastante dificuldade financeira. Então, tudo que gera gasto aqui para nós, o pessoal da administração tenta cortar.

Em alguns serviços, a decisão dos administradores é de não permitir o acompanhante, mesmo diante dos benefícios da sua presença para a parturiente77. Brüggemann OM, Parpinelli MA, Osis MJD. Evidências sobre o suporte durante o trabalho de parto/parto: uma revisão da literatura. Cad Saúde Pública. 2005 Set-Out; 21(2):1316-27. , 99. Hodnett ED, Gates S, Hofmeyr GJ, Sakala C, Weston J. Continuous support for women during childbirth. Cochrane Database of Systematic Reviews [página na internet]. 2012, issue 10 [acesso 2014 Fev 17]. Disponível em: https://childbirthconnection.org/pdfs/CochraneDatabaseSystRev.pdf
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- 1010. Brüggeman OM, Parpinelli MA, Osis MJD, Cecatti JG, Carvalhinho Neto AS. Support to woman by a companion of her choice during childbirth: a randomized controlled trial. Reprod Health [online]. 2007; 4(5):[7 screens]. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1936417/
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e da Lei.1 1. Brasil. Lei n. 11.108. Altera a Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990, para garantir às parturientes o direito à presença de acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS. Diário Oficial da União - 2005; 8 abr.As dificuldades financeiras fazem com que os gestores direcionem o orçamento para o que eles consideram mais prioritário. Assim, o acompanhante não é incluído, mas descartado como algo "dispensável". Há um entendimento equivocado de que alguns convênios de saúde não pagam as despesas do acompanhante e que a mulher não teria garantido seu direito. A Resolução Normativa n. 211 de 201044. Agência Nacional de Saúde Suplementar (BR). Resolução normativa n. 211. Atualiza o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, que constitui a referência básica para cobertura assistencial mínima nos planos privados de assistência à saúde. Diário Oficial da União, Brasília (DF), 2010; 11 jan. é bastante clara ao autorizar a cobrança dos gastos com estada e acomodação, não justificando a decisão institucional de impedir a permanência do acompanhante junto à mulher.

Esses achados demonstram que os gestores dos serviços de saúde nem sempre estão preocupados em aplicar diretrizes das políticas públicas. Por outro lado, não existe uma estratégia de acompanhamento e avaliação pelos órgãos responsáveis, e, ao mesmo tempo, observa-se a falta do controle social para que as mudanças se concretizem.

CONCLUSÃO

Os discursos dos enfermeiros demonstram que, ainda, existem obstáculos para a implementação da Lei do acompanhante em alguns serviços de saúde em Santa Catarina. A limitação desse direito está em dissonância com os princípios que orientam o SUS: equidade, integralidade e universalidade.

As dificuldades estão relacionadas não somente com as decisões dos profissionais sobre a inserção desses novos sujeitos no cenário do nascimento, mas também com a falta de estrutura organizacional da instituição que não se adequou.

A aceitação e inclusão do acompanhante dependem não só de mudanças na atitude dos profissionais, mas também do apoio institucional e de estratégias de gestão, que valorizem a assistência centrada no usuário. Para isso, é importante que os gestores oportunizem espaços para discussão com o corpo assistencial e administrativo da instituição, conhecendo as potencialidades e fragilidades dos recursos disponíveis para a implementação da Lei. O modelo de gestão deve estimular a participação dos profissionais de saúde, para que o planejamento possa incluir estratégias para a resolução das dificuldades que impedem a extensão desse direito a todas as parturientes. Além disso, é importante que os gestores conheçam as políticas públicas referentes à saúde da mulher, busquem recursos e estabeleçam parcerias para a adequação do serviço, e promovam a educação permanente.

É fundamental, também, que os profissionais de saúde, que atuam tanto no âmbito hospitalar como em outros níveis de atenção, conjuguem esforços para a implementação da Lei, empoderando a mulher e a família para que exijam o cumprimento desse direito.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2014

Histórico

  • Recebido
    04 Out 2013
  • Aceito
    03 Abr 2014
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